Em seu livro O que é Religiã,o Rubens Alves nos traz reflexões do que a religião significa através dos tempos ele declara "houve um tempo em que os descrentes, sem amor a deus e sem religião, eram tão raros que os mesmos se espantavam com a sua descrença e a escondia, como se ela fosse uma peste contagiosa". E a proposta do autor é discutir o tema que é o titulo do livro e o faz com questionamentos que ao longo da leitura vamos encontrando as respostas. Declarando que a marca de todas as religiões talvez seja o drama da alma humana, num esforço de pensar a realidade humana de uma maneira que a vida faça sentido.
É argumentado que a marca do saber cientifico é o seu rigoroso ateísmo metodológico e que no mundo sagrado, a experiência religiosa era parte de cada um. Confessar-se religioso equivale a confessar-se como habitante do mundo encantado e mágico do passado. A religião não mudou ficou secularizada e os deuses e esperanças religiosas ganharam novos nomes e novos rótulos, e os seus sacerdotes e profetas novas roupas, novos lugares e novos empregos. A religião esta mais próxima de nossas experiências pessoal do que desejamos admitir, a ciência da religião é também ciência de nós mesma: "sapiência, conhecimento saboroso" palavras de Ludwig Feuerbach.
Ao falar sobre os símbolos da ausência ele faz um paralelo entre o mundo animal e o mundo humano e de como estas teias são traçadas de forma semelhante, destacando que os homens se recusaram a ser aquilo que, à semelhança dos animais, do passado lhe propunha. E tudo o que o homem faz revela um mistério antropológico, os animais sobrevivem pela adaptação, o homem o contrario, parece ser desadaptados ao mundo, o homem é um ser de desejos. É aqui que surge a religião, teia de símbolos, rede de desejos, tendo coisas a serem consideradas: altares, santuários, comidas, perfumes lugares, capelas templos, amuletos, exorcismos, milagres e outras coisas. A religião esta voltada para as experiências pessoais com o encontro com o sagrado a religião nos apresenta com um certo tipo de fala, ai ele se refere à religião como "a mais fantástica e pretensiosa tentativa de transubstanciar a natureza".
O uso de objetos como coisa sagrada é mais uma faceta da religião, os objetivos visíveis adquirem uma dimensão nova, e passam a ser sinas de realidades invisíveis, é aquilo que o discurso religioso pretende fazer com as coisas: transformá-las, de entidades brutas e vazias, em portadoras de sentido. A religião é construída pelos símbolos que os homem usam. Mas os homens são diferentes. E seus mundos sagrados. Não importam os fatos e as presenças que os sentidos podem agarrar e sim os objetos que a fantasia e a imaginação podem construir, concluindo que as entidades religiosas são imaginarias. A religião feita de símbolos e sinais que dão sentido de um senso de ordem interna, integração, unidade, direção se sentem efetivamente mais forte para viver.
O autor descreve a religião como rede de símbolos, e que no processo histórico recebemos uma herança que parte de duas vertentes: os hebreus e os cristãos e do outro as tradições culturais dos gregos e dos romanos. E isto gerou visões distintas, que se transformaram mutuamente dando origem ao período denominado idade media. Para os medievais não havia fantasia alguma. Seu mundo era sólido, constituído por fatos, comprovados por inúmeras evidencias e alem de quaisquer duvidas. Poucos foram os que duvidaram. Aqueles que duvidam ou propõem novos sistemas de idéias, ou são loucos ou são ignorantes, ou são iconoclastas irreverentes. O homem medieval desejava contemplar e compreender, sua atitude era passiva, receptiva.
É necessário reconhecer que a religião representava o passado, a tradição. Tratava-se de uma forma de conhecimento surgido em meio a uma organização social política derrotada. Na antiguidade a religião estava muito ligada com o relacionamento do dominado e do dominador, e que a historia só contava os fatos dos vencedores, não havia relatos dos vencidos tinha muito a ver com a lealdade das pessoas envolvidas. A ciência por sua vez era subvencionada adaptada a á lógica do mundo burguês. O sucesso da ciência foi total impondo a conclusão a ciência esta do lado da verdade e o discurso religioso enunciado de falsidade, discurso destituído de sentido.
