O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PATRIMONIAL DA PESSOA JURÍDICA FRENTE AO MELHOR INTERESSE DO CREDOR: A desconsideração da personalidade jurídica na execução contra devedor solvente.[1]

                                                                                                           Giuliana Lais Silva Belém

Renata da Silva Costa[2]

Sumário: Introdução; 1.O Caráter Instrumental do Processo de Execução; 2. O Melhor Interesse do Credor frente ao Patrimônio do Devedor; 3. A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Ordenamento Brasileiro; 4 A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Processo de Execução; 4.1 A penhora e a desconsideração da personalidade jurídica; Considerações Finais; Referências.

 

RESUMO

 

Muitas foram as mudanças realizadas no ordenamento jurídico a fim de tornar o procedimento de Execução mais célere e efetivo. Busca-se, pois, que o credor, estando em situação danosa por culpa do devedor, tenha atendida sua pretensão da forma mais rápida. Para isso existem dentro do processo de Execução várias ferramentas, entre elas, a desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se de um procedimento de exceção na execução, posto que mais demorado e complexo, entretanto, uma vez requerido, se mostra competentemente a serviço do melhor interesse do credor. Com o presente artigo, almeja-se analisar como o processo executório pode lançar mão da desconsideração da personalidade jurídica para atingir a pretensão do credor.

PALAVRAS CHAVE: Processo de Execução; Penhora; Desconsideração da Personalidade Jurídica; Melhor interesse do Credor.

INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico se propõe a reger a ordem social e, quando provocado, dirimir conflitos. Em se tratando de execução, busca o credor, o adimplemento, em face do devedor, de determinada prestação pre-acordada. Vislumbra-se no procedimento de execução um instrumento a serviço do credor, cabendo então, a análise deste instrumento, contextualmente inserido nas relações jurídicas e sociais.

Na execução é latente o conflito entre credor e devedor, o primeiro tem um direito frustrado em decorrência do inadimplemento do segundo. O credor lança mão da tutela jurisdicional para compelir o devedor a prestar a obrigação. Percebe-se que a execução esta a serviço do exequente, o que muitas vezes implica na invasão patrimonial do executado. Desta feita, é necessária a análise acerca da possibilidade e limites dessa invasão, frente ao interesse do credor que se encontra prejudicado por culpa do devedor, trazendo a tona os princípios do processo de execução, em especial da efetividade e proporcionalidade.

Ademais, além da reponsabilidade patrimonial do executado, o ordenamento brasileiro prevê outras possibilidades de se satisfazer a pretensão do credor. Caso o patrimônio pessoal do executado não seja suficiente, há a possibilidade de se buscar o patrimônio de terceiros. Entre estas possibilidades, atenta-se para a situação peculiar da desconsideração da personalidade jurídica a serviço do processo de execução.

Nesse sentido, pretende-se analisar o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica, bem como, como ele ocorre dentro do procedimento de execução, de modo a beneficiar o credor ao possibilitar a penhora e expropriação dos bens da pessoa jurídica para satisfazer o adimplemento da obrigação.

 

  1. 1.      O CARÁTER INSTRUMENTAL DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

 

Nos últimos anos ocorreram algumas mudanças no procedimento de execução, buscando-se, principalmente, atribuir a ele maior celeridade e efetividade. “O sistema processual era visto, do ponto de vista conceitual e metodológico, de forma autônoma, unicamente pelo significado jurídico, sem atentar à sua inserção na vida da sociedade” (DINAMARCO, 2008, p. 208). Mudou-se essa perspectiva, influenciando também o novo pensamento acerca do Acesso à justiça, anteriormente visto apenas como “a possibilidade de provocar o judiciário, passou a representar, também, a obtenção da pretensão em tempo célere.” (HELLMAN).

