INTRODUÇÃO

O presente estudo de pesquisa, tem como tema o processo penal e a evolução das medidas cautelares com o advento da Lei nº. 12.403, de 4 de maio de 2011, que foi inserida recentemente no ordenamento jurídico brasileiro. Partindo-se desse prisma, este trabalho faz uma reflexão sobre o papel da política criminal que pode ter influenciado o processo penal em relação as modificações das medidas cautelares.

O objetivo geral do presente estudo consiste em mostrar as mudanças trazidas pela Lei 12.403/2011, que trata das medidas cautelares, para se alcançar um avanço na seara do processo penal. Dentre dos objetivos específicos destacam-se: demonstrar o que vem a ser tais medidas, enumerar as garantias constitucionais resguardadas do investigado ou acusado que cumpre medida cautelar, abordar sobre a aplicabilidade das prisões cautelares antes da Lei 12.403/2011, e primordialmente  atentando-se para os pontos positivos da mudança.

As novas disposições foram inseridas no capitulo IX do Código de Processo Penal, entre os artigos282 a350 (anexo I), trazendo as alterações quantos as prisões e medidas cautelares. Essas novidades foram alvos de grandes repercussões na seara jurídica e na mídia. Entretanto, a preocupação reside quanto à aplicabilidade destas normas, já que as autoridades (juízes, promotores, delegados e advogados) têm que se adaptar às novas regras, e aplicá-las de modo a favorecer um processo penal eficiente, evitando que essa adequação facilite os casos de impunidade.

Desde a entrada em vigor da Lei 12.403/2011, que modificou a redação de 32, incluindo um novo artigo (289-A) e revogando vários outros (298, 313 inciso IV, os §§ 1º a 3º do artigo 319, os incisos I e II do artigo 321, os incisos IV e V do artigo 323, o inciso III do artigo 324, o §2º e seus incisos I, II e III do artigo 325 e os artigos 393 e 595), houve muita em todo o Brasil, com entendimentos diversos, muitos pensando que haveria,em todo País, uma libertação em massa, prejudicando uma análise mais jurídica das novas medida.

Depreende-se da análise de vários artigos de renomados juristas e aplicadores do direito, e ainda da leitura das várias obras que já foram publicadas acerca das alterações, que o sistema penitenciário brasileiro é superlotado, e que não garante a efetivação de justiça; assim, a possibilidade de aplicação de medidas alternativas à prisão, antes da condenação, é vista de forma positiva no meio jurídico.

A relevância deste estudo justifica-se em função de ser um tema extremamente novo e repercutido, vez que estas mudanças vão renovar as formas de aplicação das sanções penais, pois traz um rol de opções de medidas cautelares que não são tão extremas quanto a aplicação de pena de prisão.

Vê-se que o ordenamento jurídico pátrio vem se desenvolvendo desde o advento da Carta Magna de 1988, trazendo sempre uma visão mais moderna acerca das punições dos indivíduos que transgridem as normas de direito, especialmente as normas penais, pois estas implicam na supressão de liberdade e podem, conforme as circunstâncias, agravar ainda mais a crise social e de segurança pública instalada no país.

Partindo deste pressuposto tem-se primado pela preservação da liberdade, mantendo os indivíduos no convívio da sociedade e de seus familiares, por entender medida mais salutar à socialização dos infratores, desde que estes preencham certos requisitos para que sejam mantidosem liberdade.  Assim, na ausência destes, e considerando circunstâncias mais graves e inquestionáveis, que pode o magistrado falar em decretação de prisão.

Neste sentido, a ampliação do rol das medidas cautelares trazida pela nova lei possibilita o cumprimento da proposta de socialização dos indivíduos e a satisfação da sociedade em relação a impunidade. Já que busca os seus fundamentos em princípios constitucionais que desempenham uma função norteadora para a decretação da prisão cautelar, principalmente: a duração razoável da prisão cautelar, a dignidade humana dos presos, a duração razoável do processo e a presunção constitucional de inocência.

Este trabalho tem como hipótese que estas medidas trazem mais vantagens ao réu preso em sede de cautelar, tendo em vista que, agora, o juiz possui oito alternativas como medidas diferentes de prisão, podendo beneficiar o preso com a oportunidade de provar sua inocência em liberdade, o que evita também o aumento significativo da população carcerária.

Considerando que a CF/88, fundamentalmente, garantista, prevê que todo indiciado ou processado deve ter preservado os direitos fundamentais dos cidadãos. Ressalta-e que em matéria penal, toda legislação que beneficie o acusado pode retroagir.

Portanto, a lei possibilita o reexame da situação de todos os presos com medidas cautelares no país. Portanto, se desnecessária a pena restritiva de liberdade, fixa-se medida cautelar diversa da prisão. Destarte, vê-se que essas medidas buscam alcançar os princípios constitucionais e processuais penais sem manter o investigado ou processado preso, já que a prisão é entendida como medida de aplicação extrema.

Na realização deste estudo buscou-se uma metodologia que pudesse alcançar aspectos associativos da crise jurídica penal com a realidade social. Já que a afirmou-se que a lei penal no que tange a fase de execução não tem possibilitado a ressocialização e a reinserção do indivíduo no meio social.

Para promover uma melhor segurança e responder aos anseios sociais criou-se medidas mais dignas aos condenados. Neste sentido, o estudo tem por base esta hipótese, portanto o método adotado foi o hipotético-dedutivo, considerando as nuances da legislação geral partindo para se ater ao estudo de uma lei específica que trata desse processo de mudança no âmbito da legislação processual penal.

Quanto ao material utilizado na realização deste trabalho, a pesquisa foi feita em materiais já publicados: livros, artigos de periódicos, internet e jurisprudências.  Portanto, para a construção do referencial teórico busca-se amparo nesses instrumentos, que abordam sob diversos aspectos o tema elucidado.

Destarte, tratando-se de uma pesquisa bibliográfica são utilizadas fontes primárias, por conter legislações, e ainda, fontes secundárias, que são estudos realizados por outros pesquisadores.            Assim, pode-se afirmar que o marco teórico deste trabalho é a obra Prisão e Medidas Cautelares, dos autores Luiz Flavio Gomes e Ivan Luis Marques

O trabalho está estruturado em três capítulos. O primeiro traz uma breve noção da relação da política criminal com a legislação processual penal, atentando para importância que a primeira tem sobre a elaboração das normas jurídicas e a preservação dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Já o segundo capítulo traz a contextualização das prisões cautelares, enumerando as principais e conceituando-as conforme eram preceituadas antes das alterações trazidas pela Lei 12.403/2011.

No terceiro capítulo é tratado sobre todas as medidas cautelares previstas após o advento das mudanças acarretadas pela Lei 12403/2001, abordando sobre o papel do juiz e as condições de aplicação das mesmas.

CAPÍTULO I

GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO ACUSADO E O PROCESSO PENAL

1.1 Direitos Humanos

Tratando-se de justiça criminal é mister a análise conjunta do ramo dos Direitos Humanos com a matéria penal e processual penal, por existir uma infinita intimidade entre aquele e as ciências penais e criminológicas, quais sejam: direito penal, processual penal e do direito penitenciário, e pela obediência a que devem ter em relação às normas e princípios da hierarquia vertical e de validade e soberania das normas.

Deste modo, os Direitos Humanos dos investigados e processados na seara criminal estão dispostos na Carta Magna, e devem ser observados e respeitados na edição e aplicação das leis infraconstitucionais – Código Processual Penal, Lei de Execução Penal e diversas legislações penais especiais.

Tais direitos também estão presentes nos instrumentos internacionais, aos quais o governo é signatário. Alem disto, a Constituição e explicita no sentido de resguardar especificamente esses Direitos Fundamentais, disposto na Carta Magna:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-seem Estado Democráticode Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana;“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...) II - prevalência dos direitos humanos;”

“Art 5º. (...)

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados,em cada Casado Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

Vê-se assim, que a nossa Carta Magna já em seu primeiro artigo traz a matéria de Direitos Humanos, e trata principalmente do Principio da Dignidade da Pessoa Humana, imensa atenção dado pelo legislador constitucional em matéria de Direitos Humanos no intuito de preservar esta dignidade.

Dessa forma a Constituição cidadã de 1988 e os instrumentos de Direitos Humanos que já foram ratificados pelo governo brasileiro, inseridos no próprio texto constitucional e as diretrizes ali previstas devem ser respeitadas no processo penal, aderindo-os de forma coerente aos princípios da legalidade, isonomia, dignidade da pessoa humana, humanidade, boa-fé, “pro homine”, da superioridade ética do Estado.

Os diplomas legais mais conhecidos em matéria de Direitos Humanos são os artigos 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, de 1966, e o artigo 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, de 1969, que foram devidamente aderidos pelo governo federal pelos Decretos nsº 592/92 e 678/92:

Art. 14 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas. 1 - Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, quer na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias especificas nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá tornar-se pública amenos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou o processo diga respeito a controvérsias matrimoniais ou á tutela de menores.

2 - Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.

Os referidos diplomas legais evidenciam a importância e necessidade de se respeitar os direitos humanos e os princípios basilares do processo penal, entre eles o principio da presunção de inocência, o qual ampara que toda pessoa apontada de um crime tem direito de sua presunção de inocência, enquanto não for comprovada tal culpa de forma legal.

Art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1 - Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2 - Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, ás seguintes garantias mínimas: [...]

Além das garantias a respeito da presunção de inocência, esses artigos evidenciam princípios constitucionais de cunho humanista como o devido processo legal, e o da razoável duração do processo, frisando cada vez mais sua importância e seu caráter humanitário. 

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José prevê a suspensão de garantias judiciais-constitucionais como medida excepcional, tendo em vista que as hipóteses permissivas se dão apenas no caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-Parte, obrigando a informação da suspensão aos demais Estados-Partes, conforme segue:

Artigo 27 - Suspensão de garantias

1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-parte, este poderá adotar as disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.

2. Adisposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 6 (proibição da escravidão e da servidão), 9 (princípio da legalidade e da retroatividade), 12 (liberdade de consciência e religião), 17 (proteção da família), 18 (direito ao nome), 19 (direitos da criança), 20 (direito à nacionalidade) e 23 (direitos políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos.

3. Todo Estado-parte no presente Pacto que fizer uso do direito de suspensão deverá comunicar imediatamente aos outros Estados-partes na presente Convenção, por intermédio do Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos, as disposições cuja aplicação haja suspendido, os motivos determinantes da suspensão e a data em que haja dado por terminada tal suspensão.

Entretanto a questão dos direitos é tão importante que o artigo antecedente demonstra que mesmo em momentos de exceção, como no caso de guerra, de perigo publico ou outra emergência o Estado não tem direito de suspender o rol de direitos do inciso 2 do referido artigo, evidenciando a importância de em qualquer situação estar garantido os direitos humanos.

Assim, caso haja denúncia e queixa de qualquer pessoa ou grupo de pessoas, o Estado que suspendeu as garantias fundamentais, violando os Direitos Humanos, de modo a infringir o disposto no Pacto de San José da Costa Rica – Decreto 678/92, será responsabilizado na ordem jurídica internacional dos Direitos Humanos.

