O Processo Migratório: Cultura, Diversidade e Identidade no Campo
Elton Rodrigues de Sousa*

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar o processo migratório e a formação de uma cultura engendrada nas diversidades e nas relações do homem do campo na produção do que se pode chamar de identidade cultural da população da região do Sul e Sudeste paraense1. No entanto, é preciso ressaltar que no decorrer do processo migratório marcado pela diversidade cultural uma nova identidade vai surgindo e assim promovendo um elo entre as mais diferentes culturas, pois ao mesmo tempo em que chega um migrante do sul do país chega também um migrante do nordeste que aqui se encontram com os povos da região norte. Tudo isto vai contribuir para a formação de uma nova identidade cultural. Ao mesmo tempo em que está em construção esta nova identidade cultural, também vão surgindo os problemas que eleva a região do sul e sudeste paraense ao conhecimento nacional. Aqui não mais pelo processo migratório, mas pelos conflitos existentes em função da disputa pela posse da terra. Temos aqui dois extremos: um é a produção da cultura, diversidade e identidade no campo e o outro, é a consequencia de todo o processo migratório que resulta mais diretamente na violência provocada pela disputa da terra.
PALAVRAS ? CHAVE: Migração, formação cultural, identidade e diversidade
INTRODUÇÃO
Na Amazônia há terras "sobrando". É por meio deste ideário que praticamente tudo o que discorremos neste trabalho se fundamenta. Para o governo federal era preciso habitar esta vastidão de terras desabitadas chamada de Amazônia. Então o que se vê posteriormente são campanhas de incentivo e atração da população para esta região dando início a um intenso fluxo migratório.

__________________
SOUSA, Elton Rodrigues de. Graduado em pedagogia pela UFPa (1997) e especializando em Educação no Campo pela UFPa (2009/2010).
1. Região que compreende 38 municípios segundo dados da AMAT ? Associação dos Municípios do Araguaia ? Tocantins.
Para Hébette (2004) essa migração ocorre por meio de dois modelos observados a seguir:
Os anos 60 marcam uma nova direção na ocupação do sudeste do Pará. São agora pequenos lavradores que cruzam os rios Tocantins e Araguaia em busca de terra para cultivar. Representam dois fluxos migratórios: um em direção leste-oeste a partir dos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Piauí e, outro em direção sudeste ? norte, a partir, principalmente, da região limítrofe aos Estados da Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo.
A Amazônia se torna uma região de múltiplos interesses, principalmente a partir da década de 60 quando se inicia a abertura de rodovias para interligar esta região ao restante do Brasil, mais especificamente à região Centro-Sul. Desde então, o número de migrantes que vem para cá é cada vez maior. Assim, cada um traz consigo, além de muitos sonhos, os elementos culturais característicos das suas regiões de origem. Comigo não foi diferente. Cheguei ao Pará no dia 23 de março de 1993, oriundo da cidade de Nazário no Estado de Goiás onde deixei minha mãe e meus irmãos e também parte da minha história de vida. O motivo pelo qual eu vim para cá foi passar um tempo com o meu pai que já tinha vindo na década de 80 e também auxiliá-lo nos trabalhos em sua propriedade.
