O processo de socialização e educação tradicional lomwé, na primeira, segunda infância á puberdade, caso dos distritos de Ilé, Alto Molócuè, Namarrói e Lugela na Provincia da Zambézia (Moçambique)
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Por: Fidélio Vicente Alfredo  [email protected],br

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Resumo
Este artigo apresenta um estudo sobre a o processo de socialização e educação autóctone tradicional lomwé, na primeira, segunda infância á puberdade, caso dos distritos de Ilé, Alto Molócuè, Namarrói e Lugela na Provincia da Zambézia. Tal estudo é parte integrante de uma série de trabalhos de pesquisa que o autor tem vindo a desenvolver na área de educação, ele retratrata as diversas etapas de educação que individuos da etnia Lomwé residentes na provincia da Zambézia experimentam até chegar a fase adulta.


Dessa forma, entende-se que este é um campo aberto para férteis discussões que devem ser fomentadas a partir dos estudos sobre a aprendizagem.
Assim, ressalta-se que o trabalho que aqui se apresenta não tem a pretensão de ser conclusivo, mas pretende, essencialmente, apresentar uma revisão teórica sobre principais características de cada uma fases do processo de socialização e educação autóctone tradicional e, a partir daí, discutir. Portanto, este estudo propõe uma revisão das Teorias da Aprendizagem.
Palavras-chave: Socialização // Educação tradicional //Etnia Lomwé











Introdução
A semelhança do que acontece em muitas etnias, a educação entre os lomwés está relacionada em cada etapa dos seus aspectos com a vida colectiva em suas múltiplas dimensões. No entanto, não é fácil estabelecer ou delimitar a faixa etária exacta no processo educativo autóctone por ele ser complexo, outra dificuldade reside pelo facto do povo lomwé ter permanecido muito tempo iletrado e ter se limitado apenas na tradição oral, e, essa falta de sistematização de conhecimentos por escrito deu azo as posições cronistas dos portugueses e europeus a cometerem miopias intencionais com fins racistas e eurocêntricas ao se debruçarem sobre instrução e educação, confundiram certos aspectos que incorporam o tecido sócio cultural autóctone tradicional moçambicano, em fim, os europeus duma forma enviesada e intencional retrataram falaciosamente sobre o aparato ideológico dos africanos no geral e particularmente dos lomwés.
Outrossim, alguns investigadores moçambicanos nos seus estudos realizados as regiões limítrofes de Nampula e Zambézia generalizam os contextos, fazem-no sem isolar o artefacto particular da cultura elomwé da Zambézia, apesar de haverem semelhanças gritantes, deve-se entretanto, trazer as diferenças sócio culturais e até linguísticas. Não se deve arrastar ou transferir um contexto para outro e uma particularidade peculiar dum local para outro sem no entanto, analisar isoladamente.
Para melhor percebermos o povo lomwé temos que definir as seguintes etapas do processo educativo autóctone tradicional que são: socialização, ritualização e historização.
Na socialização: o indivíduo não nasce com características pré-determinadas para a inteligência e para o estado emocional, mas sim, evolui intelectualmente quando interagido constantemente a reflexões sobre questões internas e das influências da sociedade.
A Teoria autopoiese ou autopoiesis (do grego auto "próprio", poiesis "criação") é um termo que surgiu na década de 70 pelos biólogos e filósofos chilenos: Varela & Maturana para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios.
Se quisermos falar do povo elomwé temos que desenvolver a teoria de complexidade e autopoiese, onde a primeira, nos propícia a proximidade da realidade, numa perspectiva de relações de trabalho, de família, de sociedade, de meio ambiente ou de qualquer outra manifestação de organização que a cultura propicie.
Para os elomwés viver significa estar-com. Existir é um recíproco fazer-se existir. (Okhala onamukhalihaniwa).
Na língua lomwé, ter diz-se: estar com.  (Okhalano).
A partícula NA (com) faz parte da maioria dos verbos que indicam as relações da vida
do homem:
OKHUMA-NA encontrar-se com
WUNNUWA-NA crescer com
OKHWELA-NA amar-se
OTHELA-NA casar-se

