O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E A RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRSILEIRO. LIMITES E PERSPECTIVAS

Lembremos em quantas contradições tem caído o nosso julgamento! Quantas coisas que ontem considerávamos artigos de fé, hoje julgamos fábulas! A glória e a curiosidade são dois flagelos de nossa alma; esta nos impele a meter o nariz em tudo; aquela nos proíbe deixar seja o que for sem decisão ou solução ("Da loucura de opinar acerca do verdadeiro e do falso unicamente de acordo com a razão", Ensaios, v. Michel de Montaigne).

INTRODUÇÃO

O pensamento extraído da obra de Montaigne, nos remete para a relevância fulcral deste simplório artigo, qual seja a dimensão, a complexidade e ao mesmo tempo caráter controverso do princípio da precaução.

Vivemos hoje, um tempo diverso do dias de Montaigne, mas em todas as épocas os dilemas se impõem na vida em sociedade. O dilema atual, está centrado na perspectiva da exploração dos recursos naturais, ensejando desde já as mais variadas dimensões ou enfoques da teoria econômica, as conseqüências da crescente exploração ao meio ambiente, e a resposta do Direito, in casu, do Direito Ambiental.

O princípio haurido na Europa, ante as mais reais situações de perigo e danos ao meio ambiente, fez soar o alarme dos governos, como agentes políticos do Estado, bem como do Estado-legislador e do Estado-juiz, na elaboração, interpretação e aplicação de normas, protetivas aos riscos inerentes ao uso de métodos, inventos, ou substâncias e seus possíveis efeitos nefastos ao ambiente.

A problemática maior neste "embrolho", é que nem sempre a ciência pode afirmar, ou apresentar resultados perfeitamente tangíveis e exatamente confiáveis como parâmetro ao Direito. Mas este último tem sempre que responder às indagações e lacunas as mais diversas no âmbito das relações em sociedade, mormente da sociedade global.

Neste despretensioso trabalho, buscarei indagar algumas questões relativas ao tema, no entorno da s relações entre Direito, Economia e Meio Ambiente, citando doutrinadores pátrios consagrados, decisões judiciais, legislação internacional e nacional, bem como recolhendo em textos capturados na internet, para argumentar e suscitar um debate rudimentar e meramente introdutório em razão da amplitude do tema. Espero ao final conseguir atingir alguns objetivos propostos, ao menos conhecendo um pouco, do tão rico e controvertido assunto.

O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E A RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRSILEIRO. LIMITES E PERSPECTIVAS.

NOTA HISTÓRICA E SIGNIFICADO DO TERMO

O século XX incorporou à sociedade global uma série de direitos fundamentais. Obviamente, como elencam os doutrinadores, uma nova geração de direitos, dentre os quais, o direito ao meio ambiente, foi assim positivado nas cartas constitucionais como corolário extensivo do princípio da dignidade da pessoa humana. Tais direitos fundamentais, em especial às populações humanas de usufruir as garantias efetivadas em relação aos respectivos direitos, só foram cristalizados nos ordenamentos jurídicos nacionais, e ou comunitários, em decorrência das grandes transformações propiciadas pela evolução do capitalismo, mormente em sua fase industrial e financeira. As inovações tecnológicas e o dinamismo da atividade econômica, proporcionaram o surgimento de grandes questões e problemáticas na vida das sociedades, tanto do ponto de vista social, econômico e cultural, a ponto de refletirem as conseqüências da verdadeira revolução desencadeada pelo processo industrial. A questão ambiental e seus desdobramentos, dentre os quais as externalidades e o princípio da precaução, os quais, serão objeto desta comunicação de forma sucinta e despretensiosa.

Antes de aprofundar as considerações sobre o princípio retro mencionado, por oportuno considero necessária a abordagem histórico evolutiva das problemáticas ambientais, afeitas ao cerne do processo de industrialização do capitalismo.

O descortinar do século XIX, acelerou os mecanismos e caracteres gerais da chamada revolução industrial, no sistema de mercado, também chamado de sistema de autonomia. A crescente tecnificação e portanto, incorporação dos inventos científicos ao processo produtivo, fez gerar o fenômeno econômico da produção em escala, cujos objetivos determinantes foram obtidos a partir da maximização dos lucros das empresas e da minimização de seus custos. Tal fenômeno da produção em escala, muito contribuiu para o que os doutrinadores da teoria econômica intitulam de "falhas", ou imperfeições do mercado; dentre as falhas mais notórias desse modelo, ou fase do capitalismo, podem ser citadas, a concentração econômica e as externalidades.

As bases jurídicas do sistema econômico estabelecidas sob o "signo" do liberalismo, justificadoras do modelo, em que a estrutura legal inerente a referida fase do capitalismo, nos mecanismos de operacionalidade do sistema, não estavam aptas (bases jurídicas) a produzir efeitos, ou captar em sintonia os fatos sociais e econômicos da vida real.

Enquanto as empresas operacionalizavam seus lucros, concentrando cada vez mais as etapas da produção, os capitais, a questão social dos trabalhadores e sua exploração, dentre outras, evidenciavam o mercado cada vez mais oligopolizado em diversos setores econômicos. A concentração, e expansão capitalista industrial requerendo e extraindo quantidades cada vez maiores de recursos naturais, fruto da ampliação das fronteiras produtivas, e dos mercados consumidores e fornecedores, e por conseguinte, promoveu maiores danos ao meio ambiente. Mais distantes do mundo real, encontravam-se as bases jurídicas, erigidas sob a égide do constitucionalismo, da codificação do direito privado e do poder de polícia. O suporte jurídico de então, não conseguia responder à dinâmica mobilidade econômica gerada pela revolução industrial, no século XVIII. As conseqüências das inoperacionalidades, ou falhas do mercado, tornaram-se evidentes, na estrutura social e econômica já no século XIX, e danos nocivos ao ambiente, evidenciados como grave questão e problemática do século XX.

Nas palavras de Max Weber (apud NUSDEO, 2000), "a lei apresentava uma racionalidade puramente formal, não lhe interessando as condições pessoais ou sociais dos por ela abrangidos, nem a maior ou menor desejabilidade dos resultados das relações estabelecidas sob a sua égide".