Diante da intensidade e importância dada aos Direitos Humanos, depreende-se da leitura de Piovesan ser mais apropriado à utilização da expressão: “Estado de Direitos Humanos”, por ser muito mais abrangente do que “Estado de Direito” (2011, p.102), já que a inobservância das necessidades básicas e reais quanto às garantias fundamentais da cidadania, individuais ou coletivas, acarreta séria violação aos direitos indisponíveis, configurando flagrante atentado aos Direitos Humanos. Piovesan ainda completa:

Os Direitos Humanos possuem proteção a nível internacional e regional. A nível internacional, a proteção inicia com a criação do Pacto da Sociedade das Nações no ano de 1920, posteriormente, em 26 de junho de 1945, assina-se a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), que tem por propósito a realização da cooperação internacional para o desenvolvimento e estímulo de respeito aos Direitos Humanos e às liberdades fundamentais de todos, sem nenhuma distinção; em seguida surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos (em 10.12.1948), aceita e proclamada pelos Estados-Membros. Regionalmente, no continente americano a tutela dos Direitos Humanos começa formalmente com a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada pela Nona (9ª) Conferência Internacional Americana em Bogotá, Colômbia, no ano de  1948, na qual se criou a Organização dos Estados Americanos (OEA), com o fim de propugnar pela ordem, pela paz e pela justiça, onde na sua Carta constam os "Direitos Fundamentais da Pessoa Humana”, como um dos princípios que fundamentam a Organização (2011, p. 73).

Para este autor, esta vem sendo discutida e votada desde 1920, desse momento ate os dias de hoje avanços como envolvimento de vários países e a constitucionalização desses direitos humanos, a fim de garantir a todos esses Estados não apenas de Direito, mas sim um Estado de Direitos Humanos.

Para Alexandre de Moraes não se pode negar que uso ideológico e distorcido do direito e do processo penal atenta contra aos direitos humanos, sendo perpetrado, às vezes, pela própria justiça, “nos termos da lei”; como por exemplo, quando as garantias constitucionais são observadas apenas formalmente, seja no abuso das prisões cautelares aplicadas, na falta da apuração e punição dos crimes de tortura, durante a execução da pena, já que os presídios não fornecem condições de respeitar a dignidade dos presos, ou até mesmo na falta de seguimento do Devido Processo Legal. O autor ainda complementa:

Por tais razões, os direitos humanos passam a ter uma eficácia meramente retórica, sem nenhuma efetividade no âmbito do sistema punitivo. Logo, chega-se à conclusão de que o processo penal, enquanto mecanismo técnico de composição das lides penais e enquanto instrumento ético de participação política (defesa das liberdades fundamentais), pode estar mesmo com os sinais da instrumentalidade invertidos, isto é, ao invés de solucionar com justiça as lides e de funcionar como instrumento de garantia dos acusados, o processo penal acaba atuando como instrumento de desconstrução da cidadania e de reprodução da violência institucional. (2010, p. 82)

Os direitos humanos não podem ser utilizados apenas como ideologia, precisam sim ser utilizados como ferramentas legais, e o Poder Judiciário como um todo, deve garantir esses direitos, e não fazer deles apenas material de retórica. O processo penal deve respeitar esses direitos fundamentais, direitos esses de cunho constitucional, sendo hierarquicamente superior a todas as outras matérias.

1.2 O Processo Penal na Constituição e os Direitos Fundamentais

O Direito Processual Penal, pautado na Carta Magna, propicia a todos os indivíduos as garantias e os instrumentos necessários para uma correta defesa de seus direitos, e um devido processo legal justo. Pode-se, assim, inferir que o direito processual penal é o ramo do direito que mais está cativo à Constituição, que lhe impõe obediência rígida aos seus princípios fundamentais.

A Constituição de 1988, em seu artigo 1°, consagrou o Estado Democrático de Direito, de forma expressa, contrariando a tradição política autoritária e arbitrária. Vê-se assim que o novo Texto Constitucional busca aspirações sociais contemporâneas, zelando pela nítida separação de papéis entre acusador, defensor e julgador, atribuindo a cada um destes um papel a ser desempenhado, bem como conferindo ao investigado/acusado inúmeros direitos e garantias até então ignorados. Assim, a intenção é pela consagração dos princípios fundamentais, resguardando a dignidade da pessoa humana e, sobretudo, os direitos e garantias daqueles que se vêem investigados ou acusados da prática de algum delito.

Na busca por um processo penal mais justo, quando da promulgação da Constituinte de 1988, vivia-se num momento pós-ditadura, destarte a solução encontrada para se evitar os abusos decorrentes do Estado autoritário antecedente motivaram a necessidade de explicitar no novo texto os direitos e garantias fundamentais, passando estes a ter status constitucional.

Com o status de Estado Democrático de Direito adquirido, foram elencados em sede constitucional os princípios basilares do processo penal, para que estes não viessem a ser afrontados por leis infraconstitucionais, atribuindo-lhes maior imperatividade. Como exemplo, os princípios constitucionais do processo penal, expressos têm-se o Devido Processo Legal, o Juiz Natural, o Contraditório, a Ampla Defesa, a Publicidade dos atos processuais, a Presunção de Inocência e a Obrigatoriedade.

Ressalte-se como fundamento da República, expresso no artigo 1ª da Carta Magna, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que determina que todos os princípios pertinentes devam ser estendido à pessoa acusada, processada ou condenada pela justiça, já que a Constituição não restringe a aplicação dessa máxima a nenhum ser humano e por esta razão se fala em blindagem dos direitos fundamentais.

Moraes ensina que a origem da blindagem está no princípio da presunção de inocência e do respeito à dignidade da pessoa humana, não permitindo qualquer ato/fato que atente flagrantemente contra os Direitos Humanos, especificamente contra a honra e a dignidade da pessoa humana (2010, p. 62).

Portanto, a persecução penal é regida por padrões normativos estipulados pela Carta Maior que traduzem limitações ao poder estatal, protegendo o cidadão do arbítrio judicial e da coerção do Estado, a fim de resguardar sua liberdade e afastar possíveis abusos por parte do Estado. Vários dispositivos assim determinam, a exemplo do respeito à integridade física e moral do cidadão assegurado pelo constituinte originário e estendido na legislação infra-constitucional (art. 5º, xlix CF, art.38 CP e art. 40 LEP), como a lei de crime de abuso de autoridade (Lei nº 4.898/65), que reprime a atuação arbitrária das autoridades públicas; mas também,  considerando a tortura como delito grave (Lei nº 9.455/97) e atentatória aos Direitos Humanos, conforme Declaração e Convenção da ONU, 1975 e 1984, Convenção de 1985, da OEA.

O respeito às normas Constitucionais e aos diplomas internacionais ratificados pelo Brasil são basilares na edificação de um Processo Penal Constitucional, já que visam tutelar mais direitos ao indivíduo em face da atuação estatal.

1.3 O Respeito ao Princípio do Devido Processo Legal

Em se tratando de matéria Processual Penal, as regras de investigação, do curso processual e de execução, a jurisdição exerce-se por meio do direito de ação, ficando de um lado o Estado, representando toda a sociedade, no exercício do jus puniendi e do outro está o indivíduo no exercício do jus libertatis. Ambos possuem pretensões manifestando-se da seguinte forma: o Estado, a de punir, e o indivíduo, a de permanecer em liberdade; sendo imprescindível a existência de um processo penal justo e pautado nas regras constitucionais.

Durante o exercício dessa tutela estatal de punir os indivíduos em prol de uma sociedade equilibrada, os instrumentos internacionais ratificados e aderidos pelo Estado, especialmente sobre Direitos Humanos, expressam com clareza as cláusulas sobre garantias judiciais para o Devido Processo Legal. Fernando Capez assim leciona:

O devido processo legal consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e seus bens, sem a garantia de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei. No âmbito processual garante ao acusado a plenitude de defesa, compreendendo o direito de ser ouvido, de ser informado pessoalmente de todos os atos processuais, à publicidade e motivação de suas decisões, ressalvada a s exceções legais. Somente com o devido respeito a todos os princípios de direito penal material e adjetivo se poderá falar em “devido processo legal”, obviamente abrangendo a proibição taxativa da produção de provas ilícitas, verbi gratia, a tortura como forma de fazer confessar o implicado, não produz efeito “probandi” e ademais caracteriza delito inafiançável e insuscetível de clemência presidencial (inc. xliii do art. 5.º CF) (2009, p. 37).

O Principio do Devido Processo Legal, consiste em assegurar o direito fundamental de todo cidadão que, se processado, possa se defender processualmente por todos os meios possíveis estabelecidos em lei, qualquer ato processual que infrinja este principio perde sua validade e se, feito de forma proibida por lei caracteriza delito sucessível de punição.

Norteando-se o Processo Penal pela aplicação do sistema constitucional penal, várias regras mostram-se como máximas que não podem ser infringidas de acordo com a carta magna. São os princípios: a presunção de inocência (art. 5º, VII CF), a anterioridade da lei penal (art. 1º CP e art. 5º, xxxix CF), analogia in bomam partem e nunca in malam partem (art. 3º CPP); o princípio do bis in idem, da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, LV CF), a intranscendência ou individualização da pena (art. 5º, xlvi CF), a transparência e publicidade dos atos policiais-judicias (art.93, ix CF), o segredo de justiça (arts. 5º, lx e 93, ix CF) quando necessário à preservação da intimidade, privacidade e a imagens das pessoas envolvidas no litígio, e não cerceando direitos fundamentais ou garantias constitucionais (art.5º, X CF e art. 138 e sgts CP), o devido processo legal (art. 5º, IV CF), proibição do abuso de poder ou de autoridade (Lei nº 4.898/65) que se desrespeitado gera nulidade no processo penal (art. 563 e segts. CPP).                 

No Brasil, embora parte da doutrina, liderada por Ada Pellegrini Grinover (1993, p. 132), considere que o princípio do Devido Processo Legal já se encontrava implícito na Constituição anterior, somente com o Texto Constitucional de 1988 veio explicitamente deduzido dentro do rol dos direitos e garantias fundamentais.

Com o artigo 5°, inciso LIV, da Constituição Federal de 1998 tornou-se expresso que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". O que assegura a todos os cidadãos, a garantia de não ser privado de sua liberdade ou da propriedade de seus bens sem a tramitação de um processo segundo a forma prescrita em lei.

Para o autor Antonio Magalhães Gomes Filho a presunção de inocência e o devido processo legal são conceitos que se complementam, uma vez que o reconhecimento da culpabilidade não exige apenas a existência de um processo, mas, sobretudo de um processo justo (2006, p. 323).

Os mencionados princípios caminham lado a lado, um auxiliando o outro, sua utilização harmônica no Processo Penal, e a efetivação da garantia Constitucional de ter um processo justo, efetivando os demais princípios humanitários, resguardando principalmente a dignidade da pessoa humana.

