O número expressivo de candidatos que não recebeu nota na Redação da prova do Enem 2014, mais de quinhentos mil, quase dez por cento do total de inscritos, surpreendeu e assustou todos os brasileiros interessados em educação e no futuro do país. O presidente do INEP declarou candidamente “Estou comparando duas coisas que não são completamente comparáveis. Temos um tema diferente em dois anos diferentes.” Já o ministro da Educação afirmou “Eu arriscaria uma tese: o tema de 2013 foi lei seca. Essa questão foi muito debatida, discutida. O tema da publicidade infantil (no ano passado) não teve um grande processo de discussão como o outro.” Tanto a comparação de um quanto a tese de outro não se sustentam; pelo menos dentro da concepção clássica do que seja um processo de avaliação. Avaliar não é, ou pelo menos não deve ser, uma atividade destinada a dificultar ou facilitar a vida do avaliado, serve para aferir seu conhecimento, competência, formação, capacidade, qualificação, e toda qualidade que possa ser necessária para algum fim. No caso específico do Enem a finalidade é das mais nobres: obter dados de qualidade, em quantidade suficiente, para que se possa fazer um mapeamento consistente das condições do ensino médio no país, algo indispensável para a sua melhoria. Além disso, a classificação obtida no Enem é item indispensável para a obtenção das bolsas de programas federais como Prouni e Fies; e também do programa Ciência Sem Fronteiras, que abre para os estudantes possibilidades de internacionalização, experiência de vida sem os familiares e em outros idiomas, muito significativa para o amadurecimento, e melhoria da preparação profissional. O exame tem razoável confiabilidade para ser utilizado como único processo de seleção de candidatos a inúmeras instituições de educação superior, públicas e privadas. Se houvesse a necessidade de realizar uma única prova para aferir as condições de um candidato em qualquer processo seletivo não estritamente técnico, a imensa maioria dos professores certamente optaria por uma redação. O tema da redação deve, sim, ser um pouco inesperado, afinal, o que está em avaliação é a capacidade de ler e escrever. Efetuar a leitura cuidadosa dos textos de apoio e o enunciado da questão, entender, interpretar, efetivar o solicitado: escrever, com clareza, lógica e coerência um texto sobre o proposto, e com razoável respeito às normas cultas da Língua Portuguesa. Nas provas de redação do Enem, sempre são fornecidas informações suficientes para que isso seja realizado; o que se procura impedir, ao fugir dos temas mais previsíveis, é a ocorrência de redações “pré-fabricadas”, escritas em grupo ou copiadas, e meramente transcritas na prova, evitando a simples memorização. Se houvesse a necessidade de realizar uma única prova para aferir as condições de um candidato em qualquer processo seletivo não estritamente técnico, a imensa maioria dos professores certamente optaria por uma redação. O pedido da realização de um texto argumentativo, com enunciado bem formulado, e que guarde relação estreita com a finalidade do concurso a que se refere, é quase definitivo para verificar as condições de um aspirante. E, fora da área acadêmica, há reclamações de que os candidatos a empregos têm grande dificuldade para ler manuais simples, e para escrever textos minimamente inteligíveis. Não há políticas inclusivas que resolvam esta questão, a justiça social consiste em dar o máximo de oportunidades para que as pessoas superem suas condições de partida e melhorem de vida, e isso não se conseguirá aceitando padrões intelectuais e culturais cada vez mais baixos. O hábito de leitura é essencial, pessoas que leem adquirem capacidade de interpretação e expressão, compreendem o contexto do mundo em que vivem e fazem boas redações sobre qualquer tema. Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.