A religião feita de símbolos tem seus significados, palavras e coisas que tinham um objetivo não só de dizer algo, mas de construir algo. A ciência na idade media olhava para o universo e pensava que ele era um conjunto de coisas que significavam outras. Os filósofos buscavam mensagens nos céus, mas a ciência não saiu do seu impasse enquanto não reconheceu que as estrelas e planetas são coisas, nada significam. Se a religião é um fato, os julgamentos de verdade e de falsidade não podem ser a ela aplicados. A religião é uma instituição e nenhuma instituição pode ser edificada sobre o erro ou uma mentira. Sagrado e profano não são propriedades das coisas. Eles se estabelecem pelas atitudes dos homens perante as coisas, espaços, tempos, pessoas, ações.
Num mundo utilitário não existe coisa alguma permanente. Tudo se torna descartável. De fato o circulo do profano e econômico se superpõem. O que é útil é abandonado, é o individuo que julga da utilidade ou não de uma determinada coisa. Ninguém tem nada a ver com as suas ações, na medida em que avança o mundo profano e secular, assim avança também o individualismo e o utilitarismo. No circulo sagrado tudo se transforma. No âmbito secular o individuo era dono das coisas, o centro do mundo. Agora, ao contrario, são as coisas que possuem.
O sagrado é o criador, a origem da vida, a fonte da força. O homem não mais é o centro do mundo, nem a origem das decisões, nem dono do seu nariz. De fato a transgressão do critério da utilidade é uma das marcas do circulo do sagrado. O individuo toma a decisão, a sociedade vem depois. O individuo no centro, a sociedade como sistema gira ao seu redor. O problema está em que à vida social, ta como a conhecemos, não se enquadra neste jogo secular utilitário. Por quê? Porque não. Por razoes morais, sem justificativas utilitárias. Mesmo quando as fazemos, sem sermos apanhados, há uma voz, um sentimento de culpa, a consciência, que nos diz que algo sagrado foi violentado. O sagrado é o centro do mundo, a origem da ordem, a fonte das normas a garantia da harmonia. Citando Feurbach ele diz "a religião é o solene desvelar dos tesouros ocultos do homem, a revelação dos seus pensamentos mais íntimos, a confissão pública dos seus segredos de amor". Diz o autor "Deus é a mais alta subjetividade do homem... este é o mistério da religião: o homem projeta o seu ser na objetividade e então se transforma a si mesmo num objeto em face de imagem, assim convertida em sujeito".
O mundo do sagrado não é uma realidade do lado de lá, mas a transfiguração daquilo que existe do lado de cá. Espelho, a linguagem religiosa é um espelho em que se reflete aquilo que mais amamos. O que a religião afirma é a divindade do homem, o caráter sagrado dos seus valores, o absoluto de seu corpo, a bondade de viver, ouvir cheirar e ver.
Falando do Deus dos oprimidos o autor fala do ministério dos profetas onde as pessoas pensam que profetas são videntes dotados de poderes especiais para prever o futuro nada mais distante da vocação do profeta hebreu, que se dedicava a denunciar as coisas do presente, eram ataques as praticas religiosas dominantes em seus dias, patrocinadas e celebradas pela classe sacerdotal. Em suas bocas tais palavras tinham um sentido e social que todos entendiam. Instaurou-se um novo tipo de religião, de natureza e política, e que entendiam as relações dos homens com Deus têm de passar pelas relações dos homens, uns com os outros.
As autoridades, por razoes óbvias, os detestavam, acusando-os de traidores, os profetas confrontavam-se com os representantes da religião oficial, do outro. Os profetas viviam em oposição a esta falsa religião que sacralizava o presente eles teceram, a ambivalência da religião: ela se presta a objetivos opostos, tudo dependendo daqueles que manipula os símbolos sagrados. Ela pode ser usada para iluminar ou para cegar. Religião nada mais é que alienação, narcóticos ilusão uma serie de coincidência permitiu que se reconstruísse a visão profética da religião como instrumento de libertação dos oprimidos, daí dois fatores foram importantes: o desenvolvimento da ciência histórica, que tornou possível a recuperação dos fragmentos do passado e o desenvolvimento da arte de interpretação que permitia vislumbrar, através do discurso, a verdade acerca dos vencidos.
