RESUMO

O surgimento acelerado de organizações sem fins lucrativos e não governamentais no cenário brasileiro nos últimos anos deu origem a uma gama de possibilidades no que diz respeito à retomada de algumas ferramentas de gestão empresarial de pessoas e sua contribuição para a especificidade do Terceiro Setor, dentre elas a avaliação de desempenho.
Abordaremos, portanto, com base em levantamento teórico uma reflexão sobre as possibilidades de utilização das avaliações de desempenho como instrumento técnico-operativo importante para desenvolvimento de profissionais trabalhadores nessas organizações com fins à construção de ações internas voltadas a sua sustentabilidade.

PALAVRA CHAVE: Gestão de Pessoas, Terceiro Setor, Avaliação de desempenho.


O termo Terceiro Setor surgiu nos Estados Unidos (third sector) e remete-se à união de forças pela sociedade civil no tratamento das expressões da questão social emergentes nas relações sociais. No Brasil, esse termo torna-se mais conhecido e disseminado como "organização da sociedade civil". Em síntese, como coloca Fernandes ao discriminar o Terceiro Setor:

... pode-se dizer que o Terceiro Setor é composto por organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-governamental, dando continuidade às práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato e expandindo o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil. (Fernandes, 1995 e 1996)

Embora os estudos e levantamentos acerca desse setor sejam recentes, sua existência data-se desde os primórdios da humanidade, quando de ações solidárias as pessoas se uniam no apoio ao próximo com doações ou trabalho voluntário. Historicamente, a institucionalização dessas ações filantrópicas se apresentam, sobretudo, após o movimento de redemocratização da sociedade brasileira, em meados da década de 1980, por meio da empregabilidade de profissionais. Nos últimos tempos, sobretudo pela especificidade das demandas atendidas por essas organizações sociais, tem-se intensificado o debate acerca de ações de profissionalização das pessoas e instituições para a prestação de serviços com efetiva contribuição à população usuária e também, para o alcance de financiamento pelo primeiro e segundo setores que garantam a sustentabilidade das organizações da sociedade civil.
Quanto ao contingente de trabalhadores em organizações sociais:

Segundo o RAIS, do Ministério do Trabalho, 1991 existiam mais de 200 mil organizações sem fins lucrativos no Brasil, empregando mais de 1 milhão de pessoas. (Goes, 1995)

Tal realidade demanda cotidianamente das organizações da sociedade civil, uma postura interventiva no desenvolvimento dos profissionais que nelas trabalham, no sentido do fomento a ações inovadoras direcionadas à efetividade no atendimento aos usuários dos serviços, bem como a identificação de iniciativas empreendedoras de trabalho social que contribuam para a sustentabilidade das organizações.
As organizações da sociedade civil são mantidas na grande maioria das vezes por empresas privadas e públicas, direcionando, quase sempre, seu atendimento às expressões emergentes no contexto de quem as financia.
Essa realidade coloca às organizações um grande desafio: manter sua visão e valores independente do condicionante atribuído pelo financiador. Diante da dificuldade em manter o seu trabalho direcionado às suas missões e valores, muitas organizações têm-se voltado a ações de sustentabilidade que garantam a autonomia de seu trabalho.
Segundo McKinsey & Company (2001) "o conceito de sustentabilidade se refere a uma organização ser capaz ou não de manter suas operações sem depender totalmente da doação de recursos por parte de pessoas físicas ou jurídicas".
Embora o conceito de sustentabilidade esteja imbricado na questão econômico-financeira de uma organização, a realidade é que ela transcende e alcança patamares promissores e imersos de possibilidades, construindo uma quebra ao ciclo de dependência do subsídio de empresas e governos. Esse rompimento, dá-se quando a organização profissionaliza-se, desenvolve formas de comunicação que agreguem valor ao trabalho que desenvolvam, avalia e divulga resultados, desenvolve estratégias de negociação com parceiros e investe no patrimônio humano e intelectual de suas organizações.
Segundo Ribas Junior (2005), "o nível de profissionalização das ONGs ainda não é o adequado", pois:

