Análise do aspecto Intertextual do autor Monteiro Lobato

 

I - INTRODUÇÃO

            Este trabalho tem como finalidade ampliar os conhecimentos sobre o tema que será discorrido neste estudo (a intertextualidade) e assim descobrir a beleza contida nas obras de Literatura Infanto-Juvenil, especialmente em Monteiro Lobato.

            Quando falarmos na arte de Monteiro Lobato em intertextualizar a literatura infantil brasileira, estaremos falando em arte sobre arte. A intertextualidade em si é o dom do autor de um texto saber ver num texto anterior, as entrelinhas que os conduzirão a um novo ideal. E assim, ele recria a arte primária.

            É o que o nosso escritor José Bento Monteiro Lobato faz ao escrever literaturas para crianças. Sendo conhecedor da literatura infantil francesa, sente necessidade de criar histórias para as crianças brasileiras, ou seja, para as crianças do seu país, e assim reinventou um mundo; um mundo novo, um mundo brasileiro, um mundo encantado e encantador, que levam as crianças a sentirem-se as próprias moradoras desse mundo.

            Estudiosos afirmam que a arte literária é a maior das artes, pois é arte em que, através da palavra escrita, o artista faz o leitor viver o que ele sente.

            E é nessa bela que adentraremos e encontraremos a grandeza dessa parte da literatura, que é a literatura infantil, a qual, através de escritores sensíveis e grandiosos, assim como Monteiro Lobato, transporta esses incríveis pequenos seres, a época, lugares e prazeres de conhecerem mundos maravilhosos.

            A obra O Sítio do Picapau Amarelo do autor Monteiro Lobato é visto como um reino de liberdade. Lá todos os seus personagens tem o direito de ser, fazer, pensar e agir. É um lugar descrito como um reino de encantamento no qual mistura-se realidade e fantasia.

            Lobato procura passar ao leitor, além de suas criações nacionalistas, conhecimentos sobre as criações estrangeiras do mundo maravilhosos e assim recria um novo enredo, em um novo espaço e com novas aventuras.

              PRESSUPOSTOS TEÓRICO-CRÍTICOS SOBRE O TEMA

 

1 LITERATURA INFANTIL

            Em estudos feitos à procura de um conceito formado sobre literatura infantil, detectou-se que não existem conceitos determinados para esse ramo da literatura, pois estudiosos afirmam que a conceituação de literatura infantil varia muito no tempo e no espaço, tendo em vista que a literatura é produzida de acordo com a necessidade da época em vigência. Sendo assim, a cada um desses momentos, a literatura é formulada, atendendo parcialmente a aspectos formadores histórica, social, moral e intelectualmente, pois esta finca-se na singularidade de cada momento, ao longo da evolução da humanidade.

            De maneira geral, literatura infantil, são todas as histórias destinadas às crianças, tanto contadas oralmente quanto escritas.

1.1 Origem da Literatura Infantil

            As pesquisas feitas a respeito indicam-nos que a literatura infantil tenha se originado nos contos populares, no folclore e nas crenças de um povo.

            A literatura infantil originou-se nos contos populares, que eram carregados de mágica e do elemento maravilhoso. Porém, essa antiga literatura era destinada aos adultos e nesse contexto a criança era considerada um adulto em potencial; devia ser preparada para tingir de maneira exaustiva, seu pensamento adulto e racional e assim, servindo de instrumento cultural e moralizante a esses pequenos seres, a literatura popular era adaptada em livros, carregada de advertência com ditos populares e provérbios.

            Sendo a literatura infantil baseada nesse contexto histórico, consolida-se em fins do século XVII, com o francês Charles Perrault adaptou seus contos clássicos de fontes populares. O trabalho de Perrault tinha por fim o entretenimento e a educação de seus filhos. Registram-se como seus primeiros trabalhos, os contos para crianças História ou contos do tempo passado e contos da carochinha, que forma traduzidos em vários idiomas e se espalham pelo universo maravilhoso das crianças. Nascem daí: O Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida no Bosque e outros que tornaram Perrault não só criador, mas também escritor.

            Quanto ao livro de literatura infantil registra-se que surgiu com Fénelon, na França. Outros pesquisadores dizem que o primeiro livro infantil surgiu em 1774, na Inglaterra.