Neste trabalho estará sendo discutida a questão do processo migratório, que em grande parte se tornou responsável direto pelos inúmeros problemas apresentados nesta região, principalmente aos que estão diretamente relacionados à questão fundiária e sua influencia na formação de novos saberes e valores culturais.
Nosso intuito aqui é de tecer uma análise sobre como este processo migratório também tem repercutido e influenciado na formação cultural dos diferentes povos que escolheram esta região para viver e constituir sua família e os vínculos sociais. Somos sabedores de que este não é um processo simples, isto porque deve ser levada em consideração toda a diversidade cultural que caracteriza os migrantes. Somos portadores de saberes e conhecimentos que foram produzidos em diferentes momentos da história, por isso são importantes e relevantes na formação de uma cultura dos "diferentes ? iguais".
Somos parte e todo, tudo ao mesmo tempo. Enquanto sujeitos diferentes nos tornamos iguais, primeiro pelo fato de sermos migrante e segundo porque a nossa história de vida são construídas em trajetórias totalmente diferentes. Contudo, cabe aqui como parte desta analise uma leitura acerca desta diversidade sócio ? cultural e no meio de todo este processo, buscar os elementos que nos aproximam e nos une formando um grande grupo social que apresentam forte identidade coletiva com base na relação homem - terra.
A definição desta temática se deu em virtude de sermos, no meio deste cenário, um elemento vivo e presente na construção da história local. Sendo parte de um todo que se deslocou em busca, em grande parte para melhorar de vida ou pelo menos tentar, sou também o resultado do bolo produzido pelo movimento migratório ao qual não pude negar.
Às vezes, discutimos tão superficialmente a questão da migração que nem nos damos conta de que também somos migrantes. Portanto, ter esta percepção nos coloca frente ? a- frente com a construção da nossa cultura e de todas as circunstancias em que nos elevam a condição de produto e produtor da história ao mesmo tempo.
A metodologia utilizada na elaboração deste trabalho terá momentos distintos que ora se afastam ora se cruzam. Trata se de uma narrativa que relaciona história de vida em formação à luz de referenciais teóricos estudados no II modulo da Especialização em educação no Campo na disciplina História Agrária e Campesinato mantido pela UFPa de Marabá, que discute a problemática apresentada sobre o processo migratório e os enfrentamentos que ocorreram posteriormente à chegada dos migrantes.
Este texto está fundamentado em fontes bibliográficas, e a partir da minha trajetória de vida na qual tive a experiência de ser migrante além de um enfoque também na minha relação com o campo.
O PROCESSO MIGRATÓRIO
Quero iniciar este assunto com uma poesia que retrata parte da minha experiência como migrante e da minha trajetória de vida relacionada a vida no campo, no momento em que cheguei ao Pará.
TERRA QUERIDA
Ao longo da minha caminhada,
Por este mundão sem fim!
Sem saber ao certo o caminho,
Começa uma árdua jornada...

