O QUE É O EU? UMA EVIDÊNCIA BANAL, DESDE QUE ALGUÉM DIGA "EU", E DESDE QUE TODAS AS LÍNGUAS TENHAM ESTA PRIMEIRA PESSOA DO SINGULAR? OU UMA EVIDÊNCIA REFLEXIVA COMO NO CARTESIANISMO? 
 

Decidi desentranhar a pergunta acima que encetara no facebook com meus habituais interlocutores, e obviamente é de todo, uma pergunta que evoca um assunto com longa e forte tradição e herança filosófica, por isso deixaria meus interlocutores em companhia  dos seguintes gigantes: Freud, Descartes e Edgar Morin que despertou meu interesse. Ora, trata-se do mistério do EU, uma confusão continua, uma banalidade à desbanalizar, como diz o filósofo  o brasileiro Paulo Ghiraldelli Jr. 


Concordo com um amigo que durante minhas perguntas inicias acreditou que eu estivera apelando à autores que se embatem entre si no assunto, pois bem, a ideia é mesmo não fazer passar ou tomar partido a alguma referencia, daí a "miscigenação" teórica, aliás, como podem calcular, meu longo convívio com  Edgar Morin reputou-me uma certa inteligência complexa, de tal maneira que não busco ajudar nehim  Descartes nehim Freud, e néihm eu mesmo.

O QUE É O EU?
Uma definição necessária e com dois ângulos. O primeiro ângulo é o da banalidade.  Um pronome pessoal na primeira "pessoa" do singular, que todas as línguas têm. Por exemplo: (Eu) Ego, I, أنا, Je, Amé, etc, esse eu ocupa e se realiza numa res extensa concreta que toda pessoa que diga eu a possuí, então o eu é mesmo banal, até os nojentos, os idiotas, os fascistas, os nazistas e ditadores recentes possuem um eu, mas sobre este eu, infelizmente, nenhum outro, mesmo que podido, devia ou deve afirmar-se em seu lugar, repito para sublinhar,  ninguém pode dizer eu em lugar do outro eu. Recordo ainda os tempos de catecismo cristão, quando íamos pra capela, recordo aquela dureza e tom áspero do catequista quando alguém com sua benevolência respondia  pelo amigo que estivesse ausente, depois seguiu as chamadas e respostas segundo um número especifico no ensino fundamental, portanto, digo de passagem que apreendi a não responder pelo outro muito cedo. 
 Hoje, mesmo entre os chamados gémeos verdadeiros não pode haver ou se fazer trocas, empréstimos de eu(s), rs rs rs. Vou ainda prolongar e extrapolar a ideia  buscando meu principal pesadelo, -o ditador- o ditador que o destino estabeleceu p'ra minha "grande e cobiçada casa", vai fazendo apenas um jogo que chamo de "política do self deception", porém, ele não se supera porque se auto-referencia, pensa ser uma coisa auto-organizada, objecto não trivial como diz Morin, um eu que se basta a si mesmo, como aquelas substâncias que se convencionou chamar de gases nobre, inertes. 
Então, o eu na verdade, é uma grande confusão psíquica, nojento através de alguns casos da história da evolução das sociedades, e desta feita uma banalidade à ser desbanalizado. 
A desbanalização do eu conduz ao segundo ângulo da definição que proponho, o eu da reflexibilidade, um raciocínio que nos foi dada a conhecer por Descartes. "Duvido de tudo, do que vejo, do que sinto, dos outros, inclusive das partes somáticas que me constituem, mas não posso duvidar do meu pensamento, porque para duvidar do meu pensamento precisarei estar pensando, logo "cogito ergo sun", se penso-existo, então sou sujeito, existo na "primeira pessoa"- Ora, esta concepção, passada a vista grossa, pareci mitigar o problema, quando na verdade é muito ilusório, calculadamente perigosa, porque forja um tipo de racionalidade absoluta, uma subjectividade intrinsecamente egocêntrica, e subjectividade absoluta e egocêntrica gera sociedades de idiotas, de a-políticos, de a-sociais, de selvageria e grosserias pois, relações de poder nunca faltaram entre as pessoas. Então,  terminar o texto por aqui seria como que estar consentindo a autoridade ideológica de Descartes, e eu prometi não professar e tomar partido a nenhuma das forças. 

