autoras: Taiana Levinne Carneiro Cordeiro, Aline Oliveira Nunes, Bruna França Barbosa, Jéssica de Moura Pereira Vieira, Vanessa dos Santos Andrade .


INTRODUÇÃO

 

A Constituição Federal de 1988 surgiu ao fim de uma época conturbada para a nação. Os brasileiros buscavam seus direitos, objetivando a restauração da dignidade. A Carta Magna institui o Estado Democrático de Direito, o qual possui a responsabilidade de proporcionar a efetividade dos direitos sociais, promover a igualdade, a justiça social, o bem – estar e o desenvolvimento. A Constituição, diante do anseio de uma população assolada por um regime ditatorial, incorpora ao seu texto o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, elevando-o como fundamento da República Federativa do Brasil.

O fundamento da República é o pilar norteador de todo o ordenamento jurídico, onde na ponderação de valores e fatos sobressairá a proteção da dignidade humana, característica intrínseca e inexaurível do homem. O apogeu do fundamento republicano encontra-se em meio aos princípios constitucionais penais, o qual se destaca o Princípio da Humanização das Penas, direito fundamental, extraído do art. 5°, III e XLVII, Constituição Federal de 1988.

A pena de morte era aplicada para crimes comuns durante o Brasil Imperial. Diante das injustiças trazidas com tal penalidade, esta tornou-se obsoleta, caindo em desuso ainda que constitucionalmente prevista. Sua aplicação volta a ocorrer no país nos períodos totalitários do Estado Novo (1937) e Ditadura Militar (1964).

A discussão sobre a aplicabilidade da pena de morte é corrente dentre a sociedade, que sustentada por um conceito de justiça e exausta de ver triunfar o crime e a impunidade, crê que com a previsão legal da punição letífera será resolvido o problema da criminalidade. Entretanto, o anseio social choca-se com o fundamento da República – dignidade da pessoa humana – bem como com o princípio penal da humanidade.

O presente artigo pretende elucidar o princípio constitucional penal da humanização das penas, estudando a gênese da aplicabilidade de sanções constitucionalmente degradantes, com estudo focalizado principalmente à pena de morte, os contextos onde ela foi e está inserida.

 

 CONCEITO DO PRINCIPIO DA HUMANIZAÇÃO DAS PENAS

 Desde a história da humanidade se aplica uma punição àquele que transgrida as regras impostas e costumeiras de um grupo social. Segundo Rogério Greco, a primeira pena aplicada na história da humanidade ocorreu no paraíso, ao passo que Eva, ao comer o fruto proibido e ainda induzir Adão a fazer o mesmo, sofreu sanções, entre elas, serem expulsos do Jardim do Éden.

Ao longo da humanidade, até em meados do século XVIII, as penas eram recaídas sobre o corpo do condenado, aplicadas de forma cruel e bárbara, representando verdadeiros suplícios e martírios, como bem descreveu Foucalt em sua obra intitulada “vigiar e Punir”.

  A execução da pena possuía caráter de vingança pública, com a finalidade de intimidar a prática de delitos. Com o Iluminismo, o objetivo das penas abandonou o caráter vingativo, passando aos poucos a alcançar o caráter correcional. Importante salientar a contribuição das ideias de Beccaria em sua obra “Dos Direitos e das Penas” (1764), que refletiu a indignação do modo sancionador da época: desumano, degradante e indigno para com os seus semelhantes. A aplicabilidade das penas era despida de humanidade.

Com o advento da Constituição Democrática de 1988, adota-se o princípio da dignidade humana, pilar da república federativa, instituindo que é proibido aplicação de penas que sejam degradantes, que violem a dignidade humana.

Destarte, o princípio da humanização das penas, como espécie do gênero dignidade humana, norteia e condiciona que aquele que comete delito não poderá sofrer sanções que violem a sua dignidade. A constituição veda a aplicação de penas de morte (salvo em caso de guerra declarada), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis, assegurando ao preso o respeito à integridade física e moral.

