O que é ciência afinal?

Durante muito tempo o homem iniciou uma jornada em busca do conhecimento para buscar possíveis respostas a certas questões referentes a problemas do seu dia-a-dia. Algumas destas respostas eram, muitas vezes, explicadas de forma mística à medida que utilizavam a mitologia para explica-las. Quando o homem passou a questionar estas respostas e a buscar explicações mais plausíveis, por meio da razão, excluindo suas emoções e suas crenças religiosas, passou-se a obter respostas mais realistas que, demonstradas, muitas vezes ingenuinamente, se aproximavam mais da realidade das pessoas e por isto, talvez, passaram a ser bem aceitas pela sociedade. Podemos dizer que essa nova forma de pensar do homem foi que criou a possibilidade do surgimento da idéia de ciência e que sua tentativa de explicar os fenômenos, por meio da razão, foi o primeiro passo para se fazer ciência. Mas o que é ciência afinal?

Antes de chegar a alguma concepção sobre o que vem a ser ciência primeiramente analisaremos algumas concepções que possa fornecer dados relevantes para a elaboração de uma definição sobre o que vem a ser ciência. Iniciarei então com a idéia de Rubem Alves que considera a ciência como uma hipertrofia de capacidades que tosos têm e como uma especialização, um refinamento de potenciais comuns a todos na qual sua aprendizagem é um processo de desenvolvimento do senso comum.

A ciência é uma especialização, um refinamento de potenciais comuns a todos. [...] é a hipertrofia de capacidades que todos têm. Isto pode ser bom, mas pode ser muito perigoso. Quanto maior a visão em profundidade, menor a visão em extensão. A tendência da especialização é conhecer cada vez mais de cada vez menos [...] a aprendizagem da ciência é um processo de desenvolvimento progressivo do senso comum. Só podemos ensinar e aprender partindo do senso comum de que o aprendiz dispõe (Rubem: 1981, p. 12).

Entende-se por senso comum o conhecimento adquirido pelas pessoas através do convívio social com outros indivíduos (o senso comum advêm das múltiplas relações entre os familiares, os amigos, na rua e até mesmo na escola) de onde é extraído o conhecimento científico conforme expressa a citação abaixo.

Senso comum é aquilo que não é ciência [...] a ciência é uma metamorfose do senso comum. Sem ele, ela não pode existir. (Rubem: 1981, p. 14)

A diferença entre o senso comum e o conhecimento científico é que o senso comum é formado por sentimentos, desejos e misticismo já, o conhecimento científico, é formado através da razão e de forma metodologicamente rigorosa procurando excluir, do seu contexto, as emoções, as crenças religiosas e os desejos do homem. Isto quer dizer que há uma relação entre estes conhecimentos, pois se pode observar uma continuidade entre o pensamento científico e o senso comum.

Estou tentando mostrar que existe uma continuidade entre o pensamento científico e o senso comum [...].(Rubem: 1981, p. 17).

A comunidade científica pode ter criado a expressão "senso comum" , como uma forma de diferenciar o cientista do cidadão comum, causando uma certa polêmica, mas o que nos interessa é que, atualmente, essa mesma comunidade científica, procura enveredar os caminhos a busca do conhecimento científico para possibilitar um maior avanço da ciência. Isto porque, segundo eles, devemos aprender a inventar soluções novas abrindo portas até então fechadas e a descobrir novas trilhas, devemos procurar a aprender maneiras novas de sobrevivência.

Pessoas que aprendem a inventar soluções novas são aquelas que abrem portas até então fechadas e descobrem novas trilhas. A questão não é saber uma solução já dada, mas ser capaz de aprender maneiras novas de sobreviver (Rubem: 1981, p. 23).

Durante toda a história da humanidade o homem sempre se preocupou em organizar as coisas, seja no trabalho, em casa ou em qualquer outra situação para que se possa fazer as coisas com mais praticidade e qualidade a fim de facilitar nossa vida no dia-a-dia. O mesmo ocorre na ciência, pois os cientistas quando anunciam uma teoria, ele procura mostrar como se processa a ordem das coisas para que se possa formar um modelo representativo da realidade. Esse modelo tem por objetivo a busca de um padrão que possibilite fazer previsões. Isto quer dizer que o homem, através da ciência, busca uma ordem das coisas e que;

A ordem é a primeira inspiração da ciência. Quando um cientista anuncia uma lei ou uma teoria, ela está contando como se processa a ordem, está oferecendo um modelo da ordem. Agora ele poderá prever como a natureza vai se comportar no futuro. É isto que significa testar uma teoria: ver se, no futuro, ela se comporta como o modelo previu. [...] as coisas são nos céus como são no homem. Tudo é um cosmos, ordem [...] (Rubem: 1981, p.27).