Sou um migrante goiano!
Que veio morar no Pará,
Pensando um dia voltar!
Oh! Que ledo engano!

Não vim em busca de terra.
Nem para o garimpo de ouro!
Mas encontrei aqui meu tesouro,
Uma linda família que mim espera!

Também não vim procurar trabalho.
Queria apenas ver meu pai,
Seguir seus exemplos, que da mente não sai,
Embora eu seja um homem falho!

Oh que terra querida!
Apesar de mal falada,
Por muitos "condenada"!
Aqui sigo minha vida...

Nunca tinha morado no mato!
Apesar de não ser urbano,
Por estas bandas fui caminhando,
Matando pium e carrapato!

Já andei muito em trieiro,
Pra ir à casa do vizinho
Jogar conversa fora e tomar um golinho!
Pois também sou brasileiro!

Passei em meio de confusão,
Gente ocupando terra,
Valente como uma fera,
Pra segurar teu chão!
Nunca fui de movimento,
Mas já vi bem de perto,
Eles estavam certos!
Quem provou foi o tempo.

Em uma difícil região,
Sem ponte e sem estrada,
Todos na luta armada,
Conquistaram um pedaço da nação...!

Não há risos nem festa, mas há de permanecer uma tristeza sem fim. Depois da ida nada voltará a ser como um dia foi. Em busca de alguma coisa partimos nós sem saber ao certo se existe e se vamos encontrá-la ou não. O sonho que nos leva são sempre os bons. O pesadelo da vida real se quer é imaginado, pensado ou refletido. A vida dura, a violência a que estamos sujeitos e o fracasso são fatos possíveis de acontecer. Há e como eles acontecem!
Acredito que não teria palavras para descrever e caracterizar os meus sentimentos de dor ao ver meu pai partir pra outro "mundo", e eu na flor da idade perder sua companhia, sua graciosidade e seus ensinamentos. Um homem não escolarizado, mas de palavras tão meigas e gestos carinhosos e uma paciência incomum. Tive que aprender a suportar a dor da distância e contentar com os poucos dias de visita nos fins de ano.
Ser migrante é como diz Albuquerque (2007) é partir de seu território, do seu pedaço querido, vai se desgarrando de sua história e deixando pelo caminho fragmentos de sua vida, mas também leva consigo parte dos que ficam. Quem analisa a migração, o processo migratório às vezes só enxerga o migrante que parte em busca de objetivos, mas é preciso considerar a situação dos que por algum motivo não podem ir.
A história passa a ser contada por dois sujeitos "fragmentados": um que sai e o outro que fica ambos sem saber ao certo se um dia a história os colocará de frente novamente. Para quem parte o caminho é tecido por meio de novas experiências, de encontros no qual para Albuquerque (2007) são encontros de fragmentos de vida, de culturas que aos poucos vão se sedimentando em seu consciente até parecer que está tudo bem.
Enquanto para os que ficam, além dos lamentos restam às expectativas que algum dia será tudo como era antes. Mas os anos passam e os pedaços não se ajuntam mais, mesmo quando nos encontramos sentimos que o tempo passou e que não é possível unir o que estava um dia fazendo parte do todo.
O sonho de poder melhorar de vida e a fuga de um relacionamento afetivo despedaçado pela maldade foram motivos cruciais e determinantes para que meu pai iniciasse uma saga em particular e se tornasse um número a mais nas estatísticas da migração para a região Amazônica. Ele é hoje um número que aparece em várias relações dos dados do movimento migratório não só pela a Amazônia onde percorreu os estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Acre, Roraima ou no próprio Estado de Goiás onde já realizou várias mudanças.
Ele veio em busca de terras, porque acreditava que a riqueza do homem está no domínio sobre a posse da terra. Aqui as terras estavam baratas e muito acessível, principalmente se fosse em regiões de mais difícil acesso. Ele vendeu uma área de terra que possuía em Goiás e trouxe o dinheiro para comprar a sua nova propriedade aqui no Estado do Pará, mais precisamente no município de Tucumã.
O que ele não sabia, é que aqui, o fato de ter gastado todo o seu dinheiro na compra da terra não lhe garantiria a sua posse. A estrutura e a validade das compras de terras aqui eram bem diferentes de onde ele tinha partido. "Naquele momento prevalecia à lei do mais forte", além do mais, havia interesses comerciais por traz da posse da terra. Porque para o estado era mais interessante apoiar o capital como mola de propulsão ao desenvolvimento da região amazônica do que incentivar o acesso e a permanência do trabalhador rural e a sua posse.
