O princípio da irretroatividade e a interpretação retroativa da lei tributária interpretativa

Iarah Gonçalves de Almeida1

Resumo

 

O princípio da irretroatividade é considerado princípio geral do Direito, disposto no art. 5°, inciso XXXVI da Constituição Federal de 1988, de forma a ser um dos norteadores do ordenamento jurídico e fundamental à segurança jurídica. Tratando-se de matéria tributária, o art. 150, inciso III, “a” do texto constitucional também versa sobre o princípio da irretroatividade, enquanto o art. 106 do Código Tributário Nacional, em seus incisos I e II, trata de duas hipóteses de leis produtoras de efeito jurídico sobre atos pretéritos. Há, porém, um ponto de divergência com relação à constitucionalidade das leis interpretativas tributárias, ocasionando necessária análise acerca do tema, inclusive no que diz respeito à Lei Complementar n. 118/2005.

 

Palavras-chave: Direito tributário. Lei interpretativa. Princípio da irretroatividade. Segurança jurídica.

 

Abstract

 

The principle ofnon-retroactivityis considereda general principle oflaw, situated in the art. 5 °, subsection XXXVIof the1988 Federal Constitution, valued to beone oftheguiding lines of legal system and fundamental to the legal security. In the case oftax matters, the art. 150, subsection III, "a"of the constitutional textalsodeals withthe principle ofnon-retroactivity,while theart.106 of the National Tax Code, in its subsections I andII, trace twohypotheses that laws produce retroactive effects on past acts. But there isa pointof disagreementregarding on theconstitutionality of interpretativetax rules, causing thenecessaryanalysisaboutthe subject-matter, including about the Supplementary Law number 118/2005.

 

Keywords: Tax law. Interpretative rules. Principle of non-retroactivity. Legal security.

 

Sumário

 

1. Introdução. 2. Princípio da irretroatividade no direito brasileiro. 2.1. A irretroatividade em matéria tributária. 3. A lei interpretativa de efeito retroativo. 3.1 A Lei Complementar n. 118/2005. 4. Conclusão. 5. Referências.

 

1. Introdução

 

É em busca de segurança jurídica que o povo, com base em suas experiências e visando estabilizar os efeitos de atos pretéritos, traz a ideia de irretroatividade da lei.

Vicente Ráo (1997, p. 428) faz interessante reflexão acerca da segurança jurídica e da concepção sobre a irretroatividade da lei:

A inviolabilidade do passado é princípio que encontra fundamento na própria natureza do ser humano, pois, segundo as sábias palavras de Portalis, o homem, que não ocupa senão um ponto no tempo e no espaço, seria o mais infeliz dos seres, se não pudesse julgar seguro nem sequer quanto à sua vida passada. Por essa parte de sua existência, já não carregou todo o peso de seu destino? O passado pode deixar dissabores, mas põe termo a todas as incertezas. Na ordem do universo e da natureza, só o futuro é incerto e esta própria incerteza é suavizada pela esperança, a fiel companheira da nossa fraqueza. Seria agravar a triste condição da humanidade querer mudar, através do sistema da legislação, o sistema da natureza, procurando, para o tempo que já se foi, fazer reviver as nossas dores, sem nos restituir as nossas esperanças.

 

Hans Kelsen (1998, p. 61), em nome da previsibilidade que as leis devem ter e inspirando-se na segurança jurídica, faz a seguinte observação:

As leis retroativas são consideradas censuráveis e indesejáveis porque fere nosso sentimento da justiça infligir uma sanção, especialmente uma punição, a um indivíduo por causa de uma ação ou omissão às quais o indivíduo não poderia saber que se vincularia tal sanção.

 

Tratando-se de matéria tributária, a irretroatividade é tratada, atualmente, nas Constituições norueguesa, norte-americana, mexicana e brasileira. No Brasil, a irretroatividade foi mencionada desde a Constituição de 1824, com omissão apenas da Constituição Federal de 1937. O atual texto constitucional versa sobre tal princípio em seu art. 5°, XXXVI, de forma genérica e, mais especificamente, no art. 150, III, “a”, com objetivo de limitar o poder de tributação.

