O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE EMPREGADO NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DE COMÉRCIO: UMA PROPOSTA DE REFORMA DO ARTIGO 9º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL.

Lucas Mercês Viana


Resumo: O motivo de abordar o presente problema ("O Princípio da Autonomia da vontade empregado nos contratos internacionais de comércio: Uma proposta de reforma do art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil") adveio do avanço do comércio mundial, relacionado à postura jurídica do Brasil em relação a esse avanço. Foram discutidas e explanadas pelos doutrinadores nacionais e internacionais, ao longo do trabalho ora apresentado, questões relacionadas à importância do princípio da autonomia da vontade no direito internacional privado brasileiro no âmbito do comércio internacional, bem como a postura do art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil em relação à consagração do Princípio da Autonomia da Vontade. Deve-se destacar que este trabalho engloba questões de direito internacional privado, relacionadas ao direito internacional privado brasileiro em sede de contratos internacionais de comércio, juntamente com a legislação que ampara e efetiva essas questões, sendo citadas as mais importantes correntes doutrinárias.


Palavras - Chave: Autonomia; vontade; Direito Internacional; comércio; comércio internacional; lei; legislação; Lei de Introdução ao Código Civil; Brasil.


Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE. 2.1 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE NA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS. 2.2 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. 3 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO BRASILEIRO. 3.1. O CONTRATO INTERNACIONAL E A LEI APLICÁVEL. 3.2. O ARTIGO 9º DA LICC: HOUVE CONSAGRAÇÃO OU NÃO DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE?. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1 INTRODUÇÃO


A seara comercial é representada por várias relações entre pessoas privadas , de forma que cada parte, ao negociar, defende o seu interesse.
O principal instrumento do comércio é o contrato. Através deste as relações entre as partes são formalmente reguladas. Nestes são inseridos os direitos e deveres das partes na negociação comercial.
No âmbito internacional, o contrato regula, assim como também facilita, as relações de comércio entre diferentes países, tratando de questões ligadas a ordens jurídicas diferentes.
Justamente pelo fato de envolver países diferentes, os contratos internacionais podem ser regulados por várias legislações diferentes no contexto das negociações comerciais, promovendo assim a existência de conflitos, pelo fato de não haver uma legislação facilmente determinada ao contrato.
Segundo Strenger , com o propósito de harmonizar essas situações de conflitos, atua o Direito Internacional Privado, este responsável pela regulação das relações entre pessoas privadas, relações que envolvem elementos, quer sejam chamados fatos anormais, elementos estrangeiros ou de estraneidade.
Um exemplo de situação que envolve elementos de estraneidade no comércio internacional é o campo das exportações e importações, no qual o contrato internacional pode ser considerado nulo em um país e considerado válido em outro no contexto das negociações.
Em virtude da ausência de um direito uniforme com autoridade supranacional para regular esses tipos de relações, as Regras de Conflitos de Leis , buscam a resolução do conflito por meio da indicação do direito aplicável às diversidades jurídicas existentes, através dos critérios de conexão, como por exemplo, o critério da territorialidade e da nacionalidade.
Em sede de contratos internacionais, dentre os critérios existentes, há o critério da lei de execução do contrato e da lei da celebração contratual. Além destes existe também o critério do princípio da autonomia da vontade, objeto deste trabalho, caracterizado por conferir liberdade às partes na escolha da legislação mais adequada ao contrato.
No âmbito do direito internacional privado europeu, sobretudo no direito francês , o princípio da autonomia da vontade está expressamente consagrado. O mesmo não parece acontecer no direito internacional privado brasileiro. Estaria o direito internacional privado brasileiro criando obstáculos ao comércio internacional?
A Lei de Introdução ao Código Civil, grupo ordenado de regras que versam sobre questões do Direito Internacional Privado no Brasil, criadas em conjunto ao Código Civil , de 1942, no seu artigo 9º, no que tange as regras de conflitos em sede contratual cita, de forma expressa, vários critérios de conexão, mas não o princípio da autonomia da vontade.
Para Diniz , o artigo 9º da LICC de 1942 não contempla a autonomia da vontade como elemento de conexão, pois se trata de norma cogente e que não pode ser alterado pelas partes.
A partir da segunda metade do século XX, razões históricas e econômicas, fundamentadas pelos processos de industrialização e a eclosão do capitalismo liberal, e, sobretudo jurídicas, baseadas no desenvolvimento e diversificação das suas técnicas, se tornaram cada vez mais determinantes nos processos ligados ao comércio internacional.
Em face do aumento dos contratos internacionais decorrentes do incremento comercial, motivados pelos processos atuais de globalização e integração regional, este princípio se tornou, sem sombra de dúvida, uma grande necessidade.
O presente trabalho envolve a área de direito internacional privado, mais especificamente o direito internacional privado brasileiro, e concentra-se na análise do artigo 9º da Nova Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, o qual revoga o artigo 13 da Lei de Introdução de 1916, em relação à consagração ou não do princípio da autonomia da vontade.
A estrutura deste trabalho será consubstanciada em duas etapas:
Na primeira etapa será explanado o contexto histórico do princípio da autonomia da vontade, no que atina as indagações que norteiam tal princípio, tanto no cenário interno como no internacional.
Na segunda etapa, o contrato internacional será analisado de forma mais aprofundada, desta vez tratando mais especificamente da Lei Aplicável no Direito Internacional Privado Brasileiro.
Também na segunda etapa será investigado o artigo 9º da Nova Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, relacionando-o ao revogado artigo 13 da Lei de Introdução de 1916, verificando a sua representação quanto à consagração ou não do princípio da autonomia da vontade.