Segundo Martins (1999) os pobres eram expulsos da terra para dar lugar aos grandes empresários que vinham do Centro ? Sul do país para promover o programa nacional de desenvolvimento econômico e alavancar o processo de modernização do país. Neste modelo não tem lugar para os pobres, a não ser se for como mão ? de- obra barata a ser explorada pelos capitalistas. E a forma como contribuir para isto era dificultar o acesso desta classe a posse da terra.
Segundo Pereira (2005), a terra aqui representava dois interesses: no caso do meu pai a terra significava a sua sustentação social, o seu chão, era a forma de garantir a sua sobrevivência econômica e reproduzir-se materialmente através do seu trabalho; e do outro lado, o interesse era comercial, pois a terra fora ocupada por um empresário do ramo de madeireiras vindo do sul do país. Sobre ameaças de morte, meu pai foi obrigado a abandonar tudo o que ele pagou com o dinheiro honesto resultado de longos anos de economia e muito trabalho.
A terra para meu pai tinha um valor simbólico, porque suas atividades trabalhistas sempre estiveram e estão ligadas ao campo o que confere ao fato de possuí-la um valor mais cultural do que qualquer valor material que ela pudesse significar, pois ele nasceu e se criou no campo. Outro fator relevante é que meu pai nunca participou de movimentos sociais nem encampou lutas coletivas em defesa dos direitos negados. Isto de certa forma contribuiu para suas perdas econômicas, mas também teve uma importante contribuição no sentido da formação da consciência de classe e a sua participação em movimentos sociais na luta pela terra.
Além do mais, perdê-la sem o direito de tê-la de volta naquele momento revelava a falta de capacidade dos órgãos oficiais como o estado em garantir o direito da propriedade adquirido no ato da compra. O Estado assegura os direitos dos mais privilegiados e tem pouco compromisso com a classe trabalhadora.
Outro agravante quanto à garantia dos direitos sobre a propriedade adquirida aqui na Amazônia está relacionada à documentação dos imóveis. Este agravante se deve a ilegitimidade dos documentos que assegurava o seu domínio sobre a propriedade, pois as vezes as terras eram griladas e vendidas aos migrantes que estavam chegando das outras regiões. Quem estava chegando de outra região onde os documentos têm validade não sabia destas falsificações e acreditava que aqui no Sul do Pará os documentos teriam a mesma validade.
Como ele não conseguiu rever a sua propriedade, teve que se virar para sobreviver. Foi garimpeiro, comprador de ouro, cabeleireiro, corretor. Desta forma, ele adquiriu recursos para comprar uma pequena propriedade na Gleba Jequié num loteamento de assentados feito pelo GETAT- Grupo Executivo de Terras do Araguaia ? Tocantins, no ano de 1988.
Esta terra estava localizada numa região de difícil acesso, sem estradas, distante da PA 279 20 km e não tinha influencia fluvial. O que caracteriza um assentamento influenciado pelo processo migratório ocorrido a partir da década de 60 através dos novos programas de atração da população para a Amazônia.
Para chegar até este assentamento tínhamos que passar no meio da floresta dentro das terras dos fazendeiros. Era praticamente, segundo Martins (1991:80) uma ilha no meio das fazendas. Na frente às terras pertencia a um fazendeiro paulista e ao fundo a divisa era com a fazenda da Maginco pertencente a uma madeireira com o mesmo nome.
O interessante a ser analisado neste assentamento é que ele ocupava uma área paralelo a das fazendas, servindo de paredão de proteção ao território das grandes propriedades. De acordo com Martins (1991:81) este modelo de assentamento tinha a função de conter a passagem dos novos migrantes e proteger as propriedades dos empresários. Outro detalhe não menos significativo é que as terras destinadas ao assentamento eram de qualidade inferiores as terras dos empresários.
Nesta propriedade a atividade produtiva girava em torno da produção em pequena escala dos produtos básicos como arroz, milho, feijão e mandioca. Não tinha núcleo urbano, por isso eram comuns as atividades comerciais à base de troca de produtos com os outros lavradores da região.
Não é difícil imaginar quantos migrantes passaram por esta situação. No entanto, além do processo expropriatório a que estavam sujeito os migrantes ocorriam paralelamente uma nova formação cultural. Mesmo que neste assentamento tivesse mais de uma família com graus de parentesco eram muito comum as relações sociais com outras famílias vindas de outros estados do Brasil.