Mas como explicar o fenômeno das externalidades, como uma falha, ou inoperacionalidade do mercado? Como aproximar suas causas e ajustá-las ao direito, principalmente a responsabilidade civil, tendo em vista, omissões e lacunas num ordenamento jurídico posto à época? Como reponde o direito hoje a questão? Urge pois, conceituar e aprofundar a compreensão destes fatos, em razão dos mesmos traduzirem-se em categorias interdisciplinares ao direito, onde economia, política e direito, oferecem novas perspectivas e contornos de uma realidade social em constante mutação.

A TEORIA ECONÔMICA E AS EXTERNALIDADES

É prática salutar iniciar a discussão sobre qualquer conceito, utilizando-se de fontes apropriadas para compreensão de sua relevância e significação. Por isso, recorrendo a definição mencionada por PAULO SANDRONI (SANDRONI, 1994), as externalidades, também conhecidas como, economias externas, podem ser assim entendidas:

"Benefícios ganhos pelas unidades produtivas que se formam em decorrência da expansão de uma indústria, ou de um setor industrial. Por exemplo, a implantação de um curtume numa região, estimula, em suas proximidades, a construção de fábricas de calçados e roupas de couro".

Outro eminente professor da Universidade de São Paulo, VASCONCELLOS (VASCONCELLOS, 2008), discorrendo sobre o direito e a teoria dos mercados, acresce que as externalidades, são consideradas como uma das mais importantes imperfeiçoes do sistema de mercado, e por ser oportuna sua menção é feita nestes termos:

"As externalidades ou economias externas se observam quando a produção ou o consumo de um bem acarreta efeitos positivos ou negativos sobre outros indivíduos ou empresas que não se refletem nos preços de mercado. Asa externalidades dão a base econômica para a criação de leis antipoluição, de restrições quanto ao uso da terra, de proteção ambiental, etc".

Obviamente o estudo das externalidades e da concentração econômica, inscrito no bojo das falhas do mercado, nos remete com especial atenção para a compreensão do conceito de Sistema Econômico, e em específico, o modelo de autonomia, mercado ou para outros Capitalismo. Ora torna-se curial acreditar que a vida em sociedade, mormente, em sociedades cada vez mais complexas, reveste-se de intrincadas relações entre os mais diversos grupos sociais, e permeada por instituições, às ao executarem tarefas determinadas e colimadas para os mais diversos fins, possuem em seu interior atribuições e poderes, inclusive estabelecidos normativamente, objetivando o crescimento e desenvolvimento da sociedade humana. Assim, seu conceito e abrangência, adquire valoração não somente para a ciência econômica, vez que, decorre do seu funcionamento,a tentativa de equacionamento dos problemas econômicos fundamentais; o que produzir, como, quanto e para quem? Todos estes, obviamente, centrados na perspectiva da escassez de recursos, ante às inomináveis e quase, incontáveis necessidades das sociedades humanas, e desde os prolegômenos da história humana postos por assim dizer, "na ordem do dia".

SANDRONI (1994), apresenta tal conceito como:

"Forma organizada que a estrutura econômica de uma sociedade assume. Engloba o tipo de propriedade, a gestão da economia, os processos de circulação das mercadorias, o consumo e os níveis de desenvolvimento tecnológico e de divisão do trabalho".

VASCONCELLOS (2008), além de enfatizar o conteúdo acima mencionado, amplia suas considerações sobre os Sistemas Econômicos, elencando suas bases:

"Os elementos básicos de um sistema econômico são:

  • estoque de recursos produtivos ou fatores de produção: aqui se incluem os recursos humanos (trabalho e capacidade empresarial), o capital, as reservas naturais e a tecnologia;
  • complexo de unidades de produção: constituído pelas empresas;
  • conjunto de instituições políticas, jurídicas, econômicas e sociais: que são a base da organização da sociedade".

Para não atropelar o bom andamento dos termos, foram apresentadas em linhas básicas conceito e características dos sistemas econômicos, contudo é imprescindível frisar que falar de externalidades no âmbito do capitalismo, é reafirmar que numa atividade econômica, nem sempre , ou mesmo dificilmente, todos os custos e benefícios recaem sobre a unidade econômica comprometida em conduzir o processo produtivo, leia-se aí, a empresa, por exemplo, como seria imaginado.

Pois bem, o fato de não serem incorporados plenamente custos e benefícios, acaba por conduzir a graves óbices ao funcionamento do sistema, vez que, in casu, no modelo de mercado, todos os cálculos econômicos projetados e estimados pelos centros de decisão descentralizados tornam-se "contaminados", em razão da falha de sinal, acabando por não incorporar as informações emitidas pelo sistema de preços.

Externalidades, então, tornam-se custos ou benefícios que transitam, ou circulam livremente ao mercado, não compensados pelas unidades produtivas, e até pelos consumidores, ou indivíduos, na condição de agentes econômicos em razão de tais custos ou benefícios, não ter um preço atribuído; ficam portanto fora do mercado, como problema sério, pois incontáveis prejuízos podem ser ocasionados por tais efeitos externos.

À guisa de exemplificação poderíamos rotular esses efeitos ou imperfeições do sistema econômico, como positivas ou negativas, dependendo obviamente, da acepção e do ponto de vista dos referidos efeitos. Poderia ser considerado um efeito positivo para o conjunto das atividades econômicas, a implantação de uma indústria em determinada região, para geração de fontes de emprego, renda, tributos e ampliação de atividades outras no entorno da referida unidade produtora, conduzindo a um crescimento e desenvolvimento econômico da população ali circunscrita.