A existência do processo tem como pressuposto a necessidade da tutela jurídica do Estado, por conseguinte, origina-se no seio da convivência social. Nas palavras de Didier (2011, p.25), “o processo deve ser compreendido, estudado e estruturado tendo em vista a situação jurídica material para a qual serve de instrumento de tutela”. Nesse sentido, corrobora Dinamarco (2008, pp 177-178) ao afirmar que o processo propõe-se a realizar objetivos, os quais se relacionam diretamente às necessidades da sociedade. Não está per si o caráter instrumental do processo, mas envolto em um contexto jurídico, social e político, posto ser o próprio Direito, a confluência desses fatores (DINAMARCO, 2008).

A instrumentalidade como um meio e não um fim em si mesmo se torna mais nítida no âmbito do processo de execução. Nesse procedimento, busca-se “alcançar a tutela jurisdicional executiva, isto é, a efetivação/realização/ satisfação da prestação devida, seja ela uma prestação de fazer, de pagar quantia certa ou de dar coisa distinta de dinheiro” (DIDIER, 2013, p. 67). Na execução, busca-se um resultado prático, mas o juiz decide antes da sua realização, nesse caso, a decisão judicial, e, portanto o processo de execução, não constitui o objetivo, mas o meio para atingi-lo. (DINAMARCO, 2008).

2. O MELHOR INTERESSE DO CREDOR FRENTE AO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR

Como já explanado, o processo de execução se coloca a serviço do exequente como meio para que ele atinja sua pretensão, qual seja, o adimplemento de uma prestação por parte do executado. Como preceitua o art. 591 do Código de Processo Civil, “o devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”, trata-se, pois, do Princípio da responsabilidade patrimonial. Convêm ressaltar, para tanto, que tal princípio aplica-se imediatamente às obrigações de dar coisa ou pagar quantia certa, só sendo evocado, nos casos de obrigações de fazer ou não fazer, quando a obrigação se converte em perdas e danos.

O ordenamento jurídico brasileiro, em razão do contexto histórico, herdado principalmente da experiência europeia, tem fortes fundamentos no sentido de proteção ao patrimônio, uma vez que, tal proteção caracteriza, também, os fundamentos do Estado Democrático. Dessarte, a própria Constituição Federal em seu art. 5º, caput e inciso XXII atribui caráter de direito e garantia individual à inviolabilidade à propriedade. Nesse sentido, o Código Civil possui no Título III do Livro III, espaço destinado a tratar da matéria relativa à propriedade. 

Percebe-se, então, no processo de execução, uma invasão ao patrimônio do executado. Contudo, tal invasão se dá por um sentido maior, observe-se que, em termos gerais, o credor esta em situação de prejuízo por culpa do devedor, que tendo se comprometido a realizar determinada prestação não o fez. A responsabilidade patrimonial aqui coloca-se como meio ao objetivo final, é uma ferramenta utilizada pelo procedimento de execução para satisfazer a pretensão do credor, uma vez que este não almeja atingir o patrimônio do devedor, mas ter adimplida uma obrigação com ele acordada. Nesse sentido, posiciona-se Costa Machado (2011, p. 1174):

A norma jurídica presente no art. 591 do CPC não possui natureza material. Pelo contrário, trata-se de norma tipicamente processual, porque a responsabilidade instituída só subsiste em face do Estado, o único detentor do poder de invadir o patrimônio do devedor para os fins da execução. Assim, a situação de sujeição patrimonial do devedor não é elemento integrante da relação obrigacional (direito material), mas da relação jurisdicional (direito processual).

Desse modo, a sujeição patrimonial esta diretamente ligada a outro princípio da relação processual, a efetividade da execução. Implica dizer que “o juiz tem o poder-dever de adotar os meios executivos que se revelem necessários à prestação integral da tutela executiva” (GUERRA apud DIDIER, 2013, p. 47). O que esta em voga aqui é o direito do credor, sem prejuízo aos direitos primários do devedor. A esse respeito, o legislador preocupou-se em assegurar que o devedor não seja onerado em demasia pela sua inadimplência.

