O QUE ESTÁ ACONTECENDO JOSÉ ?

 

Estávamos na fila, como toda segunda feira, aguardando os resultados da semana anterior.

Somos corretores de bolsa; nosso trabalho é convencer as pessoas a aplicarem  seu dinheiro, - qualquer dinheiro – de maneira  inteligente, para conseguir ainda mais dinheiro.

Trabalhamos com qualquer prazo, com qualquer quantia, propondo desde uma aplicação sem risco algum, até  especulações de alto risco, rápidas e rentáveis.

A bolsa é o nosso reino, a calculadora HP é a chave do Paraíso; confiamos nos nossos conhecimentos.

Basta-nos um boato, uma meia informação,  um rastro de fumaça no ar, para montarmos uma estratégia de ataque.

Sabemos todos os segredos e aproveitamos cada um deles

 

Na verdade, havia algum tempo, ocasionalmente víamos alguns relâmpagos, do lado norte; fenômeno estranho, naquelas regiões de clima estável e previsível.

Houve também, uma vez ou duas, quem nos alertasse para uma tempestade que estaria se formando lá,  nas ricas terras do Norte.

Nada de grave, pensávamos:  só ajustes de estação; acaba o verão, entra o outono, tudo normal.

 

E eis que , com estrondo, abrem-se os céus;  chuva, tempestade, raios, trovões.

Pipocam notícias absurdas: os pilares do mundo estão abalados; corporações inteiras vêm abaixo, dez mil pessoas perdem o emprego, depois são cem mil, depois um milhão.

Todas as Cassandras do mundo fizeram um grande sabbath, numa dança frenética de   notícias  ameaçadoras.

De repente, bancos sólidos devem fortunas,  montadoras estão à beira da falência, especuladores (apenas alguns) vão para a cadeia. 

O circo inteiro desaba

E o pior: todos os que estão lá em cima, juram que perderam dinheiro.

Todos choram, gritam,  se queixam.

Não perderam pouquinho, não!  

Perderam milhões, bilhões e segundo alguns, até trilhões.

Como pode ser?

 

Ninguém levanta e diz:  – “bem, gente, vocês perderam, mas eu ganhei !!!”

 

-“ Na verdade ” - eles dizem -   “o dinheiro SUMIU!”

Como pode sumir?  

Não é um sanduíche de presunto; são caminhões, trens de dinheiro.  

A nota de cem dólares mede 14 cm 

Um trilhão teria um milhão e quatrocentos mil quilômetros de comprimento.

 

 

 

 

 

 

 

José estava bem atrás de mim, na fila. O aviso espalhou-se como um relâmpago. Em dois minutos, todos sabiam que o mundo das bolsas tinha acabado.

Claro que a nossa segurança, a nossa autoconfiança,  o nosso modo de ser e de trabalhar, vieram abaixo.

Se alguém nos pedisse um palpite, a partir daquele momento, não saberíamos o que aconselhar.

Mas durou pouco. Imediatamente, as HP recomeçaram a trabalhar febrilmente, inserindo novos dados e novos parâmetros. 

Tempestade ou não, as pessoas devem continuar a comer, a consumir, a sustentar o seus hábitos de vida, mesmo que quando são empurradas alguns andares abaixo do que ocupavam.

Calma, então, muita calma, neste momento: O que você deixaria de comprar ou de pagar se lhe faltassem os meios?  Primeiro, o supérfluo, depois o necessário, e por fim,  o indispensável.  Nesta ordem.

O indispensável, então, fica firme – seu uso não vai sofrer uma redução significativa.

Vamos trabalhar então com as commodities; elas poderão baixar de preço, mas conservarão seu poder de barganha muito além dos outros produtos.  

 

 

 

 

 

 

Eu são apenas um homem comum,  só entendo o que me explicam e para eu  entender, tem que ser bem explicado.

 

Concordo que há ocasiões em que todos perdem: numa catástrofe – um terremoto, um maremoto, uma peste negra, uma guerra mundial .

Não há ganhadores, nesses casos.

 

Mas em todas as outras,   o que um perde, outro ganha.

Dinheiro não desaparece. Só muda de mão.

 

 

A não ser que.....

A não ser que não fosse  dinheiro de verdade; que fossem apenas papeis sem valor;   mágicos, mas sem valor.

Poderiam ser títulos, ações, obrigações; ou seja só especulação, esperanças,  hipóteses, nuvenzinhas cor de rosa. 

Nada se ganha nem se perde de verdade com eles. é um toma lá, dá cá,  um jogo de banco imobiliário.   Pague cem e receba duzentos; empreste-me mil e devolverei dois mil.  Onde? Como?

Desconfio até que o pessoal lá de cima sabe que é uma trapalhada. Ninguém foi procurar o dinheiro embaixo das mesas, no almoxarifado, nas latas de lixo; ninguém remexeu,  nem nos livros contábeis, nem nas carteiras dos donos. Não fizeram esforço nenhum, não mostraram nenhuma convicção. Mau sinal.

Os governos, apavorados, abriram os cofres e reabasteceram os coitadinhos. Quanto mais gritos,  mais dinheiro. Devolver?  Tranqüilo, depois a gente acerta. Por enquanto, pára com a marola, que desestabiliza tudo..  

 

 

Agora, está chegando a segunda fase.

 

- “Não é culpa de ninguém” - , diz o jornal;  mentira – sempre existe alguém culpado; podem ser muitos, milhares, mas estão todos por aqui, entre nós;

 

- “Não é hora de crucificá-los” -  diz a revista;  errado – é hora de tirar deles todos os meios  que usaram para criar esta confusão e evitar assim que criem outra maior.

 

 - “Vamos juntar-nos, solidariamente, para salvar os cacos” -  diz o rádio; esta é para os trouxas; aqueles que foram sacrificados, na inglória luta do dia a dia, tentando alimentar a família, renunciando a qualquer pequeno prazer, enquanto outros poucos acumulavam fortunas tão imensas, tão absurdas, tão inúteis, que constituem por si só uma ofensa, um crime contra a humanidade   

 

- “Vamos repor a locomotiva nos trilhos” -  diz a TV  enfaticamente; que trilhos? esses mesmos que vocês percorreram até agora, num caminho para o barranco, onde vamos despencar todos?

 

 

Estou convencido que a crise, o estouro da boiada é apenas uma farsa – trágica, mas farsa; um espetáculo montado com o maior aparato de propaganda do mundo, e cujas notícias se espalharam por todo o lado, semeando o desespero, não nos ricos ou nos remediados; mas nos pobres que já tinham tão pouco e agora arriscam-se a perdê-lo.

 

O que está acontecendo, José???