Academico do 10º semestre de Direito da Faculdade de Sorriso-Fais-Unic

                                                                                                      Eli dos santos Ferreira

O PROCESSO AUTÔNOMO DE EXECUÇÃO E A FASE PROCEDIMENTAL EXECUTIVA

 

O processo autônomo de execução e a fase procedimental executiva destinam-se a satisfação do direito ameaçado ou lesado. Visa satisfazer um direito de crédito do credor insatisfeito, compilado em títulos executivos judiciais ou extrajudiciais.

Segundo Cármine Antônio Savino Filho, execução é o “efetivo cumprimento da prestação judicial que foi resolvida no processo de conhecimento ou cautelar através de sentença (título judicial) ou cumprimento de um comando, ou seja, cumprimento de uma obrigação fundada em título extrajudicial”1.

A execução é um conjunto de meios materiais previsto na legislação, com o fim de satisfazer uma obrigação inadimplida pelo devedor. Há para o credor uma pretensão executiva, fruto do inadimplemento do devedor, em que se objetiva com o desfecho final, a satisfação do crédito exequendo.

O processo executivo visa por meio de técnicas processuais efetivar o adimplemento da obrigação do devedor. O Estado, desta feita, invade o patrimônio do devedor para satisfazer o direito material do credor. Isto ocorre porque, contraída uma obrigação, uma parte tem o dever de satisfazer o direito da outra, denominado de responsabilidade patrimonial.

Para José Ysnaldo Alves Paulo, “[...] mais que a certificação em cada caso concreto, o processo de execução tem por escopo realização concreta do direito positivo na transformação patrimonial dos demandantes”2.

Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves dispõe que:

 

O sistema processual pátrio entende a execução como um conjunto de meios materiais previstos em lei, à disposição do juízo, visando satisfação do direito. Esses atos materiais executivos podem ser praticados de diferentes maneiras, sendo por isso possível, a depender do critério adotado, distinguir as diferentes modalidades de execução3.

 

Nesse consoante, ressalta Marcelo Abelha Rodrigues:

Assim, se a crise de adimplemento envolve uma prestação de fazer ou não fazer, ou o pagamento de quantia, ou ainda, a entrega de um bem, todos os atos e atividades que são desenvolvidos no sentido de concretização desse direito, na exata forma ele está corporificado no plano do direito material, se consubstanciarão em técnicas processuais destinadas à entrega da tutela jurisdicional executiva4.

 

Logo, como leciona-nos Cármine Antônio Savino Filho, o processo de execução “é para executar devedor resistente. [...] Tem por finalidade a satisfação de um direito de crédito, por meio da invasão coercitiva do patrimônio do executado.

Neste processo, a responsabilidade passa a ser patrimonial”5.

Na execução, o credor já tem conhecido o seu direito, contudo, o devedor se nega a satisfazer, voluntariamente, a obrigação. Em síntese, verifica-se que três institutos bem simbolizam todo âmago dessa busca na satisfação da obrigação não cumprida: o título executivo, o inadimplemento e a responsabilidade patrimonial do devedor.

Em suma, o processo executivo ou a fase procedimental executiva visa tomar providências para preservar ou reintegrar a ordem jurídica e o direito subjetivo ameaçado ou lesado.

Para melhor compreensão do tema proposto, neste estudo, uma análise a evolução histórica da tutela executiva se faz necessária.

 

1.1 Evolução Histórica do Processo de Execução

 

O processo de execução, como todo instituto jurídico, desenvolveu-se ao longo da evolução do homem e do Direito. Sua evolução histórica mistura-se a evolução do Direito Processual Civil. Percorreu um longo processo para chegar até a atual sistemática executiva vigente em nosso país.

Nos últimos tempos, muitas são as leis editadas e publicadas reformando o Processo Civil, principalmente, a via executiva, com a finalidade de promover maior efetividade e celeridade processual.

Assim, no que tange ao surgimento do Direito Processual Civil, Ernane Fidélis dos Santos, enuncia que “o processo nasceu a partir do momento em que o Estado proibiu a justiça privada, encarregando-se do exercício da Jurisdição. Quando as normas do processo foram disciplinadas sistematicamente, nasceu o Direito Processual”6.