O art. 620 do CPC dispõe que “quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso”. Trata-se da externalização legal do princípio da proporcionalidade, a fim de proteger também a figura do devedor. Contudo, como depreende-se do dispositivo transcrito, essa proporcionalidade só será aferida quando houver mais de um meio executório. Mais uma vez percebe-se que a função primeira do processo de execução é atender ao melhor interesse do credor. “Descumprido e dever, e configurado o inadimplemento, surge a responsabilidade, estado de sujeição do patrimônio do devedor, ou, eventualmente, de sua vontade/liberdade, ao cumprimento da obrigação” (DIDIER, 2013, p. 267).

Ainda nesse sentido, vale ressaltar o que se propõe o Princípio da primazia da tutela específica. No caso das obrigações de fazer, não fazer ou dar coisa, a execução deve se aproximar ao máximo da prestação acordada e descumprida, mas se esta não for possível, haverá a conversão em perdas e danos (DIDIER, 2013, p. 54-55), a qual atingirá o patrimônio do executado.

Embora haja uma especial proteção do ordenamento jurídico ao patrimônio, no caso da execução, percebe-se nítida prevalência dos interesses do credor em detrimento deste. Ao buscar a tutela jurisdicional em sede de execução, o credor está buscando um direito que foi ferido pelo executado, busca-se então, sanar uma injustiça decorrente de um ato ou omissão do executado.

3. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO:

 

Devido ao crescente desenvolvimento econômico e social, passou a existir a necessidade de expansão das relações jurídicas, que extrapolassem os limites das pessoas físicas ou naturais, esse fato, fez surgir às entidades que ficaram conhecidas como pessoas jurídicas.

O ponto mais importante desse nosso instituto é a ideia de separação e de capacidade jurídica, o que implica em existência e patrimônio distintos. O que nas palavras de Donizetti:

“[...] permite situações antes inimagináveis: a sobrevivência de uma entidade, mesmo após a morte de seu criador, ou mesmo sua criação a partir de sua morte, e a ausência de responsabilidade do criador pelas obrigações contraídas pela pessoa jurídica, bem como desta pelas obrigações daquele.” (DONIZETTI, 2012, p.73)

O juízo de separação, e a criação da personalidade jurídica, tem escopo de organização e distinção de responsabilidades, entretanto, como qualquer outro instituto jurídico, este está sujeito a atos lesivos que levam a sua desvirtuação. Para tanto preceitua o artigo 50 do CC:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

 

O desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica, que inicialmente possui uma atividade lícita, tem essa função distorcida. Donizetti exemplifica o caso de uma associação criada par fins educacionais mas que de repente, têm seu patrimônio utilizado para promover viagens de férias periódicas dos associados. (DONIZETTI, 2012, p.80). Com o exemplo, se entende que desvio ocorreu quando a pessoa jurídica foi usada para atingir interesse exclusivo do associado.

A confusão patrimonial, configura-se quando não se pode distinguir com clareza, qual é o patrimônio da pessoa jurídica e qual o patrimônio particular dos associados, sócios ou administradores. (DONIZETTI, 2012, p.81)

Para os dois casos citados, que são altamente lesivos a pessoa jurídica bem como seus credores, foi a criada a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que consiste na desconsideração da separação patrimonial existente entre o patrimônio de uma empresa e o do seu sócio/ associado para viabilizar o cumprimento de determinadas obrigações, evitando fraude ou confusão patrimonial.

 A princípio se faz necessário a distinção das terminologias despersonalização e desconsideração. A despersonalização se refere à extinção da personalidade jurídica, enquanto a desconsideração ao seu superamento episódico, em situação de fraude, abuso ou desvio de finalidade. (STOLZE, 2008, P.230)

Vale ressaltar também, que pelo fato da desconsideração ser uma sanção que se aplica a um comportamento abusivo, ela é decretada e não declarada. (STOLZE, 2008, P.230)

Atualmente, existem três teorias que envolvem a desconsideração da personalidade jurídica, a teoria maior (objetiva e subjetiva), a teoria menor e a teoria inversa.

