O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NA JUSTIÇA PENAL

            Luiz Ricarte da Cunha Júnior[1]

Resumo

O presente trabalho vislumbra o papel da mídia e demonstra o quanto sua veiculação um tanto opressiva interfere na formação da opinião pública fortalecendo assim a deturpação da imagem do suposto acusado. O juízo de valor do juiz na esfera penal por mais imparcial que deva ser é influenciado por muitas vezes pela opinião e clamor público que são formados também com a veiculação das informações pela mídia. Ao mesmo passo, tem-se que a liberdade de expressão é um direito fundamental, todavia, a maneira como se publica notícias criminais acabam por gerar efeitos negativos aos envolvidos em processos criminais. Buscou-se, portanto, demonstrar que a mídia faz sim um julgamento do acusado que diretivamente ingressa no trâmite processual, seja por um magistrado influenciado ou mesmo pela sociedade que fervorosamente quer uma resposta que melhor lhe aprouver do Judiciário. Conclui-se que há nítida colisão frente aos direitos fundamentais, a liberdade de informar e a presunção de inocência. No mesmo sentido, não pode haver julgamento ao informar um fato criminoso para que a sociedade incuta uma prévia opinião ou um pré-julgamento de um indivíduo que sequer foi sentenciado.

 

Palavras-chave: Justiça Penal. Inocência. Mídia. Imagem.

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho se debruça sobre a influência da mídia no judiciário brasileiro, no sentido que as informações veiculadas pela imprensa através de seus meios de comunicação tendem a formular o pré-julgamento de uma pessoa que está sendo indiciada ou acusada por um processo na esfera criminal.

Ao passo que é importante se ter a liberdade de expressão não se pode, contudo, indiscriminadamente utilizar os instrumentos de rádio, televisão, revistas e entre outros como um canal de controle da sociedade. Destarte, a mídia caba por ditar e construir a opinião pública.

A opinião pública tem forte influência e papel no Estado Democrático de Direito, entretanto, há limitações de ordem constitucional que ferem gravemente o princípio da presunção de inocência que é ponto basilar deste trabalho. É nesse sentido que será desenvolvida esta monografia, ou seja, o liame entre a influência que a mídia tem como formador de opinião pública contra aqueles que sequer ainda não forma nem acusados em um processo criminal.

O conflito de interesses entre os princípios constitucionais e em especial ao princípio da presunção de inocência tem gerado polêmicas, pois se ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, por que o acusado ou indiciado já tem da sociedade e da mídia um pré-sentença?

Muitos questionamentos tomam força acerca do tema em comento proporcionando discussão social. A vertente deste trabalho inclui a mídia como um meio de atividade de comunicação que influencia e distorce o real acontecimento no mundo criminal criando com a exposição de fatos e de direitos a violação da presunção de inocência.

Cada vez mais, a imprensa busca enfoque nos assuntos de natureza criminal pressionando violentamente por uma resposta do Judiciário criando um cenário de insegurança jurídica e violação dos princípios constitucionais com sua opinião impositiva sobre as decisões dos magistrados. Portanto, há o comprometimento na imparcialidade das decisões judiciais, a pressão sobre a resolução das questões atribuindo um fato criminoso a alguém, seja quem for.

Diante da realidade, a mídia e a justiça penal entram em conflito uma vez que afeta negativamente – quando direciona a opinião pública pela fabricação do “inimigo”.

Nesse trabalho, se verifica a instabilidade das relações entre os institutos de informação em massa e a atuação do Judiciário na apuração do evento delituoso. Os veículos de comunicação podem comprometer negativamente a atuação dos juízes? Diante do direito a informação e a liberdade de expressão pode a mídia direcionar a culpabilidade do suspeito ou acusado? Após a veiculação das informações, a lesão à honra e à imagem do acusado ou indiciado que posteriormente foi considerado inocente, poderá ser restabelecida?

No primeiro capítulo busca-se atenção ao conceito de princípios para que se possa ter maior dimensão da sua importância dentro do ordenamento jurídico brasileiro, bem como, a origem do princípio da presunção de inocência que tem seu nascedouro da Revolução Francesa.

