O artigo fala sobre o livro “O mito da terra liberta” de Leonarda Musumeci. Ela foca seu trabalho no povoado Barro Vermelho (MA) reconstituindo e comparando distintas formas de ocupação da terra pelo campesinato, investigando também as circunstâncias, as mudanças e mecanismos sociais ligados à pequena produção, assim como a disputa pela terra e ameaças de expropriação pela frente capitalista.
Palavras-chave: Campesinato. Disputa de terra. Frente capitalista

1. Introdução

O mito da terra liberta procura reconstituir o processo de colonização camponesa na área do povoado de Barro Vermelho no município de Poção de Pedras (no vale do médio Mearim, Maranhão), a partir das narrativas dos seus protagonistas, a fim de estudar as concepções e práticas associadas à terra liberta, à pose, à situação passada de fronteira; verificar que tipos de mudanças (estrutura interna do grupo camponês, atividades econômicas, relação com a terra) estavam se processando como pressuposto instrumento ou efeito da luta contra a expropriação. Os camponeses do Barro Vermelho possuem suas atividades econômicas vinculada a uma rede mercantil supralocal, mostrando que o produto principal (arroz) está voltado à comercialização e não exclusivamente para subsistência.

Abordaremos primeiramente o "sistema camponês" de apropriação da terra liberta mostrando o dualismo que a na fronteira estudada. Logo após falaremos da frente de expansão na luta da posse da terra liberta e seus direitos. Por fim as relações de comercio e patronagem mostrando de forma detalhada o movimento de colonização da área.

2. Sistema camponês de apropriação da terra liberta

O camponês-posseiro tem uma concepção não-mercantil, não-capitalista, da propriedade da terra e que sua forma característica de ocupação, através de direitos oriundos do, e subordinados ao trabalho, entra em choque não apenas com as normas jurídicas formais que regulam o acesso a terra no país, mas com os próprios fundamentos econômicos e ideológicos do sistema capitalista, cuja expansão no campo dependeria da implantação e consolidação da propriedade privada e da economia de mercado.

A introdução da lógica capitalista de acesso à terra segundo o sistema de propriedade traduz-se tendencialmente num processo de expropriação do campesinato. Porém quando a terra sofre avanço da frente pioneira (sistema capitalista), o camponês pode ou não aderir à lógica da propriedade privada como forma de transformação ou adaptação defensiva.

"A existência de camadas distintas no seio do campesinato decorre da capacidade maior ou menor de cada família no sentido de resistir à expropriação, incorporando na pratica as regras jurídicas do sistema jurídico dominante como uma das formas de resistências a essa expropriação, ou pelo contrario, da persistência das praticas e da ideologia especificas da situação de ' terras livres', tornando a família camponesa mais vulnerável ao processo de expropriação". (FASE, 1978b, p. 121).

O modo como o problema da apropriação da terra se coloca da ótica do sistema jurídico e ideológico dominante, ou seja, sobre até que ponto as noções contidas na legislação formal e no ideário capitalista são realmente antagônicas aos conceitos e praticas dos posseiros, conforme suposto pela "versão dualista".

2.1 "Terra liberta": Utopia?

A fronteira (ou colônia) é, pois o espaço onde se concretizam os valores básicos da ideologia liberal e a partir de onde tais valores podem se irradiar para a sociedade como um todo. Nessa situação, os pequenos reprodutores, pioneiros da ocupação das terras livres, não é um camponês "anticapitalista", que nega a propriedade privada e a lógica mercantil, mas sim representante de uma "pequena burguesia radical", que questiona o monopólio da terra, as hierarquias consolidadas, as restrições à mobilidade social, e cujas idéias e atitudes opõem-se , essencialmente as forças capitalistas, renovando-o e democratizando-o.Isto nos conduz a uma ultima indagação geral sobre os fundamentos do modelo dualista,enquanto modelo de interpretação " cientifica" da fronteira.

2.2 Terra liberta: Métodos e políticas

Comoa Igreja, querendo ou não, tem um poder ideológico muito forte no meio rural, a versão que difunde ou apóia, tenderá a adquirir entre os próprios camponeses um peso simbólico superior ao de qualquer outra, inibindo a manifestação de visões divergentes ou legitimando-as em primeiro lugar.

Asreferências do camponês à terra liberta são quase sempre referencias ao passado. Até que ponto podem ser tomadas como "reprodução fiel do passado,sobretudo no momento em que o lavrador se vê ameaçado profundamente na pose da terra: ou seja, em que é precisamente isso,não outra coisa, que está em jogo? Será que ele irá revelar imediatamente diante de um observador externo( que quer por do seu lado) que os conflitos preexistem a esse atual e ameaçador processo de expropriação?"(VELHO, 1982b, p. 131)

3. Frente de expansão na luta da posse da terra liberta e seus direitos

A memória social sobre a terra liberta continha leituras e avaliações divergentes, que, ao invés de indicarem a existência de um "código" jurídico e ideológico coeso, peculiar ao campesinato, claramente distinguível dos de outros grupos, indicam uma diferenciação, entra camponeses de uma mesma localidade, de uma mesma "frente de expansão". O posseiro não concebe a terra livre como objeto de apropriação permanente e só está interessado no direito aos frutos do seu trabalho (FASE 1978b, p. 113).