Para buscar essa ordem tem-se que observar e criar uma lógica, imaginar uma possível solução para um problema norteador, pois embora a observação ofereça dados para a construção de uma ordem é a imaginação que lapida, dar forma, a uma matéria bruta e uniforme. Analogicamente podemos dizer que;

Sem ordem não há problema a ser resolvido. Porque o problema é exatamente construir uma ordem ainda invisível de uma desordem visível e imediata. [...] a coisa a que os modelos se referem não é dada à observação direta. Eles se referem a uma ordem oculta, invisível. Esta é a razão porque, muito embora a observação ofereça pistas para a sua construção, a imaginação é o artista que dá forma a esta matéria bruta e uniforme. (Rubem: 1981, pp. 28-29).

A busca dessa ordem só pode ocorrer através da inteligência partindo do ponto que se quer chegar para evitarmos erros e tentativas inúteis. Pois,

A inteligência segue o caminho inverso da ação. E é somente isso que a torna inteligência. Começando de onde se deseja chegar, evita-se o comportamento errático e desordenado a que se dá o nome de "tentativa e erro". (Rubem, Alves: 1981, p. 33).

É estranho falar em começar uma busca partindo do final, daquilo que se quer alcançar, principalmente quando se está procurando algo invisível "a ordem". Mas é isso que os cientistas fazem para poderem comprovar ou negar suas teorias, buscam o invisível.

Nós olhamos não para as coisas que são vistas, mas para as coisas que não são vistas. Porque as coisas que são vistas são transitórias, mas as coisas que não são vistas são eternas [...] a ciência se inicia com problemas [...] seu objetivo é descobrir uma ordem invisível que transforme os fatos de enigma em conhecimento. [...] os cientistas só buscam os fatos que são decisivos para a confirmação ou negação de suas teorias (Rubem, Alves: 1981, pp. 39-42).

Partindo da concepção que os cientistas só buscam fatos decisivos para a confirmação ou negação de suas teorias também é necessário saber que só os resultados destas teorias é que permite julgar se a elaboração dos conhecimentos produzidos segue ou não a via segura da ciência como ocorreu com a lógica, a matemática e a física, por exemplo. Pois, o que há de razão nas ciências é algo que é conhecido como a priori. É desse algo que possibilita a razão se referir ao seu objeto de estudo através da determinação deste e do seu conceito ou então pela sua realização. Esse termo a priori corresponde a aquele conhecimento que já possuímos sem tê-lo visto e representado, pois ele existe apenas na mente, abstratamente que, torna possível, antes da realização de um experimento, já existir um plano, uma razão de realizá-lo e, conseqüentemente, uma teoria.

Compreenderam que a razão só entende aquilo que produz segundo os seus próprios planos; que ela tem que tomar a dianteira com princípios, que determinam nos seus juízos segundo leis constantes e deve forçar a natureza a responder às suas interrogações em vez de se deixar guiar por esta; de outro modo, as observações feitas ao acaso, realizadas sem plano prévio, não se ordenam segundo a lei necessária, que a razão procura e de que necessita. (Kant: 1997, p.18).

Isto torna possível dizer que talvez haja uma certa dependência da observação em relação à teoria. Pois como é possível elaborarmos todo um procedimento para prepararmos um laboratório experimental e fazermos uma experiência sem que tenhamos uma idéia do que queremos investigar, por que investigar ou para que investigar? Montar um laboratório é um ato instintivo separado do pensamento, da lógica e da razão? Um indutivista ingênuo acredita que a observação cuidadosa e sem preconceitos produz uma base segura da qual pode ser obtido verdades ou conhecimento científico.

Existem duas suposições importantes na posição indutivista ingênua em relação à observação. Uma é que a ciência começa com a observação. A outra é que a observação produz uma base segura da qual o conhecimento pode ser derivado. (Chalmers: 1929, p. 46).

Mas há quem discorde desta concepção e mostre que estes indutivistas estão equivocados, pois de acordo com a explicação indutivista da ciência, a base segura sobre a qual as leis e teorias que constituem a ciência se edificam é constituída de proposições de observação públicas e não de experiências subjetivas, privadas, de observadores individuais. A explicação indutivista requer a derivação de afirmações universais a partir de afirmações singulares, por indução. Pode-se dizer que experiências perceptivas são acessíveis a um observador, mas proposições de observação não o são. É notório que as proposições de observação como formadora da base da ciência pode ver alguma teoria que precede todas as proposições de observação e que elas são sujeitas a falhas quanto as teorias que pressupõe.

