CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA IZABELA HENDRIX 

José Romário Gomes

O Príncipe:

A Concepção de Virtú e Fortuna na Obra O Príncipe 

Belo Horizonte

2013

A CONCEPÇÃO DE VIRTÚ E FORTUNA NA OBRA  O PRÍNCIPE 

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Florença, dez.1513; Tradução de Antônio Caruccio-Caporale. Porto Alegre: L&PM,1998.

Nicoló Machiavelli, mais conhecido como Nicolau Maquiavel foi  historiador, diplomata e chanceller, nascido em 03 de maio 1469, Florença, Itália. A infância e adolescência de Maquiavel foi vivida em uma Itália perturbada, em que os governantes permaneciam no poder durante dois meses, em sua maioria. Em 1498, Maquiavel tem seu primeiro cargo de destaque na vida publica, ocupando a Segunda Chancelaria do Estado. Após ser considerado suspeito de participar da conspiração contra o governo dos Médicis em 1513, Maquiavel não consegue se reerguer na carreira pública, e passa então a viver isolado na propriedade herdada de seu pai em São Casciano. Neste exílio forçado é que nascem as obras de Maquiavel, resultantes de sua experiência prática e do convívio com os clássicos. Dentre as obras desta época, está a principal de Maquiavel: “O Príncipe”, espécie de carta enviada, em 1513, ao príncipe Médici – onde fala basicamente de tratados políticos para subsistência do Estado. Compartilha com o leitor aquilo que ele mesmo diz ter levado anos para acumular: o “[...] conhecimento das ações dos grandes homens apreendido através de uma longa experiência das coisas modernas e uma contínua lição das antigas as quais tendo, com grande diligência, longamente perscrutado e examinado [...]” (MAQUIAVEL, 1998, p. 2). Através de tais informações, segundo o autor, seria possível ao príncipe, observando “[...] as ações dos grandes homens, ver como se conduziram nas guerras, examinar as causas de suas vitórias e de suas derrotas, para poder fugir às responsáveis por estas e imitar as causadoras daquelas [...]” (MAQUIAVEL, 1998, p. 41).

“O Príncipe” é uma obra, composta pela introdução e mais 26 capítulos, que relata a formação dos Estados e a maneira que se deve governá-los, de como se tornar um governante, das suas posturas e como manter o seu domínio da forma mais eficiente possível. Adota-se, também, a visão de que para cuidar e manter-se no poder, o príncipe deve agir, não se preocupando em ser apenas bom, mas também, quando julgasse necessário, ser mau. O que muitos deturparam ser a ideia de que os fins justificam os meios, na verdade há uma ideia do autor de que, visando um objetivo previamente traçado dever-se-ia, o príncipe, agir da maneira necessária para que tal meta fosse alcançada, mais numa lógica de que os fins orientam os meios. Na concepção de como obter o principado (poder), Maquiavel diz haver dois meios: pelo exercício da virtú ou pelo dom da fortuna. 

Assim, a moral aconselhada aos príncipes é aquela de resultados e eficácia política, que não recua ante a malícia dos meios. O que importa é a necessidade, os procedimentos que se impõem ao comandante e que exigem intervenção direta, não podendo ser associada à virtude ética ou religiosa. É o agir conforme a necessidade. O príncipe deve seguir os ditames da necessidade e adquirir o poder de não ser apenas bom, mas usar cautelosamente o mal quando necessário. (OLIVEIRA, 1999, p.60).

 

             Maquiavel aborda em todo o seu livro a necessidade da Virtú para ascensão, manutenção e nas adversidades inerentes ao trono ocupado. Já a Fortuna, nome da Deusa grego-romana, tenta explicar os fatos que acontecem, estes, denominados também como Roda da Fortuna, e que se acreditava que se a pessoa estava bem, ela estava afortunada, caso contrário seria desafortunada. Portanto, sua concepção de Virtú é antagônica à ideia de Fortuna, sendo esta uma espécie de pensamento supersticioso, decorrente da Grécia clássica e correlata ao acaso e aquela a capacidade própria dos líderes de se adaptar aos acontecimentos e permanecer no poder. Essa concepção de Fortuna permeava o espírito florentino, por sua vez prostrado, “o sentimento de reverência que cerca o Acaso é de tal forma que impôs um quietismo supersticioso que chegou aos dias de Maquiavel.” (OLIVEIRA, 1999, p.24). Maquiavel, apesar do senso comum acerca da Fortuna, de seus dias, dizia ser possível neutralizar ou ao menos amenizar as suas intempéries através da Virtú, que nesse contexto significa: capacidade pró-ativa de se precaver aos caprichos do acaso. A virtú é tratada como do sexo masculino e a Fortuna é do sexo feminino, por isso era necessário extrema virilidade, franqueza e disposição para controlá-la, uma vez que seduzida, era dominada. Sobre a Fortuna e como se portar ante ela, Maquiavel (1998) diz: "Considero seja melhor ser impetuoso do que dotado de cautela, porque a fortuna é mulher e consequentemente se torna necessário, querendo dominá-la, bater-lhe e contrariá-la; e ela mais se deixa vencer por estes do que por aqueles que procedem friamente”. Ainda diz ser possível determinar o futuro, se de sucesso ou fracasso, através de um modo de fazer as coisas no presente, não estando o homem totalmente a mercê da sorte como ele discorre analogicamente:

"Comparo-a (a sorte) a um desses rios torrenciais que, quando se encolerizam, alagam as planícies, destroem as árvores e os edifícios, carregam terra de um lugar para outro; todos fogem diante dele, tudo cede ao seu ímpeto, sem poder opor-se em qualquer parte. E, se bem assim ocorra, isso não impedia que os homens, quando a época era de calma, tomassem providências com anteparos e diques, de modo que, crescendo depois, ou as águas corressem por um canal, ou o seu ímpeto não fosse tão desenfreado nem tão danoso” (MAQUIAVEL, 1998, p. 69).

 

            À forma como Maquiavel aborda a Fortuna em seu livro é interessante, levando em consideração que toda a Europa Medieval estava afogada em superstição, devido à influência que tinha o cristianismo romano na época, que trazia consigo características das religiões pagãs, dentre elas a da Grécia clássica. O Autor “desce” ao nível do senso comum supersticioso da época, resgatando outra concepção mítica clássica a Virtú, para tentar reacender a vontade de agir no cerne dos florentinos, mostrando que Deus não queria fazer tudo. Não que Maquiavel fosse adepto ao pensamento cristão de Providência, ou ao pagão Fortuna, contudo reconhecia o Acaso, filosófico, mas que podia e devia ser controlado através de um agir político e coercitivo do príncipe que devia, visualizando os objetivos, para alcança-los, estar disposto a agir coerentemente. Em palavras do próprio autor:

Em verdade, há tanta diferença de como se vive e como se deveria viver, que aquele que abandone o que se faz por aquilo que se deveria fazer, aprenderá antes o caminho de sua ruína do que o de sua preservação, eis que um homem que queira em todas as suas palavras fazer profissão de bondade, perder-se-á em meio a tantos que não são bons. Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade. (MAQUIAVEL, 1998, p. 42).

 

Ainda hoje, perduram conceitos tratados no livro “O Príncipe” como, por exemplo, a concepção de Estado, que é pensado da forma como ele de fato é, ou seja, como incapaz de estabelecer a ordem de modo perfeito, embora consiga evitar e amenizar o caos e a barbárie. Esse Estado estava pautado em força e poder, que juntos produziriam a ordem necessária. A coercitividade, ou seja, o uso da força por parte do soberano, tratado também no livro, hoje ainda é vista em casos de extrema desordem pública, quando o Estado intervém com as ferramentas disponíveis no momento da manifestação para conter os revoltosos e restabelecer a ordem pública no caso de manifestação popular agressiva. ‘’O Príncipe” tornou-se um obra ilustre porque mesmo sendo escrita séculos passados,  ainda  contribui com princípios da gestão pública, através de conceitos que permanecem atuais, dotados de razão e eficazes a quem deles se utilizam. Por isso, é compreensível a rejeição de Maquiavel em sua época, uma vez que suas ideias o tornava um homem a frente de seu tempo, visionário e realista, tendo ao seu nome associado a ideia de astuto, de onde derivou o adjetivo “maquiavélico”. O que aconteceu de fato foi que, em sua época e por mais cem anos, não estavam preparados para ele, um homem a frente de seu tempo, visionário e realista.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências bibliográficas

 

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução: Antônio Caruccio-Caporale. Porto Alegre: L&PM,1998.

 

OLIVEIRA, José Aparecido de. Deus não quer fazer tudo... . São Bernardo do Campo: Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, 1999.

 

 WEFFORT, FRANCISCO. Os Clássicos da Política. São Paulo: Ática, volume 1, 1986.