Importante salientar que extrai-se o princípio da humanização das penas não somente da Carta Maior, mas também da Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual o Brasil é signatário. Consoante o art. 5°, alínea 6, da Convenção, fica consolidado que as penas privativas de liberdade, indicadas legalmente, devem apresentar o escopo de reformar e readaptar o delinquente.

Penas degradantes subtraem o mínimo necessário para a sobrevivência do homem, sua honra, seu valor, sua liberdade, depreciando-o. O direito penal orientado pelo princípio da humanidade possui o condão de limitar o poder punitivo do Estado, assegurando a harmonia constitucional, mantendo a ordem e impondo o fundamento republicano.

 RETROSPECTO HISTÓRICO PENA DE MORTE

 A pena de morte foi amplamente utilizada no passado, e foi aplicada em  quase todas as nações já aplicaram, em algum momento, esse tipo de sanção. Os egípcios, hebreus e babilônios utilizavam a pena de morte em quase todos os crimes.

O Código de Hamurabi, considerado o texto jurídico mais antigo do mundo, datado de 2000 a.C, tinha em seu corpo a pena de morte por diversos crimes, como demonstrado: 

Art. 3°. Se um homem, em processo, se apresenta como testemunha de acusação e não prova o que disse, se o processo importa em perda de vida, ele deverá ser morto.

Art. 6°. Se um homem roubou bens de Deus ou do palácio, deverá ser morto juntamente com aquele que recebeu o objeto roubado.

O Código de Manu, de 1000 a.C e a Lei das XII Tábuas, de 452 a.C, também previam a pena de morte, sempre de formas cruéis e dolorosas, como por exemplo ser jogado de um precipício, jogar óleo quente na boca e nos ouvidos. Na época da Santa Inquisição, o instrumento mais utilizado era a forca, após longas torturas para o acusado admitir ligações com o Satã ou a prática de atos obscenos.

Apesar de extremamente controversa, atualmente a pena de morte foi abolida na maioria dos países democráticos, com exceção do Japão e dos Estados Unidos, em que alguns estados ainda aceitam essa prática. Nos países não democráticos, a prática é regra. Hoje em dia, tenta-se diminuir a tortura e os meios cruéis de realizar esse ato, tendo em vista o princípio da humanidade. O tema divide opiniões: Os opositores afirmam que o sistema é falho, gerando mortes de pessoas inocentes, além de gastos exorbitantes de verbas públicas em execuções, que poderiam ser redesignados à outras áreas, como educação. Já os simpatizantes desse tipo de pena, defendem que é uma forma de repreensão eficaz e também de prevenção a crimes futuros.

    O PRINCIPIO DA HUMANIDADE COMO PRESSUPOSTO PARA A VEDAÇÃO DA PENA DE MORTE NO BRASIL

  O direito penal brasileiro tem como fontes os princípios, as leis a doutrina e a jurisprudência, as quais são fundamentais para disciplinar o processo de composição do direito, já que o mesmo trata de um conjunto de normas com uma lógica própria, e tem como pressuposto axiológico fundamental a dignidade da pessoa humana, a qual está disposta no art. 1º, III da Constituição federal.

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana.

 

Historicamente, a pena de morte para crimes comuns foi abolida com a independência do Brasil em 1850, tendo como principal motivo a execução injusta do fazendeiro Mota Coqueiro, entretanto ainda se punia com a pena capital em inúmeros casos até 1937, sendo que o modo de execução era por meio da forca, para reprimir e amedrontar os cidadãos – principalmente escravos - em face do poder do Estado. Nas constituições posteriores a 1822, foram abolidas as hipóteses de cabimento da pena de morte no Brasil, entretanto, no Estado novo implantado por Getúlio Vargas havia a previsão da pena de morte nas situações de preservação das instituições. Além disso, outros casos envolvendo a pena de morte no Brasil foram constatados, como no caso dos governos militares, chegando ao consenso de que a mesma deveria ser aplicada apenas em caso de guerra.