1.1.2 Função da Literatura Infantil

            Com Charles Perrault, a literatura infantil ganhou nova dimensão, pois foi quando alguém interessou-se em escrever obras direcionadas às crianças, isto é, de maneira originalmente infantil.

            Torna-se cada vez mais consistente a afirmação de que a literatura infantil, apesar de ter como função primeira formar personalidade do indivíduo, tem seu valor literário muito ligado ao valor pedagógico, pois a escola, nos últimos tempos, a tem colocado como fator maior para despertar o gosto pela leitura.

            A literatura infantil é então necessária na influência na formação de personalidade do “eu”. Há comprovações que crianças que lêem contos fantásticos, tornam-se pessoas independentes e capazes de conhecer o bem e o mal. É nesse contexto que as crianças encontram o que mas elas procuram: o desejo de liberdade. E só na literatura ela pode encontrar essa libertação, atribuindo-lhe as aventuras dos personagens, em convivência: A confiança que a criança deposita no conto de fadas é atribuída ao fato de que a visão de mundo que lhe é apresentada está de acordo com a dela. (Arroyo, 1990, p. 204).

 

1.1. 3 Características da Literatura Infantil

            Estudiosos afirmam que, por ser necessário uma diferenciação das outras obras literárias, a obra literária infantil não precisa e nem deve ser um texto pueril, pois a criança na sua perspicácia é capaz de reconhecer seu valor e então acertá-la ou rejeitá-la, conforme esta venha a despertar-lhe o interesse.

            Maria Antonieta Antunes Cunha diz: O autor que usa puerilidade, pensando só assim ser entendido pela infância, esquece-se de que ela pode não usar determinadas construções, mas é perfeitamente capaz de compreendê-las. (1985, p.22).

            Desta forma percebemos que o escritor de uma obra literária infantil deve despir-se de linguagem eloqüente e de construção requintadas e que para ser uma boa literatura deve-se trabalhar de maneira simples, fácil e rica em magia para nela a criança viver o maravilhoso, sem com isso cair numa linguagem estritamente infantil.

1.2 INTERTEXTUALIDADE

            A intertextualidade se faz presente em todos os momentos da vida, já que todo texto lembra um texto anterior.

            Os estudos feitos sobre este tema tem nos apontado que a intertextualidade é um exercício natural, tendo em vista que todo texto só existe se também existir um conhecimento de mundo de ambas as partes de usuários do texto (produtor e receptor); esse conhecimento de mundo induz o produtor a repassá-lo de forma ampliada, recriada, porém com dados comuns, o que leva o receptor a receber bem a mensagem contida no texto.

            Segundo Paulo Savioli e Luiz Fiorin (1992, p. 11), se o novo texto tem por base um texto científico e este também é do mesmo caráter, geralmente aquele é citado de maneira “explícita”, ou seja, passagens vêm entre aspas e indica-se também o nome do autor. Porém se é um texto poético ou histórico, a citação de outros textos é “implícita”, pois o autor o faz de maneira recriada e pressupondo que o leitor seja conhecedor do mesmo universo de informações culturais, no qual ele inspirou-se.

            O estudo da intertextualidade já é conhecido desde a antiguidade helênica, pois é com Platão e Aristóteles que encontramos as primeiras preocupações em definir o que é uma criação poética.

            É palpável o conceito de intertextualidade e fascinante a observância desse fato intrínseco à nossa vivência, pois como afirmam os estudiosos, é lendo que se chega a um conhecimento de mundo; que se descobre e que se tem consciência de que todas as criações são recriadas, mesmo quando a recriação distorce o sentido que o criador quis dar à sua criatura.

            Uma forma de intertextualidade, na qual um texto é feito declaradamente com outros textos é a “paráfrase”, que não segue só partes, mas toda a estrutura e até o conteúdo temático de um texto que já seja conhecido. Um outro limite é o “Prefácio”, que é também um discurso paralelo, o qual pode ser feito pelo próprio autor, assim como por um outro. Temos ainda, o “manifesto” que é um texto programático.

            Sendo o leitor um observador atento perceberá que já comentamos alguns limites da intertextualidade e que todas, nas suas singularidade, são necessárias no nosso cotidiano, ocupando cada um o seu espaço, no seu tempo e nos passando a mensagem ensejada pelo seu criador.

