Geografia e Ensino

 

 

O PROFESSOR DE GEOGRAFIA: UM REPRODUTOR DOS DISCURSOS DO LIVRO DIDÁTICO? [1]

 

Juliano Lopes da Silva [2] - Universidade Estadual de Londrina-PR / Brasil

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Resumo

 
O trabalho apresentado complementa os estudos de ensino de Geografia, e traz um estudo a parte do ensino e as diversas linguagens aplicáveis no ensino de geografia e principalmente o uso do livro didático como um, ou principal (às vezes único), instrumento de ensino por parte dos professores. Sem querer relegar o livro didático, esse artigo faz denúncias e aponta problemas sobre o uso abusivo ou exclusivo deste material em sala de aula. Mas também diserta como melhorar o ensino de geografia.  

 

Palavra-chave: Ensino, linguagens, livro didático, professores, denúncias.

 

 

Introdução

 

Dentre os recursos oferecidos ao professor em especial ao professor de geografia, para reproduzir de forma consistente conceitos e ideologias e conteúdos, o livro didático tem lugar de destaque. Ele serve como salvação a muitos professores, em especial professores da rede pública. O livro didático é uma importante ferramenta no ensino-aprendizagem, porém não deve ser a única. Cada professor tem que saber utilizá-lo da melhor forma possível, de maneira prática, e não servindo apenas para fazer cópias. Existem livros que não trazem o conteúdo a ser trabalhado de forma explicada e de fácil entendimento para os alunos, então é plausível ter sempre diversas outras linguagens para o auxílio nas aulas. O livro didático não deve ser utilizado sem objetivos assim como qualquer outra ferramenta didática, devendo sempre ser complementado e atualizado.

Diante da dificuldade de professores na tentativa de enriquecer as aulas teóricas com outras linguagens além do livro didático, a dificuldade de algumas escolas públicas em obter recursos didáticos complementares ao livro didático e a lousa, esse artigo faz a discussão das diversas linguagens de ensino de geografia, e sua importância para a sala de aula e o aprendizado dos alunos, além de relatar uma tendência ainda em prática do comodismo de professores em adotar apenas o livro didático como instrumento de ensino.

 

 

O papel atribuído ao livro didático e seu abusivo uso no contexto escolar

 

Segundo Megid Neto; Fracalanza,(2003, p. 150) o livro didático surgiu para complementar os livros clássicos, reproduzia, divulgava, reforçava a aprendizagem no ambiente escolar centrada na memorização. Passando a ser instrumento pedagógico no processo para formação social e política do indivíduo.

O livro didático vem a ser para Pontuschka (2007, p.339) um recurso com aspectos culturais, que tem como referência o nome de um ou mais autores, mas que também é uma mercadoria, que atende uma parcela do mercado onde o grande comprador é o governo federal.

Para Freitag (1997, p. 127) esse recurso funciona como instrumento de ensino em sala de aula, como fonte de lucro para editores além de propiciar que a máquina governamental se alimente desse processo de aquisição e distribuição dos livros didáticos como um todo.

No processo de aprendizagem, muitas teorias estão cheias de conjecturas políticas e ideológicas, relacionadas com uma visão de homem, sociedade e saber.

Segundo os behavioristas a aprendizagem é uma aquisição de comportamentos através de relações mais ou menos mecânicas entre um Estímulo e uma Resposta. O indivíduo é visto como passivo em todo o processo.

Vygotsky diz ainda que o pensamento propriamente dito é gerado pela motivação, isto é, por nossos desejos e necessidades, nossos interesses e emoções.

Nos estudos de Piaget, a teoria da equilibração, de uma maneira geral, trata de um ponto de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, e assim, é considerada como um mecanismo autorregulador (A Aprendizagem... 200?).

Segundo Wadsworth (1996), se a criança não consegue assimilar o estímulo, ela tenta, então, fazer uma acomodação, modificando um esquema ou criando um esquema novo. Quando isso é feito, ocorre a assimilação do estímulo e, nesse momento, o equilíbrio é alcançado.

A teoria não transcende a vivência em sala de aula de forma a deixar o professor livre para lecionar na sua maneira, por outro lado os professores, em sua grande maioria, não foram formados para refletir sobre a sua prática, e tornaram-se transmissores de conteúdos dos livros didáticos, comprovando, portanto, que as instituições universitárias privilegiam, em primeiro lugar, os saberes de referência, os saberes a serem ensinados; em segundo lugar, mais tardia e timidamente, saberes pedagógicos e didáticos, aqueles ‘para ensinar’ Monteiro( 2001). Mas, além dos saberes acadêmicos, científicos e técnicos, existem os saberes próprios de cada profissão e os saberes decorrentes das experiências pessoais, os quais são, também, pouco valorizados pelas instituições universitárias, dificultando, ainda mais, a relação entre teoria e prática.