A problemática das externalidades adquire importância e projeção no interior dos sistemas econômicos sobretudo com seus efeitos negativos. O mesmo exemplo acima descrito, pode ser apropriado para realçar o ponto negativo da imperfeição do sistema. A unidade fabril, ou industrial implantada na região hipotética, passa agora emitir gases poluentes, e dejetos nos mananciais de água utilizados para consumo da população residente próxima à unidade produtiva, decorrentes das transformações de seus insumos e matérias primas no processo produtivo. Imaginem-se daí todas as conseqüências ao meio ambiente, e à saúde da referida população. E está posta uma das questões mais delicadas da sociedade do século XX aos nossos dias. O problema adquire contornos tão reais quanto sérios, os quais fizeram surgir nada mais nada menos, que um novo ramo do direito, a saber, o direito ambiental, e a reparação dos efetivos efeitos danosos da situação criada. É indiscutivelmente, um tema relevante, ao assumir contornos inter e transdisciplinar, na medida em que, à dinâmica das relações econômicas, torna-se matriz geradora de impactos de natureza social, e estes de per si requerem do direito respostas condizentes e adequadas para a manutenção da vida em sociedade. Destarte, posto em evidência um dos nossos dilemas da modernidade, ao qual, impõem-se algumas reflexões além dos gravames inerentes aos bens tutelados pelo direito; a saúde, a vida dos seres humanos, há outros, de não menos importância, a saber (1):

*Como ressarcir os danos aos recursos ambientais?

*Qual o valor de uma paisagem degradada?

*Qual o valor de uma mata queimada?

*Qual o valor de um manguezal aterrado?

*Qual o valor de uma espécie extinta?

*Qual o valor do ar respirável?

*Qual o valor da água própria para o consumo humano?

*Qual o valor da nossa praia limpa? Sem lixo, sem petróleo...

O tema é tão instigante, e portanto, doravante é curial frisar, que não estou mencionando no comentário acima que tais efeitos externos ao processo produtivo, sejam computados juntamente com as atividades ilícitas, ou seja, criminosas. Na busca da compreensão e da extensão e correção dos referidos efeitos, mormente, os negativos, fruto de atividades legítimas e legalmente constituídas, ou seja, atividades econômicas executadas fielmente ante os pressupostos do Estado Democrático de Direito, radica-se o objeto do direito ambiental. Não se vislumbra aqui, comparar e computar, por exemplo, os efeitos danosos do tráfico ilícito de entorpecentes, tanto ao meio ambiente, quanto à saúde dos por ele atingidos. Note-se que os efeitos externos, fruto das atividades econômicas, evidenciam-se quando o ordenamento jurídico posto, não consegue responder à altura dos dilemas sócio-econômicos impostos. A falha reside também na incapacidade normativa de identificar e atribuir tais custos inerentes adequadamente. O sinal dos preços emitido pelo mercado continua apresentando-se falho, assim sendo os custos não serão eliminados e recairão sobre terceiros determinados ou não. Isto acontece por exemplo nos danos ambientais, os custos sociais ou as deseconomias externas, como são conhecidos na terminologia da teoria econômica incidirão sobre terceiros, neste caso, os danos deverão ser compensados, ai reside inclusive princípio de direito e de justiça. Desta forma, o direito urbanístico bem como o direito ambiental, são apresentados pela grande maioria dos doutrinadores como postas normativas ao problema das externalidades.

  1. Responsabilidade Civil por Dano Ambiental. Ivon Pires Filho. ANAIS DO ENCONTRO NACIONAL DE RESPONSABILIDADE CIVIL. ESCOLA DE ADVOCACIA DO RECIFE. Responsabilidade civil. Vários Autores. Anais do Encontro Nacional de Responsabilidade Civil. Recife: Bagaço, 2000.

EXTERNALIDADES E O DIREITO

Apresentados os conceitos, argumentos e exemplos das deseconomias externas, cumpre agora estabelecer o parâmetro de logicidade e racionalidade pelo qual o direito deve ser chamado para proporcionar soluções ao problema econômico. Efetivamente o primordial objetivo no fenômeno das externalidades será constituir meios para promover a internalização dos custos ou benefícios às unidades produtivas. Com efeito o direito, através de um conjunto normativo, deverá ser utilizado com a finalidade precípua de levar a cabo a internalização dos custos retro mencionados, os quais circulam livremente, trazendo prejuízos normalmente a terceiros determinados ou não. Além de promover tal internalização dos custos para as unidades geradoras, podem as normas jurídicas funcionar como barreira ou empecilho para novo surgimento dos efeitos danosos. É portanto, efeito preventivo desejável, mormente na aplicação de políticas públicas, pelos agentes políticos do Estado.

Por tal razão a legislação ambiental, elaborada sob os princípios acima mencionados, serve de instrumento balizador tanto para corrigir as distorções já originadas pelos excessos econômicos , perpetrados pelos agentes nas relações econômicas, atribuindo valores e punições tanto para internalizar os custos aos agentes causadores, quanto minimizar os efeitos danosos, ou promover a reparação dos danos sofridos aos a terceiros determinados ou não na sociedade. Exemplo externo da aplicação no direito ambiental, é encontrado em alguns países desenvolvidos, na Suécia, Noruega, e no bloco europeu no direito comunitário, com a introdução da cobrança de tarifas e impostos pela utilização do meio ambiente, o princípio do polidor-pagador, também incorporado em nossa legislação ambiental, e por fim, o princípio da precaução, este último incorporado no direito comunitário (2), a ser mais detalhado adiante.

Destarte, o direito ambiental como um conjunto normativo tornou-se um poderoso e eficaz instrumento de promoção do bem com um, finalidade precípua do Estado, quando é efetivamente é utilizado, para coibir os desmandos e abusos de poder econômico, de agentes tanto públicos, quanto privados, os quais, nas mais das vezes não medem as devidas conseqüências na operacionalização do processo produtivo, lançando no mercado e no interior da sociedade políticas econômicas dispares daquelas desejadas para a coexistência em sociedade. A instalação de filtros anti-poluentes, a obrigação de limpar o espaço geográfico e devolver à natureza as condições originais dos seus ecossistemas, tem sido algumas das medidas previstas no referida legislação brasileira (3) , inobstante os percalços e as dificuldades existentes, não só no ordenamento jurídico pátrio.

(2) Art.174, Tratado Europeu.LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL. Seitenfus, Ricardo (org.). Barueri, SP: Manole, 2004.

(3)Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.

O CONCEITO E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE NO BRASIL

Do ponto de vista legal o conceito de meio ambiente está assentado na Lei 6.938/81, a qual, dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e esta assim consigna:

"Art. 3 . Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I – meio ambiente: o conjunto dee condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas";

Acompanhando a lição de BUTZKE (2006), para apreender melhor a problemática do dano ambiental, e por conseguinte o dever de reparação, necessário se faz, volver a alguns temas da teoria geral do Direito, e conectá-los ao conceito de meio ambiente, vez que, o bem ambiental está inserido, na dinâmica de bem a ser tutelado pelo Direito, guardando por conseguinte a contextualização no âmbito de Direito Fundamental.