2 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE


Para tratar do princípio da autonomia da vontade é preciso explicá-lo abordando o âmbito interno e internacional.
No âmbito interno serão tratadas as noções gerais acerca do contrato e a crise do princípio da autonomia da vontade no direito brasileiro devido ao caráter imperativo dos contratos de adesão e dos contratos individuais de trabalho.
No âmbito internacional o direito francês será objeto de ilustração em função da sua grande influência em relação ao direito internacional privado brasileiro, e pelo fato de consagrar o princípio da autonomia da vontade.


2.1 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE NA TEORIA GERAL DOS CONTRATOS


Os contratos fazem parte do Direito Privado, o qual é constituído formalmente pelo Código Civil, e tem como elemento reunificador a Constituição Federal, abrangem os direitos existenciais, estes consubstanciados por um traço mais humano, mais social, e os patrimoniais, por um caráter econômico.
Os direitos patrimoniais são os objetos abordados pelos contratos. Podem ser reais, referentes ao exercício direto e imediato sobre as coisas, estabelecendo-se o domínio, e pessoais, abrangendo as pessoas e o vínculo jurídico baseado nas obrigações.
Dentre as diversas fontes das obrigações como as declarações unilaterais de vontade e a lei, o contrato é a principal.
O contrato se figura como um acordo, amparado por um ordenamento jurídico, entre pessoas privadas que objetivam interesses específicos. Segundo Milhomens , através dos contratos, em que duas ou mais pessoas manifestam sua vontade sobre determinado objeto, o homem cuida de seus interesses, satisfaz suas necessidades, no constante movimento de atos que é a vida social.
Originado no sentido de explicar o poder obrigatório dos contratos, o princípio da autonomia da vontade enfatiza a liberdade do homem como algo natural, algo pertencente a este, o qual se obriga apenas por sua própria vontade, e da vontade resultando na produção de efeitos do contrato, bem como as determinações do seu conteúdo .
Strenger enfatiza:

A autonomia da vontade como princípio deve ser sustentada não só como elemento da liberdade em geral, mas como suporte também da liberdade jurídica, que é esse poder insuprimível no homem de criar por um ato de vontade uma situação jurídica, desde que esse ato tenha objeto lícito.

A concepção a respeito do que é autonomia vem a ser preciosa para reconhecer o direito subjetivo como uma realidade por si: o direito objetivo apenas reconhece e lhe dá as condições de exercício . A autonomia é uma característica fundamental da vontade. A noção de autonomia para ser analisada precisa ser estendida à luz da filosofia kantiana e do liberalismo econômico.
Segundo Kant , em sua obra Fundamentos da Metafísica dos Costumes, propõe a autonomia como a constituição da vontade, pela qual ela é para si mesma uma lei, independente de como forem constituídos os objetos do querer.
O princípio da autonomia é, pois, não escolher de outro modo, mas sim deste: que as máximas da escolha, no próprio querer, sejam ao mesmo tempo incluídas como lei universal.
Na seara contratual Kant se posiciona como um grande defensor da obrigatoriedade como um consenso em relação à liberdade contratar, ou seja, o contrato obriga em virtude da livre aceitação das partes , ou seja, as partes se vinculariam ao princípio do consensualismo ao contratar.
O princípio do consensualismo veio a predominar desde o século XIX. Segundo este princípio, as partes no momento de celebração do contrato chegam a um consenso, conforme a lei, ou seja, o contrato nasce do consenso puro dos interessados, uma vez que é à vontade a entidade geradora .
À luz do liberalismo econômico, o contrato, visto como negócio jurídico, ou seja, a manifestação da vontade geradora de efeitos jurídicos, proporcionou uma grande segurança no âmbito do intercâmbio de bens e serviços .
No período clássico há a exposição da liberdade nas atividades econômicas sem que houvesse intervenção estatal. A expressão laissez-faire, que significa "deixai-fazer", filosofia econômica no século XVIII, fez prevalecer à liberdade nas trocas comerciais.
Em "A Riqueza das Nações" Adam Smith, explicando os fatores que condicionam a prosperidade nacional enfatiza o grande papel da iniciativa pessoal, dizendo que o esforço natural de todo indivíduo para melhorar sua própria condição, quando exercido com liberdade e segurança, é um princípio tão poderoso que é capaz de levar a sociedade à riqueza e à prosperidade .
Com a revolução industrial no século XVIII, a urbanização e a concentração comercial foram conseqüências marcantes. As relações de trabalho e de consumo adquiriram uma nova roupagem, bem como as próprias relações entre os indivíduos, num cenário afobado pela economia acelerada.
Em especial no século XX, com o desenvolvimento dos centros urbanos, em virtude, principalmente, do processo de globalização vigente, muitas empresas se viram obrigadas a se adaptar a um campo econômico mais competitivo.
A globalização fez crescer rapidamente o número de negociações internacionais. Mudanças significativas marcam o âmbito empresarial: a reestruturação física das empresas, incluindo a mão-de-obra cada vez mais qualificada e melhores equipamentos, bem como seu modelo de produção, a reestruturação da imagem da empresa, propondo novas ações no campo do marketing, setores administrativos, dentre outros.
O processo de globalização da economia visa essencialmente à criação de um mercado aberto a nível mundial, o que contaria com o aperfeiçoamento do direito dos contratos, entretanto alguns entraves inviabilizam desenvolvimentos nessa seara. Arnoldo Wald reconhece a necessidade de um novo direito contratual para a nova economia globalizada. Sua opinião é de que "a grande ruptura do terceiro milênio consiste na criação, no reconhecimento e na generalização, no mundo inteiro, da nova economia, baseada não apenas na competição, mas também na globalização. E esta nova concepção da economia tem reflexos em todos os aspectos sociais e inclusive no direito".
A renovação de um direito contratual no direito brasileiro, tomando como base os cenários interno e externo, proporcionaria uma maior celeridade, uma real efetividade às operações comerciais em ambos os âmbitos. Segundo Strenger , a formação dos contratos do comércio deve ser considerada a etapa mais significativa do processo de ajuste de vontades, pelas conseqüências jurídicas que gera e pela eficácia vinculativa dos entendimentos.
A temática da autonomia da vontade é um dos temas mais atuais e importantes na seara do Direito Internacional Privado, no âmbito dos contratos internacionais, vez que com base em tal princípio, lega-se às partes liberdade para a escolha da lei aplicável na relação jurídica estabelecida entre elas, ressalvadas as restrições das leis internas impositivas e de Ordem Pública.
Nesse diapasão, o setor privado, em conformidade seus interesses, se tornaram as maiores responsáveis pela formação das regras na economia mundial. Porém, mesmo dispondo de autonomia própria para manter suas relações comerciais internacionais, tal fato não se dá sem a relativa intervenção estatal, como ocorre em sede de direito internacional privado brasileiro.
Rechsteiner faz um importante destaque quanto à relação desse princípio com a ordem jurídica estatal:

