Introdução

Cuida o presente artigo de analisar o artigo 4º. da Lei 7492/1986 em face do Princípio da Reserva Legal, consagrado em nosso ordenamento jurídico como uma garantia fundamental do cidadão em face do poder punitivo estatal.

Como é cediço, a muito nossa sociedade reclama por uma legislação que afaste do Direito Penal o estigma de atingir somente as camadas menos favorecidas em nosso país. Diante disso, nasceu, e vem evoluindo, uma legislação para reprimir crimes tipicamente cometidos por castas mais elevadas em nosso seio social.

Contudo, à vista da boa Doutrina e Jurisprudência mais acertada, reprimir, ou estabelecer uma repressar per si não basta, é preciso que a retribuição estatal àquele que cometera um ilícito esteja de acordo com as regras do jogo, in casu, aquelas estabelecidas pela Constituição da República e princípios comezinhos de Direito Penal.

Neste cotejo, nasce a necessidade de se indagar se o artigo 4º. está em consonância com a Constituição da República sobretudo no que tange ao princípio da Reserva Legal.

Desenvolvimento

Inicialmente, antes de discorrer acerca do tema oportunamento proposto, é interessante pontuar os antecedentes histórico da referida lei.

Conforme se extrai do artigo 3º. em seu inciso IX, verifica-se que a legislação pátria já previa o tipo penal de gestão fraudulenta para estabelecimentos bancários. Contudo, a legislação anscestral possuia difícil aplicação porquanto o rol restrito de estabelecimentos ou instituições passíveis de adequação era muito restrito.

À despeito disso, vale mencionar a lição de José Carlos Tortima, que, a respeito deste passado que permitia uma criminalidade dessa natureza assevera:

“Por outro lado, com a moderna sofisticação do sistema financeiro, surgiram algumas instituições que não eram previstas à época da edição da cinquentenária Lei de Economia Popular, não constando, assim, do elenco exaustivo prefigurado no art. 3º., inciso IX, da Lei nº. 1521/51. Dai resultou, por injunção do princípio da reserva legal, a impossibilidade de aplicação da citada norma proibitiva em épocas mais recentes e sempre que a instituição objeto da gestão fraudulenta ou temerária já não contasse no taxativo rol daquele dispostivo.”[i](Tortima, José Carlos, 3ª. Edição, Editora Lumen Juris, página 31)

Sendo assim, visando abarcar as condutas contrárias ao Direito surge a lei 7.492/1986 que criou os crimes contra o Sistema Financeiro.

Neste sentido, não se deve olvidar que o legislador fora feliz ao precisar o conceito de Instituição Financeira na legislação acima citada, todavia, não é só de acertos que vive o parlamento pátrio.

Para examinar esta questão, é imperioso trazer à baila o artigo 4º. da Lei 7.492/1986:

Art. 4º Gerir fraudulentamente instituição financeira:

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único. Se a gestão é temerária:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

A princípio, o artigo acima mencionado não sugere maiores problemas se a interpretação for literal.

Contudo, a missão do jurista não consiste meramente em realizar uma leitura fria da lei. É imperioso que o operador do Direito exerça uma interpretação seguindo parâmetros hemenêuticos sólidos, sempre orientado pela Constituição da República.

E é exatamente nesta situação que nasce o problema.

O parágrafo único do artigo acima citado traz uma expressão que, no mínimo, incomoda aquele indivíduo que não é afeto às ciência jurídicas na medida que desconsidera o princípio da legalidade

Neste sentido, é imperioso trazer a lição de Rogério Grecco, que a respeito do tema assevera:

“Estado de Direito e princípio da legalidade são dois conceitos intimamente relacionados, pois que num verdadeiro Estado de Direito, criado com a função de retirar o poder absoluto das mãos do soberano exige-se a subordinação de todos perante a lei.”[ii]

 Corroborando, também não é diferente a inclinação de Nilo Batista que acrescenta:

“a função de garantia individual exercida pelo princípio da legalidade estaria seriamente comprometida se as normas que definem os crimes não dispusessem de clareza denotativa na significação de seus elementos, inteligível por todos os cidadãos.”²(Batista, Nilo Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, Rio de Janeiro: Revan, 1990, pág 78)[iii]

 

Vale dizer que a ofensa ao princípio da legalidade no artigo em análise, sobretudo quando se trata do parágrafo único é evidente, mormente que risco econômico e administração temerária são divididos por uma linha tênue.

Diante desta insegurança quanto ao conceito do que venha a ser temerário, sobretudo quando se trata de uma atividade de risco, mormente ao fato de ser econômica, é interessante notar a lição que de José Carlos Tortima que nota o seguinte:

“Aqui ao esgotar o enunciado da norma incriminadora com a fórmula gestão temerária, o legislador transferiu virtualmente para o juiz o poder de ditar o conteúdo do tipo, abrindo-se, desse modo, ampla e intolerável margem ao arbítrio. A burla ao princípio da legalidade, daí resultante, não poderia ser mais tangível.”[iv](TORTIMA, José Carlos, Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, Editora Lumen Juris, 2011, pág 33)

 

É relevante dizer que temerária, no caso do parágrafo único, é a colocação do legislador ante a ausência de especificidade sobre o tema que está a receber a tutela penal sob pena de ofensa à garantia fundamental acima citada.

À desepito deste risco, vale mencionar a valiosa lição de Adel El Tase que observa o seguinte:

“Pode-se imaginar um empresário ousado, arrojado, e que a instituição finaceira, em razão desta ousadia do gestor, teve lucros altíssimos. Apesar do lucro, em entendendo que o tipo é válido, tem-se a caracterização do crime, pelo simples fato de que o administrador praticou a gestão de forma ousada, exagrerada, o que é suficiente para a caracterização da hipótese de gestão temerária.”(TASE, Adel El, Legislação Criminal Especial, Editora Saraiva, pág 1012[v])

Sendo assim, não resta dúvida que o tipo penal em voga transfere ao magistrado a criação de um conceito que é tarefa do julgador, razão pela qual, não resta dúvida que o parágrafo único do artigo 4º. da lei 7.492/1986 é de difícil aplicabilidade ante a nítida inconstitucionalidade.

 

Conclusão

Portanto, à vista do exposto, não resta dúvida que o parágrafo único do tipo penal em análise é nitidamente Constitucional porquanto transfere ao julgador a possibilidade de legislar sobre uma matéria cuja a competência é do legislativo.

Não se olvida que a sociedade brasileira reclama por uma punição proporcional àqueles que praticam delitos conhecidos vulgarmente como de “colarinho branco”, todavia, esta punição deve ser justa e dentro das regras do jogo sob pena de fracasso do Estado Democrático de Direito.

 

Bibliografia

 

 


[i] Tortima, José Carlos, 3ª. Edição, Editora Lumen Juris, página 31

 

 

[ii] Grecco, Rogério, Curso de Direito Penal Parte Geral, Editora Impetus, pág102

 

[iii] Batista, Nilo Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro, Rio de Janeiro: Revan, 1990, pág 78)

 

 

[iv]  TORTIMA, José Carlos, Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, Editora Lumen Juris, 2011, pág 33

 

 

[v]  TASE, Adel El, Legislação Criminal Especial, Editora Saraiva, pág 1012