Com os textos de Edgar Morin, percebi que identidade do eu, do sujeito, tem alguns princípios que importa trazer para cá. 

Trata-se do principio da autonomia (uma vez já escreve ou talvés comentei sobre a diferença entre autonomia e liberdade, deixei claro que o conceito de liberdade não se aplica radicalmente aos homens em sociedade, somente os animais inferiores dão sinais vitais livremente,  somente as aves voam livremente e somente as plantas crescem livremente, portanto, entendo a liberdade como sendo um conceito que esta mais para a animalidade do homem...). Mas autonomia de que falo não pode estar absolutamente emancipada da dependência do meio, de outrem. No desdobramento desse principio decorre um tipo de causalidade que Edgar Morin chama de Causalidade circular ou retroactiva 

Principio da individualidade, é um principio biológico que mas do que ser antagónico é complementar a a essência da espécie, ambos dão conta da mesma realidade, portanto essa clareza pode ser aplicada a relação indivíduo/sociedade. O indivíduo, no sentido de eu reflexivo  puramente acabado, constroi a sociedade e é simultaneamente construido pela sociedade. E a causalidade aqui é do tipo recursivo, diz Morin. 

Principio da exclusividade versus inclusividade. Com este principio, e a partir do momento em que se dá o segundo nascimento do homem - nascimento da condição humana- já ninguém pode dizer eu em lugar de seu eu, o eu é único para cada um, o eu é absolutamente exclusivo, mas qualquer pessoas diz eu, por isso é que afirmei ser uma banalidade, corriqueiro. Mas agora uma a pergunta é incontornável: 
O que é um eu ideal e real, verdadeiro e autentico? 
É claro que podemos tranquilamente nos polarizar, uns vão dizer que o autentico e verdadeiro eu esta oculto,  instável, incomunicável, vergonhoso na relação com outros eu(s), com o super-ego, e incapaz de incluir o outros e que salta simplesmente sobre o seu si. Outros vão dizer que o verdadeiro eu esta fora de si mesmo, mas dialogando com outros eu(s). Ora, na minha visão de complexo, a primeira concepção de eu que se apresenta, desenhada sem grandes preocupações, pontualidades e padrões de índole psicopatológico, quer dizer, não havendo diagnósticos sobre possíveis transtornos no eu, (que seria um caso isolado, pra clinica)  é a mais perigosa de todas em termos de construção de humanidade, vai além do egoísmo, narcisismo de extremo. A segunda visão, também concluído que não há possíveis " sociopatias" é também um risco acrescentado a humanidade, e não me parece ser possível um eu plantear humanidade quando este tenha se abandonado, aliás, o ego é algo com o qual nascemos, e vivemos com ele para toda vida, por isso tal suposto abandono do ego (eu) é um mero self deception, uma mentira social como dizia meu professor de filosofia da educação. Entendo que o verdadeiro eu coabita com os outros eu(s), os outros eu(s) são reconhecidos, incluídos, é normal que o eu seje por identidade confuso, é ali onde estamos, na confusão, nos desejos, lembro agora o que diz o filosofo Mario Sérgio Cortella: " Tem coisas que quero mas não posso, tem coisas que posso mas não devo, tem coisas que devo mas não quero", pois é, vivemos entre desejos e interditos, (Mal estar na civilização-Freud), o sujeito oscila entre o egocentrismo absoluto e o devotamento absoluto, mas o eu é mesmo misterioso, precisamos incluir o outro para comunicar nossa incomunicabilidade, é assim que nos superamos...