Autopoiese ou autopoiesis nos elomwés é a perfeição da vida que está nas relações sociais. O homem tanto vive como participa na vida da comunidade. A pessoa é um centro de relações, centro individual, não fechado, mas aberto e dinâmico. Quanto mais se relaciona, mais vive e mais cresce como pessoa.
Ritualização: integração do indivíduo numa ordem simbólica e religiosa mais específica. O homem é o centro que recebe e ao mesmo tempo oferece e se entrega. Conserva a sua autonomia, mas dentro da harmonia com a família, a sociedade e o cosmos.
Para Vygotksy (s/d), a função da mediação social nas relações entre o indivíduo e o seu meio, ocorre através de ferramenta, e na actividade física intra-indivíduo é feita através de sinais. Mesmo que o indivíduo nasça com predisposição para algo, ele dependerá do que vai aprender ao longo da sua vida nas relações permeadas pelo seu grupo social.
Nesta ordem, na cultura lomwé a interrogação sobre o homem é de tipo eziológico, pois falar do homem é falar do homem vivente, que cultiva a natureza, dá nome aos seres e às coisas e humaniza-as. O homem, como centro, é um microcosmos, sendo, ao mesmo tempo, o lugar cósmico da natureza e sua norma. Mas quando, com a sua liberdade, contradiz a ordem da criação, quebra a harmonia e perde o seu lugar cósmico. No entanto, todas as suas acções se repercutem na natureza, a qual perde a sua norma original, e começa a vigorar o mal.
Historização:Para os lomwés, viver significa existir no seio de uma comunidade, significa participar na vida sagrada – e toda a vida é sagrada – dos antepassados; significa prolongar os próprios antepassados e preparar a própria continuidade nos descendentes.
Por ventura haverá a seguinte questão – porque é que as idades não reflectem os estágios de desenvolvimento de PIAGET de 0-2 anos de idade (estágio sensório -motor) na primeira fase de desenvolvimento e sucessivamente?
Importa referir que o estágio de desenvolvimento definido em PIAGET observa a idade de bebés europeus e para operacionalização do estudo seria de difícil enquadramento, porque os bebés africanos são mais precoces que os europeus no que diz respeito ao desenvolvimento psicomotor e psicossocial.
O ambiente em que criança vive é um factor influenciador no desenvolvimento motor e mental principalmente no primeiro ano de vida. Por sua vez, este difere de acordo com as variações sócio - económicas e culturais, educação materna e estímulos presentes na casa onde a criança vive. Segundo SUPER (1976) as diferenças raciais, práticas de cuidados com as crianças e factores culturais são responsáveis por diferenças no desenvolvimento motor.
Entretanto, neste trabalho, em concordância com o quadro teórico acima levantado apresentamos de (0-4 anos) a 1ª infância e (5-10 anos) a 2ª infância.

Primeira infância (0-5 anos)
A primeira infância é a base para todas as aprendizagens humanas. Linguisticamente usa-se o termo MWANA para indicar os infantes (menino ou rapariga).
 A 1ª infância situaremos entre os zero aos quatro anos de idade. Neste período, a educação de hábitos motores, o estreito relacionamento com a mãe constituem as primeiras características do período. Mais do que um mero recipiente passivo do que o meio lhe dá, a criança desenvolve actividades imitativas desenvolvendo assim a sua agilidade psicomotora e faculdades de observação e invenção, construindo objectos a partir da manipulação de miniaturas da realidade.
Mercê da sua maturação, a criança começa agora a explorar activamente o seu meio. Mwana, amanya etxaya (criança, sua mãe é a terra). O homem conhece-se a si mesmo olhando para os fenómenos que o circundam.
No concernente as actividades, os rapazes imitam actividades dominantes como: a caça, pesca nos pequenos lagos psicolas, cestaria, etc., fazem lanças, flechas e arcos, fisgas, montam armadilhas, contrõem palhotas em miniatura, carrinhos de caniço, esculpem em barro, imitando a mãe. E as raparigas pilam, peneiram cereais imaginários ou reais, fazem “comidinha” desenvolvem habilidades de gastronomia, constrõem seus adornos, brincam de mães com suas bonecas amarradas com capulanas as costas, de donas de casa, professoras, esculpem o barro, etc.
Entretanto, as raparigas aprendem a ser diligentes e perseverantes, esforçadas e responsáveis muito cedo. O seu mundo estende-se á lida doméstica, desenvolve machamba em miniatura e cuida dos irmãos mais novos em casa (crianças cuidadoras de crianças).

Processo da 2ª infância (5-13 anos)
Na segunda infância é a fase intermediaria entre infância e a puberdade, ambas subsistem no mesmo campo de desenvolvimento da personalidade e na ambivalência da simultaneidade de ser e estar, ao mesmo tempo criança e “adolescente” em construção. No processo de socialização e pelo Direito Consuetudinário o rapaz até aos 5 anos de idade pode adquirir o estatuto de adulto. Nesta fase continua ainda criança aquele que não foi aos ritos de iniciação, um facto é óbvio na sociedade elomwé os ritos de iniciação conferem as crianças com 5 ou mais anos de idade o estatuto de adulto.
A criança vai construindo a sua teoria do mundo á custa do que lhe chega através dos sentidos, sendo que numa primeira fase isso se prende necessariamente ao comportamento das figuras significativas do seu meio. A tarefa de educação no seio da família apresenta a seguinte divisão: o pai educa o varão (filho homem) e a mãe a rapariga.

