1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como escopo relatar de forma sucinta a evolução do processo no ordenamento jurídico brasileiro.

Abordar o paralelo existente entre processo e cidadania no contexto do Estado Democrático de Direito. 

Mostrar o principal instrumento jurídico para tutelar a liberdade do direito de ir e vir dos cidadãos brasileiros.

2  A EVOLUÇÃO DO PROCESSO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

 Para a melhor compreensão da extensão do conceito moderno de processo temos que voltar à forma mais bárbara do processo. E sua fase mais negra não ocorreu nos tempos mais longínquos, como em Roma e Grécia.

Ainda guardamos em nosso direito alguns institutos jurídicos processuais criados em Roma e na Grécia. O nosso direito tem como princípio as codificações Romanas.

Contudo, ao contrário do esperado, pois era de se esperar que o tempo provocasse uma evolução do direito processual não foi o que se viu alguns séculos depois.

Pode se dizer que o processo quase desapareceu na idade média, por ocasião da Santa Inquisição.

Nestes tempos de supressão da cidadania, o processo era quase inexistente. As poucas normas processuais existentes laboravam em favor da acusação e as partes eram absolutamente submissas ao julgador.

Nos tempos da Idade Média, em meados do século XIV foi escrito um livro que se tornou o manual da Santa Inquisição, “MALLEUS MALEFICARUM”, ou como o conhecemos “O Martelo das Bruxas”, escrito por dois padres alemães, Heinrich Krmer e James Sprenger.

Para se ter uma idéia do processo medieval, havia uma norma processual na qual dava a quem denunciasse uma bruxa 50% de seus bens, em caso de condenação. Até mesmo uma má reputação servia de provas para uma condenação, e esta prova era quase de presunção absoluta.

3  A CODIFICAÇÃO DO PROCESSO E SUA RELAÇÃO COM A CIDADANIA

 Para a felicidade dos processualistas esta fase passou e o processo ganhou corpo e foi codificado. Foi pelas mãos do também alemão Oskar Bülow  que a teoria do processo se tornou um ciência.

Bülow propôs a ideia de que o processo é uma relação jurídica que se estabelece entre o Juiz e as partes. Sua teoria ficou conhecida como a teoria do processo como relação jurídica.

Deve-se a Oskar Bülow uma das maisimportantestentativasde explicara naturezado processo. A suateoria, quese tornou conhecidacomoteoriada relaçãojurídicaprocessual, é a preferida peladoutrinaclássicae pelaquasetotalidadedos processualistas brasileiroshoje. Dezanosapósa polêmicatravada entreWindscheid e Muther sobreação, Büllow publicou [em1868] a obraintitulada “Teoriados pressupostos processuais e das exceçõesdilatórias”, atravésda qualdeu conteúdoteóricoà idéiade queno processohá relaçãojurídica. Frise-se quea idéiade uma relaçãojurídicaentreas partese o juizjáeraintuída à épocado direitoromanoe pelosjuristasmedievais. A importânciada obrade Büllow foi a de sistematizar, emboraa partirda teoriada relaçãojurídicajáedificada pelodireitoprivado– mascombasesempremissasde autonomiado processoemrelaçãoao direitomateriale da suanaturezapública-, a existênciade uma relaçãojurídicaprocessual de direitopúblico, formada entreas partese o Estado, evidenciando os seuspressupostos e os seusprincípiosdisciplinadores.[1]

O processo também tido como instrumento da jurisdição em busca da realização do direito material, ganhou o mundo e foi uma unanimidade para os processualistas da época. Pois Bulow condensou em uma teoria todos os princípios regentes do processo, criando uma teoria específica para o direito processual.

Ainda hoje essa teoria tem grande aceitação para os processualistas, no Brasil a chamada Escola Paulista expôs a essa teoria como absoluta.

Entretanto, não pode ser absoluto e eterno em termos de teoria. Na Itália um estudioso do direito processual percebeu que essa teoria não podia satisfazer os anseios democráticos.

Elio Fazzalari deu nova dimensão ao direito processual e o inseriu no contesto do Estado Democrático de Direito, elevando o processo ao patamar de garantia de direitos ao invés de instrumento da jurisdição.

Na teoria instrumentalista o processo é apenas um instrumento pelo qual se chega à realização do direito material. O processo é apenas um subproduto do direito material.

Já Fazzalari entende que o processo é um procedimento realizado em contraditório onde as partes têm uma participação efetiva em contraditório na construção do provimento jurisdicional que irão suportar.

Tale struttura consiste nela partecipazione dei destinatari degli effetti dell’atto finale alla fase preparatoria del medesimo; nella simmetrica parità delle loro posizioni.[2] ( FAZZALARI, 1992, p. 82).

