Aquele era seu primeiro namorado.  Não era bonito, mas era alto, papo bom, um cara legal. Demorou tempos para ter coragem de contar ao pai.  Mas não havia outro jeito, era preciso contar. 

- Se você não contar ao seu pai hoje, assim que você chegar, eu mesma ligarei para ele e contarei que você está namorando. – ameaçara sua mãe.

            E assim, naquela manhã dolorida – havia acabado de apertar o aparelho dos dentes – já perto da escola, decidiu que falaria com ele.  Não demorou muito. O pai estacionou o carro em frente à escola e disse, beijando-lhe a testa:

- Tchau, filha! Amanhã embarco para a Itália.  Vou ficar dez dias fora. Mande um beijinho para sua irmã.

- Boa viagem, papai. – abraçou-lhe.

Saiu do carro, deu a volta, foi até a janela do lado de seu pai e disse, beijando-lhe a face:

- Pai, estou namorando.  – Deu as costas e entrou na escola.

O pai, perplexo com a revelação, não soube o que fazer. Engatou a primeira marcha e seguiu para o trabalho. Como podia? Sua garotinha estava namorando.  Parecia que nascera outro dia mesmo, mas aos dezesseis anos, ela contava ao pai que estava namorando. O pai sempre desejou que a filha se tornasse uma mulher normal, amasse, tivesse uma vida sexual saudável.  Mas não aos dezesseis anos! Quem seria esse namorado? No balé não havia meninos. E se fosse seu professor de inglês? Não. Ou sim? Tudo, menos isso. Se o professor de inglês estivesse namorando sua menininha o denunciaria por pedofilia!

Chegou ao trabalho.  Seu secretário o esperava em sua sala.

- Chefe, a diretora do Instituto quer falar com você.  Posso ligar?

- Por favor. – "Vou me concentrar no trabalho e ver se esqueço essa revelação." – pensou.

Conversou com a diretora. Vivia-se um momento de aflição geral na universidade, mas não era nada – apenas a convocação para uma reunião de última hora.

- Rubens, vou para uma reunião na diretoria. De lá, vou direto almoçar.

A reunião foi longa. Não conseguiu se concentrar. "Pai, estou namorando" latejava em sua cabeça. 

Ao final da reunião, uma colega perguntou-lhe se havia algo errado, pois parecera disperso, não havia opinado em nenhum assunto. 

- Não é nada, professora. As coisas de sempre.

Ao entrar no carro, o celular tocou.  Era da casa de sua mãe. Pediram para levar aspirinas. Sentiu certo conforto ao lembrar-se que se encontraria com Marconi no almoço.  Certamente, o irmão poderia ajudá-lo, já que sua filha, agora com dezoito anos, já estava no segundo namorado.

- Marconi, a Larissa me contou hoje que está namorando. Contou de um jeito péssimo: não disse quem era o rapaz, quantos anos tinha, há quanto tempo estão juntos... Deu as costas e entrou na escola. - disse João, logo que começaram a almoçar.

- E você ficou perturbado com isso, João?

- Como não, cara?

- Fique calmo. Difícil mesmo é orientar sem que a menina pense que você a está autorizando a transar.  Nesse ponto, a Manuela me ajudou muito.  Deu todas as orientações para a Rafa, levou-a ao médico.

- Já eu estou com as pernas quebradas. A Gilsa é muito travada, não conversa.  Quando a Larissa menstruou pedi à Gilsa que a levasse a um ginecologista para orientações gerais sobre saúde da mulher.  Além de não levá-la ao ginecologista, quando a Larissa teve aquela crise de alergia no começo do ano, levou-a ao pediatra!

- Quem sabe a Eulália não te ajuda?  Parece que ela e suas filhas se dão bem.

- Sim, elas se dão bem.  Acho que a Eulália poderá ajudar. Mas o que mais perturba é quem é esse rapaz.  Não sei o que fazer se for um rapaz mais velho e já tiver carro.  Acho que terei que levá-la e buscá-la em todos os programas. O pior é que embarco amanhã para a Europa.

- Não sofra antecipadamente, João. Nem aja precipitadamente. – aconselhou Marconi. – Nossos filhos precisam aprender a enfrentar o mundo, inclusive tomando decisões.

- Como vou ficar dez dias fora, na Europa, sem saber com quem minha filha está saindo?

- Ligue para ela e pergunte.

- Ela tem aula o dia todo hoje. Vou ligar à noite. Mas e se o namorado dela for o professor de inglês, um cara que tenha carro, moto, que bebe, fuma e sabe o que lá mais? Vou viajar, mas não vou me desligar.

- João, tem que conversar.  A Larissa não tem o perfil de garota que namoraria qualquer rapaz.

