Na semana que passou, me deparei com duas situações que demonstram claramente um dos sintomas do caos da educação pública, e que, infelizmente, se manifestam em pessoas, feitas de carne e osso, aquelas que não aparecem tanto nas teorias acerca dos problemas educacionais.
De um lado, um colega de profissão que depois de 12 anos de magistério decidiu pegar o boné e dizer adeus à sala de aula. Os muitos comentários em seu blog demonstram o impacto que tal atitude provoca. De outro lado, mais próximo a mim, uma amiga (sou suspeito pra falar, mas que admiro muito profissionalmente), confidenciou numa reunião pedagógica (na qual tínhamos que brincar de bolinha de sabão) que não acreditava mais na educação, ao menos nos moldes do que existe hoje, mais precisamente na sua capacidade de transformação do aluno. Aquele silêncio geral, constrangimento entre todos! Explico o porquê.
Na verdade, as reações que os dois casos acima provocaram poderiam ser objeto de estudo da psicologia. Não sou nem pretendo fazer tal análise, pois não teria capacidade para isso. Porém, me arrisco a fazer uma interpretação de senso comum: O constrangimento é uma reação dos professores diante de uma situação pela qual desejariam expressar ou tem medo de assumi-las. Uma pergunta aos meus colegas de sala de aula (enfatizo o "sala de aula" de propósito, pois são os que mais sofrem na pele as mazelas nas escolas): algum de você já pensou em desistir da profissão ou ao menos já se questionou se o seu trabalho realmente faz a diferença na vida do aluno? Numa enquete, certamente não teríamos unanimidade. E isto é ótimo, pois imitando Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra. Mas me arrisco em dizer que a grande maioria acenaria com uma resposta positiva.
Dois dados me chamaram bastante atenção nos últimos meses. Uma é a de que 5 professores do Estado do Rio de Janeiro pedem exoneração por dia. Você não leu errado, é isso mesmo ? 5 por dia! Outro (este não tive acesso às fontes) é a de que 90% dos professores, após 5 anos de sala de aula, estão desmotivados com a sua profissão.
Deu pra perceber que as duas histórias lá de cima têm tudo a ver com os dados? Pois é, este é apenas o ponto de partida para uma discussão que desejo colocar: será que quando pensamos em educação, estamos levando em conta que o professor é de carne e osso? Porque em relação aos alunos já existem obras suficientes para compreender que ele é único, deve ser tratado como tal, possuí sentimentos e vivência cotidiana que interfere no seu processo de aprendizado, etc e tal. Concordo plenamente! Mas e o professor? Será que paramos para pensar (todos nós ? pais, alunos, professores, comunidade, poder público) que o sujeito que é fundamental dentro da escola também é único, também tem uma vida fora do colégio, também possui sentimentos e que tudo isso interfere na sua prática em sala de aula?
Não teria capacidade de dissertar, muito menos esgotar esta discussão. Apenas levantá-la é o suficiente. As ideias e políticas públicas educacionais no Brasil estão cheias de menções implícitas a um modelo robotizado de docente.
Quando trabalhei no comércio, o discurso das empresas era a de colocar os problemas na entrada da loja e passar o dia no emprego sorrindo e satisfazendo o cliente. No fim do dia o problema estaria lá na hora da saída, não importa! Pegue ele novamente que o filho é seu, só não entre com ele para o trabalho.
Por mais que tentemos, este modelo empresarial não funciona numa escola, por mais que os gestores queiram implantá-los. E não dá certo por uma razão muito simples. O que move um vendedor a trabalhar sempre mais e melhor é o salário no fim do mês, ou o simples fato de estar empregado em meio a um mercado de trabalho competitivo e que não dá muitas chances a quem não tem uma formação especializada. O professor, bem, esta figura não é movida apenas pelo dinheiro no fim do mês (até porque se esta fosse a sua inspiração duraria até o primeiro salário). Um dos diferenciais desta profissão é de que o professor tem um sonho. O sonho de mudar o mundo! O sonho de transformar vidas! Saímos da faculdade com energia de sobra para esta tarefa. Podemos correr a 200km/h. Mas recebemos um automóvel que só pode andar a 30km/h. Com o tempo, alguns desistem e andam a pé, outros tiram do bolso para comprar uma peça que melhore o desempenho do carro. Muitos nunca mais deixam de andar neste automóvel. Mas o sentimento de derrota é comum: nunca conseguirei correr como eu imaginava!
No meu segundo ano de magistério ouvi uma frase da supervisora educacional do colégio onde dava aula que me marcou, foi quase como um ritual de passagem, um tapa na cara em meio ao delírio. Ela simplesmente falou: "o seu defeito é querer mudar o mundo!". Até hoje, lembrar disto me provoca um arrepio no corpo. Uma vontade louca de suspirar me invade. Vez ou outra meus olhos se enchem de lágrimas.
Para todos aqueles que como eu já pensaram em mudar o mundo, termino com algumas palavras que encontrei por acaso e que me tocaram profundamente. São palavras de incentivo, jamais serão de crítica. Admiro os que desistem tanto quanto aos que continuam, ambos tem coragem. Acho, inclusive, que chegará a minha hora de desistir. Até lá, me agarro a estas palavras.

Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis.
(Brecht)