Este novo conceito processual impõe ao Estado Julgador a sua submissão às normas processuais, obrigando-o a elevar as partes ao mesmo patamar do juiz. Não existe superioridade ou subordinação entre juiz e partes.

Nada mais justo que as partes que irão suportar o provimento jurisdicional participem de sua construção em simétrica paridade, em contraditório, e respeitando a ampla defesa.

Observa-se que os termos simétrica paridade, contraditório e ampla defesa são também conceitos instituidores do moderno conceito de cidadania.

A simétrica paridade processual não pode ser compreendida como uma igualdade formal entre as partes, e entre essas e o juiz. A simetria das partes incorpora um antigo conceito de igualdade instituído por Aristóteles; igualar os iguais e desigualar os desiguais na medida de sua desigualdade.

Este conceito é bem compreendido na flexibilização da distribuição do ônus da prova no CDC com sua inversão, na instituição do estatuto dos Idosos, entre outros estatutos. Nestes casos a parte mais fragilizada recebe uma compensação processual para igualá-la a parte mais forte, quebrando assim a igualdade formal.

O contraditório, não pode ser compreendido apenas como o direito de expressar suas razões em juízo, mas ter a suas razões levadas em conta e analisadas, ainda que preteridas.

A ampla defesa é um dos maiores corroborantes, senão o maior, da cidadania no contesto do Estado Democrático de Direito. Pois é nela que se alicerça o princípio da inocência e a defesa do cidadão contra o próprio Estado. Quando o Estado não encontra instrumentos processuais que o impeça de agir sem limites, suas mãos se tornam excessivamente pesadas, e assim estaríamos de volta ao processo medieval.

O Professor Aroldo Plínio Gonçalves a muito já ensinava a lição que ainda poucos compreendem. Agraciando-nos com sua experiência jurídica escreveu:

“As garantias constitucionais do processo são garantias da própria sociedade, enquanto se coloca como comunidade de jurisdicionados perante o Estado, que detém a sanção em sua universalidade. São garantias de que o Estado não invadirá o domínio dos direitos individuais e coletivos, se não for chamado a protegê-los, de que o Estado não instituirá juízos pós-constituídos, de que a privação dos bens da vida que o Direito assegura não se dará sem as formas de um processo devido e de que não se dará sem a participação e o controle dos destinatários do provimento em sua própria formação, de que não se dará sem a devida explicação aos jurisdicionados sobre os fundamentos de uma decisão que interfere em seus direitos e nas liberdades pelo Direito assegurados. Se as Declarações de Direitos do século XVIII se preocuparam em criar as garantias políticas e criminais dos indivíduos perante o Estado, o século XX, já em fim de milênio, preocupa-se em “assegurar” a aplicação daquelas garantias, já ampliadas. Na base dessa preocupação desenvolveu-se também uma concepção mais ampla de liberdade e de dignidade dos homens e da sociedade.” [3]

Também nos ensina o Professor Welington Luzia Teixeira:

“No entanto, não basta estar sob um regime democrático e sob um complexo de normas, em tese democráticas, para que o Estado possa ser considerado, efetivamente Democrático de Direito. É preciso, sobretudo que a aplicação desse direito passe por uma fiscalidade incessante dentro do espaço da processualidade, onde sejam observados os princípio do contraditório, da isonomia e da ampla defesa. Ou seja: quem cria o direito (o povo) é também o seu destinatário e deve ser o guardião da sua democrática aplicação. Sob pena de termos um Estado – aparentemente – Democrático em uma jurisdição – efetivamente – autocrática, em que o Juiz possa dizer o direito no caso concreto, com base em poderes amplos, absolutos e subjetivos”. [4]

Como o Estado chamou para si a jurisdição, ficando com todo o poder de solução de conflitos, e o provimento emanado por ele é um ato de império, entrando na esfera patrimonial e até mesmo interferindo na liberdade dos jurisdicionados, as normas processuais são as únicas garantias existentes contra as pesadas mãos do Estado.

Denota-se que quando as normas processuais são elevadas ao rol das garantias constitucionais, não podem ser interpretadas sem que tenham como paradigma de interpretação o Estado Democrático de Direito.

Terminada a breve e superficial explanação relativamente ao paralelo existente entre o processo e a cidadania no Estado Democrático de Direito, tema que daria um tratado, analisaremos o principal instrumento judicial cabível para a tutela da liberdade do direito de ir e vir, dentro do conceito de processo e cidadania.