Através destas relações sociais iam sendo construídos novas teias de relacionamento, e assim, os lavradores fortaleciam-se coletivamente. A troca de favores era muito frequente. A convivência com outras culturas possibilitava o surgimento de outras culturas através da incorporação de hábitos e praticas diferentes das quais praticávamos.
Pelo trabalho produzimos os objetos que são incorporados pela cultura e desta forma contribuímos para a produção da história individual e coletiva. A cultura vai sendo ampliada à medida que entramos em contato com culturas diferentes. É no cotidiano que ocorre às manifestações das experiências individuais, mas que possibilita a criação de uma identidade enquanto ser genérico. Nossa cultura foi sendo transformada a partir do momento em que estávamos convivendo com pessoas de práticas diferentes.
Neste caso, uma prática incomum para nós é a queimada para fazer a roça. O que para alguns lavradores é um processo muito utilizado para limpar o terreno, para nós foi algo novo, foi o que podemos chamar de choque cultural porque o fogo para nós dignificava algo muito perigoso. Mas logo esta prática foi incorporada nas nossas atividades rurais no campo. Esta prática, muitas vezes, foi usada de forma irracional e prejudicando os próprios lavradores. No entanto, é preciso salientar que os que mais desgastam e prejudica o solo são os grandes proprietários de terra devidos o mau uso e a forma acelerada como se apropriam dos recursos naturais.
Mas nós somos os criadores e produtores da nossa história e assim, por meio das experiências coletivas marcadas por antagonismos e significados diferentes vamos criando uma identidade que nos permite a manutenção das relações sociais.
Para Albuquerque (2007):
Assim como ele balança pingente em suas paredes a construir, sue s valores culturais oscilam entre o passado que deixou para trás, que está sendo reconstruído no prédio da memória, e o presente que o invade pelos olhos, ouvidos, boca, pele e nervos. Ele simula um novo território que é o cimento com que busca rejuntar os tijolos das experiências cotidianas do passado e do presente. "Erguendo paredes mágicas", ele busca construir um novo lugar para ocupar no social, o que " a Antropologia Cultural chama de construção de uma nova identidade cultural".(p.103)
À medida que contribuímos para a mudança cultural do outro sujeito, nós também estamos sendo recriados a partir desta mudança. É possível perceber que as influencias culturais que repassamos e recebemos se insere num processo dialético. Ambos os sujeitos são formados na convivência cotidiana.
EXPERIÊNCIAS DE VIDA RELACIONADA AO MEIO RURAL
Sou rural de nascimento e formação. Sendo filho de lavrador aprendi desde cedo a lidar com as coisas do campo através dos ensinamentos de meu pai. Isto para mim é motivo de orgulho porque sei desenvolver várias atividades de trabalho no campo. Minhas primeiras experiências de trabalho aconteceram antes de frequentar à escola. O trabalho para quem nasce no campo começa muito cedo.
Meus primeiros anos de escolaridade foram estudados em escola rural que funcionava no modelo de multissérie. São vivências que não caem no esquecimento, aliás, estes foram os anos mais saudáveis na minha infância, relembrados com muita saudade.
A influência da vida camponesa sobre a minha formação é muito forte. Sempre tive medo de cidade, o movimento que acontecia na cidade para mim era algo estranho, principalmente na cidade grande, os carros, o agito nunca foi forte o suficiente para mi convencer a ser um urbano. Gosto muito de espaço, do cheiro das coisas do campo, dos animais, da plantas e da aparente solidão e isolamento do homem do campo. Se bem que hoje a realidade está um pouco diferente, já não estamos tão isolados como era no meu tempo de criança. Aquele modelo de vida ao qual fui instruído ainda me influencia até hoje nas minhas decisões.
CONCLUSÃO
Ao finalizar este trabalho quero ressaltar que o papel do migrante é muito importante e notável na composição social da Amazônia. Mesmo passando por desafios na busca e na luta pela posse da terra, acredito ter valido apena ter sido um migrante a mais a fazer parte deste fabuloso "recanto" chamado e reconhecido mundialmente como Amazônia.
É na convivência social, nos passeios noturnos, no café da manhã, nos terços e cultos, no pegar emprestado, na caçada ou no roçado que os migrantes oriundos dos mais diferentes estados do Brasil vão construindo um processo de aculturação. Não se pode mensurar o quanto perdemos ou ganhamos de elementos culturais a partir dessa nova relação social com os novos sujeitos. O certo é que há uma troca bilateral dos valores que carregamos na "bagagem", e quando menos esperamos já estamos reproduzindo a nossa nova formação cultural.