Dando continuidade ao trabalho, o segundo capítulo trata de mostrar o papel da mídia, o direito de informação e a liberdade de imprensa, ao mesmo passo, que a abordagem retomará a relativização do princípio da presunção de inocência diante de como a mídia expõe os fatos fazendo com que uma garantia constitucional não seja fielmente ofertada. Dessa forma, o suposto acusado acaba sendo pré-sentenciado pelos informes invasivos que a mídia passa sem se preocupar que a rotulagem feita pela sociedade e seu clamor social influencia diretamente ou indiretamente na justiça penal.

Também fomentarão este trabalho casos reais que foram conduzidos pela mídia e que geraram mesmo diante de dúvidas acerca do ato delituoso a pré-condenação da sociedade e a condenação judicial forçada, tudo isso atrelado ao fato que o Judiciário deve dar uma resposta não buscando efetivamente quem foi o culpado e se o suposto acusado realmente foi o autor do fato. Vislumbra-se que as normas se tornaram mais rígidas também pelo apelo da mídia que a todo o instante aniquila a figura do ser humano como deliquente sem antes de um devido processo legal ser realizado

São esses os questionamentos que conduzirão toda a atmosfera desse trabalho traçando também a origem dos princípios constitucionais, a abordagem histórica do papel da mídia bem como seu desenvolvimento e não deixando, contudo, de corroborar com a contribuição que a inserção das matérias sensacionalistas trazem nos julgamentos, principalmente no que diz respeito à formação de opinião no júri popular onde a espetacularização do processo midiático se deu de forma mais abrangente atingindo a imparcialidade do juiz penal.

1. A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

 

Antes de adentrar no campo dos princípios constitucionais, interessante ressaltar de um modo genérico a definição de o que seja princípio. O dicionário Aurélio faz menção a este vocábulo “princípio” com as seguintes palavras: “1. Momento ou local ou trecho em que algo tem origem; começo; 2. Causa primária; 3. Elemento predominante na constituição de um corpo orgânico; 4. Preceito, regra, lei. 5. Base; germe” (FERREIRA, 1986, p. 1393). Com variadas acepções o elemento princípio se incorpora e se traduz como garantidor e validador dentro de um sistema.

Independente do campo de conhecimento no qual possamos nos encontrar, o princípio estrutura todo um sistema de ideias atuando como mola-mestra de diversos seguimentos.

Dessa forma, em todo corpo de normas faz-se necessário demonstrar a presença efetiva dos princípios, são eles que basilam e constituem a raiz de onde verdadeiramente deriva o conteúdo das normas jurídicas. Com essa característica fundamental, todo o ordenamento jurídico se debruça sobre ele, sob pena de quedar-se inerte.

É nesse sentido que os princípios fomentam toda a Constituição Federal de 1988, sendo para tanto de observância obrigatório e que os demais elementos dele derivam.

Como preceitua José de Albuquerque Rocha (2006, p. 43) em sua ilustre obra Teoria Geral do Processo:

Os princípios têm a função de fundamentação das normas justamente porque elas não podem contrariar o valor por eles proclamado; têm função de guia interpretativo justamente porque as normas devem ser interpretadas e harmonia com os valores neles consagrados: finalmente, têm função supletiva porque a norma o caso concreto deve ser formulada em atenção aos valores neles fixados.

Sendo de fundamental importância, os princípios podem ser encontrados em todas as matérias, seja ela de cunho jurídico, de cunho social, de cunho filosófico e entre outras.

Elucida o grande mestre Paulo Bonavides (2005, p. 256) que “os princípios são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade”.

Eivado desses aspectos, o princípio cerne deste trabalho, a saber, o princípio da presunção de inocência será delineado em linhas abaixo. Primeiramente, é importante frisar sua definição que encontra respaldo no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LVII ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória.

De forma mais simples e clara, tem-se que o princípio da presunção de inocência estabelece que o acusado deva ter seu estado de inocência mantido durante todo o trâmite processual até que uma sentença venha definir sua situação jurídica.