O que acontece em sala de aula é um comodismo por parte de alguns professores e falta de concepção em adquirir e aplicar outras linguagens didáticas e paradidáticas no propósito de dinamizar e enriquecer a sala de aula. Com isso as aulas se tornam monótonas, seguindo o que o livro didático, adotado no momento, traz de relevante e de “verdade absoluta” tanto para o aluno quanto para o professor, e o comodismo também paira para os dois lados, tendo o professor a facilidade de apenas indicar a página para o aluno ler (algumas vezes certos professores nem sabem em que página parou a aula passada) e ao aluno cabe apenas resumir o texto, ou resolver as atividades propostas no final de cada conteúdo do livro.

Em certas situações os alunos não possuem livros didáticos e Pontuschka completa bem esse problema quando aponta o que acontece em sala de aula

Por outro lado, existe outro grupo, com alunos sem acesso ao livro didático, em que somente o professor possui o livro, utilizando-o como sua principal bibliografia; o livro é do professor e não do aluno. O texto inteiro ou um resumo do texto é escrito na lousa e os alunos passam o tempo da aula copiando a “lição”, com explicações rápidas ou, às vezes, sem explicações. (PONTUSCHKA, 2007, p.341).

 

Assim como Pontuschka comenta sobre aquele professor que não larga o livro didático, mesmo sabendo que o aluno não tem um para acompanhá-lo na aula, e não busca alternativas para sanar a deficiência, Freitag traz justificativas desse descompromisso do professor em melhorar o aproveitamento do tempo do aluno enquanto sentado em sua carteira escolar

Vimos que a maior parte dos estudos feitos sobre o livro mostrou que ele satisfaz os professores. O professor não somente se contenta com o que tem como ainda o idealiza, fazendo do livro didático não um entre outros, mas o único instrumento de trabalho. Este serve como a última palavra do conhecimento na área, sendo tratado em aula como verdade absoluta. (FREITAG 1997, p. 131)

 

Freitag (1997) assim como outros autores mostram que o livro didático e seu uso em sala de aula dependem muito da habilidade e do nível de formação do professor.

Com isso deduz-se que na educação não basta acontecer à evolução do livro, mas é preciso que o professor recicle conhecimento, tenha formação continuada, esforce, dedique-se, seja um professor pesquisador.

Portanto o livro didático é um instrumento de apoio para o professor, não sendo assim, material único e norteador do trabalho com os conteúdos programáticos.

Nem a proposta de um livro nem as ideias do professor são infalíveis; portanto, a relatividade do conhecimento precisa estar sempre presente na análise de qualquer produção didática.

 

 

A importância das diferentes linguagens no ensino de geografia

 

Katuta (2007) já afirma que

Verifica-se a necessidade da interação dialética entre as representações e linguagens utilizadas cotidianamente pelos alunos com aquelas disseminadas pela escola. É por meio desta iteração que ocorre a (re) construção de conhecimentos, representações e linguagens do sujeito. (KATUTA, 2007, p. 227).

 

E conforme defende Lefebvre (apud KATUTA, 2007, p. 227) “[...] Antes de elevar-se ao nível teórico, todo conhecimento começa pela experiência, pela prática.”, pode-se concordar que aprender por meio de representações e linguagens se torna mais vantajoso, no decorrer do processo de aprendizagem.

A importância das diversas linguagens nos estudos de ciências e sobretudo de geografia é substancial para desenvolver no aluno a percepção da realidade e busque observar com outros olhos o seu espaço geográfico.

Uma proposta de ensino de Geografia ao buscar desenvolver a autonomia dos alunos, tem que instrumentá-los a refletirem, serem criativos e pesquisarem informações sobre o mundo e também exige tomada de decisões.

O aluno tem que se tornar capaz de recriar o que foi aprendido tornando-se capaz de construir um discurso que conduza a ações de intervenção na sociedade, tem que se tornar um ser ético, um ser que está no mundo com os outros, um ser de opção, de decisão.

O PCN indica a construção e reconstrução de um saber em Geografia, englobando conhecimentos geográficos, competências técnicas para se fazer uma leitura geográfica do mundo, as habilidades e as atitudes de modo que o aluno aprenda a ser, fazer e a conviver.