Por oportuno, o Direito ambiental, como ramificação do direito, configura-se na complexidade das relações em sociedade, como parte integrante de um sistema jurídico, ipso facto, a melhor hermenêutica, prima por sua vinculação aos ditames constitucionais, em que, para ser mais expresso cito BUTZKE:

"O instituto do Direito Ambiental, embora considerado um ramo autônomo, com princípios e normas específicos, encontra-se inserido num sistema jurídico, devendo sempre ser analisado à luz da norma constitucional hierarquicamente superior, bem como guardar harmonia com os demais ramos do Direito. Além disso, como não poderia deixar de ser, o Direito Ambiental é resultado da integração da degradação ambiental com a necessidade de preservação ambiental para conservação da vida (valor), representada por normas jurídicas que ditam condutas, para que tais objetivos sejam alcançados, prevendo sanções em caso de inobservância das normas".

Atrelado aos princípios constitucionais, dentre os quais, a dignidade da pessoa humana, é sem dúvida elemento chave para a edificação do sistema jurídico, no contexto dos chamados "novos direitos" encontra-se o direito dos seres humanos, como pessoas de direitos e obrigações, gozarem da proteção ao bem jurídico, in casu, um direito difuso e coletivo, representado por diversos elementos, como definem especialistas, os chamados fatores bióticos e abióticos, em suma, o meio ambiente equilibrado. E é o que prevê a Carta Magna brasileira de 1988, mais precisamente em seu artigo 225.

Diferencial interessante para o tema, é estabelecido na Lei 6.938 de 1981 (4), onde são postos de um lado o bem ambiental, acima descrito, como direito difuso na constituição e os recursos ambientais, como descreve o artigo terceiro, da referida lei, como a atmosfera, as águas, o solo, a fauna e a flora, não integrando tais recursos as relações jurídicas ambientais, como objetos mediatos, mas como fatores de perda da qualidade do meio ambiente. Daí serem distinguidos na condição de recursos ambientais. O direto tutela o meio ambiente qualificado , em razão de ter sido mesmo, elevado a categoria de bem juridicamente protegido, e neste entorno como destacado anteriormente, a proteção decorre inclusive na necessidade econômica, em razão dos custos e benefícios consignados, e do por vir, destarte a premissa do desenvolvimento sustentável. A proteção jurídica oriunda do bem tutelado é dúplice; em razão do ritmo de crescimento econômico atual, e futuro.

Prevê ainda o ordenamento brasileiro, mais precisamente na lei 9.605 de 1998 (5), sanções penais e administrativas, decorrentes de atividades e condutas consideradas lesivas ao meio ambiente. Tal norma, conceitua infração administrativa ambiental, bem como qualifica e quantifica as referidas infrações na esfera penal, atribuindo também ao poder público aos administrados, por meio do judiciário, penalidades pecuniárias, entre outras.

Como foi dito anteriormente, a distinção entre meio ambiente e recursos ambientais, tornou necessária a atenção do legislador para a edificação de outra leis protetivas dos recursos, dentre as quais podem ser citadas, a Lei 9.437/97 (recursos hídricos), Lei 8.723/93 (emissão de poluentes), Lei 7.805/89 (licença ambiental para exploração mineral), Lei 9.966/2000 que dispõe sobre a prevenção, controle e fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional, a Lei 9.974/2000, disciplina , dentre outras coisas, o uso de agrotóxicos, e outras espécies normativas, tão extensas, que fogem aos objetivos deste despretensioso ensaio. Em sede de anexo, cito algumas das mais importantes para o sistema jurídico.

CONCEITO DE DANO ECOLÓGICO E RESPONSABILIDADE CIVIL

Conceito de dano ecológico no Direito Comparado

Valendo-se de MACHADO (2004) passo a citar o conceito de dano ecológico na Convenção de Lugano (Conselho da Europa), bem como, apresento alguns trechos da significação do dano, mormente ambiental presente em outras legislações:

  1. Constituição Federal de 1988, artigo 225. Lei 6.938 de 1981, dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação.
  2. Lei 9.605 de 1998, dispõe sobre as sanções penais e administrativas de condutas lesivas ao meio ambiente.

"Art. 2.7 Dano significa: a) morte ou lesões corporais; b) qualquer perda ou qualquer prejuízo causado a bens outros que a instalação ela mesma ou os bens que se achem no local da atividade perigosa e situados sob o controle de quem a explora; c) qualquer perda ou prejuízo resultante da alteração do meio ambiente, na medida em que não seja considerada como dana no sentido das alíneas a ou b acima mencionadas, desde que a reparação a título de alteração do meio ambiente, excetuada a perda de ganhos por esta alteração, seja limitada ao custo das medidas de restauração que tenham sido efetivamente realizadas ou que serão realizadas; d) custo das medidas de salvaguarda, assim como qualquer perda ou qualquer prejuízo causado por essas medidas, na medida em que a perda ou o dano previsto nas alíneas a a c do presente parágrafo originem-se ou resultem das propriedades de substâncias perigosas, de organismos geneticamente modificados ou de microorganismos, ou originem-se ou resultem de rejeitos".

Alemanha

"O empreendedor de uma instalação classificada no anexo I é responsável pelo dano acarretando morte, lesão corporal, lesão de saúde ou prejuízo para um bem causados por impactos sobre o meio ambiente provocados a partir da instalação" (art. 1 da Lei de 10.12.1990). "Um dano resulta de um impacto sobre o meio ambiente se ele é causado por substâncias químicas, vibrações, ruídos, pressões, radiações, gás, vapores, calor ou outros fenômenos que se difundem no solo, no ar e na água" (art. 3, par. 1).

Itália

Dano ambiental é a lesão (alteração, prejuízo) de um fator ambiental ou ecológico (ar, água, solo, floresta, como também clima etc. ), com a qual consiga-se uma modificação – para pior – da condição de equilíbrio ecológico do ecossistema local ou abrangente, afirma o Prof. Beniamino Caravita (apud MACHADO)".