Aplica-se a este uma dupla ordenação, uma vez que, o acusado deve ser tratado como inocente até o deslinde da questão e a outra que caberá a quem alega fato punitivo provar as supostas acusações, não cabendo ao acusado a prova de sua inocência.

Observa-se, quanto o princípio da presunção de inocência encontra guarida na ordem constitucional. É através dele que também encontramos os demais princípios, tais como: o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa, o juiz natural, a dignidade da pessoa humana etc.

Todos esses princípios atrelados uns aos outros permitem um bom desenvolvimento processual esbarrando no julgamento final justo em que o Estado com seu poder punitivo poderá aplicar ou não a sanção penal.

Mas, para que se tenha uma noção mais ampla sobre o princípio da presunção de inocência, mister se faz entender como tal princípio surgiu, de que modo se efetivou na Carta Magna. Para tanto, o próximo item explicitará todos os percalços em que tal princípio se relacionou.

 

1.1 O princípio da presunção de inocência no ordenamento jurídico brasileiro

 

Mesmo não existindo concretos registros antes da Constituição Federal de 1988, o Brasil adotou em seu corpo de leis o princípio da presunção de inocência com a seguinte redação:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LVII ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória.

Positivado entre as garantias constitucionais tornou-se um princípio basilar do Estado Democrático de Direito e estando integrado com vários outros princípios, quais sejam: a ampla defesa, o contraditório, a dignidade da pessoa humana, o juiz natural, e estando intimamente ligada com a liberdade pessoal dos indivíduos.

Sendo signatário de inúmeros tratados e pactos, o Brasil é aliado ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, da Convenção Internacional de Direitos Humanos que contribuem para um novo pensar e uma forma mais democrática de se atender aos valores do homem.

Nesse diapasão, o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é também signatário expõe o princípio da presunção de inocência como uma garantia:

Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: 3. direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal; 4. comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; 5. concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa; 6.direito ao acusado de defender -se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; 7. direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; 8.direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; 9. direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar -se culpada; e 10. direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. 11. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 12. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 13. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

Sendo uma garantia de ordem constitucional, o princípio da presunção de inocência oferta ao individuo equilíbrio em suas relações, mais precisamente quando algum fato suscetível de punição é atribuído a alguém e que por outro lado essa punição só vai ser aplicada se houver sentença que expressamente integre sua qualidade de culpado. Passa a ser o sujeito de direito da relação processual e não mais o objeto da lide. Nessas linhas:

Atualmente, a doutrina analisa a presunção de inocência sobre vários enfoques: a) como garantia política do estado de inocência; b) como regra de julgamento no caso de dúvida: in dubio pro reo; c) como regra de tratamento do acusado ao longo do processo. [...].

A presunção de inocência assegura a todo e qualquer indivíduo um prévio estado de inocência, que somente pode ser afastado se houver prova plena do cometimento de um delito. O estado de inocência somente será afastado com o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória (BADARÓ, 2003, p. 284).

Indaga-se então em que aspecto o princípio da presunção de inocência deve ser invocado, para tanto, esse honroso princípio segundo Gustavo Henrique Richi Ivahy Badaró (2003, p. 284) deve ser entendido sob vários enfoques: no primeiro um modo de garantia da presunção de inocência; no segundo havendo dúvida acerca do estado de inocência do acusado aplicar-se-á o in dubio pro reo; e no terceiro como regra de tratar o acusado dignamente até o final do processo[2].

Entretanto, o que se percebe nos dias atuais é que há um retrocesso na positivação dessa garantia constitucional, uma vez que, a sociedade muitas vezes motivada pelo clamor social e pela exibição de conteúdo midiático, diante de um fato criminoso imputado a alguém, incorpora a figura do magistrado e veementemente vincula o fato narrado por terceiros ao crime imputado ao suposto acusado.