Assim, vê-se que o Devido Processual Legal é mais que um direito do indivíduo. Ocupa posição de garantia constitucional e portanto, satisfeito restringe a arbitrariedade estatal através de ajustada atuação jurisdicional, também livrando o processo de eventuais nulidades, que muitas vezes é causa de impunidade. Eugenio Pacelli preceitua que:

A nova ordem passou a exigir que o processo não fosse mais conduzido, prioritariamente, como mero veículo de aplicação da lei penal, mas, além e mais que isso, que se transformasse em um instrumento de garantia do indivíduo em face do Estado. O devido processo penal constitucional busca, então, a realização de uma Justiça penal submetida a exigências de igualdade efetiva entre os litigantes. O processo justo deve atentar, sempre, para a desigualdade material que normalmente ocorre no curso de toda persecução penal, onde o Estado ocupa posição de proeminência, respondendo pelas funções investigatórias e acusatórias, como regra, e pela atuação da jurisdição, sobre a qual exerce o monopólio. (2012, p.11)

O Devido Processo Legal alem de estabelecer as fazes processuais a serem adotadas, mas para também evitar que o poder estatal, que possui o ius puniendi, não faça abusos com seu poder, devendo sempre respeitar os princípios fundamentais, visto que o seu conjunto de normas, garantias e princípios que tem por objetivo resguardar e fazer valer os direitos e garantias fundamentais do indivíduo, em especial, a vida, a liberdade e o patrimônio, durante o desenrolar do processo, que deve ser finalizado em prazo razoável (celeridade processual), de modo a permitir uma efetiva e equilibrada realização da Justiça. Nestes moldes, o respeito ao devido processo legal contribui para a efetivação da constitucionalização do processo penal.

1.4 Política Criminal

A política criminal nos dias hoje se constitui em decisões tomadas pelo poder público, onde sempre causam críticas e argumentos de uma sociedade totalmente intolerante ao que acontece nos dias atuas, levando em consideração as condições econômicas possibilitam diferentes formas de proteção contra a criminalidade. Contudo as formas de proteção, diante da criminalidade, diferencie de acordo cada condições sócio-econômicas, existe um fato comum: todas as camadas da sociedade imploram uma enérgica intervenção estatal objetivando combater a escalada da violência e o estabelecimento de uma aceitável segurança social.

Desta forma, toda vez que acontece algum crime que choca a sociedade ou  pela quantidade exaustiva de crimes que acontece no dia a dia, as autoridades são chamadas a prestar esclarecimentos sobre as atitudes tomadas pelos órgãos públicos no intuito de conter e punir os infratores da lei. Eugenio Raúl Zaffaroni conceitua Politica Criminal da seguinte forma:

Podemos afirmar que a politica criminal é a ciencia ou a arte de selecionar os bens (ou direitos), que devem ser tutelados juridica e penalmente, e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente implica a critica dos valores e caminhos ja eleitos. (2004. Pg 129)

É bastante evidente o dúplice caráter da Política Criminal: é de certa forma uma melhoria em que se busca para a contenção do crime e também científica os legisladores para que o combate à criminalidade se faça racionalmente, com o emprego de meios apropriados. Por meio da crítica ao ordenamento em vigor, busca gerar sua alteração e adequação às políticas aconselhadas.

Não se deve esquecer que toda norma jurídica surge de uma decisão política. A legislação penal, como parte da lei em geral, também é fruto de uma decisão política, pois suas interpretações tendem a traduzir em soluções para casos concretos, são soluções estabelecidas por um poder do Estado, isto é atos de governos, ou, a mesmos coisas que atos de decisão políticas. Como resultado, o bem jurídico a ser tutelado pela norma penal tem sua escolha apontada por fatores políticos.

Deste modo, a política criminal deve respeitar os princípios basilares de direitos humanos, e ainda aqueles trazidos pela Constituição Federal, para que  a sociedade seja resguardada da criminalidade e para que o infrator tenha seus direitos respeitados e consiga uma nova chance de recomeçar.

CAPÍTULO II

 PRISÕES CAUTELARES E AS HIPOTESES DE SUA APLICABILIDADE ANTES DA LEI 12.403/2011

Viver em sociedade não tem sido uma tarefa fácil para o homem, cujo aprendizado tem sido gradativo, implicando esforço para a construção de relações sociais mais equilibradas. Resultante de um meio cultural, pois criador de conhecimentos e técnicas de intervenção em seu meio ambiental e social, o homem apresenta um processo cumulativo de conhecimento e experiências que foram adquiridos por gerações anteriores, mas também apresenta um ambiente de permanente conflito que ameaça a própria vida.

Para Bonavides (2008, p. 09) intrincados elementos que permeiam as relações sociais, a exemplo das paixões, dos instintos, dos interesses, da relação de poder e outros elementos múltiplos levam o homem, nas suas relações sociais, assumirem condutas consideradas negativas, sobre as quais as sociedades passaram a ter preocupações e, neste sentido, desenvolveram meios de controlar estes fatores considerados negativos e prejudiciais na vidaem sociedade. Assim, tem-se no Direito o reconhecimento de que a existência da norma é uma condição fundamental para que o grupo social possa subsistir, passando-se a aceitar a sua aplicação.

Como instrumento social, o Direito foi resultado de uma necessidade. Surgiu primeiramente com o objetivo de solucionar conflitos e estabelecer regras de convivência entre os indivíduos de um mesmo grupo social. Atualmente, o Direito pode ser compreendido como um instrumento social destinado a motivar e enquadrar as ações humanas e contribuir para que se alcance um tipo determinado de ordem social em uma sociedade secularmente organizada. (DIAS, 2009, P.20).

Pode-se inferir, a partir desta reflexão, que nenhuma sociedade pode funcionar ou se desenvolver sem que se tenha um mínimo de uniformidade no comportamento dos indivíduos, o qual deve atender ás expectativas da coletividade no que se refere a uma conduta aceita e àquela socialmente reprovada. Esta conduta deve ser adequada conforme cada situação vivenciada pelo homem, demonstrando que aceita as normas para o bom funcionamento das relações sociais e humanas. Daí a importância da norma jurídica, pois com ela há uma possibilidade de se garantir que o indivíduo não irá transgredir o que foi socialmente estabelecido como comportamento previsível e aceitável.

Considerada a importância da norma jurídica na estrutura da ordem social, sustentada pela autoridade do Estado, este regulamenta os atos que possam levar ao desvio da ordem e que coloquem em risco a sua estabilidade, pois um comportamento anti-social pode levar a um controle social mais gravoso, inclusive com a privação da liberdade. Segundo Pedro Scuro Neto:

Comportamento anti-social é basicamente procedimento contrário aos modos normais de conduta, à ordem social vigente, refletindo incapacidade de socializar-se e disposição de conflito com o grupo. Anti-sociais seriam, portanto, menores infratores, assassinos seriais e terroristas, sociopatas com distúrbios de personalidade, sem sentimento de culpa com tendência a se envolver em relações sexuais promíscuas, agir com excessiva impulsividade, demonstrando incapacidade de projetar a própria personalidade, de contemplar as conseqüências dos próprios atos, de relacionar-se de modo significativo e/ou aprender a partir das próprias experiências [...] (2009, p.191 e 192).

Em virtude destes comportamentos destoantes do que é considerado aceitável, a sociedade procede a um ato de intolerância contra a violência, exigindo do Estado uma ação mais contundente contra aquele que viola a norma jurídica, pois esta se  encontra entre as regras de conduta que definem uma adequação social,

Através delas a sociedade dá conhecimento a seus membros, os modelos a que devem ajustar suas ações. Elas indicam os atos que consideram aceitáveis e aqueles que não o são. Dirige e orienta a conduta social através de um sistema de vantagens, prêmios e sanções. As condutas são classificadas de acordo com os extremos de lícitas ou ilícitas. Nesse sentido podemos afirmar que o Direito apresenta entre as suas mais importantes funções sociais o fato de ser um instrumento de controle social. (DIAS, 2009, P. 166).

Se há, então, algum comportamento considerado como desviante/ilícito, por ter ofendido um bem tutelado juridicamente pelo direito, especialmente pela matéria penal, necessário se faz o estabelecimento dos elementos necessários para o direito de punir do Estado. Além disso, importa observar os direitos do sujeito de comportamento desviante sob a ótica constitucional e processual penal para a definição de sua culpabilidade diante do fato considerado ilícito, inclusive com a privação de sua liberdade.

Neste sentido, a prisão é a medida mais desejada pelo grupo social, pois ela retira da visibilidade o indivíduo considerado criminoso do ponto de vista das normas sociais e jurídicas. Ela “designa a privação da liberdade do indivíduo, por motivo lícito ou por ordem legal, mediante clausura”. (BONFIM, 2009, p.397).

Uma vez estando o indivíduo preso, a sociedade não precisa lidar com a sua vulnerabilidade e nem se obrigando a ver uma pessoa que é produto de seu processo de exclusão social, econômico e político, reconhecendo a sua ineficiência em realizar a promoção da dignidade da pessoa humana.

A prisão se objetiva em duas perspectivas: modificar o comportamento dos indivíduos, transformarem os criminosos em não criminosos e devolvê-los às ruas conscientes das suas responsabilidades, adaptados à sociedade da qual faziam parte, mas que optaram por não obedecer às normas jurídicas e sociais.

No que se diz respeito à privação de liberdade, pode - se chegar ao um raciocínio de que a prisão nada mais é que uma forma de punir a irresponsabilidade do agente, ou até mesmo uma forma de castigo, seguindo uma perspectiva que muitos homens são mantidos em situações precárias sem nenhuma condição digna e ainda, sem analisar sequer os direito e garantias que todos têm, independentemente do ato praticado. Ou seja, primeiro foi preciso alastrar a idéia de manter uma pessoa ilícita em liberdade para depois se estabelecer como que essa pessoa estaria sendo tratada em cárcere.

No que diz respeito se a prisão é capaz de modificar os indivíduos, este acaba sendo um dos temas mais complexos, seja pela falta de estrutura no país hoje, seja pelo volume de pessoa presas. Sabemos que a prisão poderia recuperar os indivíduos criminosos, quais seriam seus escopos, mas muitas das vezes isso não acontece por uma grande deficiência na estrutura prisional brasileira onde cadeias estão “super lotadas”, e muitos ainda estão soltos nas ruas cometendo crimes.

2.1 Os aspectos conceituais sobre a prisão na ótica do Código de Processo Penal

Considerados estes aspectos, passar-se-á analisar, em matéria processual penal, as duas formas de prisão: a que decorre de atos processuais e a outra decorrente de sentença condenatória transitada em julgado.

De uma forma geral, a prisão significa uma sanção ao indivíduo que cometeu algum ilícito penal, pois ao privá-lo de sua liberdade, estar-se-á impondo uma pena mais grave e retirando-lhe qualquer determinação em seu poder decisório ou autonomia enquanto sujeito social. Segundo Julio Fabbrini Mirabete,

A prisão em sentido jurídico, e a privação da liberdade de locomoção, ou seja, do direito de ir e vim, por motivo ilícito ou ordem legal. Entretanto, o termo tem significado, vários no direito pátrio, pois pode significar a pena privativa de liberdade, o ato da captura, e a custodia. Assim, embora haja tradição no direito objetivo o uso da palavra em todos os sentidos nada impede que se utilizem os termos captura e custodia, com os significados mencionados em substituição ao termo prisão. (2008, p. 361)

Para o mesmo autor a prisão, na esfera jurídica, é advinda de motivo ilícito ou ainda de ordem judicial, palavra esta de uso mais tradicional dentre os operadores do direito, mas não impede que se utilizem outros termos genéricos e similares, como captura e custodia.