Assim, aduz Humberto Theodoro Júnior:

 

Desde o momento em que, em antigas eras, se chegou à conclusão de que não deviam os particulares fazer justiça pelas próprias mãos e que seus conflitos deveriam ser submetidos a julgamento de autoridade pública, fez-se presente a necessidade de regulamentar a atividade da administração da Justiça. E, desde então, surgiram as normas jurídicas processuais7.

 

Com o surgimento do Direito Processual Civil, para dar maior efetividade na entrega da prestação jurisdicional foi criada a tutela executiva, que se concretiza através dos títulos executivos judiciais e extrajudiciais.

Nesse sentido, José Ysnaldo Alves Paulo preceitua que:

 

Com o surgimento do Direito Processual, para mais efetividade da entrega da prestação jurisdicional, conferiu esse ramo do Direito a alguns daqueles títulos criados pelo direito material um plus, elemento que permite seja por cognição completa (cognitio plena) seja por cognição presumida (non plena cognitio) possa ser utilizada para busca da prestação jurisdicional satisfativa – é a executividade8.

 

E, a origem dessa evolução histórica deu-se em Roma, sendo o instituto da executividade, posteriormente, moldado pelo direito germânico e canônico. Com contornos científicos, desvinculados de preceitos religiosos e místicos foi surgindo, assim, o atual modelo do Processo Civil, bem como, da tutela executiva.

O período de evolução histórica da execução é longo e com muitas peculiaridades. Todavia, sua compreensão é salutar para compreendermos essa busca pelo legislador, dado as inúmeras alterações legislativas nesses últimos anos, em atender os anseios do direito pós-moderno, fundado na celeridade e efetividade processual. Assim, considerando tais aspectos, somente é possível compreender o atual sistema executivo estudando sua origem e evolução.

 

1.1.1 Direito Romano

 

No Direito Romano, com o fim da autotutela e o surgimento da Jurisdição, as medidas gravosas em desfavor do devedor foram ganhando contornos mais humanitários.

Com o surgimento de regras processuais foram sendo extirpadas as cobranças por dívida que atingiam o corpo do devedor ou qualquer outra medida desproporcional. De forma menos gravosa, passou a execução não ser mais pessoal e, sim, patrimonial, visando unicamente à satisfação do inadimplemento.

Nos primórdios, quando ainda prevalecia a autotutela, a principal ação de execução era a “actio per manus iniectio”. No que tange a essa forma de execução antiga, Walber Cunha Lima ressalta:

 

No período arcaico, quando ainda prevalecia a justiça privada, a principal ação de execução era a actio per manus iniectio, procedimento seguinte à ação de conhecimento, no qual o credor poderia apossar-se da pessoa do devedor inadimplente ou mesmo praticar violência física contra ele9.

 

Esse era o período em que o devedor quando não cumprisse com o pagamento da dívida era entregue ao credor ou recebia como sanção uma pena corporal, como: perder um membro, ser açoitado em praça pública, tinha seu corpo divido em quantas partes fossem a dívida, era vendido como escravo, etc..

A pena não atingia apenas a integridade física do devedor, mas, também sua vida, como estabelecia a Lei das XII Tábuas. Assim, dispõe Dinamarco:

 

Aquele que confessa dívida perante o magistrado ou é condenado, terá 30 dias para pagar. Esgotados os 30 dias e não tendo pago, que seja agarrado e levado à presença do magistrado. Se não paga e ninguém se apresenta como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso até ao máximo de 15 libras; ou menos, se assim o quiser o credor. O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor que o mantém preso dar-lhe-á por dia uma libra de pão ou mais, a seu critério. Se não há conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias, durante os quais será conduzido em três dias de feira ao comitium, onde se proclamará em altas vozes o valor da dívida. Se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre10.

Nessa fase, o processo civil ainda misturava-se ao processo penal, pois a responsabilidade patrimonial era confundida com penas corporais. Os atos executórios tinham cunho processual civil e penal.

A iminência de ser morto em caso de não pagamento era uma forma de pressão psicológica ao devedor, o que assemelha-se hoje a execução indireta, que visa convencer o devedor a pagar voluntariamente antes de ingressar a força em seu patrimônio.

Referido sistema executivo, no qual o devedor respondia pela dívida com seu próprio corpo durou até por volta do ano 326 a.C, ano em que entrou em vigor a Lex Poetelia Papiria. A Lei atenuou o sistema executivo vigente, proibindo a pena de morte e o acorrentamento11. Com o fim da execução corporal surge, então, a responsabilidade exclusivamente patrimonial.