A sentença de um modo informal é atribuída pela sociedade que através da mídia causa grande clamor social. Este torna-se um divisor de águas, haja vista que ao mesmo tempo em que critica determinado fato poderá vir a gerar uma predisposição na associação do crime ao suposto acusado. Adiante será melhor discutido acerca da liberdade de imprensa, a liberdade de informação e o papel da mídia como influenciador de opinião pública tendo como parâmetro o princípio da presunção de inocência.

Tendo definido o essencial sentido do princípio e comento, mister se faz analisar os aspectos de ordem processual frente à legislação penal que vigora.

Para a correta aplicação do princípio da presunção de inocência é imprescindível que a este esteja trelado as demais garantias constitucionais. Denota-se que para tanto deve estar inserido nesse instrumento processual o devido processo legal, o que segundo Fernando Capez (2007, p. 32) “consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem a garantia de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei”.

Se ao indivíduo não for concedido o desenvolvimento de um processo que possa lhe assegurar a plenitude de defesa estratificada através de citação, produção de provas, cabimento recursal, revisão criminal, enfraquecida e inaplicável está a presunção de inocência.

Do mesmo modo oportunizar-se-á ao acusado a prerrogativa de se defender pronunciando-se sobre os fatos a ele imputados e produzindo provas, sob pena de cerceamento de defesa.

Sem a aplicação dos institutos acima, retomaríamos a concentração do poder de acusar a uma só pessoa que por fim acompanhou todo o sistema inquisitório à época. Durante a égide da inquisição não havia sequer a preocupação em analisar as provas, tudo se baseava por meros indícios.

O que o princípio da presunção de inocência comunga sob a nova ordem constitucional é a busca da verdade sobre os fatos, é o acolhimento de provas, é a defesa técnica, é a processualização da estrutura para um julgamento pautado nos princípios éticos e jurídicos. No entanto, proferido julgamento desfavorável ao acusado caberá ainda a este pleitear a revisão criminal ou a sentença proferida esteja sujeita ao duplo grau de jurisdição.

Sendo este um princípio insculpido e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro bem como ratificado internacionalmente deve-se, portanto, fazer valer sua magnitude e sua positivação garantindo a proposta de um Estado Democrático de Direito.

2 MÍDIA – O PAPEL DA MÍDIA NA FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA

O presente capítulo é a mola-mestra desse trabalho, pois é através da mídia que o exercício dos direitos e garantias constitucionais, em especial ao princípio da presunção de inocência, encontra maior cerceamento.

Para isso, é importante ressaltar qual o verdadeiro papel da mídia como veículo de informação para que se possa entender e limitar o exercício da liberdade de imprensa, a liberdade de informação e a liberdade de expressão.

O exercício das liberdades acima elencadas muitas vezes ecoam negativamente quando de forma desproporcional a mídia veicula informações desenvolvendo o papel de julgador e não de mero transmissor.

A intervenção da mídia tornou-se diretiva ao povo conduzindo a sociedade a um pré-julgamento dos casos, das pessoas e dos crimes.

Então, o que é mídia? A mídia é o meio pelo qual se veicula uma informação. Essa informação pode ser escrita ou falada, destacando-se a de cunho jornalístico, segundo o qual constitui um meio de comunicação de maior amplitude representando a liberdade de expressão.

Como todo veículo de informação, a mídia tem um importante papel na sociedade, pois além de transmitir determinada informação também é responsável pela formação da opinião pública.

Desse liame entre a transmissão de informação e a formação da opinião pública, surge o exercício da liberdade de informar, da liberdade de imprensa. É o exercício dessas liberdades que atingem o princípio da presunção de inocência.

O que ocorre é que a mídia através de seus veículos de comunicação em massa, na busca da exposição sobre os fatos e acontecimentos cotidianos acabam por manejar uma rotulação negativa – principalmente em matérias do âmbito penal – condenando pessoas que apenas são suspeitas sem sequer o Judiciário declará-lo culpado.

É aqui que percebe-se a colisão entre os preceitos constitucionais, pois se de um lado se tem o direito de informar e de se expressar, por outro lado não pode tal direito aniquilar a presunção de inocência de qualquer indivíduo.