O princípio da autonomia da vontade das partes não é, porém, fonte de direito original, desvinculada da ordem jurídica estatal. Também não é uma regra de direito costumeiro internacional, pois é sempre a lex fori de cada país que decide se admite a autonomia da vontade das partes como elemento de conexão.

Entende-se, portanto, que quando a vontade das partes pode escolher as normas jurídicas competentes para regular a relação, é porque as normas de Direito Internacional Privado assim autorizaram. Nessa senda de idéias Valladão observa que a vontade individual escolhe no Direito Internacional Privado a lei competente em virtude de uma autorização ou delegação legislativa dada pela lei do Direito Internacional Privado, escolha esta não disponível na conjuntura internacional brasileira.
Diferente do Direito Internacional Privado Brasileiro, o Direito Internacional Privado em outros países há uma aceitação mais efetiva do princípio da autonomia da vontade nos contratos de comércio, é o que se vê no direito francês. Partindo desse pressuposto, seguimos com o segundo tópico do primeiro capítulo.


2.2 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO


Os conflitos existentes são derivados de uma série de fenômenos jurídicos em face à internacionalização das atividades humanas. O Direito Internacional Privado ficaria responsável por reger tais relações.
Os princípios que envolvem o direito internacional privado contêm em si mesmos uma regra de conduta, assumindo um caráter normativo. Têm estes princípios, destinações precisas, operacionalizando a norma com a função de regular o domínio do direito a quem devem submeter-se as relações jurídicas.
Strenger define:

A atuação dessas normas e princípios regulativos é exercida nos diversos ordenamentos legais ou convencionais em razão de sua natureza colisional, porquanto não se pode entender uma disposição do direito internacional privado sem referibilidade com as múltiplas ordens jurídicas, para resolver conflitos de leis ou sistemas, visto que não somente se deve sanar a colisão legal, como também a divergência dos sistemas.

Tem-se então uma perspectiva do direito internacional privado vinculada obrigatoriamente aos dispositivos legais de todos os sistemas jurídicos existentes, âmbito em que muitas situações marcam a existência de diferenças.
Quanto ao objeto do Direito Internacional Privado, abrangem como matérias a nacionalidade, que versa sobre as características da conjuntura nacional de cada Estado, a condição jurídica do estrangeiro, abrangendo os direitos do estrangeiro no que atina a sua entrada e permanência no país, o conflito de jurisdições que versa a respeito da competência judicial de cada país na solução do conflito, e além dessas matérias há também o conflito de leis .
Quando pessoas privadas de sistemas jurídicos diferentes se relacionam dão-se então os conflitos de leis em função da ausência da indicação de uma lei aplicável, e como uma opção de solução desses conflitos, as Regras de Conflitos podem ser adotadas, as quais indicariam uma lei aplicável a partir dos critérios de conexão.
Dentre os critérios de conexão, como o critério do domicílio, da nacionalidade, do lugar de celebração do contrato, dentre outros, existe o princípio da autonomia da vontade, o qual traz uma noção de liberdade de escolha da lei aplicável pelas partes contratantes, e é bastante empregado nos contratos internacionais de comércio por muitos países, sobretudo na França.
No século XVI Charles Dumoulin, jurista francês, foi o percussor do princípio da autonomia da vontade no Direito Internacional Privado. Dumoulin objetivava que às partes fosse conferido o poder de escolher a lei aplicável às relações contratuais que estivessem ligadas a mais de um sistema jurídico, sem que a regra de conexão do lugar onde a questão pudesse vir a ser julgada importasse.
Dumoulin defendeu o princípio da autonomia da vontade, e este princípio, apesar de ter sido alvo de duras críticas desde a sua criação, no século XVI , sobreviveu e no decorrer dos séculos XIX e XX foi bastante praticado. Os primeiros acórdãos franceses no século XX apontaram a importante aceitação do princípio da autonomia da vontade nos contratos internacionais de comércio, como no caso do American Trading Co:

Tratava-se de um litígio concernente a uma carga pertencente a American Trading Co., que fora transportada para um porto francês por um navio da Quebec Steamship. Como a mercadoria, que consistia em farinha de trigo, chegara avariada, a American Trading Co. acionou a Quebec Steamship e o capitão do navio, solidariamente, para ressarcir-se do prejuízo que lhe fora causado pela avaria. Como defesa, a Quebec Steamship alegou a existência de uma cláusula de irresponsabilidade, inserida na charte-partie, e a American contra-argumentou que o contrato estava submetido à lei de Nova York, e que a lei desse estado tinha cláusula como nula. A tese da American foi acolhida na 1ª instância e rejeitada na 2 instância, chegando assim à Corte de Cassação. Ali a argumentação da American atacava o acórdão da 2ª instância, dizendo que a cláusula de exoneração da responsabilidade da Quebec Steamship não era válida, pois contrariava a regra lex loci contractus, ou seja, a do lugar onde o contrato fora celebrado e à qual as partes expressamente faziam menção .

Nesse caso, a Corte de Cassação francesa se posicionou a favor da vontade das partes como determinante a lei aplicável. Avaliou-se então o querer das partes, e este indicava a lei francesa ao invés da americana. Desta forma, a lei americana foi descartada, pois proibia a cláusula de exoneração ao contrário da lei francesa que a considerava lícita.
Inferiu-se tal vontade das partes, pois inconcebível que tivessem inserido no contrato cláusula que sabiam proibida pela lei americana. Daí a conclusão de que a vontade só poderia ter sido pela escolha da lei francesa, que permitia a cláusula de exoneração .
A postura da jurisprudência francesa quanto à afirmação do princípio da autonomia da vontade foi de grande valia para este, visto que na Europa outros países começaram a adotar este princípio em sede de contratos internacionais de comércio. Em meio a discussões na Europa de uniformização das regras de conflitos no que atina os contratos internacionais, o princípio da autonomia da vontade sempre foi acolhido, e tais discussões culminaram na Convenção de Roma de 1980, que só veio a vigorar em 1991.
Após explanar a aceitação do princípio da autonomia da vontade pela França, a qual exerceu e exerce uma influência enorme no direito internacional privado brasileiro, serão tratadas na próxima etapa as Regras de Conflitos de Leis, enfatizando a postura jurídica brasileira em relação à consagração ou não do princípio da autonomia da vontade, propondo em princípio uma breve visão a respeito do principal instrumento do comércio internacional que é o contrato internacional.


3 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE NO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO BRASILEIRO


É necessário expor as noções gerais a respeito do contrato internacional e posteriormente analisar as Regras de Conflitos de Leis e posteriormente o artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, o qual se fundamenta como o critério de conexão em sede de regras de conflitos de leis, na lei de celebração do contrato , para que haja um maior entendimento acerca do princípio da autonomia da vontade como critério de conexão em relação à lei aplicável nos contratos internacionais de comércio em sede de direito internacional privado brasileiro.