Nesse sentido, Pedro de Vasconcelos ressalta:

 

Até o ano de 326 a.C. o devedor respondia por suas dívidas com seu próprio corpo e até com a sua vida, não raros casos de prisão e condenação à morte eram impostas pelo Estado que, inclusive, determinava o esquartejamento do devedor e a distribuição das partes do corpo entre os credores. Com o advento da Lex Poetelia Papiria o devedor passou a ser responsabilizado por suas obrigações exclusivamente com seu patrimônio12.

 

Segundo Roberta Pappen da Silva “alex Poetelia Papiria afastou a carga da pessoa do devedor, transferindo-a aos seus bens, passando ao Estado o exercício da jurisdição, substituindo-se o direito da força pela força do Direito”13.

Com a prevalência da execução patrimonial, passou a vigorar no Direito Romano o sistema actio iudicati14. Neste sistema, o credor de posse de crédito pecuniário ou confissão do devedor tinha que mover uma ação de conhecimento, não mais podia agir sobre a pessoa do condenado.

Em caso de descumprimento da sentença pelo devedor, ao credor cabia entrar novamente com a mesma ação. Entretanto, para eliminar um ciclo vicioso, de se ingressar com várias ações, como punição ao devedor pelo descumprimento da sentença, era determinada a cobrança da dívida em dobro.

No Direito Romano, quanto aos bens e pagamento da dívida pelo devedor, a princípio, vigorava a bonorum venditio, sistema pelo qual vendia-se todos os bens do devedor para o pagamento dos seus credores. Posteriormente, passou a vigorar o sistema distractio bonurum, no qual se dava a venda parcial dos bens do devedor, ou seja, vendia-se apenas o necessário para o pagamento da dívida.

Por fim, verifica-se que grande legado ao sistema executivo atual foi deixado pelo Direito Romano, que erigiu-se em um tempo de Justiça praticada com as próprias mãos, caminhando para um sistema humanitário e mais leal.

 

1.1.2 Direito Germânico: Idade Média

 

Com a queda do Império Romano, o Direito Germânico oriundo da Itália, promoveu verdadeiro retrocesso nas conquistas advindas do Direito Romano acerca do processo de execução, pois este praticava a execução privada.

Assim, valorizando muito mais o credor que o devedor, passou o Direito Germânico a dispor que o credor poderia buscar de qualquer forma o pagamento da dívida inadimplida pelo devedor, novamente com o uso da força15.

Para o povo Germânico o não pagamento da dívida de forma voluntária tratava-se de uma afronta ao credor e a própria Justiça.

Walber Cunha Lima, no que tange a esse período, ressalta que “a ação executiva no Direito Germânico se iniciava ao contrário: da execução à cognição. Antes de qualquer ação judicial, o credor promovia pessoalmente o seu direito, facultando-lhe penhorar bens do devedor para coagi-lo ao pagamento”16. Nesse sentido, ainda, temos:

 

No direito germânico o credor de uma obrigação insatisfeita utilizava-se da força para compelir o devedor a cumpri-la. A penhora privada constituía a característica principal da execução no direito dos povos bárbaros. A partir de um momento, a penhora privada, para ser executada, necessitava de uma autorização do juiz. No entanto independia da verificação da real existência da dívida, pois bastava que o credor afirmasse a sua condição, sendo que o devedor sequer era ouvido. Sua intervenção só podia acontecer após a efetivação da penhora17.

 

Entretanto, após alguns anos dessa prática executiva, considerando que sempre havia um choque entre a cultura romana e a germânica, voltou o processo executivo a ser de competência do Estado, na figura de um juiz, e não mais da Justiça privada.

Nesse consoante, Júnior Fernando Bellato, assim, leciona:

 

[...] caberá ao juiz de ofício, depois de julgar, tomar todas as providências necessárias para fazer cumprir sua decisão. Por isso, no lugar da velha e embaraçada ação de execução instaurou-se, em plena Idade Média, uma nova e simplificada execução por ofício do juiz (esse ofício era entendido por um ato do magistrado que deveria praticar naturalmente atos executórios, em razão de seu exercício cotidiano). Assim sendo, o requerimento da execução da sentença não constituía um exercício de uma ação, mas um simples ato de impulso processual com o fim de obter o que fora decidido na própria sentença18.