Na maioria das vezes estamos diante da espetacularização de cenas transmitidas pela mídia, entre elas as de cunho sensacionalistas, onde há um pré-julgamento na veiculação de informação. Não há, portanto, a preocupação em apenas transmitir, da mesma forma que não há responsabilidade em saber sobre a verdade real antes de veicular determinado fato.

O necessário seria a transparência, a clareza da informação conduzindo primordialmente a verdade democrática, entretanto, não é o que acontece. O papel da mídia se desvirtua de sua real essência contrariando os dispositivos constitucionais.

Nesse sentido, nas linhas a seguir será explicitado o papel da mídia, a liberdade de imprensa, a liberdade de informar sem que tal direito possa ferir a liberdade de expressão e o exercício das garantias constitucionais.

3 A INFLUÊNCIA DA MÍDIA E O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

 

Como visto anteriormente, é inquestionável a importância do papel da mídia como veículo de formação para opinião pública. Contudo, a forma como esses bombardeios de notícias chegam tendem a burlar a liberdade de imprensa elevando na maioria das vezes como um veículo que não só expõe a informação, mas uma fonte investigadora, acusadora, sentenciadora, enfim, como um quarto poder.

Dessa forma, o que poderia ser apenas uma notícia acaba por tendenciar a opinião pública diante de uma carga valorativa atribuída aos acontecimentos. É notável como a mídia enfoca certas situações, principalmente àquelas em que a seara é criminal, sendo essa exposição fervorosa dos fatos a maior preocupação. Artur César de Souza (2010, p. 29) assevera que:

No momento em que a imprensa apodera-se de um processo, essa não se limita a ilustrar o trabalho da magistratura ou a denunciar eventuais disfunções da justiça: os meios de comunicação em massa induzem inevitavelmente ao despejo de substituir-se ao juiz e de julgar em seu lugar.

Com a busca incessante pelo maior número de notícias, ou mesmo notícias em primeira mão é que os veículos de comunicação em massa megalomanizam os fatos sem se ater a verdade real destes e lançam com bastante enfoque o grande espetáculo. Ensina Artur César de Souza (2010, p. 95) que:

O sistema midiático moderno, aproveitando-se de certa forma da falha institucional do sistema penal e processual penal no cumprimento de seu papel social exerce a função catalisadora da opinião pública sobre um tema previamente selecionado. Para isso, utiliza-se da estratégia de estabelecer um ponto comum de fato que possa atrair a atenção de todos os componentes individuais da opinião pública. Um método eficaz para o exercício dessa atividade catalisadora ocorre pelo etiquetamento subjetivo e da amplificação das causas e dos efeitos penais. Por meio desses mecanismos, cria-se um ambiente de irritação e inquietação pela possibilidade de boa parte da sociedade moderna encontrar-se inserida mais cedo ou mais tarde na posição de vítima da infração penal massificada, além de gerar total insatisfação com os resultados provenientes do Poder Judiciário. Tal sugestionamento faz com que a opinião pública possa ser unificada e concentrada como mecanismo de pressão de combate ao crime segundo os parâmetros hermenêuticos previamente estabelecidos pelos meios de comunicação em massa para aquele contexto social.

É sabido que a publicidade das informações garante o exercício da democracia, mais precisamente o direito de informar e ser informado já tratado em linhas anteriores. Mas é necessário advertir que essa publicidade não poderá se dar de forma espetaculosa, sob pena de acarretar grandes danos aos participantes no processo. Dessa forma, Artur César relata sobre o trabalho do magistrado espanhol Juan L. López Ortega (apud SOUZA, 2010, p. 194):