O espaço geográfico como um objeto de estudo passa por discussão a dimensão natural, nas paisagens, lugares, territórios e as práticas sociais interagindo com esses espaços, grupos que transformam esse espaço: construindo, destruindo e reconstruindo os lugares, que resultam de relações, acordos e de inúmeros conflitos sociais.

Depois de selecionar os conteúdos a serem estudados, é possível escolher os caminhos metodológicos para desenvolver habilidades de leitura geográfica do mundo.

Esses caminhos metodológicos na geografia são as ricas linguagens, cada vez mais modernas e renovadas, possíveis para incrementar o ensino e ajudar o professor na pratica dentro e fora da sala de aula.

O mundo dominado pela imagem precisou revalidar a sua linguagem, pois foi acrescida de significados e de símbolos obrigando os comunicadores e, principalmente, os professores a reaprenderem a arte de se comunicar e de dar aula, apropriando-se de uma linguagem nova e rica em elementos específicos a época – como computador, DVD, CD, Softwares – para que pudessem comunicar-se captando a atenção e curiosidade do receptor da mensagem. A “velha” linguagem passou a ser ocupada por uma nova linguagem, onde palavras de ordem como interdisciplinaridade, projetos, linguagem contextualizada e reflexiva passaram a ordem do dia, porém, com processos metodológicos da educação tradicional que continuavam a priorizar metodologia de conteúdos fragmentados em sala de aula. (NUNES, RIVAS 2009, p. 1).

 

Como citado, a dinâmica das informações são aceleradas e muitas chegam aos alunos de forma mais clara e contundente do que o que está nos livros didáticos, com isso como já acrescenta Pontuschka (2007, p. 343) o livro didático “Além de não ter a linguagem atraente da televisão ou dos sites visualizados na internet [...] ele pode não contribuir para a produção de um conhecimento que ajude o aluno a enriquecer sua visão de mundo mediante estudos geográficos”.

É nessa hora que os professores devem buscar outras linguagens de ensino que superem a deficiência ou até mesmo que melhorem a forma deles mesmo dar aulas.

 

 

Escolher uma linguagem

 

A escolha de uma linguagem ou de varias linguagens para a pratica de ensino vai depender muito da ocasião, da condição da turma, da visão do professor e do nível educacional dos alunos entre muitos outros fatores.

A aplicação de mapas cartográficos, indispensáveis no ensino de geografia, como a própria Pontuschka relata quando diz

Na Geografia, as representações gráficas e cartográficas são extremamente importantes na ampliação de conhecimentos espaciais tanto do cotidiano dos estudantes como de lugares distantes, sobretudo na atualidade com o processo de globalização em curso. Assim, gráficos e cartogramas devem interagir com os textos, complementando-os ou até mesmo servindo para a organização pedagógica de suas aulas. Não se pode estudar Geografia sem essas linguagens. (PONTUSCHKA 2007, p. 340)

 

Apesar de muitos professores se esforçarem pouco para enriquecer suas aulas com essas linguagens essenciais e extra livro didático, alguns livros didáticos, principalmente os atuais, já trazem propostas avançadas de recortes de textos de notícias da imprensa jornalística, revistas, textos literários além claro dos mapas gráficos e cartográficos. Esses incrementos são bem vindos e contribuem para que o aluno tenha contato com outras linguagens, não didáticas.

Ainda citando Pontuschka, que muito contribui para explorar o ensino além-livro didático, a autora traz que professores de boa formação e compromisso com os alunos conseguem realizar projetos interdisciplinares fazendo recortes de variados livros, didáticos ou não, além de explorar as mídias, e aulas extra sala (PONTUSCHKA 2007, p. 341).

Se o aluno tiver diante de si uma linguagem inadequada a sua idade, do ponto de vista de sua compreensão, ou distante de sua realidade, certamente esta não será auxiliar nem para ele, nem para o professor na construção do conhecimento.

 

 

O professor deve ser criativo dentro do planejamento de uma atividade. Por isso, fazer uso de diversos recursos didáticos é uma forma de enriquecer tais atividades e ainda, dentro dos conteúdos geográficos, os recursos como: mapa, computador, fotografia aérea, imagens satélites; permitem ao educando relacionar a realidade ao conteúdo teórico. (PANDIM, 2006, p. 42)

 

Assim como Pandim (2006), vários outros pesquisadores dedicados à contribuir para o ensino, em especial de geografia, percebem que o “trunfo” não esta no livro em si, nem nas linguagens diversas que podem ser utilizadas, mas focado nos professores, detentores de todas possibilidades plausíveis de ensino, e como Andrade (1989, p.57) reafirma “é indispensável que o professor tenha uma posição independente e crítica, não se limitando ao/ou a um livro, é preciso que ele adapte e complemente para os seus alunos as informações e as explicações que o mesmo contém.”