- É, tem razão.  Cara, preciso ir. Tenho aula daqui a pouco.

João passou a tarde dando aula. Vez em quando "Pai, estou namorando" relampejava em sua cabeça.  Foi bom conversar com Marconi. Aliviou um pouco a tensão mas, por outro lado, era difícil aceitar que sua garotinha estava se tornando uma mulher.

"Pai, estou namorando" quebrou a barreira.  Não era mais ele, João Marcos, o homem da vida de Larissa. Quando separou-se de Gilsa, mãe de Larissa e Talita, sua outra filha, ele aproximou-se muito das pequenas.  Sempre passou todos os finais de semana com elas, principalmente quando eram menores, salvo algumas exceções.  Casara-se novamente há três anos com Eulália, uma mulher diferente de todas as que havia conhecido. Era doce, mas sabia agir com grosseria.  Era maternal, mas sabia ser amiga. Era bonita, mas sua beleza não era evidente.  Era sofisticada, mas esbanjava simplicidade.  Era simples, mas sabia fazer-se complicada. Não tinha ciúme de suas filhas e lhes dedicava afeto. E as garotas notavam isso.  Eulália era uma pessoa boa, mas gostava de dizer que era má. Era, para João, uma pessoa de contrastes. Os mais deliciosos contrastes.

Ao fim do dia, voltou para casa, sentindo-se melhor, apesar do "Pai, estou namorando" não sair-lhe da cabeça. Sua mulher ainda não estava em casa. "Deve ter ido à academia. Vou fazer a barba" – pensou. Fez a barba, tomou banho. Ligou a televisão. Aquela frase latejava-lhe os miolos: "Pai, estou namorando."

- Amor, cheguei! Estou morta, a aula foi puxada hoje. Preciso de um banho urgente! – E entrou para o banheiro. Eulália também tivera o primeiro namorado aos dezesseis anos, mas casou-se com trinta e dois. Formou-se, especializou-se e tinha um bom emprego. Estava com trinta e cinco anos e era quinze anos mais jovem que João Marcos.

- Tenho uma novidade: Larissa está namorando – contou logo que Eulália saiu do banheiro. Ela me falou de um jeito péssimo. Saiu do carro, disse "Pai, estou namorando", virou as costas e foi embora.  Não me disse quem era o rapaz, nada. E o pior, amanhã embarco para a Itália. E se esse namorado for um homem mais velho, por exemplo, o professor de inglês? – disse João Marcos, quase pedindo socorro.

Eulália fitou-lhe e viu uma ruga de preocupação em sua testa:

- Ligue para ela. Converse com calma. Não faça cobranças. Pergunte apenas quem é seu namorado. E tenha certeza de uma coisa: ela já está com ele há algum tempo.

- Como assim, há algum tempo? – indagou, o olhar confuso, quase em desespero.

- Ela não vai assumir um relacionamento sem algumas certezas. É provável que ela tenha esperado o namoro ficar mais firme, até assumir. Ligue para ela. Não gostaria de viajar aflito, não é mesmo?

- Tem razão. Vou ligar. Mas se for o professor de inglês, ficarei mais desassossegado.

Eulália ajudava João Marcos com as filhas. Eram adolescentes e seu marido tinha pouco tato para lidar com garotas. Ela tinha trinta e cinco anos, não tinha filhos e, pelo menos por enquanto, não planejava tê-los. Amava as enteadas, apesar de alguns dias serem melhores sem elas por perto. Na realidade, exercia seu lado maternal com as meninas.  Larissa, com dezesseis anos, era uma garota doce, comunicativa, alegre e linda. Talita era mais possessiva com pai, às vezes tinha ciúme de Eulália, mas era também uma menina doce, prestativa, companheira. Tinha doze anos.

- Larissa não estava em casa. Saiu com o Ítalo, o namorado. Quem me falou foi a Lita. Deixei recado para ela me ligar. O que faço agora? Espero?

- Espere e vamos jantar.  Tente relaxar, as coisas não são assim.  A Larissa é uma menina muito inteligente e esperta. E, sinceramente, não acredito que rapazes brutos e de um nível social mais baixo do que o dela façam seu tipo...

- Meu Deus! Não tinha pensado nisso! E se ela estiver namorando um peão?

- Não está. E se estivesse, o que isso importa? Se for um bom rapaz, respeitador e que trabalhe e estude, sinceramente, acho até melhor. Ela só convive com "filhinhos de papai".

- Amor, você realmente tem uma outra percepção do mundo, das pessoas. Concordo com você, mas passei o dia ouvindo repetidas vezes em minha mente "Pai, estou namorando".