3.1 O CONTRATO INTERNACIONAL E A LEI APLICÁVEL


As relações de comércio são o reflexo da exposição dos interesses das pessoas privadas, e estas relações possuem como principal instrumento de regulação o contrato. Nos contratos estão inseridos os direitos e deveres das partes na negociação comercial.
No plano internacional os contratos internacionais são os instrumentos reguladores do comércio internacional. No sentido estrito, segundo José Maria Espinar Vicente , são contratos que desenvolvem o intercâmbio de mercadorias, serviços e capitais, entre empresas pertencentes a diferentes países.
Por se tratar de um acordo de vontades, o contrato no âmbito interno tem uma definição similar em relação ao internacional, porém o contrato internacional leva consigo algumas peculiaridades.
Nos contratos internacionais existem os elementos de estraneidade, os quais podem ligá-los a mais de um sistema jurídico, e esses elementos são, segundo Strenger, os vínculos que relacionam um fato qualquer a um determinado sistema jurídico . Estes elementos têm uma função específica, ou melhor, função a qual versa sobre a indicação da lei aplicável aos contratos internacionais.
Muitas situações envolvem elementos de estraneidade, e devido a esta pluralidade de sistemas jurídicos envolvidos, muitos conflitos podem ocorrer.
Por exemplo, em função da inexistência de um direito uniformizado para regular situações, nas quais dois ou mais sistemas jurídicos interessados se julgam competentes para a resolução de um determinado conflito. Qual seria então a forma de facilitar a resolução desse conflito?
Em outro exemplo, regulamentos cambiais franceses que vedam determinadas operações financeiras ou monetárias, introduzidos após celebração de um contrato de exportação para o Brasil, regidos por nossa lei, podem justificar o inadimplemento do exportador?
É partindo desse pressuposto que as Regras de Conflitos de Leis buscam a resolução do conflito, não como instrumento de resolução, mas como meio da indicação do direito aplicável às diversidades jurídicas existentes. Segundo Dolinger , as Regras de Conflitos de Leis, na solução de uma questão de direito contendo um conflito de leis, consiste na designação da lei aplicável.
O casamento, objeto abordado pelo Estatuto Pessoal no seu artigo 7º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, é um ótimo exemplo de situação que envolve conflito de leis. Um casamento realizado no Brasil fica submetido à legislação brasileira, e somente a ela, porém quando um brasileiro contrai casamento com uma estrangeira domiciliada no exterior entra em cena a incerteza sobre qual lei será aplicada, se a brasileira ou se a estrangeira.
As Regras de Conflitos de Leis não são normas de direito substancial, mas são puramente instrumentais, pois não provêem elas próprias sobre o regime das relações sociais . Estas possuem um caráter indireto, sobretudo, manifestam-se de forma neutra em relação ao conteúdo da lei.
As Regras de Conflitos de Leis tomam por base os fatos, os quais consubstanciarão as condições, as características do acontecimento jurídico, especialmente no tocante aos contratos, seja quanto a sua forma, ao seu conteúdo, aos seus efeitos, e nos critérios de conexão, propondo o vínculo entre o fato ocorrido e o país cuja lei é competente. Os critérios de conexão são, por exemplo, a territorialidade (lex fori), a nacionalidade (lex patriae) e o domicílio (lex domicilii).
Como exemplo de conflito quanto à determinação da lei aplicável, em uma situação na qual um brasileiro sofre um acidente de carro no exterior, o direito aplicável à situação depende do regime jurídico do país onde ocorreu o fato.
Partindo do pressuposto de que o direito aplicável não é o mesmo nos diversos países, a lei do foro onde ocorreu o acidente seria a responsável por regular o incidente. Neste exemplo a situação é o acidente de carro que o estrangeiro sofreu e o critério de conexão é a lex fori, ou seja, a lei do lugar onde ocorreu o acidente.
Em outro exemplo, envolvendo a religião como regra de Conexão para o Estatuto Pessoal, Dolinger, cita o Acórdão Levinçon , referente a um casal de judeus russos que contraiu núpcias civilmente na França e também perante um rabino, como uma situação de conflito de leis:

A ação do divórcio da esposa foi indeferida pela Justiça francesa, inclusive a Corte de Cassação que aceitou a tese do marido, no sentido de que, sendo as questões de família regidas pela lei da nacionalidade, e como na Rússia só se admitia a dissolução de casamento de judeus por um rabino, o Judiciário francês não tinha competência jurisdicional na França para dissolver casamentos de judeus .

Em relação aos contratos internacionais, os critérios de conexão se apresentam quanto ao caráter extrínseco, ou seja, a forma, e quanto ao caráter intrínseco, ou seja, o conteúdo .
No que atina a forma, critério de conexão é determinado pela lei do lugar da prática da celebração contratual, permitindo a possibilidade da lei da nacionalidade ou do domicílio, tanto das partes em comum, como do declarante. Em relação ao conteúdo, são competentes as leis do local da execução do contrato, da celebração do contrato, da nacionalidade e do domicílio do devedor ou das partes.
Dentre os critérios citados, no que tange os contratos internacionais, existe um critério muito importante, objeto principal deste trabalho, que é o critério do princípio da autonomia da vontade.
A liberdade de contratar, consubstanciada pela conferência de poder feita pelo indivíduo a si mesmo quanto à escolha de contratar, assim como a opção da outra parte de negociar contratualmente, a liberdade contratual, referente à livre postulação das cláusulas do contrato acordada entre as partes, bem como a forma do contrato e seus respectivos atos, e os efeitos relativos dos contratos, os quais se estendem às partes, assim como a seus herdeiros, de maneira passiva e ativa, não sendo invocados por terceiros, nem opostos a estes, são as características marcantes do princípio da autonomia da vontade.
No âmbito do direito internacional privado europeu, especialmente no direito francês, como já destacado anteriormente, o princípio da autonomia da vontade é notoriamente consagrado, porém no direito internacional privado brasileiro, parece não ser consagrado.
Segundo Rodas , o caput do art. 9º da vigente Lei de Introdução, aplicável aos contratos entre presentes, continua a prescrever a lei do lugar do contrato (lex loci contractus).
O art. 9º da vigente Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, o qual revogou o art 13 da Lei de Introdução ao Código Civil de 1916, é o dispositivo responsável por reger as obrigações em sede de contratos internacionais, e, para alguns doutrinadores como Rodas, não consagra o princípio da autonomia da vontade.
Qual é a postura direito internacional privado brasileiro quanto à consagração do critério do princípio da autonomia da vontade? Seria necessário reformar a legislação competente por reger as obrigações em sede de contratos internacionais em nosso direito internacional privado? São essas as questões a serem tratadas neste próximo tópico.