Segundo Sacha Calmon (2004, p. 256), “a irretroatividade das leis, salvo quando interpretativa ou para beneficiar, é princípio geral do Direito, e não seria necessário o constituinte mencioná-lo na parte das vedações ao poder de tributar”.

Assim, entende-se que, apesar de princípio geral do Direito, a irretroatividade tributária não é absoluta. Como versa os incisos I e II do art. 106 do Código Tributário Nacional, a irretroatividade em matéria tributária possui duas exceções à regra, quais sejam, quando expressamente interpretativa e quando beneficiar o contribuinte, podendo produzir, para tanto, efeitos jurídicos sobre atos pretéritos.

Todavia, quando a lei tributária for interpretativa ou benéfica, o efeito retroativo pode gerar incertezas e, em consequência, causar insegurança jurídica e ferir princípios da tributação como a legalidade, a anterioridade e a irretroatividade. No caso específico da lei interpretativa, o prejuízo pode ser sentido, até mesmo, no princípio da separação dos Poderes, elaborado por Montesquieu.

 

2. Princípio da irretroatividade no direito brasileiro

 

O texto constitucional, em seu art. 5°, inciso XXXVI, traz previsão para o princípio da irretroatividade, e dispõe:

Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…). XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (…).

 

De forma implícita, o princípio da irretroatividade fica garantido na Constituição, prestando aos cidadãos a certeza de atos pretéritos, uma vez que a lei será direcionada para o presente e para o futuro. Com resguardo ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, o Direito brasileiro propõe o respeito às situações já consolidadas e presa pela estabilidade dos direitos subjetivos.

A importância de tal princípio é consagrada tanto por doutrinadores locais estrangeiros. É garantia fundamental, o que não significa dizer que inexistem exceções. O que se proíbe, na verdade, é a retroação que venha a prejudicar situação antes já definida, causada por lei nova com sentido diverso da anterior. Neste sentido, Rui Barbosa (1897, p. 212) explana que:

Nem se argua que, constitucionalmente, a lei não pode ser retroativa. Seria não saber a significação do princípio da irretroatividade das leis. Há leis que podem ser retroativas, e há leis que necessariamente o são. Pelo cânon constitucional da irretroatividade o que se veda é a retroação, em matéria penal, das leis desfavoráveis aos adquiridos, ou romperem as obrigações dos contratos. Em qualquer esfera, porém, as leis que não diminuem ou coatam direitos anteriores, podem ser retroativas.

 

Além da Constituição, há reservado espaço para o princípio da irretroatividade na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro que, em seu art. 6°, dispõe que a lei em vigor terá efeito geral e imediato, respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Em se tratando de Direito Penal, o art. 5°, inciso XL, da Constituição Federal, dispõe sobre a irretroatividade da lei penal, salvo quando beneficiar o réu.

Por fim, a Constituição abrange o princípio da irretroatividade quanto à matéria tributária, em seu art. 150, III, estabelecendo limitações ao poder de tributar.

 

2.1. A irretroatividade em matéria tributária

 

Especificamente em matéria tributária, princípios como a legalidade, a segurança jurídica, a anterioridade e a irretroatividade merecem especial destaque, já que, de certa forma, visam incentivar o contribuinte a pagar tributos, inspirando-se na previsibilidade, na estabilidade, na acessibilidade e na calculabilidade.

A Constituição Federal de 1988, com base na regra do art. 5°, inciso XXXVI, estabelece o princípio da irretroatividade para fins de tributação em seu art. 150, III, “a”:

Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…). III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.

 

Desse modo, faz-se necessário mencionar que as leis devem ser voltadas para o futuro, a fim de não prejudicar atos jurídicos aperfeiçoados e direitos já adquiridos.

Logo, entende-se que fica proibida a cobrança de tributo em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver criado ou majorado. É fundamental enfatizar, aqui, que a irretroatividade não se aplica nos casos de dispensa do pagamento ou de redução do tributo.

Apesar de divergência na doutrina, caberá, outrossim, o princípio da irretroatividade às normas de direito público, de modo a oferecer amparo ao direito adquirido, mesmo que desfrute de efeito imediato. É o que defende o Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: GARANTIA CONSTITUCIONAL, princípio da irretroatividade das leis, interpretação. Ação direta de inconstitucionalidade. - Se a lei alcançar os efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela será essa lei retroativa (retroatividade mínima) porque vai interferir na causa, que e um ato ou fato ocorrido no passado. - O disposto no artigo 5, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva. Precedente do S.T.F. () (ADI 493/DF, Pleno, rel. Min. Moreira Alves, j 25-06-1992).