Grécia

"Quem – pessoa física ou jurídica – polua ou degrade o meio ambiente é obrigado a pagar uma indenização, salvo se provar que o dano é devido a força maior ou que resulta da ação culpável de terceiro, que tenha agido com dolo" (art. 29 da Lei Fundamental 1.650/86)".

Para o ordenamento jurídico pátrio, valho-me da lição de MILARÉ (2000) onde, a noção de dano ambiental passa a significar a lesão aos recursos ambientais. Ocorre que, a amplitude do conceito de meio ambiente consoante o texto da Lei 6.938/81, retro mencionada, enfeixa os recursos ambientais compostos pela atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora; por conseqüência, a degradação do equilíbrio ecológico.

Ao contrário do que ocorre tradicionalmente falando em termos de dano, o qual afeta um indivíduo, ou um agrupamento delimitado de pessoas, o dano ambiental, via de regra, caracteriza-se pela pluralidade e difusão de vítimas, daí a noção de interesses difusos e coletivos e dos bens juridicamente protegidos exercidos pelo Direito Ambiental. Há em decorrência da difusão e pluralidade dos atingidos, a possibilidade dos danos ambientais estarem afeitos à esfera pública ou privada, sendo este assegurado em sua reparação por indenização, com vistas a recompor o patrimônio dos indivíduos ou vítimas lesadas (dano ambiental privado).

O remédio legal, ou instrumento processual para efetivação ou garantia da reparação dos danos ambientais na esfera pública, ou causados por agentes públicos, ou por eles autorizados, deverá ser exercido através da ação civil pública (6), e a maior parte dos doutrinadores afirma ser de difícil reparação e valoração, vez que, atrelado a esta questão, encontra-se a possibilidade da cumulação com os danos morais coletivos (7), na ação civil pública, restando o sistema jurídico pátrio a despeito de proteger e criar salvaguarda, de direitos, inclusive previstos na esfera constitucional, passa a não efetivá-los com clareza instrumental, criando óbices e complexidade processual desmedida, e muitas vezes passível de críticas, por isso, com propriedade cito MILARÉ (apud PHILLIPI JR., 2004):

"Por fim, o dano ambiental é de difícil valoração. Nem sempre é possível o cálculo da totalidade do dano. Tal situação tornou-se ainda mais complexa com o advento da lei 8.884/94 que, em seu artigo 88, alterou o o caput do artigo 1 da Lei 7.347/85, ensejando que também os danos morais coletivos sejam objeto das ações de responsabilidade civil em matéria de tutela de interesses transindividuais. Essa possível cumulação de danos, de ordem moral, patrimonial, originários do mesmo fato, tornou mais difícil ou até improvável uma avaliação criteriosa (MILARÉ 1996)".

Os danos ambientais estão relacionados com a noção de abuso de direito. Em síntese apertada, quaisquer condutas que ultrapassem as limitações da razoabilidade, e venham a gerar desequilíbrios à natureza, ou degradação do patrimônio ecológico, configuram-se na esteira dos danos ambientais. A significação e amplitude deste efeitos danosos, parte da premissa de que tais atitudes, ou atividades abusivas comportam-se como danos em potencialidade e efetividade à coletividade, e não à individualidade como preceitua a legislação civil. Em consonância com tal corolário os tribunais pátrios assim manisfestaram-se (sublinhado meu):

  1. Lei 7.347/85 dispõe sobre a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor...
  2. Lei 8.884/94 dispõe sobre as infrações contra a ordem econômica. CF de 1988, Art. 37, dispõe sobre danos causados pela Administração e prestadores a terceiros.

"Ação civil pública– Meio ambiente – Proteção – Dano ambiental causado pela morte de um quati fêmea por arma de fogo – Inadam – Fato isolado que não pode ser considerado como degradação ambiental – Provas que não caracterizam a responsabilidade subjetiva do apelado – Matança que não foi predatória, nem atingiu espécie em extinção, não alterando, portanto, o equilíbrio ambiental e o ecossistema – Sucumbência do Ministério Público afastada – Arts. 17 e 18 da Lei n 9.347/85" (TJSP – Matéria: Ação Civil Pública – Recurso: AC 194.265-1 – Órgão: CCIV 3 – Rel. José Malerbi – 21-9-93).

Indenização – Dano ambiental - Desmatamento em fazenda – Condenação do réu ao reflorestamento da área – Alegada a extirpação de pragas que comprometiam as pastagens em área que nunca tivera mata natural – Inadmissibilidade. Recurso não provido. O conjunto probatório revela que houve a destruição ou a degradação da natureza pela ação do réu. Admitindo-se que houve o emprego de maquinário para o extermínio de pragas, somente à área própria à pecuária é que deveria ser atingida, tendo por obrigação, o réu, a manutenção do perímetro de mata natural. Hipótese em que o direito do proprietário particular está subordinada ao interesse social e ao direito da coletividade. Assim, fica sujeito à intervenção do Estado quando agredir o meio ambiente, para a devida recomposição do dano que causou" (TJSP – Ap. Cível 151317-1, 27-12-91, 5 Câmara Cível – Rel. Marcus Andrade).

Dano ecológico. Reparação. Rompimento de duto. Poluição ambiental. Artigo 14, parágrafo 1, Lei 6.938/81. Cobrança de despesas feitas pela companhia de saneamento . Procedência. É o poluidor obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. Tendo a companhia de saneamento, encarregada de zelar pelo meio ambiente e guardiã de um interesse difuso da comunidade, tomando as medidas necessárias para o combate à poluição ocasionada pelo rompimento de um duto, deve ser ressarcida, como terceira, das despesas correspondentes (STJ – Acordão Resp 20401/SP (199200067697) RE 55732, 10-12-93, 2 turma – Rel. Min. Hélio Mosimann)".