 

Assim, com a retomada do modelo Romano de execução, no final da Idade Média e início da Idade Moderna, e considerando o renascimento do comércio, um novo modelo de execução passou a ser vislumbrado, pois com o comércio surgiu os títulos de créditos.

Com o desenvolvimento do comércio foi necessária a exigência de procedimentos que solucionassem de forma mais ágil a satisfação das obrigações. Assim, surgiram instrumentos de dívidas lavrados por tabeliães, que produziam os mesmos efeitos que a sentença. Dando-se, então, o nascimento do título executivo extrajudicial.

Desta forma, na ocorrência de descumprimento da dívida pelo devedor, o credor de posse do título não necessitava de uma ação cognitiva, anterior, para então executar a dívida, o próprio título já tinha força executiva. Sistema denominado de “actio iudicati”, advindo do Direito Romano19.

Com efeito, nesse período passou a vigorar duas formas executivas, uma que necessitava de um processo de conhecimento, com sentença condenatória, para então iniciar o processo executivo (executio per officium iudicis), e, a execução de título de créditos (actio iudicati). Desta feita, oprocedimento para execução das duas espécies de títulos foi sendo diferenciado.

Walber Cunha Lima enuncia, nesse sentido, que “para os títulos judiciais conservou-se a sumariedade tradicional; e para os extrajudiciais, criou-se um contencioso especial, com prazos e oportunidades especiais para defesa e discussão das alegações das partes”20.

Essa sistemática processual vigorou por vários séculos. Entretanto, no início do século XIX, por influência do Direito Francês, houve uma nova mudança no modelo executivo. O Código de Napoleão determinou a unificação do processo executivo21.

Logo, não havia mais distinção entre executio per officium iudicis e a actio iudicati, o que tornou o processo de conhecimento obrigatório para se chegar a ao processo executivo. O direito do credor somente poderia ser satisfeito quando existente uma sentença condenatória.

E esse foi o sistema executivo que vigorou no Brasil até o advento da Lei nº 11.236/2005.

 

1.1.3 No Brasil

 

No Brasil colônia, a legislação era portuguesa e toda ela com influência Romana. Os institutos Jurídicos eram regulados pelas Ordenações. No regime das Ordenações Filipinas, a execução era estatal, sempre precedida do processo de conhecimento (per officium iudicis), não existindo a execução de títulos extrajudiciais.

Moacyr Amaral Santos, em sua obra, atualizada por Beatriz Amaral Santos Köhnen, ressalta que em referida época três procedimentos executivos eram adotados:

 

O velho direito português no regime das Ordenações disciplinava os três procedimentos: a) actio iudicati, admissível quando ‘se quer pedir coisa em que ainda não há condenação’; b) a execução forçada, ou execução per officium iudicis, ou execução da sentença, que era o procedimento normal de execução; c) a ação executiva fundada em créditos do fisco, foros enfitêuticos e mais alguns créditos privilegiados. Entretanto, a maior parte dos créditos, que em outros países europeus autorizavam ação executiva, dava lugar à chamada ação decendiária, ou ação assinação de dez dias, de procedimento sumário, mas não executivo22.

 

O regime processual das Ordenações Filipinas durou até o ano de 1850. Neste ano, por meio do Regulamento 737, foi criado o primeiro diploma processual brasileiro23, período que passou a ser construído o alicerce do Direito Processual Civil, em nosso país.

Em detrimento da influência do Direito Romano, neste período, havia distinção entre a execução (processo de conhecimento e sentença) e a ação executiva (títulos extrajudiciais decorrentes de atos do comércio).

Em 1939, entrou em vigor no Brasil um Código de Processo Civil, o qual manteve no processo duas espécies de execução: a execução de sentença e a ação executiva para títulos executivos extrajudiciais24. Entretanto, com o advento de um novo Código de Processo Civil, publicado em 1973, vigente até os dias atuais, houve uma substancial alteração do sistema tradicional de execução.

Na obra de Moacyr Amaral Santos, está disposto que dentre as principais alterações trazidas pelo novo Código houve a unificação das vias executivas, acabando com a diferenciação entre a ação executória e ação executiva, existindo somente uma execução, com base em título executivo judicial ou em título executivo extrajudicial25.

Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior ressalta:

 

No Livro II, o Código deu forma sistemática à execução, eliminando a anacrônica e medieval distinção entre ação executiva e ação executória. Agora só existe a execução forçada, seja o título judicial (sentença) ou extrajudicial (documentos públicos e particulares com força executiva)26.