 

Não obstante, o art. 106 do Código Tributário Nacional traz, em seus incisos I e II, condições em que o princípio da irretroatividade não prevalecerá, proporcionando espaço para as leis produtoras de efeitos jurídicos retroativos. A redação do sobredito artigo é a seguinte:

Art. 106 – A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II – tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.

 

Nota-se que a lei tributária mais benéfica poderá produzir seus efeitos no passado quando estes beneficiarem o contribuinte, jamais o estado. Já a lei tributária interpretativa, segundo Sacha Calmon (2004, p. 679), “traduz e esclarece a lei interpretada”, devendo ser autêntica e criada pelo órgão que gerou a ambiguidade.

 

3. A lei interpretativa de efeito retroativo

 

Em se tratando de leis interpretativas, não é de consenso coletivo na doutrina que as mesmas sejam merecedoras de efeitos retroativos, e, em alguns casos, há divergência quanto à existência dessas leis no ordenamento jurídico. A título de exemplo, ressalta o jurista Hugo de Brito Machado (2006, p. 562):

Juristas autorizados afirmam que toda lei, mesmo que se afirme expressamente interpretativa, ou inova ou é inútil. Essa tese tem sido sustentada por tributaristas de grande expressão como doutrinadores, e tem inegável consistência, especialmente sob o enfoque da lógica formal.

 

A crítica, por parte da maioria da doutrina, se dá devido ao princípio da separação dos Poderes, já que o legislador, ao introduzir no ordenamento lei interpretativa, tomaria o papel do juiz, mesmo que com finalidade de esclarecer dúvidas de ambiguidade de leis mais antigas.

Assegura o Supremo Tribunal Federal, porém, que é possível a existência de lei interpretativa, desde que esta se limite a esclarecer determinações anteriores da legislação, autorizando a constitucionalidade do art. 106, inciso I do Código Tributário Nacional. A seguinte ementa ajuda a esclarecer a posição do Tribunal:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADEMEDIDA PROVISÓRIA DE CARÁTER INTERPRETATIVOLEIS INTERPRETATIVASA QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO DE LEIS DE CONVERSÃO POR MEDIDA PROVISÓRIAPRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADECARÁTER RELATIVOLEIS INTERPRETAT IVAS E APLICAÇÃO RETROATIVAREITERAÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA SOBRE MATÉRIA APRECIADA E REJEITADA PELO CONGRESSO NACIONALPLAUSIBILIDADE JURÍDICA - AUSÊNCIA DO “PERICULUM IN MORA” - INDEFERIMENTO DA CAUTELAR. - É plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica. - As leis interpretativasdesde que reconhecida a sua existência em nosso sistema de direito positivonão traduzem usurpação das atribuições institucionais do Judiciário e, em consequência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder. - Mesmo as leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos juízes e tribunais. Não se revelam, assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional. - A questão da interpretação de leis de conversão por medida provisória editada pelo Presidente da República. - O princípio da irretroatividade somente condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do Poder Público eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao “status libertatis” da pessoa (CF, art. 5. XL), (b) ao “status subjectionais” do contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150, III, “a”) e (c) à segurança jurídica no domínio das relações sociais (CF, art. 5., XXXVI). - Na medida em que a retroprojeção normativa da lei não gere e nem produza os gravames referidos, nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo. - As leis, em face do caráter prospectivo de que se revestem, devem, ordinariamente, dispor para o futuro. O sistema jurídico-constitucional brasileiro, contudo, não assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade. - A questão da retroatividade das leis interpretativas (STF, ADI-MC 605/DF, Pleno, rel. Min. Celso de Mello, j. 23-10-1991).

 

Entende-se que o objetivo das leis interpretativas é esclarecer obscuridades da lei, direcionando lei antiga para um caminho preciso e sem ambiguidades, não sendo de competência dessas leis a inovação, já que inovar seria criar lei, e não interpretar.