A prisão processual penal, provisória ou cautelar existe no processo penal para o atendimento a determinadas finalidades, sendo assim, Paulo Rangel contextualiza da seguinte forma:

A prisão cautelar e uma espécie de medida cautelar, ou seja, e aquela que recai sobre o individuo privando-o de sua liberdade de locomoção, mesmo sem sentença definitiva. A prisão cautelar tem como escopo resguardar o processo de conhecimento pois se não for adotado, privando o individuo de sua liberdade mesmo sem sentença definitiva, quando esta for dada, já não será possível a aplicação da lei penal. Assim, o caráter da urgência e necessidade informa a prisão a cautelar de maneira processual. (2011, p. 751).

De acordo com seu entendimento, a prisão cautelar é utilizada para resguardar questões de caráter de emergência, sendo assim decretada antes do transito em julgado da sentença, sendo ela garantidora de situações emergenciais, quando a demora na prisão pode acarretar sua impossibilidade em um momento futuro.

No direito processual as prisões processuais ou cautelares se apresentam para garantir segurança ao resultado final do processo, onde se averigua a existência do delito e a culpa. Sendo assim essas medidas possuem sempre caráter temporário, ou seja, são utilizadas apenas para garantir que o processo cumpra sua finalidade.

Não obstante a aplicação da prisão cautelar, esta poderá vir a ocasionar lesão a direitos fundamentais de um sujeito; no entanto, cabe ao agente estatal responsável a sua efetiva aplicação de modo coercitivo, sério e imparcial.

Tais medidas cautelares de natureza pessoal têm por finalidade, garantir a efetividade da administração de justiça buscando segurança para que se torne possível a persecução criminal, ou a execução da pena aplicada.

2.2 As principais prisões cautelares elencadas no Código de Processo Penal antes da Lei 12.403/11

O Código de Processo Penal, ainda na ótica jurídica anterior à Lei 12.403/11, delimitava as possíveis prisões que podem ser efetuadas como sendo essenciais ao deslinde da ação correspondente, acreditando serem as mesmas medidas necessárias e garantidoras ao controle social do Estado.

Todas essas prisões que acontecem antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória têm a natureza de cautelaridade. Segundo Edilson Mongenout Bonfim,

As prisões cautelares têm por finalidade resguardar a sociedade ou o processo com a segregação do indivíduo. Daí falar em cautelaridade social, cujo escopo é proteger a sociedade de indivíduo perigoso, e cautelaridade processual, que garante o normal iter procedimental, fazendo com que o feito transcorra conforme a lei e que eventual sanção penal seja cumprida. (2009, p. 398)

Preocupa-se, assim, com que seja aplicada a justiça ao final do processo, com a efetiva aplicação da pena ao indivíduo transgressor da norma jurídica, após apurados todos os elementos que levam a uma condenação justa.

Como estas prisões cautelares perduraram por um período significativo na história das prisões no Brasil, importa alguns apontamentos sobre seu conceito, sua finalidade e seus aspectos mais gerais, a fim de empreender uma reflexão sobre estas, ao mesmo tempo em que se enseja conferir a elas o mérito de servirem como elemento propulsor e significativo das mudanças advindas com a Lei 12.403/11.

2.2.1. Prisão em Flagrante Delito

Essa modalidade de prisão se encontra no artigo 5º, inciso LXI da Constituição da Republica de 1988, cuja aplicação se da quando presentes os requisitos no artigo 302 do Código de Processo Penal. Mirabete conceitua a prisão em flagrante em: “Uma qualidade do delito, é o delito que esta sendo cometido, praticado, é o licito patente, irrecusável, insofismável, que permite a prisão do seu autor, sem mandado, por considerado a “certeza visual do crime.” (2008, p. 374).

Existem formas de se classificar o flagrante. Nucci,em seu Códigode Processo Penal Comentando, os flagrantes em sendo próprio ou perfeito ou ainda próprio real ou flagrante propriamente dito, ocorrendo eles quando o agente esta em pleno desenvolvimento para executar a infração penal. Neste caso havendo o impedimento de alguém se pode resultar em uma tentativa, mas se o agente terminou de concluir a pratica da infração penal, fica evidente a pratica do crime e da autoria, mesmo que consumado o crime o agente não consegue desprender da cena do crime. Assim, Nucci conceitua flagrante próprio:

Ocorre quando o agente terminou de concluir a pratica da infração penal, em situação de ficar evidente a pratica do crime e da autoria. Embora consumado o delito, não se desligou o agente da cena do crime, podendo, por isso, ser preso. A esta hipótese não se subsume o autor que consegue afastar-se da vitima e do lugar do delito, sem que tenha sido detido. (2011, p. 629)

Este flagrante se caracteriza quando o sujeito mesmo não estando no local do crime, e encontrado com algum objeto, ou mesmo em situação que se pressupõe a autoria do fato delituoso.

Guilherme de Souza Nucci conceitua flagrante impróprio: “Ocorre quando o agente conclui a infração penal – ou é interrompido pela chegada de terceiros – mas sem ser preso no local do delito, pois consegue fugir, fazendo com que haja perseguição por parte da policia, da vitima ou de qualquer pessoa do povo, e esta perseguição pode durar horas ou até mesmo dias desde que tenha dado inicio logo após a pratica do crime..” (2011, p.629)

Na classificação do flagrante presumido ou ficto se da quando, o agente logo após ter cometido o crime embora não tenha sido perseguido é encontrado portando um objeto que comprova a sua autoria.

Alem da prisão em flagrante próprio, impróprio e presumido existem outras nomenclaturas como, por exemplo, flagrante provocado, forjado e o esperado.

No flagrante provocado ou preparado está previsto na Súmula 145 do Superior Tribunal Federal que diz: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela política torna impossível a sua consumação”. Paulo Rangel contextualiza como delito putativo fruto do agente provocado, incidindo quando o agente é impedido insidiosamente por terceiros a praticar um crime, mais são adotadas todas providencias necessárias para que haja a consumação, neste caso acontece toda uma preparação.

Segundo a súmula 125 do Superior Tribunal Federal, o flagrante que for armado, ou seja, que for planejado de tal forma que sem o mesmo não aja a consumação do crime, o acusado não pode ser imputado de cometer tal delito, pois o mesmo não passa de uma armação da policia.

O flagrante forjado sobrevém quando policiais abusam do poder conferido para realizar busca pessoal em determinada pessoa e acaba implantando algo que para que possa incriminar o mesmo, como por exemplo, uma quantidade significativa de drogas.

Já o flagrante esperado, diferido ou retardado previsto na Lei nº 9.034/1995, que trata sobre a utilização de meios funcionais para a precaução e contenção de ações praticadas por organizações criminosas, em seu artigo 2º inciso II, trata-se do procedimento policial que tem como escopo manter o acompanhamento de determinada tarefa praticada por criminosos visando o momento oportuno e conveniente para realizar a prisão em flagrante, obtendo assim a prova e informações sobre o agir da quadrilha ou organização.

Nos termos do processo penal vigente, qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer seja encontrado em flagrante constante no artigo 301 do Código de Processo Penal, por este artigo entende-se que e dever da autoridade e de seus agentes efetuar a prisão, e por outro lado, nossa legislação prevê a faculdade a qualquer pessoa capturar alguém em flagrante delito.

Visto que não pode ser autuado em flagrante quem presta pronto e integral socorro a vitima de delito de transito, bem como não é autuado o autor do crime de menor potencial ofensivo quando, após lavrar o termo circunstanciado, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer.

Efetuada a prisão o capturado deve ser apresentado à autoridade competente para que seja procedida a autuação, devendo a autoridade competente lavrar o auto respectivo.

Diante do disposto no artigo 5º, inciso LXIII, 2º parte, da Constituição Federal de 1988: “(...) sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.” Entende-se que deve ser comunicado a prisão a família do preso ou pessoa por ele indicada a fim de que se possibilite a estas que tomem as previdências que entenderem necessárias.

Uma vez efetuada a prisão há a necessidade de se observar alguns procedimentos essenciais para não incorrer em ilegalidades, prevendo o artigo 304, §1º, do Código de Processo Penal a seguinte determinação:

Art. 304 - Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.

§ 1º - Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.

Encerrado o auto de prisão em flagrante, o resultando das respostas às inquirições efetuadas pela autoridade, mandará ela recolher a prisão como se não tivesse a fundada suspeita das declarações colhidas do autor e devera a autoridade relaxar a prisão. Tanto a autoridade como o juiz quando recebiam o comunicado do flagrante não estariam obrigados a fundamentar o recolhimento do réu e a manutenção da prisão em flagrante, mais devem declarar as razoes por que se decidiram pelo relaxamento da prisão.

2.2.2 Prisão Preventiva

A redação do Código de Processo Penal estabelece pressupostos e requisitos para a decretação da prisão preventiva, ou seja, garantia da ordem pública, prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, devendo ser aplicada somente quando necessário.

Dessa forma o instituto da prisão preventiva, como medida de restrição da liberdade do indivíduo, é o mais discutido no ordenamento jurídico brasileiro. Sobre esse assunto, Julio Fabrini Mirabete preleciona:

A expressão prisão preventiva tem uma acepção ampla para designar a custódia verificada antes do trânsito em julgado da sentença. É a prisão processual, cautelar, chamada de “provisória” no Código Penal (art.42) e que inclui a prisão em flagrante, a prisão decorrente de pronúncia, a prisão resultante da sentença condenatória, a prisão temporária e a prisão preventiva em sentido estrito. Nesse sentido restrito, é uma medida cautelar constituída da privação da liberdade ou instrução criminal em face da existência de pressupostos legais, para resguardar os interesses sociais de segurança (2008, p. 389).

Dessa forma a prisão preventiva é decretada diante a necessidade de garantir a proteção da sociedade de um indivíduo que comete fato delituoso capaz de por em risco a ordem pública. Sob esta análise, presentes os requisitos fundamentais a decretação da prisão preventiva pode ela ser decretada como uma medida excepcional que se revele necessária para garantir a manutenção da segurança da coletividade e a finalidade do processo penal.

Pela sistemática do direito positivo brasileiro, a prisão preventiva se configura como medida de exceção, cabível somente em circunstâncias especiais, pois não havendo razões sérias e objetivas para sua decretação não há motivos necessários, tendo em vista que, a prisão preventiva no possui caráter obrigatório, não sendo, portanto, ato discricionário.

A garantia da ordem pública, fundamento desta prisão, trata-se de interpretação do julgador, da necessidade de se manter a ordem na sociedade, que foi abalada pela prática de um fato delituoso.  O clamor público fundado pelo sentimento de impunidade e insegurança, força o magistrado então, a determinar o recolhimento do indivíduo com base na gravidade da infração e pela repercussão social.