E o mesmo magistrado também advertiu: Na realidade, por meio da publicidade da justiça se reflete uma determinada concepção de democracia, um regime de luz que exclui o segredo do lado das autoridades públicas como garantia individual e como instrumento de controle do poder público (Auby, 1969). Porém, se a publicidade é um traço caracater´sitico do processo penal aprimorado no Estado liberal, o que tampouco se pode ignorar é que o mesmo direito a um processo equitativo ressente-se quando a publicidade desenvolve-se de uma forma desmedida e incontrolada, convertendo o processo em espetáculo, o que comporta uma séria ameaça para a presunção de inocência do réu e para os direitos de personalidade de quem participa do processo. Por causa disso, para a justiça penal a transposição de funções à publicidade indireta, isto é, a que se produz por meio da imprensa, significa ao mesmo tempo risco e possibilidade. Risco para o réu exposto a uma pré-condenação pelos meios de comunicação, com o que se acrescenta uma nova e incrementada tarefa para a presunção de inocência; risco para os fins do processo que podem ver-se influídos pelos desejos e as expectativas do público; e risco também para as exigências de reinserção que podem fracassar diante das campanhas da imprensa.

No sensacionalismo das matérias em casos de cunho criminal observa-se o quanto a exposição do indivíduo que ainda não transpassa de mero suspeito é realizada. A exorbitância dos limites impingidos à liberdade de imprensa manipula a forma como os telespectadores formam sua opinião. E é nesse sentido que o princípio da presunção de inocência é degradado, pois se a mídia não atua dentro dos parâmetros da ordem constitucional, expõe a intimidade, a vida privada, a honra e as demais garantias constitucionais do acusado. E, se o acusado vier a ser declarado inocente mediante processo transitado em julgado? Será que a mídia incorrerá na busca incessante pela divulgação e transmissão da inocência de tal indivíduo? Bem, a resposta é fácil: não! Tudo isso está atrelado ao fato que a mídia não ganha ibope e não aglomera expectadores quando não há sensacionalismo.

A fabricação de um estereótipo de fatos e crimes pela mídia influencia na formação da opinião pública que categoriza a imagem do acusado como já criminoso e impõe sua sentença perante a sociedade. Ensina Sérgio Salomão Shecaira (1996, p. 16) que:

Estas fábricas ideológicas condicionadoras, em momentos mais agudos de tensão social, não hesitam em alterar declaradamente a realidade dos fatos criando um processo permanente de indução criminalizante. Zaffaroni e Cervini, nas obras citadas, destacam que os meios de comunicação de massas, ao agirem dessa forma, atuam impedindo os processos de descriminalização de condutas de bagatela (por exemplo), incentivando a majoração de penas, constituindo-se, pois, num dos principais obstáculos à criação de uma sociedade democrática fundada nos valores de respeito aos direitos dos cidadãos e da dignidade humana.

Não se pode ao noticiar fatos criminosos influir de forma negativa na realidade criminal e explanar os acontecimentos como centro de palco de eventos em que o público fica paralisado, chocado sem atentar-se que o respaldo técnico cabe ao órgão competente. A propagação de notícias que sensibilizam, que amedrontam, que causam clamor social são as mais decorrentes, pois são essas que geram audiência.

A mídia toma para si não só a ilimitada maneira de veicular informações, mas atua como juiz ao sentenciar, o que foge totalmente da sua seara. A imediaticidade e rapidez de como as informações chegam até nós gera a sensação de que a análise sobre a verdadeira realidade dos fatos não é plausível. Oacir Silva Mascarenhas (2013, p. 1) em se artigo A influência da mídia na produção legislativa penal brasileira assevera que:

Destarte, os consumidores são convencidos pelas respostas e soluções rápidas para todos os questionamentos e problemas apresentados pelos meios de comunicação, o que de certa forma gera uma apatia e acomodação. Não se fazem mais críticas, não se fazem mais perguntas, não se produz o ‘novo’. Todos respondem da mesma forma as perguntas, todos têm as mesmas soluções simplistas para os problemas mais complexos, todos pensam de acordo com o estabelecido e noticiado pelos meios de comunicação de massa. O ser humano se torna cada vez mais dependente, submisso, robotizado e massificado.

É impossível até impedir como a irradiação de informações atinjam os setores da vida social, nem se pretende retroagir democraticamente, mas diante disso “há urgência em se encontrar mecanismos de salvaguarda dessa força avassaladora, a fim de neutralizar eventuais tentativas de manipulação ou de persuasão irracional [...]” (SOUZA, 2010, p. 39).

