1. 1.    O Direito Ambiental e seus princípios

            A crise ambiental é um problema que vem afetando todo o mundo. O crescimento econômico e o desenvolvimento industrial, principalmente após o século XVIII, trouxeram conseqüências sérias para o meio ambiente graças às emissões desenfreadas provenientes de uma época onde não existia preocupação com o meio ambiente. 

            Com o passar do tempo, criou-se um preocupação com os recursos naturais já que houve uma mudança importante de paradigma, onde a sociedade começou a perceber que esses recursos eram finitos e o desenvolvimento estava causando sérios danos ao meio ambiente. 

            Neste âmbito surge o direito ambiental, a fim de determinar um conjunto de normas e princípios que regulamentam a proteção e a utilização do meio ambiente pelo homem1. Sua função primordial seria evitar riscos e a concretização de danos ao meio ambiente, caso não seja impedir os danos, o direito ambiental se presta também a identificar e responsabilizar os autores dos crimes.

 Basicamente é regrado por três princípios básicos, o princípio da cooperação, o princípio da prevenção e o princípio do poluidor-pagador2, apesar de existirem autores que descrevem mais de 10 princípios relacionados a essa área3. Conceitualmente, os princípios são como vigas de sustentação no processo de aplicação das normas, ou seja, os legisladores, na falta de uma lei específica, se baseiam nos princípios para aplicar a sentença na maneira mais racional e harmônica possível1.

            Historicamente, a primeira vez que o mundo se reuniu para debater as questões ambientais foi em 1972 durante a 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, Suécia. Nessa reunião a ONU aprovou a Declaração Universal do Meio Ambiente que discorria sobre a conservação dos recursos ambientais para as gerações futuras.

            No Brasil, a primeira vez a se falar sobre uma legislação ambiental foi em 1981 quando foi declarada a Lei Nº 6.938 em 31 de agosto que fala sobre “a Política Nacional do Meio Ambiente dando fins e mecanismos de formulação e aplicação”. A próxima incorporação legislativa foi na constituição de 1988. A Constituição Federal incorporou o meio ambiente como um direito fundamental e começou a desenvolver os princípios que iriam sustentar essa nova área do Direito, o Direito Ambiental4.

             De acordo comFARIAS (2006) os princípios ambientais tem quatro funções relacionadas a suas aplicações:

“a) são os princípios que permitem compreender a autonomia do Direito Ambiental em face dos outros ramos do Direito;

b) são os princípios que auxiliam no entendimento e na identificação da unidade e coerência existentes entre todas as normas jurídicas que compõem o sistema legislativo ambiental;

c) é dos princípios que se extraem as diretrizes básicas que permitem compreender a forma pela qual a proteção do meio ambiente é vista na sociedade;

d) e, finalmente, são os princípios que servem de critério básico e inafastável para a exata inteligência e interpretação de todas as normas que compõem o sistema jurídico ambiental, condição indispensável para a boa aplicação do Direito nessa área.”

            Sendo assim, cada situação remete a um princípio que é utilizado com base para que se possa resolver da melhor maneira possível o impasse ambiental.

            Entrando mais afundo nos três princípios básicos, o princípio da prevenção diz que em caso de risco de danos graves ou irreversíveis ao meio ambiente, mesmo sem certeza científica, qualquer medida a ser tomada deve prezar pela prevenção ao invés da degradação do meio ambiente. O princípio da cooperação fala que os diversos estados devem se unir em uma ação comunitária e solidária em prol do meio ambiente, o que implica em que cada estado deve abdicar de seu poder e soberania a fim de combater os efeitos devastadores do meio ambiente. O último dos três princípios básicos, o princípio do Poluidor-Pagador toca no ponto mais importante, a meu ver, desta sociedade capitalista, o lucro. Basicamente, esse princípio propõe a responsabilização do dano ambiental para o poluidor, ou ainda mais aprofundado, implica que o poluidor deve incluir no preço do seu produto o custo da poluição que ele causa, onde, utopicamente a verba revertida dessa incorporação deveria ser usada para a reparação do dano ambiental1.

            Nesse artigo, escolhi focar no princípio do Poluidor-Pagador. Primeiramente discutirei alguns aspectos relacionados a conceitos e aplicações relacionados a esse princípio e finalmente, apresentarei um processo do STJ como forma de mostrar como esse princípio pode ser utilizado e algumas críticas minhas a respeito das decisões tomadas.