A doutrina mais uma vez aponta para duas maneiras de reparação dos danos ambientais, a saber: a) as sanções penais e administrativas; b) a obrigatoriedade de reparação dos danos causados. Ora, o patrimônio natural repositório da vida, em sua mais ampla acepção do ponto de vista ideal, deverá ser objeto de reconstituição ou recuperação quando lesado, desde que, obviamente, sejam instituídos parâmetros para que sejam cessados os meios, ou atividades lesivas, e por conseguinte a reversão do quadro de degradação ambiental. O parâmetro básico consiste na busca de todas as formas possíveis e razoáveis, para a viabilidade do bem ambiental, inclusive a busca da indenização como mecanismo indireto de reparação da lesão ao meio ambiente. O princípio do poluidor-pagador, e dos agentes econômicos que utilizam-se dos recursos naturais, pugnará pela mantença, e destarte, custeios ou investimentos objetivando desenvolvimento sustentável.

Resta então consignar que a Responsabilidade Civil em caso de dano ambiental no Brasil, prima pelo caráter da Responsabilidade objetiva, como asseverado acima. Para tal forma de responsabilização dos efeitos danos ao ambiente, está prevista na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, parágrafo 3, que assim dispõe:

"As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores , pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."

Destarte o direito pátrio fez a opção pela responsabilização objetiva dos danos perpetrados ao meio ambiente, restando tão somente comprovar o existência dos gravames ao meio ambiente, bem como o nexo causal, vez que, em tal modalidade o legislador, jurisprudência e doutrinadores, são manifestamente unânimes em consignar como modalidade e princípio norteador da responsabilidade, o princípio do risco integral. Do princípio, ou postulado, presentes os elementos formadores, a conduta, o dano e o nexo causal, definida estará a responsabilização privada ou pública dos efeitos lesivos causados.

Recorro mais uma vez à lição de eminente doutrinador pátrio VENOSA (2003) com o fito de enfatizar melhor tal forma de responsabilidade objetiva no aspecto ambiental:

"Basta, portanto, que o autor demonstre o dano e o nexo causal descrito pela conduta e atividade do agente. Desse modo, não discutimos se atividade do poluidor é lícita ou não, se o ato é legal ou ilegal: no campo ambiental, foi adotada a teoria da responsabilidade objetiva sob a modalidade do risco integral. Desse modo, até mesmo a ocorrência de caso fortuito e força maior são irrelevantes. A responsabilidade é lastreada tão-só no fato de existir atividade da qual adveio o prejuízo.

Todos que participaram da conduta danosa ao meio ambiente devem ser responsabilizados solidariamente. Nesses termos a Lei n 6.938/81 conceitua como poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora da degradação ambiental (art. 3, IV). Ainda que assim não fosse, o princípio da solidariedade decorre das regras gerais da responsabilidade aquiliana. Também o Estado, por meio de seus organismos diretos ou indiretos, como percebemos, pode ser responsabilizado. Em última análise, responsabilizando-se o Estado, responderá toda a sociedade com o ônus que isso acarreta. Desse modo, a responsabilidade do Estado deve ser buscada unicamente quando não se identifica pessoa de direito privado responsável pelo dano.

A legislação e a punição do poluidor devem ser rigorosas nos três níveis: administrativo, penal e civil. Talvez tenhamos acordado tarde demais para proteger o meio em que vivemos. Que consigamos, ao menos, preservar o que temos. A luta, no entanto, apenas começou e deve ser contínua, para que as futuras gerações também possam fazer parte da História".

Obviamente tal postura doutrinária apresentada e representada pelos doutrinadores, como expressa VENOSA, pela legislação pode tornar-se objeto de ferrenha crítica, notadamente desferida pelos partidários, da crescente interdependência dos mercados globais, e por conseguinte dos defensores da teoria Marginalista, no âmbito da teoria econômica. Segmentos empresariais, notadamente investidores privados representantes de grupos nacionais, e primordialmente do capital investidor internacional, objetariam, como já há algum tempo, asseveram em relação às posturas do Estado e de sua intervenção no domínio econômico, a cerca da rigidez das normas jurídicas e de sua interação e obstacularão ao crescimento econômico, mormente no caso brasileiro.

Ainda discorrendo sobre a reparação do Estado por danos causados ao meio ambiente, insere-se também no âmbito da responsabilidade civil do Estado, cuja menção legal encontra-se no texto da CF de 1988, em seu artigo 37, parágrafo 6, e se impõe à Fazenda Pública com a obrigação de compor os danos desferidos a terceiros, desencadeada por seus agentes públicos ou prestadores de serviços públicos , ao desempenharem suas funções ou atribuições. Cabe neste caso observação e distinção importante, a teoria objetiva é a que melhor se adequa para a relação acima mencionada, na qual, num pólo encontra-se o cidadão abstraído de qualquer autoridade e de prerrogativas de ordem pública, e no pólo oposto, a Administração, com todo os poderes legalmente conferidos, e diversos privilégios públicos em relação aos administrados. Nesta perspectiva, abusos, inclusive danos ambientais podem ocorrer, prejudicando coletividades e ou terceiros, nesta premissa assenta-se o fundamento doutrinário da responsabilização objetiva do Estado, embasado na teoria do risco administrativo, embora haja neste sentido minoração e razoabilidade ao princípio do risco integral, acima descrito para os danos ambientais causados pelo Estado, neste ponto cabe inserir a possibilidade da teoria subjetiva ser aplicada, posição defendida por doutrinadores como, FIUZA (2003) e GAGLIANO (2008), ao que passo a citar (sublinhado meu):

"CF de 1988, Art. 37, par. 6:

'As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa'.

Interpretando o dispositivo constitucional, temos que:

  1. só cabe indenização pelos danos causados por agentes. Por aqueles causados por terceiros (multidões etc.) e por danos advindos de fatos naturais, a indenização se baseará na teoria subjetiva, ou seja deverá ser provada a culpa da Administração Pública (FIUZA, 2003)."

Não desejando ser prolixo, mas procurando demonstrar paralela aceitação jurisprudencial, eis algumas decisões dos tribunais pátrios no sentido de acatar os enunciados e princípios acima descritos:

"Ação civil pública – cana-de-açúcar – Queimada para limpeza do solo, plantio e colheita – Inadmissibilidade – Liberação de gases altamente poluentes – Inexistência de prova científica de dano ambiental – Responsabilidade objetiva, contudo, configurada – Prejuízos causados à saúde da população – Recursos não providos. Ínfima é a relevância de eventual dano ao meio ambiente quando causado dano à população, visualizado sob a égide da responsabilidade civil objetiva" (TJSP – Apelação Cível 211.502-1 – Sertãozinho – Rel. Cambrea Filho – 8-3-95 – v. u.).