            Assim, falaremos dos limites traçados por Gilberto Mendonça Teles (1979, p. 15), pois esse será o limite enfocado no trabalho do escritor Monteiro Lobato no qual está centrada na obra O Picapau Amarelo e que o autor em sua perspicácia o soube trabalhar tão bem! A “Alusão”.

            Alusão é também uma forma de intertextualidade que significa referir-se a outro texto de maneira indireta, mas intencional, o que se pressupõe que o leitor deve ter conhecimento do contexto primeiro, já que o texto alusivo remete somente a partes ou passagens do outro, dando-lhe um sentido contextual maior.

            Vimos que todos os textos que encontramos são fundamentados num texto anterior, que é visto como texto original e o que leva o escritor a recriá-lo é a estilização, pois ele pode engendrar por qualquer dos limites comentados neste tópico.

            Assim, de acordo com os estudos realizados a respeito desse assunto, reforçamos o conceito de intertextualidade como a recriação que o autor faz de um texto em outro.

2 Monteiro Lobato

                                               Você me pede um conselho e atrevidamente eu dou um                                                          grande conselho: seja você mesmo, porque ou somos nós                                                     mesmos ou não somos coisa nenhuma.

                                                                                                                      Monteiro Lobato

            A literatura infantil brasileira precisava ser explorada, pois até 1920, esta originava-se na literatura infantil européia, a qual traduzida e adaptada passava a ser explorada pelas crianças brasileiras, que, como as crianças européias, recebiam-na como fins didáticos e educativo.

            Foi em 1920 que, segundo pesquisadores, apareceu no Brasil um livro de literatura infantil de origem brasileira: criado no Brasil, para as crianças do Brasil, com um enredo puramente brasileiro e de autoria de um brasileiro: José Monteiro Lobato.

            Um fato curioso para muitos estudiosos sobre este grande vulto, é de que o mesmo desde cedo mostrou-se uma pessoa obstinada, que ao se deparar com algo que lhe incomodasse ou impressionasse, lutaria por isso até conseguir seu objetivo.            Foi assim, que aos 11 anos de idade, mudou seu nome de registro de nascimento José Renato Monteiro Lobato para José Bento Monteiro Lobato, e assim ficou com as mesmas iniciais do seu pai, o fazendeiro José Bento Marcondes Lobato, do qual queria herdar a bengala que tanto o fascinava e que tinha as iniciais J.B.M.L.

            Através dos estudos feitos, vê-se também que Monteiro Lobato herdou do avô materno, José Francisco Monteiro (Visconde de Tremembé), além de bens materiais, uma riqueza de espírito, pois seu avô, era um homem bem relacionado e de grande cultura. Tinha traços de generosidade e preocupação com o âmbito social. Assim, também foi Monteiro Lobato, que desde pequeno impressionou-se com os livros existentes na biblioteca do seu avô e ali passava horas a folheá-las.

            Assim cresceu Monteiro Lobato, no seio da família e recebendo uma forte influência por parte de seu avô.

            Quando o avô morreu, Lobato herdou dele o sítio de Taubaté. Hoje sob os cuidados do patrimônio cultural e histórico.

2.1 Levantamento da época

                                               De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem                                                             graça. Mas para as crianças, um livro é todo um mundo.

                                                                                                                      Monteiro Lobato

            Monteiro Lobato nasceu nos fins do século XIX: época em que alguns autores europeus utilizaram seus textos infantis para se opor às tendências autoritárias do processo cultural, e no Brasil, o regime político sofria mudança de governo.

            Surgem alguns escritores preocupados em desenvolver uma literatura política com caráter regionalista e propostas realmente inovadoras. É o Pré-Modernismo, que não chegou a ser considerado uma escola literária, mas foi quando começou a ruptura com o passado, vencendo o academicismo e denunciando a realidade brasileira, é nesse  contexto que vamos encontrar a literatura de Monteiro Lobato.

            Sua literatura começa em 1917/18 com o livro Saci-Pererê. Entre 1918 e 1921, aumenta seu reconhecimento literário com a publicação de seus livros de contos: Urupês, Idéia de Jeca Tatu, Cidades mortas e Negrinha. Em 1921, sai seu primeiro livro para as crianças: A menina do Narizinho Arrebitado.