3.1 Direitos e Benfeitoria

Existem certamente tensões "jurídicas" e ideológicas, pelo menos no contexto de fechamento, entre os conceitos de direito e benfeitoria Um exemplo pediria ser dado quando o informante afirma ter comprado uma posse sem benfeitorias e logo em seguida nega a legitimidade desse tipo de transação, invocando, significativamente, não um "código jurídico espontâneo", mas o que julga ser a "Lei do Código do Tribunal de Justiça".

Cabe ressaltar que a identidade entre direito e benfeitoria é bem mais rígida e restritiva que o conceito de posse contido na legislação formal (Lima, 1975, Cap. III; CNBB, 1977, pp. 202) e muito próxima da interpretação a que recorrem vários dos grandes proprietários das "frentes pioneiras" para expulsar" legalmente" os posseiros, mediante a simples indenização das suas benfeitorias.

3.2 Domínios Fundamentais do Povoado de Barro Vermelho

Nos estágios iniciais de povoamento, formam-se os centros...

[...] quando um individuo ou vários indivíduos, ligados por laços de parentesco, amizade ou compadrio, resolvem 'situar' ali. Trazem as famílias e iniciam a abertura de roças. Logo a noticia corre e novas famílias vêm juntar-se, aumentando o número das casas (KELLER, 1975, p. 674).

A casa é local onde residem os camponeses que conseguem o direito de posse.

Independentemente do estudo jurídico da terra "em si", de está cercada ou não, de ser acessível ou não, os camponeses designam como terra de trabalho aquela que serve ou poderia servir para produção agrícola, incluindo os terrenos de mata e de capoeira e excluindo os destinados a criação de moradia, bem como só já cobertos de capim, destinados a criação de gado bovino ou animais de carga. Resumindo terra de trabalho é sinônimo de terra agricultável.

A propriedade é um terreno, não importa de que tamanho, cercado, formado de capim e em principio destinado à criação de bois/ ou animai de carga. Seus limites s e definem de forma clara, ostensiva e permanente pela presença da cerca.

4. Relações de Comercio e Patronagem

O trabalho e a troca de serviços entre camponeses atualizam princípios de sociabilidade e conivência "comunitária" que podem ser fundamentais ao transito dos indivíduos no grupo, tanto mais se forem "ricos" e não precisarem, na realidade, de trabalhar para os outros. Isso os leva a serem capazes de assumirem maior constância no papel de empregadores dos fracos.

A também uma competição e conflitos entre os patrões pela posse de fregueses, que são aquelas pessoas consideradas honestas e confiáveis, utilizando-se de várias formas para subordinar o freguês oferecendo dinheiro para que o mesmo liquide suas contas anteriores e fique devendo somente a ele. Nesse tipo de credito o freguês fica subordinado a vender sua produção por um bom tempo pagar suas dividas.

Com o fechamento da fronteira ocorreu a disputa interna entre os camponeses pela posse e propriedade da terra que se manifestou com maior clareza, definindo os novos contornos da diferenciação social dentro do grupo, criando novas contradições e acentuando aquelas já existentes.

5. Conclusão

Embora a luta direta pela terra provoque mudanças significativas nas relações sociais, instituindo novas formas de manifestação das desigualdades econômicas – não mais apenas fortes contra fracos, mas também assentamentos contra desgarrados-os mecanismos de poder e a correlação de forças nela envolvidas não diferem muito, nem estão descolados daqueles que se delineiam anteriormente, a partir dos vínculos de patronagem. São esses vínculos (e o modo como cada um se situa dentro deles) que definem, na maioria das vezes, quem vai pra frente e quem fica pra trás; são eles também que decidem, em larga medida, quem consegue entrar "no mundo da terra" e quem acaba ficando excluído.

Referências

CNBB (Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil). Pastoral da Terra. Posse e Conflitos. São Paulo: Edições Paulinas. 1976.

FASE (Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educação). Pesquisa sobre força de trabalho agrícola em regiões de fronteira. Convenio FINEP/INAN/FASE. Rio de Janeiro, mimeo. Segundo Relatório Semestral; 1978.

KELLER, Francisca I. Vieira. "O homem na frente de expansão: permanência, mudança e conflito". Revista de Historia, 102, pp. 665-709: São Paulo, 1975.

LIMA, Rafael Augusto de Mendonça. Direito Agrário, Reforma Agrária e Colonização: Rio de Janeiro. Francisco Alvez.,1975.

MUSUMECI, Leonarda. Mito da terra liberta. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos tribunais: ANPOCS, 1988.

VELHO Otavio Guilherme. Sociedade e Agricultura. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.