Com isso percebe-se a importância dos saberes da experiência, da vivência que um professor pode ter e adquirir ao longo dos anos e transmitir durante sua pedagogia.

 

 

Considerações

 

O livro didático não tem condições de construir o conhecimento em uma dinâmica regional como de nosso país, daí um professor bem formado e que saiba relacionar o conteúdo do livro com as linguagens disponíveis aos alunos, e suas vivências, e que esteja receptivo à compartilhar essa construção do conhecimento com seus aluno, não se transformando em mero transmissor de conhecimento, fazendo de si ilusoriamente portador da verdade absoluta.

O livro didático é uma ferramenta para auxiliar a aprendizagem, e desde que bem utilizado passa a ser um grande colaborador. A utilização do livro deve ser empregada de forma colaborativa nas aulas, não se deve ficar preso a um determinado livro, tem que buscar alternativas para a continuação das atividades aplicadas aos alunos. Há livros que fornece os conceitos bem explicados e de fácil entendimento, mas que pecam nos exercícios de aplicação, outros vêm com muitas atividades que ajudam à aprendizagem, mas pecam nas explicações dos conceitos, dessa forma cabe ao professor resolver esses problemas com auxilio de outras ferramentas, como por exemplo, vídeos, sala de tecnologia, pesquisas em outros livros.

Face ao livro didático atual, seu contexto comercial, e a pluralidade cultural existente no Brasil, o professor tem que desenvolver um censo crítico e uma capacidade de recriar um plano de conteúdos dinâmico e atualizado conforme o nível e o período em que dará as suas aulas perante seus alunos, de forma que cada vez mais atenue o processo de alienação, perante a “verdade absoluta” trazida nos livros didáticos, e formem pessoas que saibam refletir de forma autentica sobre as relações entre a sociedade e o meio em que vivem.

É inadiável a melhora do nível dos textos didáticos e dos textos complementares, assim como uma intensificação e difusão dos mesmos fazendo-os chegar até os professores e aos estudantes.

 

Referências

 

ANDRADE, Manuel Correa de. O livro didático de geografia no contexto da prática de ensino. In: Caminhos e descaminhos da geografia. Campinas: Papirus, 1989.

 

BLOG IMPLUGADOS. A Aprendizagem (Vygotsky, Piaget , Pós-piagetiano)

Acesso em: <http://www.pontodosaber.com/pedagogia5.html> Acesso em: 01-10-2010

 

FREITAG, Bárbara. (Org.). O livro didático em seu contexto. In: O livro didático em questão. São Paulo: Cortez, 1997.

 

KATUTA, Ângela Maria. A educação docente: (Re)pensando as suas praticas e linguagens. In: Revista Terra livre. 2007.

 

MEGID NETO, J. ; FRACALANZA, H. O livro didático de ciências: problemas e soluções.

Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v9n2/01.pdf> Acesso em: 26-09-2010.

 

MONTEIRO, Ana Maria Ferreira da Costa. Professores: entre saberes e práticas.

Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v22n74/a08v2274.pdf> Acesso em:     26-09-2010.

 

NUNES, Camila Xavier; RIVAS, Carmen Lúcia Figueredo Razoni. Novas linguagens e práticas interativas no ensino de geografia

Disponível em: <http://egal2009.easyplanners.info/area03/3107_Figueredo_Razoni_Rivas_Carmen_Lucia.pdf> Acesso em: 02-10-2010.

 

PANDIM, Andréia Rodrigues Oficina pedagógica de cartografia: uma proposta metodológica para o ensino de geografia. 2006. TCC (Bacharelado). UEL, Londrina.

 

PONTUSCHKA, Nídia N. et al. O livro didático de geografia. In: PONTUSCHKA, Nídia N.; PAGNELLI, Tomoko I.; CACETE, Núria H. Para ensinar e aprender geografia. São Paulo: Cortez, 2007.



[1] O artigo é fruto de uma conclusão oriundas de pesquisas, Vivência de Estágio e aulas da disciplina 6EST301.

[2] Aluno do 3º ano de Geografia da Universidade Estadual de Londrina –PR em 2010.