Muito entusiasmado o professor de matemática ia expondo no quadro uma equação de primeiro grau. A turma muito animada o acompanhava, acertando as soluções de cada incógnita, completando a equação do começo ao fim.

Como as minhas colegas são inteligentes, conjecturava tristemente a pobre adolescente, decepcionada consigo mesma. Pobre de mim que não entendo nada, meu Deus...

-      Vamos adiante, falava o professor. Posso apagar o quadro, todo mundo entendeu?

-      Pooode, respondiam todas.

E ele começava a exemplificar um outro problema, dessa vez mais difícil. Todas entendiam, mas para aquela determinada aluna era como se ele estivesse ensinando a escrever em chinês, com o alfabeto chinês. Sim, ela até sabia fazer mal e porcamente as quatro operações, porque sempre foi muito ruim nessa matéria, mas de repente, depois do Exame de Admissão ao Ginásio, tudo se tornou um caos dentro da sua cabeça. Mas só na dela, porque as outras meninas iam de vento em popa acompanhando o raciocínio do professor e solucionando cada bloco da equação. Com vergonha ela até fingia que estava entendendo, mas pela cara sacava-se que não passava de tapeação, de fingimento mesmo.

-      Todo mundo entendeu ou existe alguém que não? Perguntava o professor. Se tiver, fale logo antes que eu passe adiante. E passava logo a esponja no quadro, apagando tudo, certo de que todas tinham entendido. E tinham mesmo, menos uma.

Então a garota tomou coragem e muito timidamente levantou o dedo:

-      Eu, professor, não entendi, não entendi  muito bem...

-      Pôxa, depois que eu apaguei tudo é que você vem falar? Não entendeu muito bem o que?

-      Bom, eu...

-      Qual é a sua dúvida, a partir de onde você não entendeu, menina?

Aí, com esse "menina" ela já se sentiu excluída da turma nota dez. Sentiu-se um lixo, ele sequer se dirigiu a ela pelo nome. Nem sabia qual era o seu nome! Sentiu que  o homem parecia não ir com a cara dela, pois com certeza a estava achando burra, e que ela estava lhe dando trabalho. Então ele disse: 

- Vamos lá. Acho que vou ter que repetir tudo. E a turma impiedosa, com aquela crueldade peculiar aos estudantes, protestou em coro:

-      Ah, nãaao! Mas foi só ela que não entendeu, professor! Caramba, que menina tapada, falou alguma delas.

Então, mesmo sob  protestos, pacientemente ele começou tudo de novo, desde o começo mesmo. Ela ia fingindo pra si mesma e para a turma que estava entendendo e acompanhando o raciocínio do professor, tentando engana-lo. Só que ele findou desconfiando, e no final falou:

-      Você está compreendendo mesmo, menina? Então ela resolveu ser sincera. Tomou coragem e falou:

-      Não professor, eu não entendi nada!

-      Nada mesmo?

-      Nada, respondeu balançado levemente a cabeça.

-      Ok. Apagou o quadro, depois virou-se pra ela e falou curto e grosso:  na próxima aula eu trago o atestado de óbito.

-      De que? Perguntou a idiota, ingenuamente.

-      Da sua inteligência, claro.

Nem é preciso dizer das estrondosas gargalhadas da turma, enquanto algo se destruía dentro da infeliz aluna, que estava se sentindo a última das criaturas, a mais burra que já veio ao mundo. E ficou ali sentada olhando pra baixo, tentando engolir o choro.

Naquela época todas faziam o curso ginasial, há muito extinto pelo Ministério da Educação e substituído pelo ensino de segundo grau. Acredito que todas estavam no primeiro ano, e a pergunta jocosa das colegas, de vez em quando ainda era repetida pelos corredores do colégio, até mesmo quando já estavam na quarta série.

- E aí fulana, você guardou bem o atestado que o professor de matemática lhe deu? E pra quem não sabia da história e perguntava, elas explicavam: de óbito, o atestado de óbito!

-      Como assim, de óbito? Perguntavam curiosos até mesmo alguns professores, que depois morriam de rir da garota. 

-      É que a inteligência dela morreu. Quem falou foi o professor fulano, de matemática. E começava a risadaria.

A essa altura ela já não ligava mais, já estava acostumada, estava mais amadurecida, já começava a entender o caráter da humanidade.

Naquele tempo ninguém falava em bulling, claro, imagina se alguém sabia o que é isso. A Justiça também estava muito aquém do conhecimento e do alcance das pessoas comuns, para que entendessem sobre a gravidade daquelas palavras tão cruéis, proferidas por um professor em plena sala de aula. O pobre professor certamente não deve ter medido a dimensão da gravidade do que falou. Ele fez o que pôde para que a sua aluna compreendesse a explicação, mas talvez decepcionado com a sua própria incapacidade para ensinar, da qual nem ele mesmo desconfiava, sem saída falou a primeira bobagem que lhe veio à cabeça, para se ver livre do assunto. Infelizmente falou algo tremendamente antipedagógico e inconsequente, que nos dias atuais, com certeza lhe trariam consequências desastrosas. Acredito mesmo que ele não falou por mal. Enfim, que culpa tinha ele de ter uma aluna completamente bloqueada e tão sem noção para compreender o que todas as outras alunas compreendiam? Só que ele não podia imaginar naquele momento, o bem que estava fazendo sem saber, àquela sua aluna de raciocínio lerdo, o patinho feio do lago, que tanto precisava de uma orientação no sentido de procurar um professor particular, para uma ajuda especial.

Se o professor ainda vivesse, eu não sei como se sentiria se soubesse que aquele simbólico atestado prometido à sua aluna, cuja inteligência ele julgava morta, surtiu um efeito totalmente contrário às suas impensadas e mórbidas palavras, pois elas serviram de incentive para que a menina viesse provar a si mesma e a todos, que a sua tão pouca inteligência foi mais que suficiente para que se formasse com louvor em Literatura, Jornalismo e Direito, sendo hoje uma excelente professora em duas universidades. Se pudesse, em troca daquelas palavras cruéis, talvez ela lhe dissesse orgulhosamente: obrigada, professor. Me fez derramar muitas lágrimas, mas simbolicamente eu recebi aquele atestado e o guardei na memória. O seu presente foi a ajuda mais valiosa que eu ganhei em toda a minha vida. Eu só tenho a lhe agradecer pelo que sou agora.

 Autora: Junia – em 28/7/2015