            Sendo Monteiro Lobato um modernista antecipado ao tempo, seu estilo literário são foge à regra. Limpo de academicismo, de regras convencionais, toda a sua literatura é simples e direta, com linguagem clara, sem rebuscamento e sem muita subjetividade, o que o leva a criticar o romantismo.

            Estudiosos afirmam que a literatura lobatiana impressionava pelo seu estilo simples e objetivo, apesar de um coloquialismo que é apenas aparentemente fácil, mas que acaba atraindo as atenções e produzindo afetos positivos e formadores nos cidadãos.

            Não podemos deixar de mostrar que também se faz presente na obra infantil de Monteiro Lobato, o individualismo. Esse individualismo aparece em sua obra na desobediência das crianças, só que esses trações Lobato trabalha de maneira positiva.

3.0 Por que Monteiro Lobato optou pela intertextualidade

 

            De acordo com o estudo feito sobre intertextualidade, vimos que: Intertextualidade é todo texto baseado em um texto anterior e que tudo existente neste mundo é intertextualidade, portanto, faz-se necessário adicionarmos: Por que Monteiro Lobato optou pela intertextualidade na literatura infantil brasileira?

            Inconformado com a situação vigente em sua época, Lobato encontra, na arte de escrever, um meio de criticar ou cobrar o sistema e as pessoas querendo assim mudar para melhor a situação brasileira. Décadas se passaram, e Lobato conseguiu somente o reconhecimento de ser um bom escritor. Diante de tantas tentativas e conseqüentemente, tantos fracassos, Lobato resolve mudar sua linha literária: escrevia para adultos, passa então a escrever para crianças.

            Mas o fato não se dá assim, aleatoriamente. Em carta a seu amigo Godofredo Rangel, Lobato fala de andar observando as leituras para crianças e que acha que as crianças brasileiras, que até então só liam histórias importadas da Europa, precisavam de coisa melhor; é dessa necessidade das crianças que nasce a idéia de um mundo maravilhosos dentro do Brasil, na cabeça de Lobato. Nas CE o Sítio do Picapau Amarelo.

            O porquê da intertextualidade está em tudo: Nas histórias que o autor leu quando criança...

                                               ... o meu caminho é esse --- e é o caminho da salvação. Estou                                                            condenado a ser Anderson desta terra --- talvez da América Latina                                           (...) E isso não deixa de me assustar. (Lobato, apud Coelho, 1984, p.                                     722).

            E na preocupação em tornar nacional o cenário, a linguagem e os personagens para que nossas crianças tivesse realmente o que ler:

                                               Ando com várias idéias. Uma: vestir à nacional as velhas fábulas de                                        Esopo e La Fontaine, tudo em prosa e mexendo nas moralidades.                                          Coisa para crianças. (...) Um fabulário nosso, com bichos daqui em                                                vez dos exóticos, que conheço; em geral, traduções de La Fontaine                                             são pequenas moitas de amora do mato --- espinhentas e                                                       impenetráveis. Que é que as nossas crianças podem ler? Não vejo                                          nada. Fábulas assim seriam um começo da literatura que nos                                                  falta...(id.ibid).

            Após tantas comprovações, torna-se impossível a persistência do leitor em saber por que Lobato optou pela inetrtextualidade na literatura infantil brasileira, e nos é conveniente enfatizar que o autor do Sítio do Picapau Amarelo, segundo os críticos de sua obra, parece ter explorado a intertextualidade tão bem, em seu mundo fictício, porque acreditou que se investindo nas crianças se colhe uma boa safra de adultos.

            Assim, Lobato intertextualizou o Brasil e o Exterior (Estados Unidos, Grécia e o Oriente); o País das Maravilhas, (fábulas européias, gregas e orientais) e formou um espaço mágico em terreno brasileiro. Um espaço onde se encontrou o real e o imaginário, e daí nasceu um mundo maravilhoso. Um pequeno mundo, mas, um microcosmo, feito à imagem e semelhança do macrocosmo que é o nosso mundo. (Coelho, 1984, p. 733).

 

REFERÊNCIAS

ARROYO, Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1990.

CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil – Teoria e Prática. São Paulo: Ática: 1985.

FIORIN, José Luiz, SAVIOLI, Francisco Platão. Para entender o texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 1992.

TELES, Gilberto Mendonça. A Retórica do Silêncio: Teoria e prática do texto literário. São Paulo: Cultrix; Brasília: INL, 1979.