RESUMO

Trata-se da vedação da prática do nepotismo, sob o fundamento da aplicação do princípio da moralidade. Para tal, realizam-se alguns questionamentos acerca da natureza jurídica dos princípios, se tais têm caráter vinculante ou se são meros inspiradores para a produção de normas jurídicas. Apresenta-se a decisão do Conselho Nacional de Justiça, quando da aplicação incidente no âmbito do poder judiciário, e, por fim, a súmula vinculante nº13 do Supremo Tribunal Federal.

1. INTRODUÇÃO

Nesse trabalho, será exposto acerca da vedação da prática do nepotismo no âmbito da administração pública.

O assunto foi abordado sob a perspectiva jurídica, tendo como base doutrinas, jurisprudência e resoluções porventura editadas.

Inicialmente, abordou-se acerca da significação do princípio da moralidade, para que seja adentrado no assunto, e suas conseqüências no âmbito da administração pública.

Posteriormente, discutiu-se acerca da validade dos princípios no ordenamento jurídico brasileiro, para saber se há necessidade de lei em sentido formal para a vedação do nepotismo.

Após, estudou-se sobre a validade da decisão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) quando coibiu a prática do nepotismo no âmbito do poder judiciário.

O STF (Supremo Tribunal Federal), por fim, manteve a proibição da prática do nepotismo e elasteceu a decisão mediante a aplicação a todos os demais órgãos e entidades da administração pública.

Abordou-se sobre tal tema em razão da repercussão que a decisão do Supremo Tribunal Federal tomou na sociedade, quando, finalmente, a prática de condutas que privilegiassem os parentes daqueles detentores do poder foi expurgada do seio da sociedade brasileira.

Resta saber se o princípio da moralidade, assim como qualquer outro princípio, tem propensão jurídica para exigir condutas dos agentes públicos, visto que os princípios não descrevem condutas, nem prescrevem sanções, quando, porventura, neste caso, houver desrespeito ao mandamento principiológico.

É sabido que há defendido, por parte de alguns cientistas jurídicos, teses, cujos princípios são meros inspiradores na produção de normas legiferantes, ou seja, estes não têm caráter vinculante.

Será defendida, a tese de que o princípio tem caráter vinculante e deve ser observado por todo o poder público.

Para chegar a tal conclusão, será utilizado o repertório doutrinário jurídico, bem como excertos jurisprudenciais, além da resolução nº 7/2005, do Conselho Nacional de Justiça, em razão de estes sujeitos constitucionais serem os fatores determinantes na modificação do entendimento da prática do nepotismo.

Apresentar-se-á alguns aspectos que mudaram sobremaneira a administração pública em todo o Brasil.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 O PRINCÍPIO DA MORALIDADE

Para começarmos no estudo, é necessário verificar qual o real sentido do princípio da moralidade no âmbito da administração pública.

O princípio da moralidade vem insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal, conforme segue:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]. (grifo nosso)

Por conseguinte, o texto constitucional prevê a aplicação do princípio moralizador em toda a administração pública brasileira.

Para garantir a defesa de tal desiderato constitucional, o legislador originário colocou à disposição dos cidadãos a ação popular, prevista no art. 5º, LXXIII, conforme:

Art. 5º [...]:

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; (grifo nosso)

Assim, a constituição federal, além de impor a aplicação do princípio da moralidade na administração pública, deferiu a todo cidadão a legitimidade para ajuizar ação popular com o intuito de anular ato que viole a moralidade administrativa.

Enfim, tal garantia demonstra a disposição do legislador originário em proteger e garantir a aplicação desse princípio.

Outras disposições legais também se referem ao princípio da moralidade, mas será citada, nesse momento, a lei que regula o processo administrativo, Lei 9.784/99, que assim prevê em seu artigo 2º:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. (grifo nosso)

Portanto, a conduta que o legislador derivado requer dos administradores, quando em atividade de procedimento administrativo, refere-se à igual aplicação do princípio da moralidade.

Entretanto, a observância do princípio da moralidade requer o estudo das definições no âmbito da doutrina jurídica, especialmente, entre os administrativistas.