4 HABEAS CORPUS O PRINCIPAL INSTRUMENTO PARA TUTELAR O DIREITO DE IR E VIR

 A CF/88 garante a liberdade de locomoção em seu art. 5º incisos, XV e LXI:

 Art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

Mesmo sendo uma garantia constitucional o direito de locomoção, o Estado, entretanto, algumas vezes extrapola o seu poder e restringe a liberdade de seus cidadãos.

Quando isto acontece, nasce para o prejudicado o direito de ação através de alguns instrumentos judiciais para garantir a tutela do seu direito de ir e vir para assim exercer de forma plena o exercício de sua cidadania.

Vários são os instrumentos judiciais cabíveis para a tutela da liberdade do direito de ir e vir no ordenamento jurídico brasileiro. A intenção aqui não é esgotar todos estes mecanismos e sim explicar o principal instrumento para garantir a liberdade de locomoção dos indivíduos.

Este principal meio para a tutela do direito de ir e vir faz parte dos vários instrumentos que a doutrina denominou como remédios constitucionais e é denominado como Habeas Corpus.

Os remédios constitucionais são instrumentos judiciais previstos constitucionalmente para garantir a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos. 

O Habeas Corpus está previsto no art. 5º inciso LXVIII da CF/88:

“LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;”

 O Habeas Corpus tem como objetivo assegurar aos cidadãos sua total liberdade de locomoção, garantindo o seu direito de ir, vir e permanecer.                     

Segundo KILDARE (2007,p.651) o objeto do Habeas Corpus é a tutela da liberdade de locomoção, ou seja, ir, vir e ficar, sendo excluídos de sua proteção os direitos públicos subjetivos, amparados por outros remédios constitucionais.

É um instrumento acessível a todos podendo ser solicitado por qualquer pessoa. Tal medida pode ser requerida mesmo sem advogado, não tendo que obedecer a qualquer formalidade processual ou instrumental, é o que dispõe o art. 5º, inciso LXXVII:

LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.        

Há duas espécies de Habeas Corpus, o preventivo e o repressivo. O primeiro ocorre quando alguém achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (observa-se aqui que a restrição à liberdade de locomoção ainda não ocorreu). Já o segundo acontece quando o direito de locomoção já se consumou e tal medida buscará cessar a violência ou coação.

 5 CONCLUSÃO

O processo e a cidadania são duas fases de uma mesma moeda. No contexto do Estado Democrático de Direito, não é possível se falar em cidadania sem ter em mente o processo, e da mesma forma não há processo sem cidadania.

É através da democracia que o povo exerce a sua cidadania, elegendo os seus representantes que irão elaborar as leis e administrar o país.

No que tange ao processo, a cidadania é exercida pelo direito de ação conferido a todos os cidadãos o acesso à justiça para exigir do Estado a tutela jurisdicional quando houver uma ameaça ou de fato uma violação em seu direito.

REFERÊNCIAS:

CARVALHO, Kildare. Curso de Direito Constitucional. 13.ed. Belo Horizonte. Editora: Del Rey, 2008.

FAZZALLARI, Elio Istituzioni di diritto processuale. Padova, Cedam.1992.

GONÇALVES, Haroldo Plínio. Teoria processual e teoria do processo. 2. Ed. Belo Horizonte. Editora: Del Rey, 2012.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. São Paulo. Editora: Saraiva, 2011.

MARINONI, Luiz Guilherme.TécnicaProcessual eTuteladosDireitosRevistadosTribunais2004.

MIGALHAS. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI131627,81042-Cidadania+e+os+servicos+essenciais >. Acesso em: 23 abr. 2013.

MIGALHAS. Disponível em:  <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI13679,101048-Constituicao+processo+e+jurisdicao >. Acesso em: 23 abr. 2013.

SCRIBD. Disponível em: < http://pt.scribd.com/doc/123316203/Cidadania >. Acesso em: 23 abr. 2013.

SCRIBD. Disponível em: < http://pt.scribd.com/doc/54562243/-democracia-e-cidadania >. Acesso em: 23 abr. 2013.

TEIXEIRA, Welington Luzia. A construção do provimento jurisdicional no Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte.2006. Dissertação de Mestrado em Direito Processual. Faculdade Mineira de Direito, PUC/MG.

 [1] MARINONI, Luiz Guilherme.Técnica Processual eTutela dosDireitosRevista dosTribunais 2004

[2] FAZZALLARI, Elio Istituzioni di diritto processuale. Padova, Cedam.1992, p. 82.  “Talestrutura consiste na participação dosdestinatários doefeito doatofinal dafasepreparatória; na simétricaparidade dasuasposições”.

[3] GONÇALVES,Técnica processual e teoria do processo, p.184.

[4] TEIXEIRA, Dissertação de Mestrado. A construção do provimento jurisdicional no Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte. 2006