Sendo assim registra-se que a influência da mídia interfere durante o trâmite processual, uma vez que, manipulando informações, o conteúdo midiático provoca clima de indignação, pressão popular e insegurança. Daí é que o indivíduo acusado de certo delito torna-se ator do processo, tomando como pena o cerceamento da ampla defesa e do contraditório, ferindo a dignidade da pessoa humana, não tendo o direito de resposta proporcional ao agravo e já tornando-se preso pela exclusão social. No mesmo sentido, ensina Artur Cesar Souza (2010, p. 166):

Não obstante não tenha sido gerada pelos meios de comunicação em massa essa falência da solidariedade social e da ressocialização do condenado, é evidente que a forma de exposição dos fatos pela imprensa amplifica, dramatiza e por vezes distorce qualitativamente e quantitativamente as circunstâncias criminológica e penais. Em razão disso, a legitimação social-democrática do Poder Judiciário é colocada em dúvida pela opinião pública, gerando insatisfação popular, pondo em risco a ordem democrática e a legitimação das instituições republicanas, fazendo com que o juiz, diante da delimitação do seu círculo hermenêutico, procure alternativas que mais se amoldem ou se adaptem aos postulados dos meios de comunicação em massa e da opinião pública.

Importa registrar que não se pretende minimizar a atuação no exercício da liberdade de imprensa, o que se busca é que haja limitação na maneira como essa liberdade é exercida, sob pena de não ter preservado valores maiores como o direito de personalidade dos envolvidos garantindo também que a mídia realize corretamente seu papel, posto que nenhum direito é absoluto e deve-se, portanto, atender ao menos o princípio da razoabilidade quando a colisão entre a liberdade de expressão e a presunção de inocência estiverem mitigados não esquecendo que o interesse particular de qualquer cidadão é o afã de uma sociedade livre, justa e igualitária, atendidos a ponderação entre os valores postos na Carta Magna de 1988.

O dever que prepondera é a informação, este é o limite de sua atuação, o que extrapolar é passível de reparação, pois ao final de um julgamento mesmo o acusado sendo considerado inocente, sua imagem permanece perpetuada como maléfica à sociedade, tendo assim não só a preocupação em requer sua inocência perante o Poder Judiciário mas provar também que não há culpados. Concluiu Artur César de Souza (2010, p. 353) com uma reflexão do jornalista Américo Correa da Revista Consultor Jurídico de 6 de fevereiro de 2008:

Quem julga é juiz. Quem advoga é advogado. Quem denuncia é promotor. Então, juiz não é igual a advogado e nem a promotor, pois estes dois últimos representam interesses das partes. Ministério Público, mesmo sendo fiscal da lei, +e parte nos processos, Presume-se, portanto, que o outro lado pode estar correto. Não podemos ser, portanto, aliados de primeira hora de um lado, sob pena de perder aquilo que devemos buscar sempre como jornalistas: isenção. O que fazer então, cara-bororo? Sinceramente, estou cético com o risco de encontrarmos uma solução. Sim, risco, principalmente porque em cena muito de preguiça, ingenuidade, despreparo, vaidade, manipulação, rancor e desleixo. Está certo o Min. Marco Aurélio. Vivemos um Brasil de faz de conta, de incoerências. Vivemos, com isso, um cenário sempre propício ao surgimento de salvadores da pátria. Precisamos urgente de um choque ético, sem dó. A começar por nós, jornalistas. Um choque capaz de fazer acordar cada qual para a sua verdadeira finalidade. Senão, é conluio.

Para atentar-se de como a mídia influencia e mitiga o princípio da presunção de inocência, tratará o próximo capítulo de expor casos reais em que os veículos de comunicação em massa intercederam de maneira negativa durante e após a conclusão no processo criminal.

CONCLUSÃO

O cerne do presente trabalho se debruçou sobre a influência da mídia na justiça penal e na forma como o exercício da liberdade de expressão ferem o princípio da presunção de inocência.