A doutrina de Carmén Lúcia Rocha (1994, 213) ensina da seguinte maneira:

"O princípio da moralidade administrativa tem uma primazia sobre os outros princípios constitucionalmente formulados, por constituir-se, em sua exigência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta." (grifo nosso)

Assim, o princípio da moralidade, para esta doutrina, é aquela que fornece aquilo que há de válido no comportamento público, ou seja, a atuação do administrador público deve observar e colher aquilo que está sendo fornecido pelo princípio da moralidade.

A autora administrativista assevera que (ROCHA, 1994. p. 213), "Assim, o que se exige, no sistema de Estado Democrático de Direito no presente, é a legitimidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa".

Portanto, como decorrência do Estado Democrático de Direito, tem-se a necessidade de legitimidade moral para os atos do administrador público em sua conduta em todos os casos.

2.2 CARÁTER VINCULANTE DOS PRINCÍPIOS

Nesse tópico, será exposto se há o caráter vinculante dos princípios, inclusive do princípio da moralidade, ou se há necessidade de lei formal para a vedação do nepotismo.

Este ponto é bastante controverso, pois os princípios não descrevem condutas, nem cominam sanções, ou seja, está foram do âmbito de ciência jurídica do ponto de vista purista (KELSEN, 1979, p. 49).

Aqueles que defendem tal posicionamento pretendem excluir da ciência jurídica aspectos relativos a valores. Para estes doutrinadores, os princípios são meros inspiradores na produção legiferante estatal.

Entretanto, é necessário rechaçar tal posicionamento por entender que a ciência jurídica não pode, nem deve, ser um campo isolado das questões sociais, econômicas e políticas, sob o risco de não servir à resolução dos conflitos sociais e não promover, por conseqüência, a pacificação social.

Utilizar-se-á, portanto, o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p. 943) segundo o qual, "violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer", eis que a violação de tais valores fundamentais seria uma subversão inadmissível, pois, tal desrespeito, configuraria completo desajuste do sistema constitucional.

Canotilho (1992, p. 352) defende o caráter vinculante dos princípios constitucionais, pois a ausência de tal vinculação configuraria a própria negação destes princípios.

Afinal, sabendo que o princípio consubstancia densidade axiológica, não há como negar o caráter de vinculação e aplicabilidade deste, sob pena de transgressão aos preceitos constitucionais.

2.3 NECESSIDADE DE EDIÇÃO DE LEI EM SENTIDO FORMAL

É necessário esclarecer, enfim, se é necessária a edição de lei em sentido formal.

Conforme exposto no tópico anterior, percebe-se a observância e o caráter vinculativo dos princípios, especialmente o princípio da moralidade administrativa.

Nesse raciocínio já apresentado, não haverá, portanto, obrigatoriedade de edição de lei em sentido formal, caso seja concluído que o nepotismo afetasse o princípio da moralidade, pois tal princípio é auto-aplicável.[1]

2.4 DO NEPOTISMO

A prática do nepotismo consiste na contratação de parentes para exercício de cargo público em confiança.

Tal prática é proibida pela legislação federal, especialmente na lei 8.112/90, em seu art. 117, VIII, o qual preceitua:

Art. 117. Ao servidor é proibido:

[...]

VIII – manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau;

Dessa maneira, a legislação em vigor, em cumprimento ao princípio da moralidade, já proibia a prática do nepotismo, mesmo antes da edição da súmula vinculante nº13.

A gestão política deve, portanto, ser realizada sem interferências que se coadunem com a melhor administração possível, sob a garantia da especialização das funções, e não conforme indicações de conteúdo consangüíneo.

2.5 DA PROIBIÇÃO DO NEPOTISMO NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO

A proibição do nepotismo no âmbito do poder judiciário foi instituída pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mediante a edição da resolução nº 7/2005.

Criado pela emenda constitucional nº45/2004, o CNJ, nos termos do art. 103-B, §4º, CF, instituiu tal norma vedando a aplicação da prática do nepotismo, sob o fundamento da moralidade.

O princípio da moralidade estava, dessa maneira, sendo utilizado para coibir práticas que possam ferir a atividade estatal, e foi também fundamento para a edição de normas que descreviam condutas e cominavam sanções.

Caso houvesse desrespeito a resolução nº 7, o CNJ tem o poder de desconstituir o ato ilegal, conforme desiderato constitucional:

Art. 103-B [...]

§4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: [...]