A teoria maior objetiva autoriza a desconsideração apenas nos casos de confusão patrimonial, já a teoria maior subjetiva apenas nos casos de desvio de finalidade. A teoria menor autoriza a desconsideração em outros casos, não só os que envolvem abuso da personalidade. A teoria inversa permite a responsabilização do patrimônio da pessoa jurídica por dívidas dos sócios ou administradores. (DONIZETTI, 2012, p.83)

O novo Código de Processo Civil aplica tanto a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica como a teoria menor, como afirma Ana Carolina Baruffi:

“ No inciso II do parágrafo único do artigo 77 do CPC, o legislador reconhece a aplicação da teoria maior da desconsideração da pessoa jurídica, quando faz referência à sua aplicação no caso de fraude ou abuso de direito pelos sócios na condução da sociedade, bem como inova ao inserir no diploma processual o reconhecimento da aplicação da teoria menor da desconsideração da pessoa jurídica, quando faz referência à sua aplicação se ocorrer um conjunto de fatores objetivos que fundamentariam a aplicação do instituto no caso de abuso da personalidade jurídica.” (BARUFFI,2011, p.21)

 

 

Desta feita, imprescindível lembrar que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é medida de caráter extraordinário e só deve ser decretada nos casos descritos pela lei. É o que o próprio Superior Tribunal de Justiça afirma no julgamento do recurso especial 948.117:

 

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. ART. 50 DO CC/02. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA. POSSIBILIDADE. I – A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. Súmula 211/STJ. II - Os embargos declaratórios têm como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal a quo pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão, como ocorrido na espécie. III - A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. IV - Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica,conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma. V - A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/02. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de execução, “levantar o véu” da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa.VI - À luz das provas produzidas, a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, entendeu, mediante minuciosa fundamentação, pela ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente, ao se utilizar indevidamente de sua empresa para adquirir bens de uso particular. VII - Em conclusão, a r. decisão atacada, ao manter a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, afigurou-se escorreita, merecendo assim ser mantida por seus próprios fundamentos.Recurso especial não provido. (STJ, REsp 948.117/MS, 3ª Turma, relatora: Min. Nancy Andrighi, data do julgamento: 22/06/2010). (grifo nosso)

4. A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO.

 

Inicialmente, quando se fala da desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução, a primeira discussão polêmica e de natureza processual que surge é se esta pode ser invocada originalmente no processo de execução, ou se os sócios e administradores têm de participar da relação jurídica processual de conhecimento, ainda que como litisconsortes passivos sucessivos eventuais. (STOLZE, 2008, P.233).

Essa discussão encontra respaldo no artigo 472 do CPC que afirma:

 

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros. (grifo nosso)

Do artigo pode-se concluir que, se os sócios ou administradores não participarem da litígio inicial, não podem ser posteriormente ser responsabilizados na execução.

Apesar dos diversos posicionamentos, Pablo Stoze sustentou uma posição interessante:

“ Apenas acrescentamos que, em nosso entendimento, a arguição incidental, em processo de execução, com atingimento do patrimônio dos sócios , somente se mostra razoável na hipótese de tais indivíduos haverem sidos vinculados ao anterior processo de conhecimento (que formou o título judicial), ou, como dito, em caso de ocorrência a posteriori dos requisitos da desconsideração, com a garantia do contraditório e da ampla defesa.’’ (STOLZE, 2008, P.235).

 

 

É que, segundo ele, se o desvio de finalidade ou confusão patrimonial, sendo preexistente ao ajuizamento do processo, e a ação foi proposta apenas contra a pessoa jurídica, o autor assumiu o risco ao propor a demanda, e o magistrado não deve sanar a falta de cautela do jurisdicionado.

Entretanto, sendo posterior o surgimento dos requisitos da desconsideração, Stolze considera plausível admitir-se um procedimento incidental no próprio processo de execução, acompanhado é claro, do contraditório e ampla defesa.

