O QUE É PERSONALIDADE MÚLTIPLA

Quando um rádio receptor está mal sintonizado com uma estação transmissora, ele acaba irradiando várias estações ao mesmo tempo, mas, só o dono do rádio (aquele que o ouve naquele momento) percebe isso. As estações de rádio não têm ciência uma da outra, naquele instante. O dono do rádio pode, então, rodar o dial e sintonizar claramente uma estação ou outra.

Todo rádio receptor para uso comum é construído para “ter múltiplas personalidades”. Assim, o dono do rádio pode escolher com qual ficar, aquela com a qual ele vai se sentir bem, com a qual ele vai interagir de uma maneira particular sua.

Uma condição semelhante à do rádio receptor acontece com os humanos. A essa condição, a Medicina dá o nome de Distúrbio Dissociativo de Identidade (DID). É o que ocorre quando o dono do rádio muda de estação: uma identidade desaparece (é dissociada do rádio) e outra identidade aparece (é associada ao rádio). O ato de rodar o dial é o distúrbio.

Diferentemente do rádio, quando há uma má sintonia, não aparecem identidades simultâneas (pelo menos, assim parece – teríamos que estar na cabeça do “doente” para saber), mas, uma outra diferença importante surge: as estações têm ciência uma da outra, ou seja, as personalidades múltiplas travam até conversações umas com as outras. Depois do “ataque”, a personalidade principal (?), aquela que fica normalmente (!) no comando do corpo e das interações sociais não se lembra de ter se dissociado, de ter perdido o comando.

A dissociação de identidade é tão comum como o ato de girar o dial de um rádio. Na verdade, estamos sempre rodando o nosso dial, com a diferença que ficamos no controle do botão, a menos que nos entretenhamos com a recepção que, de repente, nos transformamos nela, ou ela toma conta de nós.

O exemplo mais claro é a dissociação constante que existe entre você e o teu corpo. Você o vê separado de você. Você sente essa separação. Tanto que, se você fechar os olhos, continua se percebendo, mas não percebe mais o corpo. Você sente que pode ser, mesmo se estivesse sem corpo. Este sentimento é extremamente forte.

Você tem, no mínimo, duas personalidades: você e teu corpo. Você olha para ele e pensa: será que esse corpo pensa em mim? Você calcula que não, apesar dele estar ali, te fitando; às vezes, até, sorrindo para você. Às vezes, você até conversa com a imagem de teu corpo refletida em um espelho.

Você está tão acostumado a ver as demais pessoas que, quando se vê num espelho, se vê como se fosse outro ser. O sentimento de separação fica bastante forte.

Como você se sentiria se, ao abrir os olhos diante do espelho visse um corpo totalmente diferente do que você viu antes de fechar os olhos? Quem é você, este ou o anterior? Você ainda se sentiria você, mas, continuaria se sentindo separado daquele corpo. Ele te olha, repete todos os teus gestos, mas, ainda assim, parece te ignorar.

Mas, acho que você tem três personalidades e não duas. Nas imagens anteriores tem você, tem teu corpo e tem uma terceira personalidade que montou e vê a imagem anterior com você e teu corpo. Sim, você percebe o teu corpo e te percebe separado dele. Ora, quem te percebe separado dele? Esse que te percebe é você mesmo ou não é? Se ele é você mesmo, então você fala consigo mesmo. Para você falar consigo mesmo você tem que se bipartir. Mas, se você se biparte e fala consigo mesmo e percebe isso, então tem mais uma “pessoa” observando isso! Então, são 3 personalidades mais a personalidade do corpo. Isso dá 4 !!! E o pior: você percebe que tem uma terceira pessoa observando as bipartidas: 5! E percebe que alguém percebeu quem percebia aquele que percebia as bipartidas. Não tem fim. Múltiplas personalidades!!!

A questão é: quem está no controle? O corpo, claramente, não está. Seria a pessoa que diz para si mesma: “estou me sentindo um lixo hoje”? Não. Quem está no controle é o somatório, a mescla de todas as personalidades.

O problema é que, por algum motivo ainda desconhecido, uma das várias personalidades que cada um tem acaba se sobressaindo. Quando essa tomada de controle fica variando entre personalidades que se sobressaem fortemente, a pessoa é tachada de doente, é diagnosticada com DID. Quando apenas uma se sobressai fortemente, durante toda a vida da pessoa, ela é tachada de normal e é conhecida por um nome, pelo menos pelas outras pessoas que a conhecem. O que vai na cabeça da própria pessoa só é descoberto quando se consegue interagir com ela num nível necessário para se descobrir a “verdade”.

Ninguém é e nem pode ser cem por cento si mesmo. É impossível. Por outro lado, ninguém pode ficar alternando entre suas diversas personalidades, pois muitas delas são antagônicas entre si, o que pode causar prejuízo para aquilo que sustenta todas elas: o corpo. É ele que sofre todas as sacudidas causadas pelas várias personalidades, mesmo que atuem em níveis baixíssimos. Da mesma maneira, ele sofreria se houvesse uma personalidade dominante cem por cento do tempo de sua vida. O corpo perderia sua flexibilidade para mudar, e ele precisa mudar, pois o ambiente em que ele vive, seja físico ou psicológico, está em constante mudança. Assim, ele deve e tem que estar em constante mudança.

Personalidade múltipla não é uma doença. Como tudo na vida, ela se torna uma doença ou um veneno quando ocorre um excesso.

Brasilio/junho-2009.