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; (grifo nosso)

Portanto, nesse caso houve a completude da norma jurídica, inclusive para aqueles que defendem o purismo na ciência jurídica (MAGALHAES FILHO, Glauco Ferreira. p. 49).

A resolução preceitua em seu artigo 1º, da resolução mencionada, preceitua:

Art. 1º É vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados. (grifo nosso)

Portanto, a resolução definiu que será nulo qualquer ato realizado sob a prática de nepotismo.

2.6 DA SÚMULA VINCULANTE Nº 13/2008

A vedação ao nepotismo, mediante a aplicação do princípio da moralidade, culminou com a edição da súmula vinculante nº 13/2008, no Supremo Tribunal Federal.

O STF foi instado a se manifestar acerca da validade da resolução nº7/2005, do CNJ.

Entretanto, além de confirmar a decisão do CNJ, o STF aumentou as hipóteses de incidência da vedação ao nepotismo, confirmando para toda a administração pública.

Portanto, a decisão do STF conferiu ao princípio da moralidade status de auto-aplicabilidade, sem necessidade, portanto de regulamentação legal em sentido formal.

Na súmula vinculante, houve, inclusive, a proibição das práticas que viessem a burlar o sistema constitucional, conforme segue a súmula nº 13:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. (grifo nosso)

Assim, a súmula vinculante nº 13/2008 foi a culminação de um sistema constitucional já inspirado pelo poder constituinte originário, e que proibiu, inclusive, a proibição do nepotismo cruzado, ou seja, a burla da lei mediante designações trocadas entre os administradores públicos.

3. CONCLUSÃO

Conclui-se, a partir do estudo acima, que a decisão de edição de súmula vinculante, no caso de nepotismo, constitui imperativo estatal do qual não há restrições jurídicas.

A conduta do administrador público deve-se pautar pela eficiência dos seus atos, e não pelo clientelismo.

É exigível dos administradores públicos atos que coadunem com os padrões éticos que tenha por finalidade a consecução do bem-estar social, independentemente da instância de poder ocupada por estes.

É inadmissível que existam ainda no Estado contemporâneo brasileiro atos que possam contrastar com o conteúdo do dispositivo constitucional. Torna-se necessário a atuação judicial para que haja o expurgo de tais práticas referentes ao nepotismo.

Nota-se, de um modo geral, que o constituinte originário, assim como o legislador derivado, é contrário a práticas de nepotismo, inclusive, quando da formação do texto constitucional, e na produção de normas legais em sentido formal.

A conduta do administrador público deve-se limitar não apenas à disposição literal da lei, mas também à aplicação da moralidade, dos bons costumes, ao poder-dever de probidade, que resguarde a confiabilidade do administrado (DI PIETRO, 2007. p. 70).

Enfim, a administração pública deve, portanto, transmitir confiabilidade, honestidade e comportamentos sérios aos administrados (AVILA, Humberto, 2006. p. 38).

É cabível, assim, ao judiciário exercer a função de guardião do direito dos cidadãos, quando verificar afronta aos valores fundantes do texto constitucional.

A tese de que o nepotismo seja permitido por completa ausência de lei que proíba tal prática, carece, a meu juízo, de razoabilidade ou mesmo de plausibilidade. É sabido que a vedação à prática do nepotismo independe de norma secundária.

A doutrina de Di Pietro ensina:

[...] Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante do seu conteúdo. (grifo nosso)

Portanto, a moralidade é critério integrante para interpretação de normas jurídicas, como se fizesse parte do conteúdo das demais normas constitucionais, especialmente os princípios.

Dessa maneira, pode-se concluir, indubitavelmente, que a moralidade administrativa é pressuposto de validade do ato administrativo, sendo nulos quaisquer atos que desrespeitem tal mandamento constitucional e axiológico.

É, portanto, correta a vedação do nepotismo, sob o argumento da aplicação do princípio da moralidade administrativa.

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1992.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito.Trad. João Baptista Machado. 4. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979.

MAGALHAES FILHO, Glauco Ferreira. Hermenêutica e Unidade Axiológica da Constituição. 3. ed. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2004.

ROCHA, Carmén Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p.213-214.



[1] Nesse assunto, RE 579.951-4, Rio Grande do Norte, Supremo Tribunal Federal.