Uma vez que a atenção é focada sobre as proposições de observação como formando a base segura alegada para a ciência pode-se ver que, contrariamente a reivindicação do indutivista, algum tipo de teoria deve preceder todas as proposições de observação e elas são tão sujeitas a falhas quanto as teorias que pressupõem. (Chalmers: 1929, p. 53).

Assim, o relato indutivista ingênuo da ciência foi solapado pelo argumento de que as teorias devem preceder as proposições de observação, então é falso afirmar que a ciência começa pela observação. As proposições de observação são tão sujeitas à falhas quanto às teorias que elas pressupõem e, portanto, não formam uma base segura para a construção de leis e teorias científicas. Isto quer dizer que;

A ciência não começa com proposições de observação porque algum tipo de teoria as precede; as proposições de observação não constituem uma base firme na qual o conhecimento científico possa ser fundamentado porque são sujeitas à falhas. Contudo, não quero afirmar que as proposições de observação não deveriam ter papel algum na ciência. Não estou recomendando que todas elas devam ser descartadas por serem falíveis. Estou simplesmente argumentando que o papel que os indutivistas atribuem às proposições de observação na ciência é incorreto. (Chalmers: 1929, p. 58).

Diante do que foi exposto até aqui posso afirmar que a observação depende sim da teoria, pois;

As teorias podem ser, e geralmente são, concebidas antes de serem feitas às observações necessárias para testa-las. (Chalmers: 1929, pp. 60-61)

Na concepção dos falsificacionistas a observação é orientada pela teoria e a pressupõe. Eles abandonam qualquer afirmação que fazem supor que as teorias podem ser estabelecidas como verdadeiras ou como provavelmente verdadeiras a luz da evidência observativa. Para eles as teorias propostas devem ser testadas por observação e por experimentação. Teorias que não passarem nos testes devem ser abandonadas e substituídas por outras.

Uma vez propostas, as teorias especulativas devem rigorosa e inexoravelmente testadas por observação e experimento. Teorias que não resistem a testes de observação e experimentais devem ser eliminadas e substituídas por conjecturas especulativas ulteriores. A ciência progride por tentativa e erro, por conjecturas e refutações. Apenas as teorias mais adaptadas sobrevivem. Embora nunca se possa dizer legitimamente de uma teoria que ela é verdadeira, pode-se confiantemente dizer que ela é melhor disponível, que é melhor do que qualquer coisa que veio antes (Chalmers: 1929, p. 64).

A visão falsificacionista vê a ciência como um conjunto de hipóteses que são experimentalmente propostas com a finalidade de descrever ou explicar o comportamento de algum aspecto do mundo ou do universo. Para eles toda hipótese ou conjunto de hipóteses deve satisfazer para ter garantido o status de lei ou teoria científica. Para fazer parte da ciência uma teoria deve ser falsificável.

O falsificacionista exige que as hipóteses científicas sejam falsificáveis [...] Uma lei ou teoria científica idealmente nos daria alguma informação sobre como o mundo de fato se comporta, eliminando assim as maneiras pelas quais ele poderia (é lógico) possivelmente se comportar [...] (Chalmers: 1929 p. 67).

Até aqui vimos os relatos tradicionais da ciência, do indutivismo e do falsificacionismo que, ao contrário da teoria da ciência deKuhn, que fundou o Relativismo, não realizaram uma tentativa de fornecer uma teoria mais corrente com uma situação histórica. Kuhn faz essa tentativa dando ênfase ao caráter revolucionário do progresso científico, em que uma revolução científica implica no abandono de uma estrutura teórica (paradigma) e sua substituição por outra diferente e incompatível. Ele acreditava que;

Uma ciência madura é governada por um único paradigma. O paradigma determina os padrões para o trabalho legítimo dentro da ciência que governa. Ele coordena e dirige a atividade de "solução de charadas" do grupo de cientistas normais que trabalham em seu interior. A existência de um paradigma capaz de sustentar uma tradição de ciência normal é a característica que distingue a ciência da não-ciência (Chalmers: 1929 p. 125).

Diante de tudo que foi exposto podemos chegar a uma noção do que vem a ser ciência através de algumas concepções aqui abordadas sobre a produção do conhecimento científico. Assim, posso dizer que "ciência" é à busca de ordem através de paradigmas que possibilite conhecer como o mundo se comporta em busca de soluções, por meio da razão, de questões de enigmas que possam ser transformadas em conhecimentos que possibilite novas maneiras de sobrevivência do homem.