3.2 O ARTIGO 9º DA LICC: HOUVE CONSAGRAÇÃO OU NÃO DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE?


No que tange à discussão sobre a consagração ou não da vontade como critério de conexão vinculado às obrigações, deve-se analisar a antiga Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro, promulgada em 1917 e revogada em 1942 com o advento da nova lei, visto que a LICC de 1942 parece não dar, ao menos de forma expressa, margem ao princípio da autonomia da vontade.
O art. 13 da antiga lei propunha que a substância e os efeitos das obrigações seriam determinados pela lei do local onde foram contraídas tais obrigações, "salvo estipulação em contrário", facultando às partes a escolha da lei aplicável para a solução dos conflitos. O Direito Internacional Privado Brasileiro de então permitia de forma expressa que as partes contratantes adotariam o princípio da autonomia da vontade, escolhendo a lei que governaria os contratos.
Com a promulgação da nova lei em 1942, a qual não continha, e até hoje não tem, no texto de seu art. 9º a disposição "salvo estipulação em contrário", e a conseqüente revogação do diploma legal anterior, este representado pelo art. 13 da LICC de 1916, surgiu a discussão quanto à consagração ou não do princípio da autonomia da vontade como elemento de conexão das obrigações .
Em princípio é importante propor uma análise histórica do direito internacional privado brasileiro em relação ao conteúdo do contrato.
Esse processo evolutivo se manifesta de forma que, inicialmente o regulamento 737 de 1850, em seus artigos 4º e 5º consagrava a lei do lugar de execução do contrato ao dispor :

Art. 4º - Os contratos comerciais ajustados em país estrangeiro, mas exeqüíveis no Império, serão regulados e julgados pela legislação comercial do Brasil.

Art 5º - Presumem-se contraídas conforme a legislação do Brasil as dívidas entre brasileiros e estrangeiros.

Em 1916, a Introdução ao Código Civil manteve a diretriz da lei do lugar da execução no caput do seu art. 13, embora também tenha adotado a lei do lugar do contrato dispõe que :

Art 13º - Regulará, salvo estipulação em contrário, quanto à substância e aos efeitos das obrigações, a lei do lugar onde foram contraídas.

Com a criação da vigente Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, o caput do seu art. 9º continua a consagrar a lei do lugar do contrato:

Art. 9º - Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

O direito internacional privado brasileiro, em sede de regulação dos contratos internacionais, foi alvo de uma grande discussão a respeito da consagração ou não do princípio da autonomia da vontade em virtude de um conflito entre o antigo caput do artigo 13 da revogada Introdução ao Código Civil e o artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942.
Em função deste conflito, nos perguntamos: o art. 9º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, dispositivo legal vigente em no âmbito do direito internacional privado brasileiro em sede de contratos internacionais, seria adequado, em razão do seu caráter obsoleto quanto à consideração ao princípio da autonomia da vontade, para reger as obrigações em sede de contratos internacionais?
Antes de expor essa questão é importante enfatizar que alguns doutrinadores da área de Direito Internacional Privado defendem que, de maneira nenhuma, à vontade das partes, no tocante à produção de efeitos jurídicos, deveria se submeter à prevalência da lei .
A expressão "salvo em estipulação em contrário" provocou uma grande dúvida para os interpretes juristas, pois para uns correspondia à designação expressa da lei competente para reger os contratos, para outros, à faculdade concedida às partes para elegerem a lei contratual.
Carlos de Carvalho , versando sobre a matéria do art. 13 da antiga Lei de Introdução, diz que, colocada nos seus limites naturais e agindo de acordo com a lei, a vontade é fonte geradora das obrigações convencionais e unilaterais, conseqüentemente lhe deve ser permitido, nas relações internacionais escolher a lei que subordinem as obrigações livremente contraídas.
Serpa Lopes , por exemplo, albergando o art. 13 da Introdução ao Código Civil de 1916 que comporta a expressão "salvo em estipulação em contrário", consagrou o princípio da autonomia da vontade. Tal autonomia, entretanto, não era absoluta, exercendo-se unicamente no terreno supletivo e não no imperativo.
Em relação ao artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, Tenório declara que um ato constituído no exterior terá eficácia no Brasil se for atendida a forma do lugar. A única questão assinalada é a de um preceito imperativo da lei brasileira destinando a obrigação a ser executada no Brasil, atendendo ao direito brasileiro.
Tenório ainda frisa que o texto referente ao artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942 estipula que as obrigações contraídas no exterior e de execução no Brasil, respeitando a lei brasileira, enfim, se sujeitando à lei do local.
Analisando a declaração de Tenório acerca do vigente artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, é de se convir que os conflitos de direito internacional privado brasileiro não podem encontrar solução na vontade das partes contratantes, mas nas leis imperativas.
Em relação ao direito pátrio anterior, o art. 9º da lei de introdução vigente trata da matéria que estava disciplinado no parágrafo único do art. 13 da antiga Introdução ao Código Civil, "Regulará, salvo estipulação em contrário, quanto à substância e aos efeitos das obrigações, a lei do lugar onde foram contraídas", fazendo com que sempre sejam regidos pela lei brasileira, dentre os objetos de análise existentes , os contratos ajustados em países estrangeiros e as obrigações contraídas entre brasileiros em país estrangeiro.
Tenório, citado por João, propõe uma visão comparativa entre os artigos 13 da revogada Introdução ao Código Civil de 1916 e o 9º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942:

Num confronto direto com o direito anterior, precisamos assinalar que o art. 13 da Introdução admitia o princípio da autonomia, no Direito Internacional Privado, mesmo para as obrigações contraídas no Brasil. Numa das críticas ao dispositivo acentuou-se o antagonismo entre o preceito da autonomia da vontade, como princípio de Direito Internacional Privado, e a negação do mesmo preceito no direito interno propriamente dito. O art. 9º da atual Lei de Introdução (1942) aboliu o antagonismo ilógico; as obrigações contraídas no Brasil não podem cair agora, sob o império da autonomia da vontade. Mas uma obrigação contraída no exterior pode sujeitar-se ao direito brasileiro no caso em que a lei do lugar do contrato admitir a autonomia da vontade, e as partes resolverem escolher a lei brasileira .