Assim, em relação as defesas processuais, nos casos citados,  considera Baruffi:

tanto no caso de execução como na fase de cumprimento de sentença quando o sócio ou responsável não for parte no processo, a defesa se dará via embargos de terceiro nos termos dos artigos 660 do CPC em diante, ou em sendo parte no processo no caso de cumprimento de sentença o determinado pelo artigo 511, parágrafo 4º que prevê a manifestação sobre questões relativas à validade e à adequação da penhora e dos atos executivos subseqüentes mediante simples petição nos mesmos autos.” (BARUFFI, 2011, p.21)

 

Ana Cristina Baruffi levanta uma outra questão importante: a qualificação societária do sócio, é  que somente assim será demonstrado se há necessidade ou não de citação pessoal do sócio para que seus bens sejam atingidos pela execução, pois a inexistência de citação válida, inviabiliza o regular andamento processual e a efetivação da penhora no processo de execução. (BARUFFI, 2011, p.14)

Apenas após a citação, quando será prestada homenagem ao contraditório, é que a execução ou cumprimento de sentença poderá recair sobre aquele que assumiu a responsabilidade do devedor original, passando de terceiro à parte. (BARUFFI, 2011, p.14)

Nos casos das sociedades limitadas e por ações, a citação e intimação do sócio servirá para que os sócios desobrigados de responsabilização, aqueles que não praticaram abuso de personalidade, comprovem esse status através do contraditório e ampla defesa. (BARUFFI, 2011, p.19)

Já nas sociedades de responsabilidade ilimitada, isso não ocorre, por não haver a necessária autonomia patrimonial da pessoa jurídica, tornando a citação contrária a celeridade processual.

 

4.1  A PENHORA E A DESCONSIDERAÇÃO DA PERNOSALIDADE JURÍDICA:

 

A responsabilidade patrimonial implica em responsabilização por dívida assumida em caso de inadimplemento, tornando o patrimônio do inadimplente sujeito a atuação estatal. O Estado disponibiliza de técnicas executivas com a finalidade de satisfação do crédito.

Quando a finalidade é justamente satisfação de um crédito, a solução estatal típica se dá por meio de expropriação, só que para tanto, antes deve ocorrer a identificação no patrimônio do executado de bens que serão expropriados para atingir o objetivo principal.

A penhora é ato executivo típico da execução por quantia certa contra devedor solvente, e consiste na identificação do bem do patrimônio do executado que se sujeitará a expropriação. A penhora torna concreta a responsabilidade executiva na medida em que individualiza os bens que serão expropriados para a satisfação do crédito. (ABELHA, 2009, p.338)

O objeto da penhora, que é singularizado pela apreensão, requer  três elementos essenciais: a responsabilidade patrimonial, que seja dinheiro ou bem que nele possa ser convertido e possibilidade do bem ser expropriado.

É sobre o primeiro elemento que incide a desconsideração da personalidade jurídica, pois sobre a inteligência dos artigos 591 e 592 do CPC apenas os bens do devedor ou seus responsáveis solventes, podem suportar a execução.

A decisão de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica para viabilização da penhora, permite a finalização do objetivo final de todo processo de execução: a satisfação do crédito do exequente.  A aplicação do instituto, quando preenchidos os requisitos necessários e indispensáveis, é firmemente aceita nos Tribunais, justamente para que haja cumprimento da obrigação inadimplida.

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEFERIMENTO DE PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Admissibilidade. Ausência de reserva de bens para cumprimento da obrigação Agravante que não indicou bens à penhora. Desconsideração da personalidade jurídica que é necessária, em razão da possibilidade de não cumprimento da obrigação. Decisão mantida. Recurso desprovido. Processo:AI 1578244220118260000 SP 0157824-42.2011.8.26.0000 Relator(a):Fábio Quadros; Julgamento: 20/10/2011 Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado Publicação: 28/10/2011. (grifo nosso)

 

PENHORA DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA CABIMENTO - Admissibilidade da penhora de bens pessoais dos sócios dirigentes que constituem a sociedade, visto que existem elementos indicativos de gestão fraudulenta praticada pelos sócios dirigentes, bem como da inexistência de patrimônio da sociedade - Decisão mantida - Agravo improvido. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ CONDENAÇÃO INADMISSIBILIDADE Hipótese em que a agravante nada mais fez do que postular, fundada em matéria fática e jurídica, dentre teses possíveis, as que entendeu adequadas e razoáveis Pretensão da agravada afastada. Processo:AI 2238562920118260000 SP 0223856-29.2011.8.26.0000 Relator(a): Salles Vieira Julgamento: 31/01/2012 Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado Publicação: 03/02/2012 ( grifo nosso)

 

Calixto Salomão Filho citado por Pablo Stolze considera quanto a possibilidade de invocação da desconsideração da personalidade jurídica na própria execução e a penhora dos bens dos sócios não só como viável, mas como um “dever” do credor.