As contribuições deste trabalho foram significativas porque trouxe à memória as experiências vividas em vários momentos da minha vida, além do que o referencial teórico possibilitou a compreensão de termos e conceitos que estão diretamente relacionados com a nossa própria historia, mas que sem eles não conseguiríamos nos perceber como sujeitos produtores e produtos desta história em construção.
Podemos perceber que a nossa formação cultural está num contínuo processo de adaptações e fusões, pois não há predominância dos valores culturais dos povos que compõe a estrutura social na região sul e sudeste do Pará. O que é notório é a grande diversidade dos valores culturais individuais expressos através da culinária, vestuário, linguagem, o modo de se relacionarem com a terra.
Temos diversas manifestações culturais que podem ser expressas pelo simples fato de usar o facão ou a espingarda, ou ainda quanto à culinária através do uso do feijão de corda para os nordestinos e o feijão do sul para os migrantes do centro ? sul do país. No vestuário as diferenças também são perceptivas roupas curtas (short, bermudas) e chinelos de dedo.
Não há como definir que existe uma identidade social, as aproximações que ocorrem são decorrentes dos vários interesses em questão, principalmente no sentido de fortalecimento de toda uma categoria social que não são proprietários de terra e que ainda lutam pela sua conquista, ou daqueles que já são assentados e juntos formaram associações para reivindicar seus direitos e melhorias nas condições de vida.
Quanto à questão do que julgamos haver uma identidade cultural entre os povos migrantes, de certo modo podemos dizer que há fatores que convergem para colocar ? nos num mesmo patamar, embora que as diferenças são inúmeras. Acredito que mesmo convivendo com problemas coletivos e juntos no embate e luta, isto aproximam os discursos de toda uma parcela da sociedade camponesa, principalmente quando referimos ao homem do campo, aquele que utiliza a terra para produzir o seu sustento.
Por meio desta discussão entendemos que o fato de haver reciprocidade entre os diferentes sujeitos, isto não nos permite afirmar que as características comuns aos diferentes povos migrantes caracterizam uma identidade cultural. Haja vista que estamos discutindo sobre naturezas das mais diversas. Mas também não podemos negar a existência de um elo entre vários destes povos que tem na sua história a cultura do homem do campo.
No entanto, devo esclarecer que quanto ao termo identidade cultural, acredito ser oportuno frisar que existe uma relação de semelhanças entre as histórias de vidas de cada um enquanto indivíduo e que se aproximam no coletivo. Assim pensamos que estamos formando uma identidade dos povos da região do sul e sudeste paraense. Mas sabemos que esta identidade forjada nas lutas de resistência e nas conquistas, ainda é um processo tão incipiente que nos leva a compreender que a classe trabalhadora do campo tem muito a produzir enquanto sujeitos históricos.
Gostaria de finalizar este trabalho dizendo que os fatos históricos são projeções da mente humana que antes de torná-los reais elaboram ? os e que a história é o palco real onde apresentamos estas projeções e as constituímos como a nossa história pessoal. Quando estas projeções transcendem o individual e são experimentadas por mais sujeitos estamos neste momento construindo a história da história.
Portanto, a migração, a diversidade sócio ? cultural, a identidade são fatos reais que nos aproximam e que nos dá a oportunidade de re ? criar outros caminhos diferentes daqueles aos quais já vínhamos percorrendo. Quando recriamos outros caminhos estamos construindo um conjunto de elementos culturais que nos tornam menos diferentes, mas jamais iguais.

Referencias Bibliográficas
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história ? Bauru, SP. Edusc. 2007.
HÉBETTE, Jean. Cruzando a fronteira: 30 anos de estudo do campesinato na Amazônia. Belém: EDUFPA, 2004.
MARTINS, José de Souza. Expropriação e Violência: a questão política no campo.3ª Ed. Editora Hucitec, São Paulo: 1991.
MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de sociologia da história lenta. 2. Ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
PEREIRA, Airton dos Reis. Ocupações espontâneas, conflitos e violência pela posse da terra no Araguaia. RURIS, vol. 2, n° 2. Campinas: Unicamp/IFCH, 2008.