O princípio da legalidade na Constituição Federal: Análise comparada dos princípios da reserva legal, legalidade ampla e legalidade estrita.

Luciana Pereira

Professora de Direito Constitucional e Administrativo

Advogada

Especialista em Direito do Estado e Administrativo e Direito Civil e Processo Civil


          De acordo com o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O que se extrai do dispositivo é um comando geral e abstrato, do qual concluímos que somente a lei poderá criar direitos, deveres e vedações, ficando os indivíduos vinculados aos comandos legais, disciplinadores de suas atividades.

          Em outras palavras, podemos dizer que o princípio da legalidade é uma verdadeira garantia constitucional. Através deste princípio, procura-se proteger os indivíduos contra os arbítrios cometidos pelo Estado e até mesmo contra os arbítrios cometidos por outros particulares. Assim, os indivíduos têm ampla liberdade para fazerem o que quiserem, desde que não seja um ato, um comportamento ou uma atividade proibida por lei.

          Como aponta o professor Pedro Lenza, no âmbito das relações particulares, pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe, vigorando o princípio da autonomia de vontade[1]. O particular tem então, autonomia para tomar as suas decisões da forma como melhor lhe convier, ficando apenas restrito às proibições expressamente indicadas pela lei.

          O princípio da legalidade é corolário da própria noção de Estado Democrático de Direito, afinal, se somos um Estado regido por leis, que assegura a participação democrática, obviamente deveria mesmo ser assegurado aos indivíduos o direito de expressar a sua vontade com liberdade, longe de empecilhos. Por isso o princípio da legalidade é verdadeiramente uma garantia dada pela Constituição Federal a todo e qualquer particular.   

          No entanto, faz-se necessário traçar algumas distinções entre o princípio da legalidade e o princípio da reserva legal. Este último seria uma “espécie” do princípio da legalidade, devendo ser visto como uma tentativa da própria lei de controlar a edição de determinadas matérias, a fim de serem editadas exclusivamente por leis.

          Sabendo que “lei” é a forma encontrada pelo Estado para, dentre outros objetivos, expor o próprio Direito, regulando situações, criando obrigações ou concedendo vantagens. As espécies normativas que o Estado cria, tem caráter geral e abstrato e possui na sua essência, dois importantes sentidos: sentido formal e sentido amplo.  

          A lei em sentido formal seria todo e qualquer ato legislativo emanado dos órgãos legislativos. Seriam os atos normativos advindos do próprio Poder Legislativo. Lei em sentido amplo seria toda e qualquer manifestação escrita de atos normativos, ainda que não oriundos do Poder Legislativo, como as medidas provisórias editadas pelo Presidente da República, chefe do Poder Executivo Federal.

          Nesse sentido, a reserva legal significa que determinadas matérias de ordem constitucional, serão regulamentadas por leis em sentido formal. Assim, somente o Poder Legislativo, através de leis em sentido estrito (leis ordinárias e complementares), poderá tratar da regulamentação das matérias indicadas pelo texto constitucional, como “reservadas” à lei infraconstitucional.

          Encontramos o princípio da reserva legal em diversos dispositivos da Constituição Federal, como no art. 5º, inciso XVIII que estabelece que “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. Ou ainda, como no art. 37, inciso XIX, que determina que “somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação (...).

          Portanto, o princípio da reserva legal deve sempre ser entendido como uma decorrência do princípio da legalidade. Sempre que a Constituição Federal determinar que a “lei” discipline alguma matéria específica, estará configurado o princípio da reserva legal, cabendo ao Poder Legislativo, a adoção das medidas cabíveis, a fim de regulamentar as matérias que a ele foram reservadas.

          O princípio da legalidade também deve ser observado sob a ótica do Direito Administrativo. Consoante art. 37, caput do texto constitucional “a Administração Pública Direta e Indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.

          Enquanto o particular tem liberdade para fazer “quase” tudo o que ele quiser, a Administração Pública, ao contrário, somente pode fazer o que for expressamente autorizada pela lei.  Desta forma, toda e qualquer atividade da Administração deve estar estritamente vinculada à lei, não cabendo aos agentes públicos realizarem atos ou atividades sem previsão legal.

          Essa obrigatoriedade está intimamente ligada ao princípio da indisponibilidade do interesse público: o administrador não pode agir como ele quiser dentro da Administração. Por este princípio, os bens, serviços e interesses da coletividade devem ser resguardados pelo administrador. Dentro da Administração não há que se falar em “vontade do administrador”, a única vontade que deve prevalecer é a “vontade da lei”, não podendo o administrador dispor dos interesses coletivos como se estivesse dispondo dos seus próprios interesses particulares.

          O trato com a coisa pública exige respeito por parte de toda a Administração, em quaisquer dos níveis da Federação. Os agentes públicos de forma geral não têm a liberdade que o princípio da legalidade conferiu aos particulares, devendo a sua conduta, além de estar pautada na lei, ser respeitadora dos diversos princípios que regem as atividades administrativas.

          Concluímos então, que o princípio da legalidade tem um campo de aplicação diversificado a depender do seu destinatário. Ora confere liberdade ao particular, onde este poderá fazer tudo o que a lei não proibir, ora confere limitação à atuação administrativa, visto que a Administração Pública está sujeita durante a toda a sua atuação funcional aos ditames da lei.           Traduzimos essa liberdade x limitação da seguinte forma: Para os particulares, vigora a legalidade “ampla”. Para a Administração, vigora a legalidade “estrita”.

          Em relação ao princípio da reserva legal, apenas concluímos que a reserva de lei não deixa de ser uma forma de controle ou até mesmo de partilha de competência legislativa. O texto constitucional ao reservar matérias específicas ao trato da lei, teve a intenção de restringir a disciplina de assuntos peculiares, porém importantes, para que não fossem regulamentados através de qualquer espécie normativa.  

BIBLIOGRAFIA

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 9 ed. São Paulo: Método, 2006. 

SILVA. José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 6 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.  

VICENTE, Paulo. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo Descomplicado. 15 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. 



[1] LENZA. Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 9ª Ed. São Paulo: Método. 2006.