Averigua o abalo a ordem pública pela divulgação que o fato delituoso alcança, principalmente, pelos meios de comunicação como a imprensa. Para isso é preciso que o magistrado na aplicação do princípio da imparcialidade tenha bom senso para se deixar influenciar pelo sensacionalismo que a mídia apresenta. O professor e Procurador da República Eugênio Pacceli de Oliveira assim discorre sobre a questão:

(...) a barbárie, como se sabe e deve saber, não é privativa do Estado. Há violência por todos os lados, sobretudo em um mundo de grandes e instransponíveis desigualdades sociais. Daí não se poder afirmar seriamente que a violência ou o terror sejam criações da mídia, nelas interessada pelo baixo custo da produção de seus programas. A mensagem do pânico, por certo, pode ser e é ali frequentemente superdimensionada, em prejuízo até da apreciação judicial do caso (o que é mais grave), o que não significa que a coletividade (incluindo o Judiciário) não esteja preparada ou não saiba reduzi-la, pelo menos aos limites de seu conhecimento pessoal. Seria rematada ingenuidade, por exemplo, supor que organizações criminosas efetivamente organizadas e com liderança e atuação amplamente comprovadas (vide caso PCC) formaram-se apenas para a reivindicação de melhores condições carcerárias. Obviamente, qualquer pretensão nesse sentido é absolutamente legítima. Não obstante, não se esgota aí, à evidência, o respectivo campo de atuação. Com ou sem manipulação da mídia (2006, p.67).

Diante disso, há que considerar fatores da periculosidade, onde o réu demonstra por meio de seus antecedentes a possibilidade de tornar a perpetrar delitos, pois o indivíduo que apresenta um histórico seqüencial de vários delitos, bem como o modo de execução do crime, já resta comprovado a periculosidade desse ser humano para a sociedade demonstrando a necessidade da segregação para a garantia da ordem pública.

No entanto, a medida excepcional de segregação cautelar, baseada em motivos de ordem pública, deve ser motivada, demonstrando que a gravidade na execução do delito e a repercussão social causada na sociedade, por si só não são suficientes para a decretação da medida restritiva de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.

Outro elemento fundamental, para a decretação da prisão preventiva é a prova da existência do crime, ou seja, a materialidade, a certeza da morte de alguém. Esta certeza trata-se de não decidir o recolhimento cautelar de uma pessoa, presumidamente inocente, quando há séria imprecisão quanto à própria existência do evento típico.

Por outro lado, a jurisprudência mostra que a certeza da existência do crime pode ser provada por testemunhas, laudos necroscópicos e certidão de óbito. O Tribunal de Justiça de São Paulo assim observa:

Induvidosas as ocorrências delituosas, pela própria evidência, não obstante a ausência de laudos periciais correspondentes (a assertiva não admite contestação, em termos materiais, pelo menos em relação à morte de L.Y.S), assinale-se que há indícios suficientes de autoria, conclusão a que se chega pelo exame de peças constantes do writ (HC 126.259-3, São Paulo, 3º C., rel. Carlos Bueno, 25. 05.1992, v.u).

Sendo assim, para que se possa cogitar admissível a decretação da prisão preventiva, é preciso existir nos autos do inquérito ou da ação penal prova efetiva da existência do crime. Nesta esteira de entendimento, há que observar indícios veementes a respeito da ocorrência de determinado crime para que se possa admitir a prisão cautelar, ora a preventiva.

Como pressupostos para a decretação da prisão preventiva é preciso discutir sobre os indícios suficientes de autoria, não menos importante que os outros. Trata-se da suspeita fundada de que o indiciado ou o réu é o autor da infração penal.

Dessa forma, os indícios de autoria visam assegurar que o indivíduo que foi decretado sua prisão preventiva, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, apresente boas razões para ser considerado o agente que praticou o delito.

2.2.3 Prisão Temporária

A prisão temporária está prevista na Lei 7.960/89, diferentemente das outras modalidades de prisão cautelar que se encontra no Código de Processo Penal. Tal prisão restringe a liberdade de locomoção, por tempo determinado, destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes graves, durante o inquérito policial.

Conforme dispõe o artigo 2º da referida lei, a prisão temporária pode ser decretada pela autoridade judiciária tendo tempo limitado de duração, ou seja, de cinco dias prorrogáveis por igual período com exceção da pratica de crime hediondo e de outros delitos graves em que o prazo nesses casos é maior. Se decorrido o prazo de cinco dias (ou de dez, se foi prorrogada a prisão) preso devera ser posto imediatamente em liberdade, salvo de tiver sido decretada sua prisão preventiva. As mesmas regras aplicam-se para os crimes hediondos que o prazo é de 30 dias prorrogáveis por igual período.

Sua incidência somente tem cabimento quando do curso da investigação criminal, não sendo admitida após o oferecimento da denuncia, tão pouco após o recebimento desta na ação de conhecimento.

Cabível na investigação e apenas nela surge à indagação sobre a convivência entre a prisão temporária e a prisão preventiva na fase de investigação preliminar. O questionamento não é novo, e a lei 11.403/11, em seu artigo 283, repete estrutura que acarreta possível incidência d prisão preventiva também no curso da investigação.

Tanto no modelo anterior quanto no atual, o que distingue as situações cautelares (temporária e preventiva) é a fundamentação de cada uma, cada qual tem sua especificidade.

Em primeiro lugar cabe prisão temporária quando imprescindível para as investigações do inquérito policial, segundo Mirabete em sua obra Processo Penal (2008): refere-se a eventuais entraves que impedem se possa esclarecer devidamente o fato criminoso e suas circunstâncias, bem como sua autoria, verificando assim a imprescritibilidade da prisão para a investigação policial pode ser decretada.É permitida também a prisão temporária quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer necessários os esclarecimentos de sua identidade.

Por fim, conforme artigo 1º, inciso III, referida lei dispõe o cabimento ainda a medida caso da ocorrência dos seguintes crimes: homicídio doloso; seqüestro ou cárcere privado; roubo; extorsão; extorsão mediante seqüestro; estupro; atentado violento ao pudor; rapto violento; epidemia com resultado de morte; envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal com resultado morte; quadrilha ou bando; genocídio; tráfico de drogas; crimes contra o sistema financeiro. Nos demais crimes que não estes, não é admitida a prisão temporária, pois que a enumeração é exaustiva, e não exemplificativa.

Pode se entender que se a gravidade e a repulsa social que provoca qualquer desses ilícitos justificam a prisão temporária sem que, nessa hipótese haja necessidade de ser ela imprescindível para as investigações ou que o agente não tenha residência fixa ou não forneça elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade.

CAPÍTULO III

AS MEDIDAS CAUTELARES COM ADVENTO DA LEI Nº.12.403/2011

3.1 A Tutelar Cautelar no Processo Penal

Para a persecução de um processo penal mais justo e mais célere, o legislador criou diversos mecanismos para assegurar a produção de provas, a reparação de danos e ainda a punição do investigado de forma mais proporcional e coerente.

A grande evolução das medidas cautelares, trazidas pelo legislador com o advetnto da Lei nº 12.403/2011, teve como objetivo não apenas criar novas medidas assecuratórias do processo, mas evitar que a principal delas, e a mais utilizada até então, a prisão cautelar, continue sendo a única forma de se garantir a realização da prestação jurisdicional.

Deste modo, sendo a prisão preventiva medida de natureza excepcional, somente deve ser aplicada nos casos expressamente previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Porém, na prática essa excepcionalidade, com certa frequência, tornava-se a regra, ante a inexistência de outros meios de se garantir um processo livre de interferências. Luiz Flávio observa:

Banalizou-se a medida cautelar privativa de liberdade de tal forma que muitas pessoas cumprem suas penas provisoriamente antes mesmo de serem condenadas. A prisão processual tornou-se, na prática, prisão penal. A odiosa antecipação da pena faz parte da realidade prisional brasileira. (2011, p. 15)

De acordo com o Professor Luiz Flávio Gomes “em dezembro de 2010, o Brasil atingiu o número record de mais de 500 mil presos, e desse total 44% são de presos provisórios”. Nesse sentido, as novas medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP – algumas já previstas em legislações penais esparsas – constituem a partir de agora uma nova e prioritária forma de se garantir o processo, restringindo-se a decretação da prisão preventiva ao implemento das medidas cautelares de uma forma generalizada, passíveis de serem utilizadas em todos os procedimentos  penais (2011, p. 15).

Trata-se de um grande avanço para a consecução da prestação jurisdicional, uma vez que torna subsidiária a decretação da medida cautelar da prisão preventiva como forma de assegurar a efetivação do processo penal em detrimento de medidas menos gravosas para o réu, mas nem por isso menos eficientes para a garantia de aplicação da Lei Penal. Assim, existem cautelares patrimoniais que objetivam reparar os danos decorrentes do ilícito cometido, mas também cautelares probatórias que visam assegurar a produção de provas que possuem risco de desaparecimento em virtude do decurso do tempo, e ainda, as cautelares de natureza pessoal, que restringem ou privam a liberdade de locomoção do investigado ou indiciado.

3.1.1 Das medidas cautelares patrimoniais

No processo penal, existe questão incidente, traduzindo-se no fato de que pode acontecer no curso do processo e que deve ser decidido pelo juiz antes de adentrar no mérito da causa principal. Neste prisma, Eugenio Pacelli de Oliveira classifica os processos incidentes em questões preliminares (a exemplo das exceções, incompatibilidades e impedimentos), questões tipicamente probatórias (como insanidade mental, falsidade documental), e por último, as que serão estudadas nesse tópico, questões de natureza acautelatória de cunho patrimonial (2005. p. 286).

Define-se as medidas cautelares patrimoniais como aquelas de natureza civil (reais), que visam reparar o dano, mas também indenizar, e que não produzem maiores interferências na solução do caso penal. Deste modo, tem como espécies a reparação do dano e o perdimento de bens como efeito da condenação, sendo esse as medidas assecuratórias dos artigos previstas no Código de Processo Penal: restituição de coisas apreendidas‏, sequestro, arresto e hipoteca legal.

“Art. 118 - Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.”

“Art. 125 - Caberá o seqüestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro.

Art. 132 - Proceder-se-á ao seqüestro dos bens móveis se, verificadas as condições previstas no Art. 126, não for cabível a medida regulada no Capítulo XI do Título VII deste Livro.”

“Art. 134 - A hipoteca legal sobre os imóveis do indiciado poderá ser requerida pelo ofendido em qualquer fase do processo, desde que haja certeza da infração e indícios suficientes da autoria.”

“Art. 136 - O arresto do imóvel poderá ser decretado de início, revogando-se, porém, se no prazo de 15 (quinze) dias não for promovido o processo de inscrição da hipoteca legal.

Art. 137 - Se o responsável não possuir bens imóveis ou os possuir de valor insuficiente, poderão ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora, nos termos em que é facultada a hipoteca legal dos imóveis”

É sabido que os instrumentos do crime apreendidos enquanto interessarem ao processo não poderão ser devolvidos antes do trânsito em julgado da sentença final. Mas pode a autoridade policial ou judicial restituir aquelas que sejam de terceiro de boa-fé, desde que não haja dúvida de quem seja o verdadeiro dono.

Quanto ao seqüestro de bens, será efetuado sobre os imóveis ou móveis adquiridos com os proventos da infração. Porém, pode o investigado opor embargos e provar a aquisição onerosa e de boa-fé.

A hipoteca legal é medida assecuratória que recai sobre imóveis de origem lícita, de propriedade do acusado, portanto sua decretação só é cabível durante o processo. Tem o fito de viabilizar a reparação do dano causado pelo crime.