“No próprio processo de execução, não nomeando o devedor bens à penhora ou nomeando bens insuficientes [...] o credor pode e deve, em presença dos pressupostos que autorizam a aplicação do método de desconsideração, definidos acima, pedir diretamente a penhora de bens dos sócios [...]” (SALOMÃO FILHO apud  STOLZE, 2008, p.234)

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

 

 

Diante da vasta possibilidade de frustração na obtenção do crédito pretendido no processo executivo, a desconsideração da personalidade jurídica se torna um artifício valioso na busca dos interesses do credor. Muito mais do que proteção ao indivíduo ou pessoa jurídica que ocupa o pólo passivo da relação processual executiva, é preciso proteger o crédito daquele que, somente através do Poder Jurisdicional do Estado poderá ver sua pretensão satisfeita.

O projeto de lei n. 2.426 de 2003 criado pelo Deputado Ricardo Fiuza foi idealizado para melhor reger as situações da desconsideração da personalidade jurídica em todos os órgãos do Poder Judiciário, em qualquer grau de jurisdição, seja cível, fiscal ou trabalhista.

Essa nova normatização buscava estabelecer os preceitos tanto para a desconsideração da personalidade jurídica quanto para as hipóteses de responsabilização direta, em caráter solidário ou subsidiário, de membro, instituidor, sócio ou administrador pelos débitos da pessoa jurídica, como preceitua o artigo primeiro da referida lei.

 O projeto também versa sobre questões importantes como legitimidade e contraditório, respectivamente nos artigos 2º e 3º.  Infelizmente, hoje este importante instrumento regulatório encontra-se arquivado na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, o que torna a utilização da desconsideração um instituto ainda carente de regulamentação específica.

Ademais, cumpre ressaltar que como visto no presente trabalho, a desconsideração tem natureza punitiva, e como tal deve ser aplicada com cautela e responsabilidade.  O afastamento da personalidade deve ser temporário e tópico, perdurando, apenas no caso concreto, até que os credores se satisfaçam no patrimônio pessoal dos sócios infratores.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1998). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1998. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições técnicas, 2007.

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.

BRASIL. Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília 17 de jan de 1973.

BARUFFI, Ana Cristina. Aspectos processuais da execução de bens em razão da desconsideração da personalidade jurídica e inovações no projeto do CPC.  Ano 5. Vol VII,  Rio de Janeiro: Revista Eletrônica de  Direito Processual, 2011.

COSTA MACHADO, Antonio Cláudio da. Código de Processo Civil Interpretado, 3ª edição. Barueri/SP: MANOLE, 2011.

DIDIER JUNIOR, Fredie . Curso de direito processual civil: Introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. 1. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2011.

 

DIDIER JUNIOR, Fredie et al. Curso de direito processual civil: execução. Vol. 5. 5ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso didático de direito civil. São Paulo: Atlas, 2012.

GALIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo. Novo curso de direito civil: parte geral. 10.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

HELLMAN, Renê Francisco. O princípio da efetividade na execução civil – análise da normatividade dos princípios e das regras. Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Disponível em: < http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/O%20principio%20da% 20efetividade%20na%20execucao%20civil%20-%20Rene%20Francisco%20Hellman.pdf>. Acesso em 06 de março de 2013.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de execução civil. 4. Ed. rev. e. atual, Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2009.

 

 



[1]Paper apresentado como requisito parcial para nota da disciplina de Processo de Execução lecionada pelo professor Christian Barros Pinto.

[2] Alunas do 7º período noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco