INTRODUÇÃO

O Direito existe enquanto fruto da experiência humana e como tal, é um fenômeno que interfere diretamente na sociedade e não pode estar dissociado do sujeito. Enquanto ser cognoscente, ele capta o fenômeno como aquilo que lhe aparece (phainómenon) e sobre isto não pode fazer nenhuma asserção dogmática, pois "[...] o fenômeno se constitui como essencialmente relativo, ele é relativo àquele a quem aparece." E sendo relativo, pode ter infinitos significados, congruentes ou não, que variam de acordo com as afecções e experiências de cada indivíduo. Destarte, não é possível se falar numa verdade absoluta ou numa essência fenomenológica, sendo esta física ou metafísica, anterior ou simultânea ao fenômeno. O indivíduo, enquanto aquele que percebe o fenômeno, só pode falar daquilo que lhe aparece. Ele está limitado às suas próprias experiências fenomenológicas. Por isso o Ceticismo se refere à relatividade dos fenômenos, que têm um caráter extremamente particular ao ser que os percebe. Logo, no Direito, não há nada absoluto. Seus significados são dados segundo a forma como ele aparece a cada sujeito.
Os fenômenos, captados e compreendidos pelo ser cognoscente como o que lhe aparece, abrangem tudo o que existe, "[...] que se oferece irrecusavelmente a nossa sensibilidade e entendimento [...]" , quer seja sensível ou inteligível. O próprio sujeito cognoscente é um fenômeno, que aparece, visto que ele faz parte de algo maior e que também é percebido por outros.
Da mesma forma, um Juiz, quando julga um caso, percebe os sujeitos envolvidos, as circunstâncias, as evidências e tudo o mais que está relacionado ao fato em julgamento, como o que lhe aparece. Esta percepção do fenômeno se dá da mesma forma que o mais comum dos homens. Ele não é capaz de ver as coisas como elas realmente são. Assim como ninguém o é. No entanto, há uma diferença entre os Juízes e o homem comum, que é a tékhne. Ocorre que o homem, com sua vivência e observação do mundo, nota que existem relações entre fenômenos, como o fogo e a fumaça. Estas relações, chamadas signos rememorativos, são aceitas pelos céticos de forma adogmática, tornando possível a inferência de um fenômeno através da observação de outro. Esta é a base da experiência e do raciocínio cotidianos. Através dos signos rememorativos é possível a tékhne, que é a "[...] sistematização e metodização dos procedimentos do homem comum" . Assim surge a Ciência do Direito.

1 DA JUSTIÇA

A justiça, por ser um fenômeno, também é percebida pelo homem como aquilo que aparece e pode ser comparada a uma cor, como o vermelho, no sentido de sua apreensão do mundo e atribuição de significado pelo sujeito cognoscente. Ainda que nunca se saiba se a percepção de vermelho de uma pessoa A é semelhante à de uma pessoa B, quando ambas observam um mesmo objeto vermelho, como um carro, há uma compreensão do "vermelho", compreensão essa que cumpre uma função: É suficiente para que haja um entendimento entre elas quanto à cor do carro, de forma a se chegar a uma verdade convencional. Note-se que esta verdade não é absoluta e nem precisa ser para realizar seu papel na sociedade, que é exatamente promover o entendimento entre os diversos indivíduos. Por este sentido, a idéia de vermelho, como a idéia das outras cores, dos sons, dos significados, de tudo o que há no mundo, tanto material quanto imaterial, é tão subjetiva quanto à idéia de justiça. Com isto, podemos concluir que, embora as críticas pirrônicas contra as "[...] pretensões dogmáticas de conhecer as coisas em si mesmas, na sua natureza ou essência [...]" estejam corretas, este conhecimento (a essência das coisas) não se faz necessário. Essa impossibilidade não tem se constituído numa inviabilidade ou limitação para a existência da sociedade, da natureza, do mundo, porque as relações sociais se dão por convenções, assim como as cores. O Direito, por ser uma construção social, também é uma convenção. Destarte, é relativo. As convenções cumprem seus papéis, porque são produto do entendimento e porque são dotadas de algum significado para os sujeitos cognoscentes, ainda que esse significado seja subjetivo.

2 DA ÉTICA

Para o Juiz é impossível a suspensão do juízo (epokhé), pois lhe é necessário o poder de decisão, ao contrário do Ceticismo . Mais que isso, o Juiz deve ser capaz de tomar decisões justas. A idéia de justiça pode ser compreendida como uma verdade, uma vez que ela se torna inteligível à razão humana. No entanto, não há verdade nem nas coisas aparentes nem nas não-evidentes. Assim, não há verdade absoluta, pois ela não afeta a todos da mesma maneira, assim como a justiça. Desta forma a justiça, em cada caso jurídico, não é, mas parece ser. "Ele [o cético] sempre relata apenas o que lhe é fenômeno, o que lhe aparece, anunciando sem dogmatizar suas afecções, sem nada asserir positivamente sobre as realidades externas." Assim, dentro de um julgamento, uma sentença proferida por um Magistrado nunca gozará da reputação de justa por todas as partes envolvidas. Não há uma justiça, enquanto verdade, definitiva e absoluta, que possa ser expressa através das sentenças jurídicas, das normas de decisão.
No Direito, para as decisões jurídicas, há o conceito coerencial de verdade, cujo qual "[...] dizemos verdadeira uma proposição quando ela é coerente com as demais proposições que aceitamos, dizemos verdadeira uma crença quando ela se integra de modo consistente no conjunto de nossas crenças." Este conceito, que também é uma verdade convencional (na realidade, todos os fenômenos o são!), representa a ruptura da conexão entre realismo metafísico e verdade correspondencial, iniciada com Hume e definitivamente explicitada com Kant . Por conseguinte, no Direito, o referencial para o justo devem ser os Princípios Gerais de Direito, presentes no direito pressuposto e que condicionam a formação do direito posto, na forma da Constituição e Leis Ordinárias . É assim que o Juiz, como intérprete autêntico dos textos normativos, partindo da função do Direito de promover a justiça e levando-se em conta que não há uma verdade absoluta e sim uma grande margem de interpretação dos textos normativos, utiliza critérios estabelecidos para fundamentar suas decisões. Um padrão que garanta a segurança jurídica ou um mínimo desta. Elege-se o texto normativo, os princípios e fontes do Direito como critérios relevantes a serem seguidos durante a tomada de decisões jurídicas, num processo que compões a hermenêutica jurídica. Esta pressupõe um caráter subjetivo levando em conta que cada indivíduo é dotado de valores e concepções distintas. Os objetos se apresentam para ser construídos e conhecidos, percebidos e interpretados com base nos valores que o intérprete porta. Assim, ao conhecer interpretando, obrigatoriamente o sujeito guia-se por valores que carrega consigo.
Toda essa forma de proceder do Juiz (tékhne), no intuito de encontrar um veredicto justo, é caracterizada por quatro aspectos, presentes na prática cotidiana de todos os homens e responsáveis por todo o subjetivismo das acepções:
[...] seguimos a orientação da natureza, servindo-nos espontaneamente de nossos sentidos e intelecto; sedemos também à necessidade das afecções e de nossos instintos; conformamos-nos à tradição das instituições e costumes, inseridos que estamos num contexto sociocultural; finalmente, adotamos os ensinamentos das artes (tékhnai).

Assim, os princípios constitucionais e a idéia de precedentes no Direito têm o papel de preencher as lacunas que possivelmente o subjetivismo pode causar e influenciar nas decisões jurídicas. Estes princípios funcionam como norteadores, direcionam os indivíduos para possíveis decisões. No entanto, para Maria Celeste Leite dos Santos , "não existe uma verdade absoluta [...]. O conhecimento da verdade consiste em uma utopia". Visto isto, há a percepção de que a Ética nas decisões jurídicas não consiste na busca da verdade absoluta, mas na busca do veredicto menos injusto. Isso porque o Direito representa sempre uma tentativa de equilíbrio entre interesses, visando sanar conflitos. O Juiz, a seu turno, deve sempre "manter uma atitude crítica diante da pretensão dogmática de ter descoberto a verdade [a justiça]." , estando sempre disposto a rever seus veredictos e julgamentos.

CONCLUSÃO

Uma decisão jurídica não consiste substancialmente em uma verdade definitiva, não se configurando num conhecimento absoluto e sim por uma análise de fatos direcionada pelos textos normativos que são a seu turno instrumentos que norteiam tal decisão. Deve ser conseqüência de um processo longo e reflexivo a fim de alcançar uma "solução" menos injusta e mais coerente com os critérios pré-estabelecidos de justiça. Esta é concernente ao conceito de verdade apriorístico à própria decisão.
O Direito, a partir do objetivo de manter a ordem na sociedade e mediante a sua finalidade de estabelecer a harmonia social deve visar a verdade, especificamente a justiça, mesmo que esta seja aparente. O Ceticismo ao contrário, não visa encontrar verdades. No entanto, o último contribui significativamente com o primeiro, pois demonstra a importância e relevância da constante revisão dos veredictos do Direito. Ainda auxilia na compreensão da subjetividade de conceitos salutares como a Justiça.
Este trabalho não pretende fazer nenhuma acepção dogmática a cerca da Epistemologia da Ciência Jurídica e de seus conceitos, mas contribuir para o questionamento dos mesmos, de forma que os conhecimentos (não dogmáticos) emergidos dessas discussões possam enriquecer o Direito.
REFERÊNCIAS

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BITTAR, Eduardo C. B. e ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
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PEREIRA, Oswaldo Porchat. Verdade, Realismo, Ceticismo. In: _____. Rumo ao Ceticismo. São Paulo: UNESP, 2007. Cap. 8, p. 173-217.
SANTOS, Celeste Leite e Maria Celeste C. L. SANTOS. Persuasão e Verdade: o sistema legal em fermentação. São Paulo: Cultura Paulista, 1995.
SMITH, Plínio Junqueira. Ceticismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.