 

2.    O princípio Poluidor-Pagador 

De acordo comBENJAMIN (1993) esse princípio é aquele que impõe uma responsabilidade financeira ao poluidor, ou seja, o poluidor deve arcar com as despesas relacionadas com a prevenção, reparação e repressão da poluição. Nesse sentido, esse princípio se torna um instrumento econômico/ambiental que vai servir como uma norma mostrando o que é permitido fazer ou não e regras de compensação dispondo, por exemplo, de taxas a serem cobradas ao se utilizar de maneira inadequada de um recurso natural6

A primeira ver que esse princípio entrou em discussão foi em 1972 durante umas das reuniões da Organização para a Cooperação e para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), através da recomendação C (72) 128 onde o princípio do poluidor-pagador foi definido como:

“o princípio que usa para afetar os custos das medidas de prevenção e controle da poluição, para estimular a utilização racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções ao comércio e ao investimento internacionais, é o designado princípio do poluidor-pagador. Este princípio significa que o poluidor deve suportar os custos do desenvolvimento das medidas acima mencionadas decididas pelas autoridades públicas para assegurar que o ambiente esteja num estado aceitável”.

Politicamente, essa reunião da OCDE foi um marco importante para o meio ambiente, nela as primeiras questões a cerca dos princípios e sobre como seria sua aplicação eram debatidos.

No Brasil, esse princípio está previsto na Constituição Federal de 1988 no seu artigo 225, § 3º onde diz que os poluidores ou usuários de recursos naturais, sejam pessoas físicas ou jurídicas, estão sujeitos às sanções penais e administrativas, independente da obrigação de reparar os danos causados7.

Um dos grandes objetivos, e a meu ver, um dos principais problemas é fazer com que os custos das medidas de proteção, precaução ou qualquer ação relacionada a sustentabilidade no processo, sejam colocadas de alguma forma no preço final do produto. Indo um pouco mais a fundo no assunto, a questão seria internalizar os efeitos externos dos impactos causados pelo poluidor. BENJAMIN (1993) dá um exemplo interessante que ajuda a explicar e traz questões que para mim ainda são difíceis de chegar a uma conclusão. Ele supõe então que uma pintura de uma casa seja danificada pela poluição de uma fábrica. Normalmente o custo de uma nova pintura seria pago pelo dono da casa e não pelo dono da fabrica que seria o verdadeiro causador do problema. Conseqüentemente os produtos produzidos pelo poluidor não refletem os custos da poluição. Logo esses custos são uma externalidade. O que se busca então seria internalizar esses custos, ou seja, incluir no preço final do produto todo o dano causado à sociedade. Em tese, isso funciona muito bem para qualquer dano material (ou que possa se valorar, como no caso, o preço das latas de tintas que serão usadas para reformar a pintura da casa).

Suponhamos agora, que ao invés de estragar a pintura da casa, a mesma fumaça desenvolva uma doença respiratória no filho da família que ali reside. Como que a empresa internalizaria esse fator? Pagando médicos e remédios para a criança? E como fica a qualidade de vida daquela família? Essa é uma das minhas críticas mais fortes ao princípio, pois na minha opinião, certas coisas não podem ser custeadas de forma alguma.

Trazendo para o lado ambiental e deixando o lado social de lado, se essa mesma poluição tivesse causado a extinção de uma espécie de árvores. O plantio de outras mudas no local seria o suficiente para cobrir o estrago causado pela poluição? O que eu quero mostrar fazendo essas perguntas é que precisa ficar claro a diferença entre um dano físico (tanto social como ambiental) e um dano moral, e mais claro ainda, que para muitas pessoas não há dinheiro que consiga pagar um dano moral.

PEREIRA7 trás uma questão bem interessante associada a esse ponto. Segundo eles, a qualidade ambiental se fundamenta em dois vetores de proteção, a proteção da vida humana e a proteção do próprio meio ambiente. No entanto, no final esse um pensamento antropocêntrico, pois teoricamente só protegemos o meio ambiente e a biodiversidade porque no fundo sabemos que são eles que fazem a manutenção do equilíbrio do ecossistema no qual nós nos inserimos.

Um ponto chave deste princípio é o poder econômico, ou seja, ele mexe com os lucros do poluidor. Apesar de eu acreditar que esse não é o caminho certo para se chegar a sustentabilidade, a curto prazo essa pode ser uma idéia interessante para reduzir os impactos ambientais. Explico melhor, particularmente eu acredito que as pessoas deveriam preservar o meio ambiente por entenderem que é necessário ser sustentável para que a vida na terra seja mantida, no entanto, graças ao sistema que enfrentamos agora, talvez a melhor solução seja aplicar medidas que tenha como alvo os lucros dos poluidores criando uma linha de pensamento onde preservar o meio ambiente é algo lucrativo.

Outro ponto importante do princípio Poluidor-Pagador é que não é cobrado apenas o dano do poluidor. Se esse fosse o caso, quem possuísse muito dinheiro poderia poluir indiscriminadamente. Sendo assim, esse princípio prevê que os danos em questão precisam ser recuperados fazendo com que a área volte ao estado original. Mas até que ponto isso é possível? A restauração de áreas é um conceito muito discutido dentro da biologia dada sua complexidade. Muitos biólogos sequer acreditam que é possível fazer com que áreas degradadas retornem a seu estado original. No entanto, outras estratégias também podem ser usadas no intuito de aproveitar áreas impactadas de uma maneira sustentável e, nesse ponto, o princípio do Poluidor-Pagador pode ter um papel muito importante. Nesse caso, através das taxas e verbas recolhidas através da aplicação do princípio seria possível recuperar áreas degradadas não necessariamente recompondo da mesma maneira a área e sim gerando unidades de conservação ou de uso sustentável.

