Certa vez, visitando a minha pequena cidade natal, depois de mais de 30 anos que não havia voltado a Parnamirim, em Pernambuco, procurei os lugares que mais gostava de freqüentar na minha infância. Fui ao antigo Grupo Escolar Euclides da Cunha, onde fiz o curso primário; visitei as ruínas da segunda casa da qual me lembro em que morávamos, que todos conheciam como a Casa de seu Cícero Nicolau, uma espécie de casarão do qual diziam que, Seu Ulisses, o gordo vizinho farmacêutico, teria encontrado uma botija de ouro e ficou rico!
Passei pela Biblioteca Pública que eu adorava e folheei alguns livros que costumava ler e reler, embora a mesma não esteja mais no mesmo lugar. Percorri os corredores e visitei as salas da saudosa Escola Normal de Parnamirim onde comecei meu segundo grau em Magistério, e, pisei os paralelepípedos da velha rua da Bomba na qual costumava passear para ver os ônibus que vinham da cidade de Ouricuri. Lembrei-me do falecido Chico Agra que tocava piano e presenteava as crianças que melhor cantavam com doces de sua vendinha.
Já estava voltando da minha caminhada de recordações quando encontrei alguém que me reconheceu, ou seja, que lembrou da minha mãe ao me ver. Era a Hilda de Arnaldo, uma senhora, amiga da minha mãe que, na minha infância, reclamava que nós costumávamos, eu e meus irmãos, jogar pedra na casa dela para ver uma fotografia do primo rico, Gonzaga, balançar na parede. Entre as coisas que as crianças comentavam ao sair da escola, havia o mistério daquele quadro: nele havia a foto de um homem importante, já falecido que se mexia no quadro quando alguém pisava na sua calçada, principalmente criança peralta. Era também o que nos contava a Negrinha Ló que trabalhava na minha casa e Seu Joãozinho Lopes, que era amigo do dono da casa e parente do homem do quadro.
Não precisei perguntar pelo quadro nem pela fotografia do homem. A mulher me convidou para entrar na sua casa, que também não era mais no mesmo lugar. E lá estava o homem, na foto, do quadro, agora em outra parede. Senti um grande arrepio. Não era mais criança. Nem peralta. Mas estava com medo. E o homem olhava para mim, abria e fechava os olhos, fez um rápido movimento com os lábios como a querer sorrir e .... mexeu, mexeu no quadro!
Eu dei um grito e saí correndo. A mulher brincou comigo: Sua imaginação continua fértil. Você inventou esta história e fez todo mundo da região acreditar nela. Até você acredita no que você inventou. Em Terra Nova, em Salgueiro, em Lagoa Grande, e até em Petrolina esta história se espalhou e já vieram curiosos de Belém do São Francisco e de Cabrobó para ver o meu quadro. Por sua causa, alguns visitantes chegam de Belmonte, Brejo do Santo e Mirandiba e ficam dias inteiros, olhando pela janela, para ver meu tio-avô se mexer! Mas o que mexe mesmo com os miolos de todos é a sua imaginação!
De longe, olhei para trás e ouvi a mulher ainda falando sobre as coisas estranhas que iriam acontecer depois que eu fosse embora. Todo mundo agora iria voltar a incomodá-la e seu tio-avô não teria mais sossego. A partir daí, foi o homem do quadro que ficou me olhando, com um olhar feliz e, ao mesmo tempo, com um ar misterioso de interrogação: quando você voltará para me ver? Juntei minhas malas, peguei meu carro e vim embora para o norte. Talvez eu volte um dia a Parnamirim . Pode ser que eu seja uma das que, no futuro irá balançar e se mexer numa fotografia, no Surubim, em terra Nova ou Salgueiro, para os que de mim, lembrarem, guardarem também, em sua memória, minha fantasia, e claro, minha imagem presa em um quadro na parede!
Vocabulário:
Parnamirim: pequena cidade do Alto Sertão, no interior de Pernambuco, perto da cidade de Salgueiro.
Salgueiro: cidade metrópole do Alto Sertão, no interior de Pernambuco.
Surubim: fazenda que pertenceu à família Sá Almeida, perto de Parnamirim
Terra Nova: pequena cidade do Alto Sertão, no interior de Pernambuco, perto de Cabrobó.
Lagoa Grande: pequena cidade do interior de Pernambuco
Petrolina: grande cidade do interior de Pernambuco, à margem do Rio São Francisco, na divisa com Juazeiro da Bahia.