 

O Código de Processo Civil de 1973 também trouxe a instituição da execução por quantia certa contra devedor insolvente27.

Contudo, tratando-se de título executivo judicial, após a sentença condenatória havia necessidade de se instaurar um novo processo para que se pudesse realizar a execução. O processo de execução era autônomo, corria em separado do processo de conhecimento.

Nesse consoante, Daniel Amorim Assumpção Neves, dispõe:

Tradicionalmente, o direito brasileiro exigia para a execução de títulos executivos judiciais um processo autônomo, de forma que a parte, após a obtenção do título executivo no processo de conhecimento, via-se obrigada a propor um novo processo, agora de natureza satisfativa. A era da autonomia exigia a existência de dois processos distintos e sucessivos: primeiro se declarava o direito e se condenava o réu ao cumprimento de uma obrigação (processo de conhecimento) e, posteriormente, se buscava a satisfação da obrigação (processo de execução)28.

 

No entanto, em 1994, com o advento da Lei nº 8.952, houve nova alteração no sistema executivo, modificando-se a redação do artigo 461 do Código de Processo Civil de 197329. No referido dispositivo foi incluso a possibilidade de execução da obrigação de fazer e não fazer, fundada em título judicial, nos mesmos autos do processo de conhecimento. É o denominado sincretismo processual.

Vale ressaltar, que mesmo na predominância do processo autônomo, antes da Lei nº 8.952/94, já existiam as chamadas ações sincréticas, como: as ações possessórias, as ações de despejos, etc.. O art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, também, previa as ações sincréticas para as demandas coletivas. Contudo, eram ações excepcionais, pois o sincretismo processual sempre fora visto com reservas.

Posteriormente, em 1995, enuncia Daniel Amorim Assumpção Neves que “a Lei 9.099, que regulamentou o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais, aboliu o processo de execução de títulos executivos judiciais, tornando toda a demanda condenatória em trâmite perante os Juizados uma ação sincrética”30.

Já no ano de 2002, por meio da Lei 10.444, publicada em 07 de maio, uma nova mudança processual no sistema executivo foi introduzida, eis que, foi incluso o art. 461-A no Código de Processo Civil. O dispositivo que trata da execução de obrigação de entregar coisa, fundada em título executivo judicial, passou a prever a execução nos mesmos autos do processo de conhecimento31.

Diante de tais mudanças foi-se verificando a necessidade de construir um processo executivo mais célere e efetivo, pois o modelo advindo com o Código de 1973 já não era mais eficaz. Desta feita, em 2004, foi publicada a Emenda Constitucional de nº 45 que determinou a necessidade de Reforma do Poder Judiciário.

Buscando concretizar os preceitos da EC nº 45/2004, em ter uma justiça mais efetiva e célere, o legislador passou a editar e publicar leis com esse propósito. A Lei nº 11.232 de dezembro de 2005 fez parte de uma primeira etapa dessa reforma processual, a qual trouxe grandes alterações ao Código de Processo Civil de 1973.

Dentre as inúmeras alterações trazidas pela Lei 11.232/2005, a mais importante foi à extinção do processo autônomo de execução por quantia certa contra devedor solvente, sendo acrescentando o capítulo “do cumprimento da sentença”.

Com efeito, ressalta Daniel Amorim Assumpção Neves que a referida Lei “tornou sincrética a maioria das ações judiciais que tenham como objeto uma obrigação de pagar quantia”32.

Desta forma, com todas as alterações ao Código de Processo Civil de 1973, acima dispostas, verifica-se que a regra e a exceção, acerca do processo de execução, se inverteram. O processo sincrético passou a ser a regra, restando para o processo autônomo apenas os casos em que não seja possível o imediato cumprimento de sentença.

Nessa conjuntura de alterações processuais, numa segunda etapa da reforma prevista pela EC 45/2004, entrou em vigor a Lei nº 11.382/2005, a qual trouxe diversas modificações quanto à execução de títulos extrajudiciais. Dentre elas, a introdução do 615-A no Código de Processo Civil, tema proposto para o presente estudo científico.