Finalmente outro ponto que eu acho importante ressaltar é a importância de utilizar o maior número de princípios para resolver uma disputa. Exemplificando, o ideal seria que antes de pensarmos em custos de reparo ou de internalização deveríamos colocar em prática os princípios da precaução, prevenção ou responsabilidade e evitar os danos ambientais.

 

3.      A aplicação do princípio Poluidor-Pagador - caso relacionado ao despejo inadequado de efluentes industriais

Esse processo que foi julgado no estado do Rio de Janeiro em 20 de setembro de 2010 sobre um recurso emitido em 2007. Basicamente o Ministério Público do Rio de Janeiro entrou com um processo de danos ambientais contra uma empresa de cosméticos. Na acusação o Ministério Público Estadual afirma que a empresa em questão não respeita as normas técnicas relativas ao despejo e tratamento de efluentes industriais, despejo de esgoto doméstico e tratamento de resíduos sólidos e também as normas relativas a intervenção e canalização de rios. Sendo assim foi instituída uma série de tomadas de decisões aplicando principalmente o princípio do Poluidor-Pagador. Como resultado o processo, o juiz determinou o cumprimento de 12 medidas relativas à diminuição dos impactos causados pela empresa. Entre elas está a ativação de uma Estação de Tratamento de Efluentes Industriais, ligar as tubulações de esgotos contaminados ao sistema de tratamento, enclausurar a área de manuseio de hidróxido de amônia (que era um dos grandes problemas da empresa) evitando a dispersão de gases na atmosfera, abstenção do lançamento de resíduos líquidos e solos a céu aberto e medidas de proteção ao rio que passa perto das instalações.

Por fim, na minha opinião, ficaram as três últimas medidas mais relacionadas ao princípio: (a) recuperação da área incluindo a demolição das construções na faixa de proteção do rio; (b) indenização para todos que foram atingidos pelo dano causado pela empresa até que a área seja recuperada de maneira adequada e (c) a empresa deverá arcar com todos os gastos oriundos desse processo.  

Particularmente achei muito interessante a tomada de decisões da parte julgadora. Tecnicamente, as medidas declaradas, se cumpridas de maneira adequada, podem diminuir a chance de futuros impactos ambientais e melhorar a qualidade de vida da população do entorno. Além disso, acredito que o juiz foi muito feliz ao utilizar o termo “recuperação da área”, pois, como já comentado na segunda parte do trabalho, restaurar uma área é uma tarefa difícil, ainda mais quando há construções de alvenaria no local e demolições são necessárias.

Sendo assim, acho válido concluir que apesar de ser difícil atribuir custos a um dano ambiental, dado que é improvável que se consiga através de qualquer esforço financeiro restaurar uma área e deixá-la exatamente como antes do impacto, o princípio do Poluidor-Pagador pode ser uma boa ferramenta para o manejo de áreas degradadas. Além disso, é um princípio interessante quando se trata da internalização dos custos. Assim é possível que a poluição tenha um efeito no bolso não só de quem está poluindo, mas quem está comprando um produto que em seu processo de produção polui.

 

 4.    Referências bibliográficas

  1. FRANCO AR.(2004) Princípios do direito ambiental. Rev. de Ciên. Jur. e Soc. da Unipar.  7(2) 205-218
  2. COLOMBO SRB. (1996) O Princípio do poluidor pagador. Âmbito Jurídico 87. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=932 Último acesso em 26/10/2011
  3. ANDRÉ E, KIRSTEN F, FONTOURA GRF, RUCHINSKI L, MAFRA R. (2009) Princípios Gerais do Direito Ambiental. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/13028315/Principios-Gerais-Do-Direito-Ambiental. Último acesso em 26/10/2011
  4. FARIAS T. (2006) Princípios gerais do direito ambiental. Prim@ Facie 5(9) 126-148
  5. BENJAMIN AHV. (1993) O Princípio Poluidor-Pagador e a Reparação do Dano Ambiental. Revista dos Tribunais 226-236. Disponível online em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8692
  6.   COLOMBO S (2004) Aspectos conceituais do princípio poluidor-pagador. Rev. eletrônica Mestr. Educ. Ambient. 13. Disponível em: http://www.remea.furg.br/edicoes/vol13/art2.pdf
  7. PEREIRA MCV, JACYNTHO PHA. Princípio do poluidor-pagador III. Disponível online em: http://www.outorga.com.br/pdf/Artigo%20115%20-%20PRINCIPIO%20%20POLUIDOR%20-%20PAGADOR%20III%20.pdf