Percebe-se que a liberdade de expressão tem importante função no meio social e que o seu exercício encontra parâmetros no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, tal garantia não pode ser absoluta quando o que se questiona é a presunção de inocência, principalmente quando positivado pela Carta Magna, precisamente em seu artigo 5º, inciso LVII que assim dispõe: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Princípios não devem ser vistos apenas como regramento jurídico mas ser respeitado, sendo esta fonte de valores indissociáveis do meio social, jurídico, político e entre outros.

Entretanto, os meios de comunicação exorbitam da sua real função e contaminam a verdade real dos fatos gerando notícias sensacionalistas e de grande exposição dos indivíduos que ainda são meros suspeitos. Sendo o papel da mídia e dos jornalistas noticiarem determinado fato, não se pode, contudo, burlar a verdade real dos fatos e vender notícia.

Para tanto, atendendo ao princípio supramencionado e não lhe conferindo proteção em caráter absoluto, mister se faz dirimir a colisão entre a liberdade de expressão e a presunção de inocência com a busca pela ponderação dos valores.

Buscou-se, contudo, demonstrar no presente trabalho monográfico que o modo como a mídia divulga determinado acontecimento não se coaduna com a sua real função, uma vez que, sua atuação fervorosa acaba por causar profundo dano social. De um lado, o acusado em meio ao bombardeio de acusações vagas e de outro a sociedade que muitas vezes influenciada não atenta-se ao verídico digerindo apenas o que é exposto pela mídia.

Tal postura, tendencia a formulação da opinião pública fazendo com que a sociedade atue não mais como mero expectadores e sim como julgadores das tramas. A formação da opinião pública constituída pelos veículos de comunicação em massa é meio idôneo, entretanto, quando estes lançam voz e direcionam a opinião pública em sentido contrário a verdade dos fatos, o pré-julgamento do indivíduo já se faz presente. É justamente nesse ponto que nem mesmo a absolvição pelo órgão jurisdicional competente é capaz de transformar a rotulação feita pela sociedade. Atentemo-nos que temos o direito de ser informado e não escravizado.

Destarte, observa-se que um princípio constitucional como a presunção de inocência tende a ser limitado quando o exercício da liberdade de expressão não atende aos seus aspectos. Tudo isso acaba maculando bens maiores como a dignidade da pessoa humana, ferindo a intimidade, a vida privada, a honra de um indivíduo e, no liame mais gravoso assinar sua sentença perante a sociedade.

Sendo assim foi abordada a origem dos princípios constitucionais enfocando o princípio da presunção de inocência e sua atuação no ordenamento jurídico brasileiro com o escopo de retratar posteriormente como os fatos refletem-se em casos reais. Os casos expostos demonstraram a precipitação em se dar notícia, ferindo a dignidade da pessoa humana, expondo um conjunto de fatores que muitas vezes não tem como serem reparados.

Para isso, também foi importante frisar o papel da mídia, não excluindo sua importância e legalidade, mas o trabalho se deteve a explanar a maneira tendenciosa e cruel com que os veículos de comunicação em massa emitem acerca dos fatos ocorridos na seara criminal. Nesse diapasão, explorou-se de maneira minuciosa o verdadeiro papel da mídia incutida pelo fenômeno do pré-julgamento dos acusados, mas sem olvidar que o respeito ao princípio da presunção de inocência não pode ser mitigado frente à razoabilidade e a preponderância dos valores embutidos na Constituição Federal de 1988.

REFERÊNCIAS

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______. Convenção Americana de Direitos Humanos (1969): Pacto San Jose da Costa Rica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 28 mar. 2013.

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SOUZA, Artur César de. A decisão do juiz e a influência da mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.



[1] Estudante do Curso de Direito – UNIFOR : Universidade de Fortaleza

[2]     Expressão que quer dizer “em favor do réu”. Tipo de modalidade encontrada em processos de natureza criminal e utilizada sempre que houver fundada dúvida a respeito do ato imputado ao acusado. Dessa forma, como não há materialidade comprovada não se poderá condenar o réu com base em pressupostos e suposições, mas sim absolver o réu.