 

1.2 O Atual Processo de Execução

 

A execução busca dar cumprimento a um título executivo. O título executivo pode advir de uma prestação jurisdicional que foi resolvida no processo de conhecimento, através de uma sentença condenatória (título judicial), ou por meio de um ato ou fato jurídico considerado pela Lei como título extrajudicial.

Desta forma, toda execução tem por base um título executivo judicial (art. 475-N, do CPC) ou um título executivo extrajudicial (art. 585, CPC). Em respeito ao princípio da tipicidade dos títulos executivos.

A execução judicial ocorrerá em “ações condenatórias, onde o réu é condenado a entregar coisa certa, coisa incerta, obrigação de fazer, não fazer e pagar quantia certa, prestação alimentícia. Pode ocorrer, ainda, em títulos executivos extrajudiciais”33.

Com as reformas, como acima mencionado, e o surgimento do sincretismo processual, o processo de execução na maioria das espécies (título executivo judicial) passou a ser uma fase seguinte ao processo de cognição, o que se denominou de cumprimento de sentença.

As alterações legislativas, no que se refere à fase de cumprimento de sentença, ficaram restritas aos títulos executivos judiciais. Os títulos executivos extrajudiciais continuam a ser executados mediante um processo autônomo de execução.

Daniel Amorim Assumpção Neves, nesse sentido, aduz:

 

É preciso afirmar, primeiramente, que toda análise entre execução autônoma e fase executiva só tem sentido no tratamento da execução dos títulos executivos judiciais, considerando-se que no tocante à execução de títulos extrajudiciais seta sempre necessária a instauração de um processo autônomo de execução. É no tocante ao título executivo judicial que o direito brasileiro ingressou recentemente em uma nova era [...]34.

 

O Código de Processo Civil, após a Lei 11.232/2005, prevê duas vias de execução singular: a) cumprimento forçados das sentenças condenatórias, e outras a que a lei atribui igual força (art. 475-I a 475-N, do CPC); b) o processo de execução dos títulos extrajudiciais enumerados no art. 585, que se sujeita aos diversos procedimentos do Livro II do CPC.

Outrossim, há, ainda, a previsão de execução coletiva ou concursal, para os casos de devedor insolvente (arts. 748 a 782, do CPC).

Vale ressaltar, execução contra a Fazenda Pública e contra devedor insolvente continua a ser por meio de um processo autônomo de execução e não pelo modo cumprimento de sentença.

Conforme a obrigação a ser executada, podem existir diversas espécies de execução, que, devido às peculiaridades fáticas, têm procedimentos diferenciados, para que seja obtida a sua satisfação. Assim, temos: a obrigação de fazer ou de não fazer, a obrigação de entregar coisa certa ou incerta, bem como as obrigações de pagar quantia certa.

Por fim, podemos concluir que a execução quanto à origem do título pode ser: execução de título judicial (cumprimento de sentença); e execução de título extrajudicial.

 

1.3 Principais Características do Processo de Execução

 

Para que o credor possa executar o débito inadimplido pelo devedor é necessário que ele possua um título executivo, pois, “nulla executio sine titulo” (não há execução sem título).

Em virtude da execução se consolidar na invasão ao patrimônio do devedor e ainda por colocar o devedor numa posição desvantajosa, a lei determina a necessidade de um título executivo para embasar a ação, seja ele judicial ou extrajudicial, isto é, demonstrar ao menos a probabilidade de existência do crédito.

Desta maneira, Araken de Assis preceitua que “a pretensão a executar sempre se baseará no título executivo. Célebre metáfora ao título designou de “bilhete de ingresso”, ostentado pelo credor para acudir o procedimento in executivis35.

Outrossim, a Lei elenca de forma taxativa quais são os títulos executivos, sendo portanto vedado ao operador de direito criar títulos executivos que não estejam na Lei. Assim, além da existência do título a uma limitação as espécies de títulos, denominado de Princípio da Tipicidade dos Títulos Executivos (nulla titulus sine legis)36.

A execução, conforme leciona-nos Humberto Theodoro Júnior, “é sempre real, e nunca pessoal, em razão de serem os bens do executado os responsáveis materiais pela satisfação do direito do exeqüente37. Objetiva a execução o patrimônio do executado.

O processo de execução se concretiza por dois meios técnicos: sub-rogação (direta) e por coerção (indireta). Pela sub-rogação o Estado-Juiz substitui a vontade do devedor e ingressa em seu patrimônio para satisfazer o crédito. Já a coerção ou execução indireta ocorre quando há uma pressão psicológica no intuito de fazer com o devedor pague o débito.