Na verdade toda sociedade tem uma classe dominante e uma classe dominada, necessariamente, é que os sonhos dos poderosos têm de ser diferentes dos sonhos dos oprimidos. E também suas religiões. Os poderosos moram em oásis, perpetua o presente pelo uso da força, também é necessário que dominadores e dominados aceitem tal situação como legitima. Riqueza pela vontade de Deus, pobreza pela vontade de Deus. Tudo se reveste com a aura sagrada, e sabemos que coisas sagradas são intocáveis. Com os dominados é diferente, não há oásis só o deserto, sua condição é de humilhação, os fracos exigem a mudança, se não com sua voz, por medo, pelo menos em seus sonhos. Assim a religião se apresenta na sua ambivalência política: os sonhos dos poderosos eternizam o presente e exorcizam um futuro novo; os sonhos dos oprimidos exigem a dissolução do presente para que o futuro seja a realização do Reino de Deus, não importa o nome que se lhe dê.
A religião dos pobres se parece com a religião dos profetas. Parece que eles se sentem mais à vontade na companhia do mágico, do curandeiro, do milagreiro, tratando de resolver os problemas do seu dia-a-dia sem muita esperança, sabendo que as coisas são o que são pelos decretos insondáveis da vontade de Deus, sendo mais garantido acreditar que os pobres herdarão a terra. E aqui voltamos à sociologia do conhecimento. Não será a sua falta de poder que os leva a empurrar suas esperanças para o outro mundo? Se isto for verdade declara o autor, o que se poderia esperar de uma situação em que os pobres e oprimidos descobrem a sua força.
No ultimo capitulo o autor afirma ter convocado e ouvido testemunhas: psicólogos, filósofos, cientistas sociais. Uns ao lado da acusação, nos asseguram que a religião é uma louca que balbucia coisas sem nexo, distribuindo ilusões, fazendo alianças com os poderosos narcotizando os pobres. Do outro os que saem em defesa da religião afirmando que sem ela o mundo humano não pode de existir e que, quando deciframos os seus símbolos, contemplamos-nos como num espelho. Os cientistas prestam atenção, sem acreditar, escutam e anotam convencidos de que os homens não sabem sobre o que estão falando. Serão eles os cientistas, que retirarão do senso comum à verdade que somente a ciência tem acesso. Todas as ciências, sem exceção, são obrigadas e não homens de ciência. A ciência empalhou a religião, tirando dela as verdades muito diferentes daquelas que a própria religião viva cantava. Nos colocando num mundo glacial e mecânico, matematicamente preciso e tecnicamente manipulável, mas vazio de significações humanas e indiferentes ao nosso amor.
O sentido da vida é algo que se experimenta emocionalmente, sem que saiba explicar ou justificar, não é algo que se construa, mas algo que nos ocorre de forma inesperada. Se a pretensão da religião terminasse aqui estaria tudo tranqüilo, porque não há leis que nos proíbam de sentir o que quisermos. O escândalo começa quando a religião ousa transformar tal sentimento, interior e subjetivo, numa hipótese a cerca do universo. Nossos julgamentos éticos não descansam apenas em nossos sentimentos, assim que a vida tem sentido é proclamar que o universo é nosso irmão, nossos sentimentos são expressões da realidade. E é esta realidade, ancora de sentimentos, que recebe o nome de Deus. A religião cuidou, com carinho especial, de erigir casas aos deuses e casas para os mortos, templos e sepulcros.
Conclusão: o livro nos dá uma resposta muito clara do que é religião e do seu papel na sociedade e na vida da humanidade, e de quanto a religião foi usada para usufruir poder e foi usada para manipulação e exploração por parte da classe dominante, dos clérigos e dos sacerdotes. Mostrando que o papel do profeta era de denunciar o presente e não anunciar as coisas futuras. Que a ciência muita das vezes tentou contestar a religião, mas a religião tem o seu lugar ainda na sociedade, apesar de que a religião mudou muito no decorrer dos tempos, onde as coisas, objetos, os mitos e os ritos têm sido substituídos pela experiência, tornando assim a religião uma tanto subjetiva.
O livro cumpre o papel a que se propõe uma linguagem fácil de entendimento, referencias de outros autores que enriquecem ainda mais o livro, alem das sugestões de leitura no final do mesmo para quem se interessar por mais profundidade do assunto. Indicado para todos aqueles que desejam saber mais sobre o que é religião.

Referencia: O que é religião?
Rubem Alves
Ed. Loyola