O PROCESSO SOB A ÓTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Carla Maria Rodrigues de Mendonça Lima

 

Resumo: Este artigo visa estudar os argumentos e estudos existentes sobre o processo tendo por base os direitos fundamentais, de forma a ampliar a discussão necessária diante da busca incessante pela tão almejada efetividade do processo, a fim de que se atinja o equilíbrio entre a celeridade e a segurança jurídica, para que se possa alcançar a justiça social, com a solução do litígio que garanta o resultado almejado pelo direito material. Além disso, faço algumas menções acerca do novo Código de Processo Civil já que as normas processuais, à luz do neoconstitucionalismo e do neoprocessualismo, possuem fundamento de validade e eficácia nas normas de direitos fundamentais.

PALAVRAS CHAVE: DIREITOS FUNDAMENTAIS – NOVO CPC – EFETIVIDADE DO PROCESSO – CELERIDADE – SEGURANÇA JURÍDICA

 

1. INTRODUÇÃO

No constitucionalismo contemporâneo observamos a importância dos Direitos Fundamentais, numa nova linha de pensamento que se convencionou chamar de neoconstitucionalismo, que, consequentemente, deu origem ao direito processual constitucional, o qual se atribui nas correntes do neoprocessualismo.

No processo civil, diante de uma abordagem constitucional, os assuntos processuais são vistos a partir de valores e técnicas, no sentido de impulsionar a harmonia entre o processo e a cultura humanitária. Assim entende Canotilho, ao propor um modelo de funcionamento das jurisdições, voltado à compreensão dos procedimentos e organização do processo sob a ótica e direção dos direitos humanos.

A partir do momento em que o Direito Processual e a Constituição caminham juntos, há o reforço no entendimento de preservação e expansão dos Direitos Fundamentais, onde, a busca pela distribuição igualitária dos meios de acesso à dignidade passa a dar significado a todas as técnicas processuais.

Sendo assim, há necessidade de se buscar a máxima efetividade da Constituição para que a mesma não se torne inócua e inaplicável, em que Carnellutti, em sua teoria circular dos planos material e processual, fundamenta que a ciência processual não pode se esquecer da força normativa da Constituição, bem como dos Direitos Fundamentais.

2. DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os Direitos Fundamentais, segundo Canotilho consistem nos direitos objetivamente vigentes em uma ordem jurídica concreta, que cumprem uma função de defesa dos cidadãos.

Os Direitos Fundamentais, na ordem institucional, passaram a manifestar-se em três gerações, mais os direitos da quarta geração. Os da primeira geração são os direitos da liberdade (direitos civis e políticos), de resistência ou de oposição perante o Estado. Os da segunda geração são os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos. Já os da terceira geração têm por base o humanismo e universalidade, onde os direitos não se destinam especificamente à proteção dos interesses dos indivíduos ou de um grupo. Por fim, a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração, do direito à democracia, à informação e ao pluralismo. Paulo Bonavides também sustenta a inclusão da paz como direito fundamental de quinta geração.

Desta forma, os direitos fundamentais são responsáveis por conformar os valores da sociedade ao Direito, que os tornam jurídicos, os quais também são considerados direitos subjetivos dos indivíduos que vinculam e limitam o poder do Estado e dos particulares que produzem efeitos que atingem todo o ordenamento jurídico, servindo de interpretação e aplicação das demais normas do ordenamento jurídico.

 

3. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Os princípios constitucionais, assim como os direitos fundamentais, são um reflexo do neoconstitucionalismo, diante de uma visão mais moderna da Constituição, tendo por base a valorização da dignidade da pessoa humana e os princípios gerais do ordenamento jurídico.

Os princípios constitucionais protegem os atributos fundamentais da ordem jurídica, com a aplicação e interpretação do direito, criando-se uma norma jurídica. Esta atividade relaciona-se com a instrumentalidade e efetividade processual, na busca de uma solução eficaz e efetiva dos litígios. Como exemplos, teríamos: o princípio da inafastabilidade do controle judiciário, do acesso ao judiciário (relaciona-se com a dignidade da pessoa humana), do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da instrumentalidade, da efetividade, da publicidade, da motivação das decisões judiciais, da isonomia, e da celeridade/razoabilidade da duração do processo. 

4. As normas processuais à luz do neoconstitucionalismo e do neoprocessualismo

Segundo Paulo Bonavides, há necessidade de se interpretar e aplicar as normas jurídicas sob a ótica constitucional e dos direitos fundamentais, conforme faz menção a seguir:

“Os direitos fundamentais são a bússola das Constituições. A pior das inconstitucionalidades não deriva, porém, da inconstitucionalidade formal, mas da inconstitucionalidade material, deveras contumaz nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvimento, onde as estruturas constitucionais, habitualmente instáveis e movediças, são vulneráveis aos reflexos que os fatores econômicos, políticos e financeiros sobre elas projetam. (...) Quem governa com grandes omissões constitucionais de natureza material menospreza os direitos fundamentais e os interpreta a favor dos fortes contra os fracos. Governa, assim, fora da legítima ordem econômica, social e cultural e se arreda da tridimensionalidade emancipativa contida nos direitos fundamentais da segunda, terceira e quarta gerações.”