- Fique sossegado.  Os tipos de lugares que ela freqüenta, onde possa ter conhecido esse rapaz, não são lugares freqüentados por broncos ou brutamontes. Além disso, a Larissa é muito crítica. Não vai se interessar por rapazes bobos.

Jantaram e namoraram muito naquela noite.  Eram um casal feliz.  "Pai, estou namorando" latejou-lhe de novo a mente. E Larissa? Será que estaria feliz com seu namorado? Será que desprezaria o pai?  Não conseguia dormir. Larissa não retornara a ligação e logo cedo, Eulália o levaria até o aeroporto.  

No aeroporto, não havia fila. O check-in foi feito rápida e facilmente.  Eulália abraçou-o e beijou-o:

- Boa viagem, meu amor. Escreva, dê notícias assim que puder. E não se esqueça: te amo!

- Tchau, querida.

Embarcou. Celular desligado. Não tivera coragem de ligar para Larissa. Concluiu que era melhor passar dez dias longe com a frase "Pai, estou namorando" na cabeça, do que "Meu namorado é o meu professor de inglês". Sim, estava se enganando, mas precisava se acostumar com a ideia.

Os dias que se seguiram foram calmos. Eulália tinha uma rotina tranquila. Encontrou com os sobrinhos de João Marcos, visitou a sogra, foi à academia, trabalhou, almoçou com as amigas. Mas estava difícil dormir. Acostumara-se rapidamente à segurança de ter João ao seu lado na hora de deitar-se. A cama ficou grande demais. Vencida pelo cansaço, adormecia somente quando era madrugada e dormia poucas horas. O telefone tocou. Que horas eram? Alta madrugada. "Quem será a essa hora?" – pensou em seus pais e seus irmãos que moravam longe.  Aflita, atendeu ao telefone.

- Alô, é da casa da mãe da Larissa? – disse uma voz de menina.

- Não, é da casa do pai dela. – respondeu Eulália, o coração saltando pela boca.

- Eu queria falar com pai dela.

- Ele está viajando.  Quer deixar algum recado? – indagou Eulália, na esperança de obter alguma informação.

- Não, obrigada. – E desligou.

Eulália não pregou os olhos o resto da noite. Estava apavorada. O que havia acontecido com Larissa?

O dia amanheceu e depois que o sol já estava alto, Eulália resolveu ligar para Larissa.

- Oi, Larissa! Como você está querida?

- Eulália! Estou bem, e você?

- Preocupada contigo, menina. Ligaram aqui em casa de madrugada atrás do seu pai. Aconteceu alguma coisa?

- Não foi nada, Eulália. Ontem saí com algumas amigas, comi alguma coisa que não fez bem, passei mal e ficaram preocupados e, ao invés de ligarem para a minha mãe, ligaram para o meu pai. Mas, por favor, não comente nada com ele.

- Está bem.  Mande um beijinho para a Talita.

Não colou.  Uma pessoa que passa mal por comer alguma coisa, não poder dar um telefonema? Causou tanta preocupação aos amigos – adolescentes geralmente não se preocupam com nada – que eles tomaram a drástica atitude de procurar os pais da garota? "No mínimo, ficou de porre" – pensou Eulália.

Mas o que fazer? Será que Eulália deveria contar para João Marcos ou guardar segredo, como Larissa pedira? Não queria trair a confiança da enteada, mas também não poderia esconder algo grave do marido. Decidiu contar-lhe quando voltasse de viagem.

Quando João Marcos voltou, Eulália relatou sobre o telefonema. João ficou preocupado. Não sabia quem era o namorado de Larissa e não podia dizer que sabia do telefonema de madrugada, porque não queria abalar a confiança da filha na madrasta. "Pai, estou namorando" não lhe deixou os pensamentos um dia sequer. Telefonou para Larissa:

- Oi, filha! Cheguei. Como estão você e sua irmã?

- Estamos bem, pai. Como foi a viagem?

- Foi boa. Filha, conte-me sobre seu namorado. – João Marcos sentia-se mais confiante, apesar da preocupação.

- É um garoto da escola.

- E...

- Terminamos há alguns dias. Fiquei tão triste, mas já passou.

- A vida é assim mesmo, filhinha. Vamos tomar um sorvete à tarde? Chame sua irmã.

- Oba! Vamos sim! Estou com saudades, papai.

- Trouxe algumas lembranças da Itália.  Espero que gostem.

Papai! Como era bom ouvir essa palavra! Ela não deixara de ser sua garotinha. E o amava. Podia sentir o amor que suas filhas lhe devotavam. Larissa era uma moça que passava por situações comuns a todas adolescentes.  Sim, a barreira fora quebrada, mas Larissa continuava sendo sua doce filhinha.