"Ação civil pública – Meio ambiente – Vazamento de petróleo em decorrência de rompimento de oleoduto da Petrobras – Responsabilidade objetiva pelo dano ambiental – Obrigação de indenizar que persiste ainda que tenha havido posterior recuperação do meio ambiente – Liquidação por arbitramento – Sentença que, apesar de conhecer da denunciação da lide e reconhecer a responsabilidade da litisdenunciada, que se caracteriza como de regresso – Exclusão da responsabilidade solidária, não pleiteada na inicial – Recurso da ré provido em parte para declarar a responsabilidade da litisdenunciada nos termos do art. 76 do Código de Processo Civil – Recurso da litisdenunciada não provido" (TJSP – Ap. Cível 5.578-5 – Jacareí – 8 Câmara de Direito Público – Rel. Antônio Villen – 4-3-98 – v. u.)".

À guisa de reflexão apresento os seguintes questionamentos para aproximação da disciplina jurídica pátria no tópico acima, em função da posição doutrinária, legal e jurisprudencial em relação ao princípio da precaução:

  1. A adoção doutrinária e legal do princípio do risco integral para a responsabilidade civil objetiva nos danos ambiente no ordenamento jurídico brasileiro, de alguma forma constitui óbice ao crescimento e desenvolvimento econômico do pais?
  2. Admitir integralmente políticas de prevenção e precaução, como elementos embasadores do direito ambiental, de algum modo representaria retomada do intervencionismo do Estado no domínio econômico e de seus excessos?
  3. O princípio da precaução tomado pela relativização científica poderia ser "esvaziado" por completo do ordenamento jurídico pátrio,e em assim ocorrendo que conseqüências adviriam ao direito ambiental brasileiro?

Estas e outras considerações doravante serão apreciadas sucintamente, com a descrição conceitual e análise de alguns pontos referentes ao princípio da precaução, nos ordenamentos alienígenas e brasileiro.

O PRINCIPIO DA PRECAUÇÃO. BREVE APRESENTAÇÃO CONCEITUAL E DOUTRINÁRIA.

A noção do vocábulo princípio é de grande valia não só para o Direito, mas para os diversos ramos do conhecimento. Juridicamente, princípio é palavra dotada da significação de tudo que embasa, alicerça ou traz fundamento para o Direito. Um dos princípios norteadores dos chamados Direitos humanos Fundamentais, vem a ser o da dignidade da pessoa humana. A garantia da preservação ao meio ambiente, por exemplo, é parte integrante deste corolário da dignidade da pessoa humana, tanto quanto ou mais, que a necessidade de crescimento, desenvolvimento econômico como premissas e facetas da realidade social dos nossos tempos.

PRECAUÇÃO COM RELAÇÃO A QUE E DESDE QUANDO?

É recente a noção de prevenção dos riscos ao ambiente, e dos cuidados com os prováveis danos às coletividades e indivíduos em decorrência do desconhecimento de algumas inovações tecnológicas e científicas e de seus possíveis riscos potenciais? Certamente que não. Se nos propusermos a revisitar a história nos últimos dois milênios, encontraremos os remanescentes ou prolegômenos do princípio da precaução em vários lugares e por diversos personagens preocupados com as mais diversas problemáticas. A preocupação com os danos efetivamente causados remonta desde a antiguidade. Por oportuno, embora jungida às questões éticas e da saúde, os debates já suscitavam preocupação com o tema, embora seja extremamente relevante aprofundar a evolução da palavra e por conseguinte sua reparação ao longo da história, por razões outras, não caberia aqui consignar tal evolução. Atentemos pois, a questões mais hodiernas, partindo desde já no âmbito internacional aos comentários sobre o princípio da precaução, em razão de ostentar um dos principais objetos de estudo e aplicação no cenário jurídico atual.

O Direito ambiental está alicerçado num conhecimento de características multidisciplinares. Por manter-se intimamente relacionado com outros ramos do conhecimento, e do Direito, nas mais das vezes, não raro são os casos em que são constatadas incoerências, contradições e inconsistências, fruto até das próprias lacunas inerentes aos riscos ambientais de determinadas condutas. Nesse contexto, por ser o produto como foi asseverado anteriormente, das inovações tecnológicas, e de sua apropriação no sistema econômico como ferramenta imprescindível no processo produtivo, as conquistas técnico-científicas, amplamente difundidas nas sociedades atuais, não necessariamente encontram-se amplamente difundidas e conhecidas em seus efeitos, mormente junto ao meio ambiente e em específico á vida dos seres humanos. Partindo dessa premissa, nem sempre a ciência pode ofertar ao Direito, garantias e certezas de que, adotadas determinadas técnicas, inventos e sua aplicação, venham a não acarretar danos ao ambiente.

Tal discussão sobre a questão da precaução como princípio condutor do que acima foi dito, tem seu nascedouro, na Europa, mais precisamente na Alemanha, onde nos idos dos anos 70 do último século, surge como princípio. É de grande valia a lição do professor Rehbinder, da Universidade de Frankfurt, citado por MACHADO(2004), da qual valho-me para transcrever:

"A política ambiental não se limita à eliminação ou redução da poluição já existente, ou iminente (proteção contra o perigo), mas faz com que a poluição seja combatida desde o início (proteção contra o simples risco) e que o recurso natural seja desfrutado sobre a base de um rendimento duradouro"

O principio asseverado aplicar-se-á então, nas hipótese de que uma obra, ou fabricação de determinado produto, insumo, ou aplicação de determinada técnica venham a representar riscos ambientais. Como diz PHILIPPE JR.(2004) evidencia-se por despiciendo à precaução:

"Deste princípio emerge a desnecessidade efetiva da certeza científica da ocorrência de dano ambiental, o que implica a rejeição das orientações compreendidas nas políticas públicas e também na visão dos empreendedores de que somente a certeza científica poderia justificar a proibição para que seja implantada uma atividade degradadora."