Neste mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni coaduna com este entendimento, estabelecendo os meios de interligar o direito processual e o material, sempre sob a ótica dos direitos fundamentais, garantindo a prestação jurisdicional efetiva, como transcrito a seguir:

   (...)os direitos fundamentais materiais, além de servirem para iluminar a compreensão do juiz sobre o direito material, conferem à jurisdição o dever de protegê-los (ainda que o legislador tenha se omitido), ao passo que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva incide sobre a atuação do juiz como “diretor do processo”, outorgando-lhe o dever de extrair das regras processuais a potencialidade necessária para dar efetividade a qualquer direito material (e não apenas aos direitos fundamentais materiais) e, ainda, a obrigação de suprir as lacunas que impedem que a tutela jurisdicional seja prestada de modo efetivo a qualquer espécie de direito.

Conforme se observa, o texto constitucional ocupa o centro do sistema normativo, dotado de intensa carga valorativa. Mas, esta subordinação das Leis à Constituição precisa de um sistema de controle de proteção e efetivação dos direitos fundamentais que é exercido pelo Poder Judiciário.

Diante deste confronto entre as regras tradicionais e os princípios e regras de direitos fundamentais, surgiram novos postulados normativos, dentre eles o da supremacia da Constituição, interpretação conforme e o da máxima efetividade.

Para Marcelo Novelino, as principais características do  neoconstitucionalismo seriam as seguintes: mais princípios do que regras; mais ponderação que subsunção; onipresença da Constituição em todas as áreas jurídicas; onipotência judicial em lugar de autonomia do legislador ordinário; e coexistência de uma constelação plural de valores.

No que tange ao neoprocessualismo, o processo sofreu a influência desse processo de valoração da Constituição, que, primeiramente, passou a contemplar a tutela constitucional do processo, que consiste no conjunto de princípios e garantias originados da Constituição que versem sobre a tutela jurisdicional, o devido processo legal, a exigência da motivação dos atos judiciais e a chamada jurisdição constitucional das liberdades, compreendendo os meios previstos na Constituição para dar efetividade aos direitos individuais e coletivos, como o mandado de segurança etc. A partir desta corrente, os princípios processuais passaram a ser denominados de direitos fundamentais processuais, principalmente os que contam com previsão expressa na Constituição.

Inclusive, diante dessa evolução, atribuiu ao primeiro capítulo do novo Código de Processo Civil o nome “Dos princípios e garantias fundamentais do processo civil”.

À Luz do neoconstitucionalismo e do neoprocessualismo, o processo deverá ser adequado à tutela dos direitos fundamentais e estruturado em conformidade com essas mesmas normas.

O papel do magistrado ganha maior importância, no desempenho dessa reconstrução do processo civil à luz da Constituição. Como exemplo, temos no art. 1º do novo CPC, o seguinte: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

Vale destacar ainda, algumas consequências deste novo sistema, como o reconhecimento de um direito fundamental ao devido processo legal, à máxima efetividade, a um processo sem demoras desnecessárias, à igualdade processual e à participação no contraditório.

A seguir, há a transcrição de alguns dispositivos do novo CPC, a título de exemplificativo, anteriormente mencionado:

 - Art. 4º (Máxima efetividade) A tutela prestada por meio do processo será plena e, sempre que possível, específica, compreendendo tanto a inibição da ameaça a direito como a reparação do dano contra ele consumado.

- Art. 5º (Celeridade processual) As partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa.

- Art. 6º (Devido processo legal-substancial) As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando entre si e com o juiz, e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a Prática de medidas de urgência.

- Art. 153, § 1º (Adaptação do procedimento – criatividade do juiz) Quando o procedimento ou os atos a serem realizados se revelarem inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes e observados o contraditório e a ampla defesa, promover o necessário ajuste. 

         

5. CONCLUSÃO

Por todo o exposto, ficou clara a exigência de se conciliar o texto constitucional a uma prática constitucional que corresponda. Prática esta que só será possível se houver o cumprimento por parte do Poder Judiciário, em atuar com base no princípio da constitucionalidade dos atos. Além de ser retirado do legislador o rótulo de apenas a ele ser atribuída a responsabilidade pela viabilização da Constituição. O juiz tem a missão constitucional de impedir ações ou omissões contrárias ao texto, sem que com essa atitude esteja violando a Constituição.

Necessário se faz que os julgamentos não se limitem apenas ao caso concreto, mas ao próprio conteúdo da norma, sempre tendo como parâmetro os princípios e direitos fundamentais previstos na Constituição. 

Neste sentido, segue a nova tendência prevista no novo CPC, conforme demonstrado neste artigo, que, apesar de ainda não ser de uma total amplitude, o juiz aparece como protagonista. Com isso, o juiz passará a ter um cenário propício para que possa criar, adaptar e efetivar soluções que estejam em conformidade com a Constituição.

Por fim, complementando tudo o que foi apresentado neste trabalho, passo a transcrever o que diz Luiz Guilherme Marinoni (2012, p. 314) com bastante propriedade sobre o assunto:

“Se o processo civil é um instrumento para a adequada tutela dos direitos, e se, nesta linha, o procedimento constitui apenas uma técnica para a boa e correta prestação do serviço jurisdicional, é lógico que o procedimento não pode distanciar-se dos direitos a que deve proteger, e muito menos das necessidades da sociedade contemporânea, sob pena de não poder atender aos novos direitos e assim transformar-se em uma espécie de técnica inútil para realizar as finalidades que o Estado tem a missão de cumprir.”

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 13ª edição, São Paulo: Malheiros Editores.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo/Luiz Guilherme Marinoni. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

NUNES, Donizetti Elpídio (2011), “O processo como meio de efetivação dos direitos fundamentais”. Advocatus, nº 6, p.16-21.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de.  O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais.