O que acontece, José?
Publicado em 05 de junho de 2009 por Romano Dazzi
O QUE ESTÁ ACONTECENDO JOSÉ ?
Estávamos na fila, como toda segunda feira, aguardando os resultados da semana anterior.
Somos corretores de bolsa; nosso trabalho é convencer as pessoas a aplicarem seu dinheiro, - qualquer dinheiro – de maneira inteligente, para conseguir ainda mais dinheiro.
Trabalhamos com qualquer prazo, com qualquer quantia, propondo desde uma aplicação sem risco algum, até especulações de alto risco, rápidas e rentáveis.
A bolsa é o nosso reino, a calculadora HP é a chave do Paraíso; confiamos nos nossos conhecimentos.
Basta-nos um boato, uma meia informação, um rastro de fumaça no ar, para montarmos uma estratégia de ataque.
Sabemos todos os segredos e aproveitamos cada um deles
Na verdade, havia algum tempo, ocasionalmente víamos alguns relâmpagos, do lado norte; fenômeno estranho, naquelas regiões de clima estável e previsível.
Houve também, uma vez ou duas, quem nos alertasse para uma tempestade que estaria se formando lá, nas ricas terras do Norte.
Nada de grave, pensávamos: só ajustes de estação; acaba o verão, entra o outono, tudo normal.
E eis que , com estrondo, abrem-se os céus; chuva, tempestade, raios, trovões.
Pipocam notícias absurdas: os pilares do mundo estão abalados; corporações inteiras vêm abaixo, dez mil pessoas perdem o emprego, depois são cem mil, depois um milhão.
Todas as Cassandras do mundo fizeram um grande sabbath, numa dança frenética de notícias ameaçadoras.
De repente, bancos sólidos devem fortunas, montadoras estão à beira da falência, especuladores (apenas alguns) vão para a cadeia.
O circo inteiro desaba
E o pior: todos os que estão lá em cima, juram que perderam dinheiro.
Todos choram, gritam, se queixam.
Não perderam pouquinho, não!
Perderam milhões, bilhões e segundo alguns, até trilhões.
Como pode ser?
Ninguém levanta e diz: – “bem, gente, vocês perderam, mas eu ganhei !!!”
-“ Na verdade ” - eles dizem - “o dinheiro SUMIU!”
Como pode sumir?
Não é um sanduíche de presunto; são caminhões, trens de dinheiro.
A nota de cem dólares mede
Um trilhão teria um milhão e quatrocentos mil quilômetros de comprimento.
José estava bem atrás de mim, na fila. O aviso espalhou-se como um relâmpago. Em dois minutos, todos sabiam que o mundo das bolsas tinha acabado.
Claro que a nossa segurança, a nossa autoconfiança, o nosso modo de ser e de trabalhar, vieram abaixo.
Se alguém nos pedisse um palpite, a partir daquele momento, não saberíamos o que aconselhar.
Mas durou pouco. Imediatamente, as HP recomeçaram a trabalhar febrilmente, inserindo novos dados e novos parâmetros.
Tempestade ou não, as pessoas devem continuar a comer, a consumir, a sustentar o seus hábitos de vida, mesmo que quando são empurradas alguns andares abaixo do que ocupavam.
Calma, então, muita calma, neste momento: O que você deixaria de comprar ou de pagar se lhe faltassem os meios? Primeiro, o supérfluo, depois o necessário, e por fim, o indispensável. Nesta ordem.
O indispensável, então, fica firme – seu uso não vai sofrer uma redução significativa.
Vamos trabalhar então com as commodities; elas poderão baixar de preço, mas conservarão seu poder de barganha muito além dos outros produtos.
Eu são apenas um homem comum, só entendo o que me explicam e para eu entender, tem que ser bem explicado.
Concordo que há ocasiões em que todos perdem: numa catástrofe – um terremoto, um maremoto, uma peste negra, uma guerra mundial .
Não há ganhadores, nesses casos.
Mas em todas as outras, o que um perde, outro ganha.
Dinheiro não desaparece. Só muda de mão.
A não ser que.....
A não ser que não fosse dinheiro de verdade; que fossem apenas papeis sem valor; mágicos, mas sem valor.
Poderiam ser títulos, ações, obrigações; ou seja só especulação, esperanças, hipóteses, nuvenzinhas cor de rosa.
Nada se ganha nem se perde de verdade com eles. é um toma lá, dá cá, um jogo de banco imobiliário. Pague cem e receba duzentos; empreste-me mil e devolverei dois mil. Onde? Como?
Desconfio até que o pessoal lá de cima sabe que é uma trapalhada. Ninguém foi procurar o dinheiro embaixo das mesas, no almoxarifado, nas latas de lixo; ninguém remexeu, nem nos livros contábeis, nem nas carteiras dos donos. Não fizeram esforço nenhum, não mostraram nenhuma convicção. Mau sinal.
Os governos, apavorados, abriram os cofres e reabasteceram os coitadinhos. Quanto mais gritos, mais dinheiro. Devolver? Tranqüilo, depois a gente acerta. Por enquanto, pára com a marola, que desestabiliza tudo..
Agora, está chegando a segunda fase.
- “Não é culpa de ninguém” - , diz o jornal; mentira – sempre existe alguém culpado; podem ser muitos, milhares, mas estão todos por aqui, entre nós;
- “Não é hora de crucificá-los” - diz a revista; errado – é hora de tirar deles todos os meios que usaram para criar esta confusão e evitar assim que criem outra maior.
- “Vamos juntar-nos, solidariamente, para salvar os cacos” - diz o rádio; esta é para os trouxas; aqueles que foram sacrificados, na inglória luta do dia a dia, tentando alimentar a família, renunciando a qualquer pequeno prazer, enquanto outros poucos acumulavam fortunas tão imensas, tão absurdas, tão inúteis, que constituem por si só uma ofensa, um crime contra a humanidade
- “Vamos repor a locomotiva nos trilhos” - diz a TV enfaticamente; que trilhos? esses mesmos que vocês percorreram até agora, num caminho para o barranco, onde vamos despencar todos?
Estou convencido que a crise, o estouro da boiada é apenas uma farsa – trágica, mas farsa; um espetáculo montado com o maior aparato de propaganda do mundo, e cujas notícias se espalharam por todo o lado, semeando o desespero, não nos ricos ou nos remediados; mas nos pobres que já tinham tão pouco e agora arriscam-se a perdê-lo.
O que está acontecendo, José???