Já o arresto é medida que recai sobre imóveis de origem lícita, a serem submetidos, em momento ulterior, à hipoteca legal. Cuida-se de uma providência puramente cautelar dos direitos do lesado, em face do perigo da demora na especialização da hipoteca legal.

Para a decretação das medidas elucidadas, com exceção da restituição de coisas apreendidas, é mister que se demonstre a existência de infração penal e indícios suficientes de autoria.

3.1.2 Das medidas cautelares probatórias

Prova, no Processo Penal, em regra, é aquela produzida na fase judicial. Devendo ser observado o contraditório e a ampla defesa, diante da presença do juiz, decorrente do Princípio da Identidade Física do Juiz. Ocorre que, por motivo de urgência ou relevância, as provas poderão ser produzidas antes do momento oportuno, e deverão ser colhidas em juízo com a observância do contraditório real (no momento de sua produção), são as chamadas cautelares probatórias. Deste modo, por risco de desaparecimento em razão do decurso do tempo deverão ser produzidas antes de seu momento processual correto, ou até mesmo durante a fase investigatória.

A busca e apreensão, prevista no artigo 240 e seguintes do Código de Processo penal, tem por objetivo encontrar objetos ou pessoas e submetê-los à constrição para acautelar, por sob custódia, com o fim de obter prova para o processo, assegurando a utilização do elemento probatório no processo ou evitar seu perecimento. Pode ser domiciliar ou pessoal.

“Art. 240 - A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1º - Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

g) apreender pessoas vítimas de crimes;

h) colher qualquer elemento de convicção.”

Mas quando se trata de interceptação telefônica, tal medida é considerada prova cautelar, e neste tipo de medida o contraditório é diferido, ou seja, é realizado depois de conclusa a produção de prova, quando os dados das gravações são inseridos nos autos, para que não seja frustrada a efetividade na produção da prova. A lei 9.269/1996 preceitua que:

Art. 8° A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, art.10, § 1°) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.

Outra medida cautelar probatória é a produção antecipada de prova testemunhal, também prevista no Código de Processo Penal :

“Art. 225 - Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.”

A testemunha é considerada importante para instrução do processo penal, pois é necessária para a construção da verdade dos fatos, que resulta no julgamento justo. Assim, fica vinculada ao processo até o seu término. Todavia, podem ocorrer ausências necessárias, como viagens longas, ou ainda, pode estar acometida de doença incurável ou pela velhice, com receio de morte. Nesse casos, tem-se o depoimento "ad perpetuam rei memoriam", em que o juiz de ofício ou a requerimento das partes, poderá tomar o depoimento adiantado, mesmo fora da fase processual adequada normalmente, para preservar a prova.

A Lei nº. 9.807/99, a Lei de Programas Especiais de Proteção a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, também prevê a oitiva antecipada as testemunhas protegidas pelo programa:

Art. 19-A.  Terão prioridade na tramitação o inquérito e o processo criminal em que figure indiciado, acusado, vítima ou réu colaboradores, vítima ou testemunha protegidas pelos programas de que trata esta Lei.

Deste modo, existem medidas cautelares que visam apenas assegurar a produção de provas que sejam capazes de trazer ao inquérito ou processo fatos, pessoas e coisas que levem a elucidação verdadeira do ocorrido no ilícito investigado, para a punição do verdadeiro culpado.

3.1.3 Das medidas cautelares de natureza pessoal

A Lei 12.403/2011 acarretou o fim do sistema binário ou bipolar previsto pelo Código de Processo Penal, no qual só era previsto a possibilidade da prisão ou da liberdade. Tal conseqüência foi gerada pela introdução de alternativas ao cárcere com primazia sobre a segregação cautelar (art. 319, CPP), o aprisionamento pré-cautelar ou provisório tornou-se medida excepcional, residual, a extrema ratio da ultima ratio, cabendo somente prender quando não for possível relaxar a prisão em flagrante, conceder a liberdade provisória ou impor as medidas cautelares.

Com o advento da nova lei, houve a ampliação do rol de medidas cautelares alternativas à prisão (arts. 317,318 e 319 do CPP), pois a prisão preventiva deve ser utilizada como medida excepcional, devendo existir compatibilização constitucional das hipóteses de prisão. De tal modo, foram mantidas exclusivamente as prisões preventiva e temporária (Lei 7.960/89) como medidas privativas de liberdade. Sendo que a prisão em flagrante, quando presente os requisitos do art. 312 do CPP, deve ser convertida em preventiva, conforme dispõe o art. 310 do CPP.

“Art. 310 do CPP. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

I - relaxar a prisão ilegal; ou

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.”

“Art. 311 do CPP. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Art. 312 do CPP. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. 

Agora, de acordo com as inovações, toda decretação de prisão deve ser motivada, já que a manutenção na prisão tem que ser justificada conforme preleciona a redação do artigo 315 do CPP, ao afirmar que a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada.” 

No que concerne as hipóteses de cabimento da prisão temporária, tem-se que:

Art. 1° da Lei 7.960/1989 - Caberá prisão temporária:

I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;

II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:

a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);

b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);

c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);

f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);

h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);

i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);

j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);

l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;

m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;

n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976);

o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho de 1986).

Quanto às medidas cautelares restritivas da liberdade de locomoção adotadas contra o imputado, tendo como objetivo de assegurar a eficácia do processo, sem impor a privação da liberdade, confirmando o posicionamento que a prisão deve ser em última ratio, estão previstas no artigo 319 do CPP, como uma das grandes inovações trazidas pelo legislador, e dem ser observados em toda sua extensão:

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica.

§ 4º A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.

O comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades significa que a freqüência de comparecimento deve ser estabelecida pelo juiz sempre com a finalidade de que o agente venha a informar e justificar suas atividades, vinculando-o persecução penal. Mas a periodicidade de se pautar na razoabilidade, a fim de não causar prejuízos na rotina de trabalho do indivíduo.

Nucci (2011, p. 82) observa que essa medida cautelar não é desconhecida do sistema penal brasileiro, tendo funcionado como condição pra gozo de regime aberto, livramento condicional.

A proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações, tem o escopo de determinar a vedação deve ser plausível e associada aos fatos, impedindo que o indivíduo freqüente ambientes que sejam potencializadores da prática de delitos, como festas, bares, prostíbulos. Anote-se que a vedação não pode ser feita genericamente ou de forma imprecisa

Também não é novidade, pois sempre foi utilizada como condição para aquisição de outros benefícios, como sursis e livramento condicional.

A proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante trata de vedação que deve ser consoante ao critério da proporcionalidade, guardando relação com o fato delituoso, a exemplo de cautela no caso que envolva grave ameaça ou violência ao indivíduo. Medida já prevista na Lei Maria da Penha.

A proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução não pode se tratar de vedação arbitrária, assim a limitação deve ser justificada pela necessidade de produção indiciária ou probatória.

Nucci (2011, p. 84) acrescenta que a imposição dessa medida cautelar deve ser acompanhada de outra, mais relevante ao caso concreto. E ainda remete à sua aplicação aos casos de concessão de susrsis, livramento condicional e regime aberto.

O recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos, de modo que sendo suficiente o recolhimento domiciliar, desnecessária é a segregação cautelar. Para Luiz Flávio Gomes (2011, p. 184) a medida também pode servir para garantir a ordem pública se tiver por finalidade evitar crimes cujas regras de experiência demonstram que são praticados à noite e nos horários de descanso da população, como o furto em estabelecimento comercial.

A suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais, pois a facilitação da atividade delitiva no exercício de função pública ou atividade econômica são um obstáculo para estancar a reiteração de condutas, o que pode resultar no comprometimento da ordem pública.

A internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração, deste modo a decisão de aplicação dessa medida deve estar embasada no respectivo incidente de insanidade ou similar, não apenas para mensurar a higidez mental do agente, mas também para aferir a probabilidade de reiteração de condutas.

Porém Nucci (2011, p. 85) afirma que em determinados casos, o juiz pode valer do seu poder geral de cautela e decretar a medida de internação provisória antes mesmo que o laudo fique pronto, pois é impossível manter um doente mental em cárcere comum. Neste caso, bastaria um laudo médico que confirmasse as condições e grau da doença.

Aplicação de fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial, pois a fiança é medida reservada a impugnação do cárcere, impondo implementação financeira e submetendo o agente a uma série de obrigações. Funciona como uma contracautela, que assegura que o indivíduo compareça a todos os atos do processo, sem condená-lo ao encarceramento. Nucci observa sua validade:

“Parece-nos medida útil, especialmente para crimes econômicos, financeiros e tributários, onde o agente, como regra, tem maior poder aquisitivo. É uma forma alternativa à prisão preventiva, para a garantia da ordem econômica. (2011, p. 86)”

Quanto à aplicação dessa medida é importante ressaltar a possibilidade de cumulação com outras medidas que se tornem adequadas ao caso em concreto.

A monitoração eletrônica é medida cautelar já que a tecnologia também deve ser utilizada em favor da persecução penal. Essa matéria já foi regulamentada pela lei 12.258/2010, que alterou a redação da Lei de Execução Penal:

“Art. 146-B.  O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando: 

II - autorizar a saída temporária no regime semiaberto;  

IV - determinar a prisão domiciliar;”

Com o advento da Lei 12.043/2011, o instituto pode ser aplicado por toda a persecução penal, desde a fase investigativa, para aferir a ida, vinda e permanência do indivíduo em determinados lugares, sendo que o aparelho possui impacto mínimo na rotina do investigado ou processado.  Deste modo, a medida além de vigiar o indivíduo, podendo restringi-lo a freqüentar determinados lugares.

É importante colacionar às espécies de medidas cautelares elucidadas a possibilidade da prisão domiciliar, que será decretada com o fito de substituir da preventiva, e por ordem judicial. Segue dispositivos correspondentes no CPP:

“Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

I - maior de 80 (oitenta) anos;

II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;

III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;

IV - gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.”

Quanto à matéria, grandes discussões devem chegar ao tribunais a cerca do rol do art. 318 ser taxativo ou exemplificativo. Adotando o posicionamento do professor Luiz Flávio (2011, p. 165), trata-se de rol taxativo, não podendo o juiz ampliar sua aplicação.

Na visão do autor Fauzi Hassan (2011, p. 36), a Lei 12.403/2001 inovou o sistema processual penal ao trazer um tipo de “teoria geral de cautela penal”, atrelando a imposição das medidas aos critérios de necessidade e adequação, buscando conferir racionalidade no modelo do antigo artigo 312 do CPP, que deixava larga margem de discricionariedade quanto ao conteúdo de cada um dos fundamentos ali presentes.

3.2 O Poder Geral de Cautela no Processo Penal

Quando se trata de garantir a efetividade do processo significa não só alcançar uma prestação jurisdicional definitiva, mas também, que tal prestação se amolde, plenamente, aos anseios da sociedade, permitindo que, da atuação do Estado-Juiz, sejam extraídos todos os resultados de pacificação social, pois não basta a certeza de que a sentença virá, deve-se ter a certeza de que virá de forma útil.

Assim, quando se trata de tutela de urgência, da qual o processo cautelar participa, um dos fundamentos reside no princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, o que desloca todas as discussões a seu respeito para um plano de considerável superioridade sistemática, permitindo ao operador o seu manejo, limitado pelo próprio sistema de garantias constitucionais, em busca da tutela jurisdicional adequada.