É de curial importância sopesar os argumentos na aplicação do princípio da precaução, uma vez que, sua utilização como política pública não deve ser vista na condição de amplo e único objeto de valia nas mãos do administrador, nem do julgador, devendo ser aplicado com bom senso e cautela que o caso requer, afinal de contas, não foi ele erigido com a finalidade precípua de imobilizar as atividades humanas, mormente àquelas que retiram dos recursos naturais, os insumos do processo produtivo. O critério balizador, além do bom senso, que não enxerga em toda e qualquer atividade exploratória, a desgraça e a destruição, deverá pautar-se em antever e proteger as futuras gerações, e prover sua eficaz e efetiva qualidade de vida, sem exageros e controvérsias. Não são unicamente os Estados, através de seus agentes políticos (os governos), os únicos entes preocupados com a manutenção do meio ambiente. Atualmente numerosas empresas privadas, desenvolvem projetos de proteção e desenvolvimento ambiental, para tanto, investem vultosas cifras em P&D, com vistas não somente à lucratividade. O critério do desenvolvimento auto-sustentável, além de conter a tendência da aprovação da maioria da comunidade científica, está sendo incorporado progressivamente aos ordenamentos jurídicos.

O ordenamento jurídico brasileiro consignou de forma implícita o princípio da precaução, e o instrumento de aplicação do princípio foi o estudo prévio do relatório de impacto ambiental. Na carta magna de 1988, mais precisamente nos incisos IV e V do parágrafo primeiro, do artigo 225, que impõe ao Poder Público o dever de exigir na forma da lei, para instalação de obra, ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ao meio ambiente, deverá ser feito um estudo prévio e com publicidade. Da mesma forma a Carta Magna prevê ao Administrador público, poderes, contidos nas normas hierarquicamente inferiores, para controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem riscos para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

No interesse da relevância do tema, que aproxima o Direito da Economia, o Legislador Constituinte, estabeleceu no artigo 170, incisos de I a IX, do Título VII, os princípios que norteiam a Ordem Econômica e Financeira na República Federativa do Brasil, destacando, a Defesa do Meio Ambiente, a Defesa do Consumidor e da Concorrência. Por conseguinte, não se concebe numa sociedade multifacetada, complexa como as atuais, e desigual como a nossa, objetivos e instrumentos de políticas públicas, exclusivamente, exagerada e desorganizadamente protetivos a esfera do ambiente, em total desfavor do contexto sócio-econômico.

Depreende-se portanto, da exegese da norma, sua multidisciplinaridade, suas relações estando voltadas para a ciência (Economia, Biologia, Medicina, etc.), e para as interface do Direito Ambiental, com outros ramos do direito, mormente, o Direito, Constitucional, do Consumidor, Direito Econômico,o Direito Administrativo e outros.

Se efetivamente levarmos em consideração que as necessidades humanas são crescentes e ilimitadas, como propõe a teoria econômica, vez que, já ultrapassamos o contingente de 6 bilhões de seres humanos, e que a manutenção e geração dos meios para sustentabilidade deveram se impor não somente aos riscos ao ambiente, mas à conjugação do equilíbrio e da justiça social, premissa inclusive do Direito, então, o princípio da precaução será plenamente justificado bem como, inserida estará sua relevância na condição e na dignidade da pessoa humana.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Mais de 6 bilhões de seres humanos habitam o orbe terrestre, desde o limiar do novo milênio. Tal contingente populacional, obviamente, e principalmente, no chamado terceiro mundo, vive ainda hoje,completamente apartado e excluído dos benefícios, decorrentes da chamada revolução técnico-científica.

A cada dia novas tecnologias tornam a vida dos homens cada vez mais aproximada, porém complexa e desafiadora, vez que a lei da escassez, é lei ferrenha, bem como as necessidades humanas são cada vez mais amplas, mas os bens e serviços, nem sempre acompanham o ritmo das necessidades, assim nos diz a teoria econômica. A solução vem com a tecnificação, e com ela muitas vezes, o desconhecido, seus possíveis efeitos, suas prováveis conseqüências. Em suma, os dilemas da ciência.

Ante os avanços da modernidade, e dos problemas econômicos fundamentais (o que produzir, como, quanto, e para quem produzir) a serem equacionados pelos sistemas econômicos nas mais das vezes, o preço pago por tal conjura desemboca nos danos ao ambiente, e na responsabilidade civil pelo nexo de causa e seus efeitos. Surge então destas preocupações, uma principiologia, que aos poucos vai invadindo, os espaços do público, na "contenção" ao privado, com as políticas públicas e normas protetivas, calcadas no princípio da precaução.

Tão controvertida, complexa e relativa, pode ser a tomada de decisões dos governos, e do judiciário, mutas vezes precipitadas, em razão das lacunas que a ciência não supre para formular ao Direito, os parâmetros necessários para encaminhar ou dar a resposta jurisdicional que o caso requer. "O que fazer", esta é com toda certeza, uma pergunta deveras histórica acreditando ser bastante elucidativa para aproximar as conclusões sobre o estado do problema em ralação ao princípio e os temas correlatos, sirvo-me das palavras de David Byrne, Comissário da Comissão Europeia para Saúde e proteção do Consumidor, apud Kenneth R. Foster (2003):

"Se é para se tornar um código ou um caminho curto para bloquear ou banir tudo o que é objeto de

discussão, sua credibilidade rapidamente será perdida", ressaltou David Byrne, Comissário da Comissão

Européia para a Saúde e Proteção do Consumidor, numa recente conferência. "É um princípio que deve ser

aplicado dentro de uma moldura que assegure que não é usado para promover qualquer agenda comercial oupolítica".

O bom senso, e o discernimento, serão ferramentas úteis para balizar os critérios de aplicação das políticas públicas, bem como, a junção dos princípios que delimitam a responsabilidade civil, dos quais, a ética e a dignidade da pessoa humana, como bussolas a serviço do judiciário, em seu mister pela concretização da aspiração maior do Direito, qual seja a Justiça.

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TEXTOS CAPTURADOS DA INTERNET

FOSTER R. KENNETH. O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO: BOM SENSO EXTREMISMO AMBIENTAL?

foster_precautionary-portuguese.pdf.AdobeReader.

SEGURANÇA ALIMENTAR E ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS (OGM) – TRATADO DE LISBOA

http//europa.eu/lisbon_treacty/index_pt.htm