Tenório então expõe que há a negação do princípio da autonomia da vontade no Direito Internacional Brasileiro em sede de contratos internacionais, e com a passagem "...uma obrigação contraída no exterior pode sujeitar-se ao direito brasileiro no caso em que a lei do lugar do contrato admitir a autonomia da vontade, e as partes resolverem escolher a lei brasileira", enfatiza que outros países, que não o Brasil, admitem o princípio.
As inovações contrárias à lei do lugar do contrato não proporcionam proveitos à solução dos conflitos de leis. Nesse quesito, do revogado artigo 13 da Introdução bate de frente com a unidade de sistema brasileiro, consubstanciada na formulação da aplicação da lei brasileira e certos contratos, como ajustados em países estrangeiros e para execução no Brasil .
A lei de Introdução de 1942 não formula nenhuma exceção e ordena a aplicação da lei do lugar onde contraídas as obrigações, para qualificá-las e regê-las.
Quando são as leis de direito internacional feitas pelos legisladores, estas devem respeitar princípios que traduzam coerência e de hipótese alguma deve ferir a soberania estrangeira, visto que no momento em que, especialmente, ocorrem as negociações entre dois países, os interesses não são manifestados somente do ponto de vista internacional, mas também do internacional.
A orientação que se há do direito internacional privado brasileiro em relação aos contratos consubstanciados pela superioridade do caput artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, discorda frontalmente com o artigo 13 da revogada Introdução ao Código Civil de 1916, no sentido de que os brasileiros somente podem contratar no exterior seguindo a lei brasileira?
Segundo Tenório , devemos distinguir contratos celebrados com violação das leis imperativas estabelecidas pela lex loci contractus e contratos violadores da ordem pública do país de seu cumprimento ou de sua execução.
A primeira matéria pertence ao âmbito da teoria geral dos contratos, segundo a lei do lugar onde foram celebrados esses contratos, mas comportando exame em país estrangeiro. A segunda é, realmente, de ordem pública internacional. Válido o contrato, de acordo com a lei do lugar de constituição, pode ferir, entretanto preceitos de sistema jurídico alienígena.
A vigência do art. 9º Lei de Introdução ao Código Civil de 1942 traduz a supremacia da ordem pública, no caso da supremacia da legislação brasileira, sobre qualquer outra legislação em relação aos interesses das partes privadas em sede de contratos internacionais. Bem como longe de ferir o sistema jurídico alienígena, o que se propõe neste trabalho é não ferir a vontade das partes, ou melhor, o princípio da autonomia da vontade.
Esclarece Amílca de Castro que "Como ficou visto, os contratos em geral são essencialmente dominados pela liberdade das convenções, mas isso não quer dizer que as partes possam fugir do direito que lhes deve ser imposto (...). As partes não fazem direito por sua vontade, nem podem escolher direito à vontade; na esfera do direito internacional privado, estão sempre a mercê do direito, independente da sua vontade efetiva, sem essa vontade, ou contra essa vontade". No Direito Internacional Privado, o objeto da vontade das partes é a escolha do lugar a ser firmado o contrato e não o direito.
Machado Villela se manifesta da seguinte forma: Se for entendida a lei reguladora como uma constituição de um ato de vontade baseada na lei do lugar de celebração do contrato, ou no lugar de sua execução, pela mesma lei se deve determinar se a vontade foi manifestada em condições de produzir efeitos jurídicos. Sendo assim, em matéria de contratos internacionais, ficaria ao critério das partes indicar a lei competente para regular as condições de validade dos contratos que efetuem.
No âmbito dos contratos internacionais existem muitas situações nas quais o princípio da autonomia da vontade seria atuante como um indicador da lei aplicável, e que certamente reduziria os impasses no comércio internacional. O exemplo da cláusula "Hardship" pode ilustrar perfeitamente a imprescindibilidade deste princípio.
A cláusula "Hardship" é, segundo Granziera , uma criação dos negociadores internacionais no que se refere à solução do problema da incerteza nos contratos internacionais de duração prolongada. Essa incerteza ocorre em virtude das alterações de fatores políticos, como a sucessão de governo, fatores econômicos, como a flutuação de preços, do câmbio, dentre outros, possibilitando conseqüências danosas a uma das partes.
Já que a cláusula "Hardship" é fruto de uma prática contratual internacional, não há um regime jurídico firme no que atina a sua regulação. Desta forma, por não haver um parâmetro adequado, cabe ao princípio da autonomia da vontade, presidido na relação contratual, estando as partes atentas a conferir o respaldo jurídico que fundamentará o contrato.
Ao analisar o exemplo da cláusula "Hardship" é de extrema necessidade que haja uma reforma no seio do Direito Internacional Privado Brasileiro, especificamente em relação à postura quanto ao princípio da autonomia da vontade, não só justificado pela representação obsoleta dos meios jurídicos que o norteiam, mas também pelas constantes mudanças que acontecem no âmbito do comércio internacional.
É insensato deixar que fatos futuros previsíveis e imprevisíveis, como tratados no exemplo da cláusula "Hardship", tenham suas soluções contratuais internacionais obstacularizadas pela desconsideração do princípio da autonomia da vontade das partes na escolha da lei mais adequadas aos contratos internacionais de comércio, visto que as próprias partes seriam as responsáveis pelas conseqüências desta escolha.
O Estado a fim de resolver as situações de conflito emprega algumas medidas tradicionais, porém tais medidas se mostram ineficazes, fazendo com que outras fórmulas alternativas sejam buscadas.
No estágio atual da legislação brasileira, a escolha da lei aplicável a um contrato internacional no que tange a utilização do princípio da autonomia da vontade contratos de comércio, nos moldes reconhecidos atualmente na comunidade internacional, não encontra amparo seguro na legislação vigente, pois ali não estão expressamente contemplados.
Acredita Araújo que se torna cada vez mais evidente a necessidade de serem efetuadas substanciais modificações no art. 9º da LICC, para afinal, adotar-se a autonomia da vontade como princípio determinador da lei aplicável às obrigações internacionais.
Um exemplo da grande ineficácia do art. 9º é demonstrado em uma jurisprudência do Tribunal Arbitral Cível de 13 de abril de 2005 . Em uma ementa envolvendo Transporte Coletivo de Passageiros, via aérea, vôo doméstico entre cidades do exterior, extravio de bagagem, a Justiça brasileira se posicionou de forma incompetente em relação ao julgamento da ação de indenização.
A situação esteve vinculada à inexistência de uma obrigação a ser cumprida no território nacional, em virtude do contrato ter sido realizado por companhia aérea estrangeira com responsabilidade própria e delimitada ao trecho coberto. À conexão com vôo destinado ao Brasil, contratado e cumprido por empresa brasileira, não foi atribuída caráter internacional. O resultado foi o Processo extinto sem julgamento do mérito, refletido na inaplicabilidade do art. 88, II, do Código Processual Civil e aplicação do art. 9º, inciso I da Lei de Introdução ao Código Civil de 1942.
Perante o Supremo Tribunal Federal, merece destaque o acórdão proferido no julgamento do Recurso Extraordinário nº 93.131-MG ? Banco do Brasil S/A vs. Antonio Champalimaud, julgado em 17 de dezembro de 1981, onde foi relator o Ministro Moreira Alves (27) . Rico em citações doutrinárias e contendo uma análise minuciosa sobre o caso concreto levado à instância extraordinária, o acórdão deixa claro que o STF não reconhece o princípio da autonomia da vontade na escolha do direito material aplicável. Embora nem todos os Ministros tenham se manifestado expressamente sobre a matéria, aqueles que o fizeram, entre eles o eminente relator, trataram de afastar por completo o princípio da autonomia da vontade na escolha do direito material.
Diante do exposto é de se convir que uma revitalização no sistema do direito internacional privado brasileiro seria uma ótima forma de buscar novos meios de solução aos conflitos. A reforma do artigo 9º Lei de Introdução ao Código Civil de 1942 seria consubstanciada da melhor forma possível consagrando o princípio da autonomia da vontade, na qual as partes possuem a liberdade de escolher o local do direito a ser aplicado, e das demais disposições relativas ao seu conteúdo, ressalvadas apenas as restrições das leis internas impositivas e de Ordem Pública.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS


O art. 9º Lei de Introdução ao Código Civil de 1942 reflete no império da legislação brasileira em relação às partes privadas, a adoção do princípio da autonomia da vontade como critério de conexão na resolução dos conflitos pelo direito internacional privado brasileiro deveria sim ser tida como um imperativo, pois reduziria as divergências existentes, e permitiria às partes optar pela lei que lhes fosse mais conveniente aos seus contratos internacionais, visto que tais partes seriam as principais responsáveis pelas conseqüências das suas escolhas.
Contextualizando este trabalho no âmbito jurídico internacionalista brasileiro, propõe-se um alerta, pois a legislação nacional vigente apresenta uma conjuntura pouco favorável à prática da autonomia da vontade nos contratos internacionais, sendo essa prática um pouco resistida pelos legisladores.
Esse status de dificuldade de convergência à nova ordem de resolução dos litígios está vinculado à idéia de que o Estado é o preconizador na resolução de todos os conflitos e de que o Direito é publico.
Entretanto, cresce o número de profissionais do Direito Internacional Privado que vem consagrando o princípio da autonomia da vontade, esquivando-se das tradições resolutórias antiquadas da ordem publica em virtude das vigentes regras de foro de caráter impeditivo da aplicação da norma eleita pelas partes.
É essencial para o desenvolvimento do Brasil, tanto na área comercial como na jurídica, a consagração do princípio da autonomia da vontade na Lei de Introdução ao Código Civil. O art. 9º desta lei deve ser reformado para que o livre-arbítrio das partes prevaleça na escolha da lei que regerá os contratos internacionais de comércio. Destarte, seria deixado de lado o formalismo que impera no judiciário e que há muito tempo vem perdendo a qualidade e prejudicando as partes, as quais precisam encontrar nos aspectos jurídicos do comércio internacional uma chave para a solução dos obstáculos existentes.


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