Segundo apontamento de Eduardo Sabbag (2009, p. 151):

A norma fiscal interpretativa, possuindo natureza predominantemente declaratória e reprodutiva de direitos já assegurados por norma pretérita, deve operar em prol da segurança jurídica, integrando-se, de modo inafastavelmente sistêmico, com a ordem jurídica vigente, sendo-lhe vedada a aplicação isolada.

 

Isto posto, vale-se dizer que não pertence à lei interpretativa criar tributos ou estabelecer penas e ônus ao contribuinte que não derivem, direta ou indiretamente, da norma interpretada. Essas inovações, quando na lei interpretativa, traçam-se para o futuro, sem retroceder. A lei interpretativa deverá desviar-se de novidades e preocupar-se com mostrar o propósito da norma que precisa de interpretação, poderá, além disso, apontar dado que contribua para esclarecer incertezas, sem modificar o texto da norma antecedente.

Paulo de Barros Carvalho (1991, p. 71) tem posicionamento neste sentido:

As leis interpretativas exibem um traço bem peculiar, na medida em que não visam à criação de novas regras de conduta para a sociedade, circunscrevendo seus objetivos ao esclarecimento de dúvidas levantadas pelos termos da linguagem da lei interpretada. Encaradas sob esse ângulo, despem-se da natureza inovadora que acompanha a atividade legislativa, retrotraindo ao início da vigência da lei interpretada, explicando com fórmulas elucidativas sua mensagem antes obscura.

 

A lei interpretativa é considerada “interpretação autêntica” pelos estudiosos das Ciências Jurídicas. Entende-se por interpretação autêntica, ou legislativa, aquela interpretação que é feita pelo Poder Legislativo utilizando-se da elaboração de nova lei, chamada interpretativa. Tal lei deve, necessariamente, a fim de não afastar-se de sua finalidade, seguir os pressupostos de validade que lhe couber.

É fundamental que a lei interpretativa passe por análise pelo Poder Judiciário, cujo dever é cuidar para que a natureza da lei em análise seja realmente interpretativa, e não modificativa.

O Superior Tribunal de Justiça sustenta o entendimento de que a lei interpretativa deve apenas estabelecer diretrizes para a lei precedente, evitando antinomias. É o que Pedro Roberto Decomain (2000, p. 439) explica:

A norma, que apenas interpreta, retroage. Mas aquela que, interpretando, diz que a norma interpretada na verdade aplica uma pena, tem aplicação apenas para fatos futuros, não para aqueles que aconteceram antes da entrada em vigor da norma interpretante, embora possam ter ocorrido depois da vigência da norma interpretada.

 

Questiona-se, ainda, a “sobreposição interpretativa”, que seria a criação de lei interpretativa pelo Poder Legislativo após a interpretação da lei anterior feita pelo Poder Judiciário. Logo, haveria excesso por parte do Legislativo, que usaria o mecanismo da lei interpretativa para imputar sentido diverso à lei pretérita daquela genuína interpretação feita pelo Judiciário, causando aqui, mais uma vez, uma lesão ao princípio da separação dos Poderes e à segurança jurídica. Exemplo de excesso está na Lei Complementar n. 118/2005, que trata da interpretação retroativa da lei interpretativa.

 

3.1 A Lei Complementar n. 118/2005

 

Publicada em 9 de fevereiro de 2005, a Lei Complementar de número 118 alterou alguns dispositivos do Código Tributário Nacional. Destaque para seu art. 3°, cuja redação é a seguinte:

Art. 3° - Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.

 

Tal artigo atrai para a Lei Complementar n. 118/05 o entendimento de a mesma ser uma lei interpretativa. Para completar, o art. 4° da aludida lei versa que a mesma entra em vigor 120 dias após a publicação, considerando, referente ao art. 3° sobredito, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1996 – Código Tributário Nacional – que aborda sobre leis interpretativas.

Devido ao caráter interpretativo atribuído à Lei Complementar n. 118/05, o art. 168, inciso I do Código Tributário Nacional, que aborda sobre o prazo de restituição de indébito dos tributos submetidos a lançamento por homologação, sofreria dos efeitos da retroação. Em consequência do efeito retroativo, ficariam prejudicados inúmeros contribuintes, já que a nova interpretação poderia alterar o prazo para pleitear a devolução de tributos, de 10 anos – devido à tese dos “cinco mais cinco” – para 5 anos, afetando todos os processos em curso.