Adolescência (13 á 18 anos)
Terminada a infância inicia-se a adolescência com uma autêntica revolução fisiológica. Fase intermédia adolescente “adulto”. Nesta fase tanto o rapaz como a rapariga não devem e nem podem dormir na mesma casa com os pais porque saberão os tabus da casa. O pai é obrigado a fazer uma casinha para a filha bem pertinho da sua e por sua vez o filho faz a sua própria casinha junto do pátio também.
Muitos investigadores dizem que o povo lomwé é muito acolhedor e hospitaleiro porque tem sempre uma casa de reserva para albergar os hóspedes. É verdade porque eles não querem partilhar certos tabus da casa com alheios e até mesmo com os seus próprios filhos; é uma das razões que faz com que assim que estes atingem a maturidade dormem nas casinhas ao redor do pátio sob alçada dos pais.  
Entre o rapaz e a rapariga existem sortes diferentes, para o rapaz a puberdade surge com a iniciação, ou seja, com a sua participação nos ritos de iniciação da puberdade, designados por MASSOMA, que se supõe uma educação intencionalmente organizada, relativamente intensiva. Enquanto para a rapariga a puberdade é biológica, isto é, a maturidade fisiológica revela-se quando a rapariga “apanha” a primeira regra menstrual, que serve de sinal à mãe, como tendo chegado o momento para a realização dos ritos de iniciação.
Os ritos de iniciação constituem o apogeu da educação tradicional nestas cerimónias se ensina a moral, o respeito aos próximos e aos mais velhos.  Em suma, as crianças aprendem tudo sobre a vida.
Pós a cerimónia de encerramento decorre no epwarro (púaro), na casa da autoridade gentílica. Também pode decorrer na casa de régulo ou na casa de um dos chefes de família relevante escolhidos durante o trabalho de acampamento. Os ritos de iniciação são públicos apenas na sessão de encerramento, nos conselhos de iniciação, denominados por OKHUMA WAALUUKHU, o que quer dizer conselhos de saída dos iniciandos.
Actualmente, devido a conjuntura social e sobretudo, as transformações sócio - culturais vigentes na sociedade tradicional moçambicana lentamente vão mudando os dias demoravam 1 mês, actualmente duram 1 semana, em casos excepcionais menos dias.
Depois destas cerimónias as crianças são obrigadas a não ter comunicação verbal ou gestual com os pais/educadores até completarem 2 anos. É uma situação de violência psicológica. A cumplicidade afectiva entre mãe e filho chega ao fim, passa a reinar relações de evitamento e profundo respeito.
Depois deste tempo de “stand by” impõe-se dizer que convive no mesmo agregado familiar com os pais/educadores e essa “convivência” é rigorosamente acompanhada pelo seu principal tutor, seu tio materno, pelo padrinho de iniciação, além da comunidade, para que o comportamento dos iniciados seja traduzido em atitudes, seja adequado ao seu estatuto de iniciado, de “adulto”. Assim, deverá quebrar este silêncio com os pais ou educadores através de pagamento de um bem ou comida, na comida é frequente darem matxilo, rato pegue na machamba, como prato especial e de agradecimento por ter se tornado Homem.   
Se por ventura alguém for encontrado a divulgar o segredo “canónico da religião tradicional autóctone”, segredo das práticas dos ritos que vão desde o corte do prepúcio até aos ensinamentos da educação autóctone tradicional é “excomungado” da sociedade, é considerado alguém sem dignidade pelos seus. Ora, a participação do indivíduo na sociedade é condicionada. Portanto, a participação do indivíduo na socialização não se realiza por gosto ou por casualidade é uma consequência da própria vida. Sendo assim, a pessoa é membro de uma sociedade global, integral, organizada, segundo o princípio de tudo em cada coisa, e nada fora de coisa nenhuma. É a harmonia do indivíduo com a sua comunidade.
Em termos de idade cronológica e fisiológica, ele ainda é criança. Em termos de idade mental e cultural, o rapaz é adulto e a sociedade reconhece-o como tal, com todos os direitos e deveres inerentes. Porém, o rapaz “adulto” brinca entre os coetânicos em uma situação em que a “criança” dentro de si convive com o “adulto” na mesma pessoa. Não se trata de dupla personalidade, mais sim de personalidade integrada.
Chegada fase eles aprendem a encarar o trabalho a menina réplica os trabalhos realizados pela mãe, enquanto o rapaz exactamente a réplica dos trabalhos dos homens. A ordem moral constitui um todo único, é a ordem social, é a sociedade, tal como ela é, a vida estruturada, que vai desde as crianças até aos jovens, dos jovens aos adultos, dos adultos aos anciãos, dos anciãos aos antepassados. Exaltando Elungu (1987:85), a ordem moral é a ordem social, a ordem vital estruturada.

























Referências Bibliográficas

BARBOSA, A.G. 2008 Intervenção Social da ALVD no Gurúe. Pedagogia social.
BECKER, F. 2003. Vygotsky versus Piaget - ou sociointeracionismo e educação. In: R. L. L.
ELUNGO, A.E. 1987. Tradition africaine et rationalité moderne. Paris
ERIKSON,E.1972. Identidade Juventude e Crise. Rio de Janeiro. Zahar Editor
TORRES, A.1984. Sociologia e teorias sociológicas. Lisboa S/E