O questionamento que se posta em discussão é se o juiz tem o Poder Geral de Cautela em sede de direito processual penal, já que em sede de direito processual civil a autorização é expressa, consoante inteligência dos artigos 798 e seguintes da lei adjetiva pátria.

“Art. 798 - Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”

O Código de Processo Civil admite o poder geral de cautela, porém o CPP não o faz de forma expressa, deste modo, a matéria é sempre discutida nos tribunais. Em sede de decisão de diversos Habeas Corpus tem se admitido quando essa medida for mais benéfica ao indivíduo. O Pretório Excelso assim consagra:

PROCESSUAL PENAL. IMPOSIÇÃO DE CONDIÇÕES JUDICIAIS (ALTERNATIVAS À PRISÃO PROCESSUAL). POSSIBILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA. PONDERAÇÃO DE INTERESSES. ART. 798, CPC; ART. 3º, CPC.

1. Aquestão jurídica debatida neste habeas corpus consiste na possibilidade (ou não) da imposição de condições ao paciente com a revogação da decisão que decretou sua prisão preventiva 2. Houve a observância dos princípios e regras constitucionais aplicáveis à matéria na decisão que condicionou a revogação do decreto prisional ao cumprimento de certas condições judicias. 3. Não há direito absoluto à liberdade de ir e vir (CF, art. 5º, XV) e, portanto, existem situações em que se faz necessária a ponderação dos interesses em conflito na apreciação do caso concreto. 4. A medida adotada na decisão impugnada tem clara natureza acautelatória, inserindo-se no poder geral de cautela (CPC, art. 798; CPP, art. 3°). 5. As condições impostas não maculam o princípio constitucional da não-culpabilidade, como também não o fazem as prisões cautelares (ou processuais). 6. Cuida-se de medida adotada com base no poder geral de cautela, perfeitamente inserido no Direito brasileiro, não havendo violação ao princípio da independência dos poderes (CF, art.2º), tampouco malferimento à regra de competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I). 7. Ordem denegada. (STF, HC 94147 RJ,26/05/2008)

Corroborando com essa aplicação, também compartilha deste entendimento o Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. PRISÃOEM FLAGRANTE. CONCESSÃO DELIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES. PODER GERAL DE CAUTELA DO MAGISTRADO. CRITÉRIOS DE RAZOABILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

1. Embora possível a aplicação de medidas cautelares como condicionantes à revogação de custódia antecipada, com fundamento no poder geral de cautela do magistrado, arts.798 do CPC c.c. art. 3º do CPP, estas devem observar critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

2. Impostas as medidas de suspensão de habilitação para dirigir veículo automotor e restritiva de direitos consistente em deixar de residir e/ou transitar no local dos fatos, revela-se evidenciado o constrangimento se estas perduram por quase dois anos, além do que já se encerrou a instrução processual.

3. Habeas corpus concedido. (STJ, HC 114734, 17/03/2009)

Assim, com a ampliação do rol das medidas cautelares nominadas na nova redação dada ao Código de Processo Penal pela Lei 12.403/2011 que teve origem nas situações concretas vividas na prática forense, em que a jurisprudência sedimentou aplicação na qualidade de medidas cautelares inominadas. Por certo seguindo o entendimento do autor Marcellus Polastri Lima(2005, p. 128) é possível que as medidas ainda sejam aplicadas sem correspondência no novel rol, em nome de uma tutela eficaz, pois o Estado-juiz tem o dever de garantir a idoneidade da atividade jurisdicional, mormente quando se afiguram crescentes os conflitos sociais e a peculiar necessidade de segurança.

Porém, contrariando esse posicionamento, ensinam Luiz Flávio Gomes e Ivan Luís Marques ser inviável lançar mão de graduações vagas sobre as diversas hipóteses previstas no artigo 319 do CPP, a fim de reconhecer a incidência de medida cautelar inominada, pois essa providência corresponde a inegável arbítrio judicial. In verbis:

O juiz da jurisdição penal não tem poderes para lançar mão de medidas atípicas ou não previstasem lei. Nãoexistem medidas cautelares inominadas no processo penal. Todas as vezes que o juiz lança mão desse famigerado poder geral de cautela, na verdade, ele está violando o princípio da legalidade. No processo penal, forma e garantia. O juiz só está autorizado a praticar os atos que contam com forma legal. Se o juiz se distancia da forma legal, resulta patente a violação à legalidade.” (2011, p. 178).

Nesse sentido também é a jurisprudência do egrégio Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRISÃO PREVENTIVA REVOGADA COM DETERMINAÇÃO DE AFASTAMENTO DO CARGO. ARTIGO 20, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/92. APLICAÇÃO NO PROCESSO PENAL. INVIABILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA NO PROCESSO PENAL PARA FINS RESTRITIVOS. INEXISTÊNCIA.

1. É inviável, no seio do processo penal, determinar-se, quando da revogação da prisão preventiva, o afastamento do cargo disciplinando no artigo 20, parágrafo único, da Lei 8.429/92, previsto para casos de improbidade administrativa.

2. Não há falar, para fins restritivos, de poder geral de cautela no processo penal. Tal concepção esbarra nos princípios da legalidade e da presunção de inocência.

3. Ordem concedida para revogar a providência do artigo 20, parágrafo único, da Lei n. 8.429/92, determinada pelo Tribunal a quo, no seio da ação penal n. 2007.70.09.001531-6, da 1.ª Vara Federal de Ponta Grossa/PR.” (HC n. 128599 / PR, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data doJulgamento: 07/12/2010, Data da Publicação/Fonte: DJe 17/12/2010).

Vê-se assim, que o Poder Geral de Cautela no Processo Penal é tema pouco elucidado e que desperta grandes discussões, em virtude dos diferentes posicionamentos defendidos.

3.3 O Procedimento para a Aplicação das Medidas Cautelares

3.3.1 Da aplicação isolada ou cumulativa

As medidas cautelares são passíveis de aplicação ao longo de toda a persecução penal, é dizer durante toda investigação criminal, seja ela conduzida pela polícia ou por outros órgãos de investigação, como as Comissões Parlamentares de Inquérito, e durante o processo.

É a inteligência do art. 282, § 1º, que preceitua: “As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.” Luiz Flávio Gomes ensina que:

“A aplicação de uma só medida tem primazia. Para que o juiz possa impor duas ou mais medidas a um único caso deve fundamentar concretamente sua necessidade. A regra da cumulatividade, destarte, não é um desdobramento do subprincípio da necessidade ( e da intervenção mínima) da intervenção estatal. (2011, p. 64)”

Não há, na lei, prazo de durabilidade da medida. Portanto, a dilação no tempo depende do fator necessidade. A depender do estado das coisas, e da adequação ao caso concreto, a cautelar pode ser substituída, cumulada com outra, ou mesmo revogada, caso não se faça mais necessária. Porém, sobrevindo novas provas indicando sua conveniência, nada impede que seja redecretada.

3.3.2 Pressupostos para aplicação

Como toda medida cautelar, pressupõe a presença do fumus comissi delicti (indícios de autoria e demonstração de materialidade), que é a justa causa para a decretação da medida. E ainda, é necessária a presença do periculum ao regular transcorrer da persecução penal, ou risco inerente à liberdade plena, devendo ser pertinente a constrição às circunstâncias do fato.

Renato Marcão (2011, p. 333) observa que pressuposto indispensável à imposição de qualquer das medidas arroladas no artigo 319 é a existência de imputação relacionadas à pratica do delito. Deste prisma, insurge a necessidade dos seguintes requisitos:

a) a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução criminal, tornando-se meio útil para evitar a prática de novas infrações penais ;

b) adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado, observando os critérios de proporcionalidade e razoabilidade;

c) aplicação isolada, cumulada ou alternada de pena privativa de liberdade, pois as cautelares do art. 319 não se destinam a substituir no caso em que a multa é a única pena imposta pelo tipo penal.

3.3.3 A legitimidade para requerimento

Somente o juiz natural, aquele competente para a causa, é que pode submeter o agente ao cumprimento das medidas alternativas, restritivas de direitos. Porém, existe diferença na decretação durante a fase de inquérito da decretação na fase processual, que depreende-se da leitura do art. 282, § 2º do CPP:

“§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.”

Da leitura deste dispositivo subtrai-se que a na fase de investigação policial é preciso que ocorra provocação por parte da autoridade policial, por meio de representação, ou do Ministério Público, por meio de requerimento. Mas no curso da ação penal, o juiz pode atuar ex officio, por força do modelo acusatório da persecução penal adotado no Brasil, ou em virtude do requerimento das partes. Renato Marcão (2011, p. 340) assevera que:

Muito embora  juiz não possa aplicá-las por iniciativa própria durante a fase de investigação, no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas poderá, de ofício ou em razão de requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, substituir a medida ou impou outra em cumulação (§ 4º do art 282).

Questão controversa reside quanto a possibilidade do agente e seu defensor postular a aplicação de alguma medida no curso da investigação criminal. Já que da leitura e interpretação literal do art. 282, § 2º do CPP, o preso não estaria legitimado a requerer a substituição de sua prisão por alguma das medidas do art. 319, neste momento inquisitorial.

Porém, diante das inúmeras conquistas e da evolução dos direitos do preso, tal interpretação se confirma um absurdo, admitir esse tipo de aplicação fere normas e princípios constitucionais. Assim, o raciocínio que deve ser aplicado, é possibilidade ampla do preso e seu defensor, a qualquer momento requerer a aplicação das medidas alternativas em substituição à prisão, o que ficará a crivo do magistrado, que concederá ou negará, fundamentando sua decisão nos dispositivos legais.

3.3.4 Princípio da Jurisdicionalidade

Jurisdição é uma das funções do Estado, exercida primordialmente pelo Poder Judiciário, mediante a qual o Estado-Juiz substitui aos titulares dos interesses em conflito, para de modo imparcial, aplicar o direito objetivo ao caso concreto. 

Mirabete (2009, p. 152) diz ainda que jurisdição é “a faculdade que tem o poder judiciário de pronunciar concretamente a aplicação do direito coletivo.” E ainda acrescenta o posicionamento mais objetivo de José Frederico Marques, dizendo que é “a função estatal de aplicar as normas da ordem jurídica em relação a uma pretensão.”

 Para melhor compreensão sobre jurisdição existem princípios norteadores:

-Ne procedat judex ex officio: Não há jurisdição sem ação: a jurisdição é inerte, e seu papel é de apenas obedecer aos preceitos legais.

-Investidura: o representante da órbita jurisdicional é preciso estar investido de determinadas funções conforme esteja expressoem lei. Quem julgar sem estar revestido da jurisdição responde pelo art. 328, CPB.

-Indeclinabilidade da jurisdição: é um princípio constitucional (art. 5º, XXXV, CF), em que diz que nenhum juiz pode deixar de julgar um determinado fato, com exceção das causas de suspeição e de impedimento.

-Indelegabilidade da jurisdição: o juiz deve exercer sua função pessoalmente, não podendo delegar para que outrem o faça, excepcionado-se as cartas precatórias e rogatórias.