Tão logo fora publicada, a Lei Complementar n. 118/05 sofreu inúmeras críticas da doutrina, cuja desaprovação se baseava na sobreposição interpretativa, pois o Poder Judiciário já havia avaliado o tema, sendo abundantemente abordado na jurisprudência. É, inclusive, a crítica feita pelo Eduardo Sabbag (2009, p. 155):

Como se notou, o art. 3° da Lei Complementar n. 118/2005 pretendeu costear iterativa jurisprudência afeta ao prazo para restituição do tributo, denotando inequívoco desvio de finalidade, além de inafastável comportamento abusivo do legislador, que pretendeu invadir a seara competencial alheia, no caso, própria do Poder Judiciário.

 

O início da pacificação, em sentido contrário a Lei Complementar n. 118/05, se deu em decisão do STJ em março de 2005:

TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA 1ª SEÇÃO DO STJ, NA APRECIAÇÃO DO ERESP 435.835/SC. LC 118/2003: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA. ENTENDIMENTO CONSIGNADO NO VOTO DO ERESP 327.043/DF. 1. A 1ª Seção do STJ, no julgamento do ERESP 435.835/SC, Rel. p/ o acórdão Min. José Delgado, sessão de 24.03.2004, consagrou o entendimento segundo o qual o prazo prescricional para pleitear a restituição de tributos sujeitos a lançamento por homologação é de cinco anos, contados da data da homologação do lançamento, que, se for tácita, ocorre após cinco anos da realização do fato gerador – sendo irrelevante, para fins de cômputo do prazo prescricional, a causa do indébito. Adota-se o entendimento firmado pela Seção, com ressalva do ponto de vista pessoal, no sentido da subordinação do termo a quo do prazo ao universal princípio da actio nata (voto-vista proferido nos autos do ERESP 423.994/SC, 1ª Seção, Min. Peçanha Martins, sessão de 08.10.2003). 2. O art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar os arts. 150, § 1º, 160, I, do CTN, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a “interpretação” dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Portanto, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência. 3. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). Ressalva, no particular, do ponto de vista pessoal do relator, no sentido de que cumpre ao órgão fracionário do STJ suscitar o incidente de inconstitucionalidade perante a Corte Especial, nos termos do art. 97 da CF. 4. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no AG 633.462/SP; rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., j 17-03-2005).

 

Tal entendimento ficou consolidado nas seguintes decisões do STJ à cerca do tema. Então, os pagamentos efetuados a partir de 9 de junho de 2005, data do início da vigência da Lei Complementar n. 118/2005, teria prazo para pleitear a devolução de 5 anos, da data do recolhimento injusto. Já os pagamentos efetuados antes do dia 9 de junho de 2005 estariam sujeitos ao regime anterior, sendo este com prazo máximo de 10 anos, com limitação, porém, de 5 anos a contar da data do início da vigência da Lei Complementar n. 118/2005.

 

4. Conclusão

 

Finalmente, diante o exposto, fica claro que há situações em que o princípio da irretroatividade não sobressairá. Tratando-se do Direito tributário, tais situações resumem-se em duas, quais sejam: quando a lei tributária for mais benéfica ao contribuinte e quando feita expressamente com escopo interpretativo.

No que diz respeito às leis interpretativas, por sua vez, é essencial que a norma tenha natureza interpretativa, isto é, que busque elucidar obscuridades da lei antiga e resolver ambiguidades. Poderá retroagir, assim, se não representar prejuízos ao contribuinte. A lei interpretativa não retroagirá, portanto, quando já houver interpretação feita pelo Poder Judiciário e jurisprudências acerca do assunto. Defronte inconstitucionalidade estará os efeitos retroativos devido à sobreposição interpretativa, pois não pode o Poder Legislativo extrapolar a interpretação já consolidada pela jurisprudência, como no caso da Lei Complementar n. 118/2005.

Conclui-se, portanto, a importância dos princípios da segurança jurídica, da irretroatividade tributária e da separação dos Poderes, de modo a serem os principais norteadores da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis interpretativas.

 

5. Referências

 

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1Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.