Nesse consoante, Daniel Amorim Assumpção Neves, no que tange a sub-rogação dispõe:

 

Na execução por sub-rogação, o Estado vence a resistência do executado substituindo sua vontade, com a conseqüente satisfação do direito do exeqüente. Mesmo que o executado não concorde com tal satisfação, o juiz terá à sua disposição determinados atos materiais que, ao substituir a vontade do acusado, geram satisfação do direito. Exemplos classicamente lembrados são a penhora/expropriação; depósito/entrega da coisa; atos materiais que são praticados independentemente da concordância ou resistência do executado38.

 

Araken de Assis leciona-nos que a sub-rogação abrange a “expropriação (art. 647 do CPC), o desapossamento (art. 625) e a transformação (art. 634)”39.

Já no que diz respeito à execução indireta, Daniel A. A. Neves, assim, ressalta:

 

Na execução indireta, o Estado-Juiz não substitui a vontade do executado; pelo contrário, atua de forma a convencer o executado a cumprir sua obrigação, com o que será satisfeito o direito do exeqüente. O juiz atuará de forma a pressionar psicologicamente o executado para que modifique sua vontade originária de ver frustrada a satisfação do direito do exeqüente. Sempre que a pressão psicológica funciona é o próprio executado o responsável pela satisfação do direito40.

 

Há duas formas de execução indireta ou por coerção, a primeira se consolida na ameaça de piorar a situação do executado caso não cumpra com a obrigação, por meio da aplicação de multa (astreintes) ou, ainda, da prisão civil no caso do devedor de alimentos; a segunda forma se consubstancia na oferta de uma melhora na situação, no caso de cumprimento da obrigação, como ocorre na determinação do art. 652-A, parágrafo único do CPC, que prevê desconto de 50% por cento no valor dos honorários advocatícios.

A execução deve ser pautada no Princípio da menor onerosidade, ou seja, sempre que houver vários meios de satisfazer o direito do credor, deve ser escolhido aquele menos gravosos ao devedor, uma vez que a execução não se trata de um instrumento de vingança privada, mas, sim, de um processo que serve, efetivamente, para entregar vitorioso aquilo que tem direito de receber.

A necessidade de moderação nos meios processuais, como o imposto pelo Princípio da Menor Onerosidade, que visa limitar à execução, constitui o conteúdo da disposição ditada no art. 620 do Código de Processo Civil, o qual afirma: “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”41.

Cândido Rangel Dinamarco, acerca desse Princípio, dispõe:

 

[...] Representa o núcleo de um verdadeiro sistema de proteção ao devedor contra os excessos executivos, inspirados nos princípios da justiça e da equidade, sabendo que essa proteção constitui uma das linhas fundamentais da história da execução civil em sua generosa tendência à humanização42.

 

Contudo, há que se relevar que essa generosidade em face do devedor não pode figurar com prejuízo ao credor, é imperioso haver um equilíbrio “entre o direito do credor, que deve ser satisfeito mediante imposição dos meios executivos, e a possível preservação do patrimônio do devedor, que não deve ser sacrificado além do necessário”43.

Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção Neves ressalta que “o estrito respeito ao princípio da menor onerosidade não pode sacrificar a efetividade da tutela executiva”44.

Outro Princípio importante para o processo executivo ou fase executiva é o Princípio da Máxima Utilidade da Execução, pois como todo processo, este, também, deve servir, efetivamente, para entregar ao vitorioso aquilo que lhe é direito.

Nesse consoante, Daniel Amorim Assumpção Neves leciona que “não se justifica, portanto, processo de execução apenas para prejudicar o devedor, sem trazer qualquer proveito prático ao credor, devendo o processo ter alguma utilidade prática que beneficie o exeqüente”45. Por isso, afirmar que a execução não é forma de vingança privada, como era visto no passado, é na verdade mecanismo judicial fundado em princípios constitucionais.

Por fim, o processo de execução ou fase procedimental executiva se desenvolve com um único objetivo: a satisfação do direito do credor.


REFERÊNCIAS

AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. “Reflexões Sobre a Averbação do Ajuizamento da Execução: Artigo 615-A da Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2006”. COSTA, Susana Henriques (coord.). Execução Extrajudicial: Modificações da Lei 11.382/2006. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

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