-Improrrogabilidade da jurisdição: a jurisdição de primeiro grau é limitada por suas fronteiras territoriais, não podendo este limite ser extrapolado, exceto nos casos de conexão e continência (art. 76, 77 e 79, CPP); mas também quando oposta e admitida a exceção de verdade (art. 85, CPP); ainda no caso de desaforamento (art. 424, CPP); e na desclassificação para a infração da competência de outro processo (art. 74, §2º, CPP);

- Princípio do Juiz natural: previsto na constituição no art. 5º, LIII, CF que diz que ninguém será processado senão pela autoridade competente, e que não haverá juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII, CF).

- Princípio da correlação ou da relatividade “ou da congruência da condenação com a imputação ou ainda da correspondência entre o objeto da ação e o objeto da sentença”:  o réu não poderá ser condenado sem, previamente, ter ciência dos fatos criminosos que lhe são imputados pela acusação. Ademais,  sob o mesmo ponto de vista, Mirabete diz que:

não pode haver julgamento extra ou ultra petita (ne procedat judex ultra petitum et extra petitum). A acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido em que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva. Os fatos descritos na denúncia ou queixa delimitam o campo de atuação do poder jurisdicional (2008, p.153). 

- Princípio da unidade e identidade da jurisdição: a jurisdição é única em si e em seus fins, diferenciando-se somente no julgamento de ações penais ou cíveis.    

-Nulla poena sine judictio: também possui previsão expressa na Carta Magna, em que nenhuma pena pode ser imposta senão através do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF) que diz sobre a pessoa que não será processada sem antes passar pelo devido processo legal.

Em suma, a Constituição Federal de 1988, em seu  artigo 5º, preceitua:

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente;

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juízo competente;

LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;

LXVI - ninguém será levado  à prisão ou nela mantido, quando

a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.

Corroborando com as disposições constitucionais o Código de Processo Penal, em seus dispositivos afirma que:

Art. 282, § 2º- As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público;

Art. 321- Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória.

Em razão desse princípio fica vedada a prisão ex lege, cabe ao magistrado no exercício da Jurisdição, analisar qual medida é adequada e deve ser imposta no caso em concreto, para assegurar os direitos do indiciado e ainda para proteger a sociedade:

Consoante lição de Nicolas Gonzáles-Cuellar Serrano (Proporcionalidad y derechos fundamentales em el proceso penal. Madrid: Colex, 1990, p. 278), qualquer norma que determine, obrigatoriamente, restrições à liberdade, seria inconstitucional, porque priva o magistrado da possibilidade de controlar a proporcionalidade das medidas no caso concreto e, ademais, porque a aptidão da norma para lançar um fim determinado depende das possibilidades que se concedam ao juiz para graduar a gravidade da ingerência, assim como para adotar medidas mais benignas, questões que não podem ser nunca decididas ex ante e tampouco ex post frequentemente  (GOMES, 2011, p. 188)

Destarte, no dizer de Luiz Flávio Gomes (2011, p. 48) as medidas cautelares se justificam quando o juiz apresenta fundamentação convincente. É ao juiz que compete aquilatar toas as exigências das medidas cautelares.

3.4 Decretação de Medida Cautelar e o Contraditório Prévio

3.4.1 Antes da Lei nº.12.403/2011

Sempre existiu um impasse acerca da aplicabilidade ou não do princípio do contraditório na fase pré-processual, diante da existência de diferentes posicionamentos na doutrina, já que o Código de Processo Penal não dispunha expressamente do assunto, portanto a aplicação do contraditório prévio seguia disposições constitucionais e doutrinárias.

Tourinho Filho (2003, P. 47) entende que a Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso LV, ao mencionar a necessidade do contraditório nos processos judiciais e administrativos, não abrangeu o Inquérito Policial, uma vez que este não pode ser considerado um processo administrativo e nem mesmo um procedimento, pois "falta-lhe característica essencial do procedimento, ou seja, a formação de atos que devam obedecer a uma seqüência predeterminada pela lei, em que, após a prática de um ato, passa-se a do seguinte até o último da série, numa ordem a ser necessariamente observada".

O autor reconhece que o indiciado pode ser privado de sua liberdade em casos de flagrante, prisão temporária ou preventiva, mas, afirma o autor, para essas situações deve o investigado valer-se do emprego do remédio heróico do habeas corpus, prosseguindo em sua tese da inadmissibilidade do contraditório na fase investigatória.

Para Greco Filho (1989, p. 60), a "Constituição não exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato". Assim sendo, as medidas cautelares restritivas de ordem patrimonial ou pessoal (exame de corpo de delito, perícia, exame do local do crime, prisão provisória, fiança) seriam submetidas ao crivo do contraditório posteriormente, no processo, permitindo-se ao agora acusado contestar as providências cautelares tomadas pela Autoridade Policial, bem como a prova pericial realizada no Inquérito Policial. Fala-se, portanto, em contraditório diferido ou postergado.

Rogério Lauria Tucci (2002, P. 64), em contrapartida, sustenta que, para maior garantia da liberdade e melhor atuação da defesa, há a necessidade de uma contraditoriedade efetiva e real em todas as fases da persecução, inclusive na fase pré-processual. Justifica-se o autor com o instituto denominado contraditório posticipato ou diferido, onde não há "violação á garantia da bilateralidade da audiência, que, firme, se vê apenas diferida para momento ulterior á pronunciação de ato decisório liminar, prosseguindo-se regularmente no procedimento instaurado".

3.4.2 Depois da Lei nº.12.403/2011

No que tange as mudanças inseridas no ordenamento jurídico, o artigo 282 do CPP, vem com nova redação e assim preceitua:

§ 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.

Em virtude das novas disposições legais, estabeleceu-se um parágrafo que prevê a necessidade do contraditório. Logo o indiciado ou acusado deve sempre ser intimado, e desta intimação pode o juiz conferir um prazo para manifestação, ou ainda, marcar uma audiência para oitiva do acusado. Deste modo, o juiz quem desempenhará o papel de garantidor do contraditório e da ampla defesa, e através desse que exercerá sua atividade jurisdicional com justiça.

O legislador trouxe regras do processo cautelar do CPC incorporando-as no CPP sem às devidas adaptações ao direito material. Portanto, na prática, analisando todas as medidas cautelares previstas na legislação em comento, o contraditório prévio acabará sendo dispensado, sempre que existir um fundado receio de ineficácia da medida caso o averiguado tome ciência antes, e ainda, em caso de ugência. Como no caso de decretação de prisão preventiva por risco de fuga, diante desse episódio o juiz deve dispensar a intimação do acusado. Como também, no caso de interceptação telefônica, a intimação do acusado resultaria na ineficácia da medida.

O professor Luiz Flávio Gomes (2011, p. 72), aponta que no caso de prisão preventiva, sempre que houver sua decretação o juiz deve marcar audiência para oitiva do indiciado ou acusado, garantindo assim o contraditório diferido. Deste modo, deve ser estendido o mesmo raciocínio à interceptação telefônica, devendo ser concedido o contraditório após a juntada das gravações aos autos do inquérito ou do processo. na sua decisecidirsa, e atravradita manifestaçmado, e desta intimaçndamentaçdo indiciado e ainda para proteger a sociedadeeito

3.5 Consequências do Descumprimento Injustificado da Medida Cautelar Imposta

Pelo descumprimento de quaisquer das medidas cautelares surge uma nova hipótese de prisão preventiva. Conforme segue os dispositivos legais sobre a matéria:

“Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

(...)

§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).”

“Art. 343. O quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva.”

Deste modo, o legislador manteve o posicionamento de que a prisão é a extrema ratio da ultima ratio.  Para Luiz Flávio Gomes (2011, p. 73) “tudo deve fazer o juiz para não chegar a esse extremo, mesmo quando o acusado descumpriu suas obrigações”. Assim, primeiro o juiz deve substituir a medida descumprida, pois esta pode ter sido inadequada, e sendo necessário, pode-se decretar uma segunda medida para alcançar o fim pretendido; e em último caso decreta-se a prisão preventiva.

3.6 Futuro das medidas cautelares diversas da prisão

Renato Marcão pertinentemente sugere que as novas medidas cautelares trazidas pela Lei 12.403/2011, futuramente podem se tornar como pena alternativa a ser imposta no momento da condenação (2011, p. 358).

A adoção dessas novas medidas como espécies de pena alternativa pode se mostrar adequada e suficiente em termos de resposta penal definitiva, já que muitas vezes, as penas existentes na legislação atual não são capazes de produzir a eficácia social esperada.

CONCLUSÃO

A aplicação da lei 12.403/2011 trouxe diversos avanços na seara processual penal, principalmente quanto a tentativa de confirmar que a prisão só deve ocorrer em ultima ratio.

Assim, a ampliação do rol de medidas cautelares alternativas à prisão, ratifica a prisão preventiva como medida excepcional, compatibilizando conforme preceitua as disposições constitucionais sobre as hipóteses de prisão.

Tendo em vista todo o elucidado, fica mantida exclusivamente as prisões preventiva e temporária, como possibilidade de restrição de liberdade antes de sentença condenatória transitadaem julgado. Nãoexistindo hipótese de flagrante como prisão processual.

Corroborando com a proposta humanitária de se respeitar a humanidade dos presos, a nova lei exige a separação obrigatória de presos provisórios dos definitivamente condenados, medida que se faz necessária em respeito a dignidade do homem, já que a segregação conjunta põe em risco a vida dos presos provisórios.

Deve-se ressaltar que surge um novo patamar para aplicação da prisão preventiva, somente em casos de pena privativa de liberdade superior a 4 anos. Mas também, para assegurar a eficácia do cumprimento das novas medidas cautelares, surge uma nova hipótese de prisão preventiva, em virtude do descumprimento das medidas impostas pelo juiz.

Diversas inovações foram inseridas na ordem jurídica vigente, como a previsão e regulamentação da Prisão domiciliar; a possibilidade de aplicação da liberdade provisória cumulada com outras cautelares; a eliminação da prisão administrativa; a ampliação das hipóteses de fiança, com aumento significativo de seu valor; e ainda a criação de banco de dados de mandado de prisão mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.

Assim, a nova lei trouxe mais vantagens que pontos negativos, pois novas medidas cautelares foram criadas, com o objetivo de substituir a aplicação da prisão preventiva ou atenuando os rigores da prisão em flagrante.

Vê assim, que todas as modificações trazidas representam um grande avanço na persecução de um processo penal mais humano e zelador dos princípios constitucionais. As novas medidas cautelares conseguem prever de forma significativa maneiras justas do Estado tutelar um investigado ou processado até o desfecho final da sentença condenatória com trânsito em julgado, sem a necessidade de punição prévia – prisão – de um cidadão presumidamente não culpado.

Entretanto para efetivação da lei é preciso atuação conjunta entre a Polícia, o Judiciário e Ministério Público, que devem zelar pelo rigor no cumprimento dos requisitos da lei, de modo a respeitar os direitos do preso e zelar pela segurança da sociedade.

Somente por esta via que se conseguirá a persecução de uma política criminal ativa, que depende unicamente da boa atuação do Poder Público, através da criação de e manutenção dos meios que garantam o cumprimento das inovações trazidas pela Lei 12.403/2011 sem distorções que levem a ineficácia dos dispositivos legais.

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