            O iluminismo trouxe consigo mudanças significativas consubstanciadas nos ideais constitucionais brasileiros, como a existência de direitos fundamentais, os quais são inerentes à condição humana, e o entendimento de que o estado democrático de direito deve assegurar que estes direitos sejam cumpridos. O principio da humanidade das penas, vem como consequência desse estado assegurador, buscando uma maior proporcionalidade entre o delito cometido e a sanção a ele imposta. É perceptível que o direito penal submete-se aos ditames elencados na Constituição federal, havendo uma relação ampla entre ambos, como cita Zaffaroni (2002, p. 135):

A relação do direito penal com o direito constitucional deve ser sempre muito estreita, pois o estatuto político da Nação – que é a Constituição Federal – constitui a primeira manifestação legal da política penal, dentro de cujo âmbito deve enquadrar-se a legislação penal propriamente dita, em face do princípio da supremacia constitucional.

A constituição federal de 1988, fundamentada na dignidade da pessoa humana, bem como no principio da humanização das penas prevê a abolição plena da pena de morte, excetuando a aplicação da pena capital nos casos de crimes em tempo de guerra declarada, se houver traição, fuga em presença do inimigo, dentre outros. É perceptível, que em  inúmeros casos a constituição federal baseia-se no principio da humanidade aplicada no âmbito penal, como no artigo art. 5º incisos III e XLIX da carta maior:

“É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.  (Art. 5º, XLIX, Constituição Federal)

“Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (Artigo 5º, III, Constituição federal)

            É imprescindível o destaque ao partir dos incisos mencionados que o direito penal passou por constantes evoluções, onde a pena que tinha como objetivo precípuo o castigo, passa a ter o intento de ressocialização, para corrigir o apenado e tornar possível sua convivência na sociedade, estabelecendo a função social da pena. Sobre isso, observa-se a convenção americana de direitos humanos, a qual o Brasil é signatário que dispõe que “as penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e readaptação do delinqüente”. (5º, alínea 6).  É perceptível que a preocupação é, sobretudo com o respeito da dignidade do preso em uma perspectiva mais humanitária, sobre isso Lopes (1999, p. 102) ressalta o seguinte: 

A idéia de humanização das penas criminais tem sido uma reivindicação constante no perpassar evolutivo do Direito Penal. Das penas de morte e corporais, passa-se, de modo progressivo, às penas privativas de liberdade e destas às penas alternativas. Em um Estado de Direito Democrático veda-se a criação, a aplicação ou a execução de pena, bem como de qualquer outra medida que atentar contra a dignidade humana. Apresenta-se como diretriz garantidora da ordem material em restritiva da lei penal, verdadeira salvaguarda da dignidade pessoal, relacionando-se de forma estreita com os princípios da culpabilidade e da igualdade.

            O principio da humanidade, torna-se no estado democrático de direito, um pilar a ser seguido, postulando uma pena racional e proporcional àquele que foi condenado. Como mostrado, ultrapassou épocas tanto de vingança publica como privada, tendo como base principalmente as ideias iluministas influenciando o movimento constitucional, além de participar da teoria dos direitos humanos, tanto a influenciando como sendo influenciada por ela.

6   CONCLUSÃO

Com o presente estudo, demos ênfase à importância e a necessidade do princípio da humanização das penas, como espécie do gênero dignidade da pessoa humana, e que norteia a vedação da pena de morte no Brasil e em países democráticos.

Tal princípio tornou-se para o Estado democrático de direito um pilar a ser adotado, postulando uma pena coerente e proporcional àquele que foi condenado. Porém, podemos notar que  apesar de controversa, atualmente a pena de morte foi abolida em quase todos os países democráticos, com exceção do Japão e Estados Unidos, que se tornam cada vez mais isolados pelas nações unidas por serem um dos únicos a usar esse tipo de pena.

Contudo, o direito penal norteado pelo princípio da humanidade possui o intuito de limitar o poder punitivo do estado, assegurando a harmonia constitucional. Já que penas degradantes como a pena capital, subtraem o mínimo necessário para a sobrevivência do homem, sua honra e liberdade como pessoa humana, depreciando-o a uma mera pena cruel.