A profissionalização das organizações do Terceiro Setor é um processo que envolve várias dimensões, como, por exemplo, aprimoramento da qualidade dos programas de atendimento, maior capacidade de buscar parcerias e recursos para a sustentabilidade das ações e aprimoramento da competência de gestão e da capacidade de influir em políticas públicas. A busca de profissionalização pressupõe uma autocrítica dos aspectos restritivos da cultura assistencialista na qual grande parte das entidades sociais foi formada, mas também um reconhecimento de qualidades próprias, desenvolvidas no decorrer dessa mesma formação, que lhes permitem desempenhar um papel essencial na promoção do desenvolvimento social: vínculos de confiabilidade com comunidades locais, agilidade no atendimento às necessidades dos grupos de baixa renda, aptidão para prestar serviços em escala humana e capacidade para mobilizar o apoio e a participação popular para a implementação de mudanças sociais necessárias.

Na especificidade do Terceiro Setor, faz-se necessário que se pense em formas de gerenciamento de pessoas e de utilização de ferramentas que trabalhem o patrimônio humano no fomento à criatividade e desenvolvimento de ações voltadas a sustentabilidade das organizações alinhadas a sua missão e valores. Nesse sentido, é possível a utilização de ferramentas utilizadas para gestão empresarial de pessoas, como a avaliação de desempenho adaptada ao Terceiro Setor. Assim, a organização torna-se sendo capaz de identificar e desenvolver talentos, sobretudo, com o objetivo da construção de possibilidades para a sustentabilidade e enfrentamento de situações emergentes de ameaça, inerentes às relações econômico-sociais.
A avaliação de desempenho é uma ferramenta utilizada em gestão de pessoas, com o objetivo de identificar a capacidade e as competências adquiridas pelo profissional para o desenvolvimento de sua atividade laborativa. Segundo Fleury (2004) o desempenho de um profissional é diretamente proporcional a duas condições do ser humano: o "querer fazer", que explicita o desejo endógeno de realizar (motivacional) e o "saber fazer", isto é, a condição cognitiva e de histórico que possibilita o profissional de realizar algum trabalho com eficácia e eficiência.
A avaliação de desempenho trata-se então, de um processo de avaliação que identifica as potencialidades adquiridas e as possibilidades de desenvolvimento do profissional em seu cotidiano, para Carvalho (1998):

A avaliação de desempenho constitui-se numa série de técnicas com a finalidade de obter informações sobre o comportamento profissional do avaliado durante o seu desempenho no trabalho. Contudo, quando colocada em prática, a avaliação de desempenho precisa estar bem planejada quanto a sua forma de aplicação e avaliação, visto que lida com o ser humano como avaliador desse processo. Todos os seus atos estarão envolvidos e presentes em sua avaliação e, por isso, faz-se necessário um esclarecimento bem detalhado do processo avaliativo para os avaliadores.

O processo avaliativo, portanto, não deve ser discriminado como um fim nele mesmo. Existe no decorrer desse processo a necessidade íntima de construção da consciência pelo colaborador de seu pertencimento a uma atmosfera mais ampla, repleta de intencionalidades, com missão e valores que devem sempre ser condizentes com sua expectativa de vida e de desenvolvimento profissional.
No que diz respeito à metodologia da avaliação, existem diversas formas de executá-la, sendo que deve partir da gerência operacional em conjunto com a Diretoria de uma organização ? por se tratar de uma ação estratégica ?, a forma mais concernente a sua realidade, de se desenvolver uma avaliação de desempenho:

? Avaliação 360°: Quando se identifica e consulta todos os funcionários correlatos à função de determinado profissional, inclusive o próprio profissional, no referente ao desenvolvimento de suas atribuições na organização numa abrangência de 360°. Essa forma de avaliação de torna mais rica pelo fato de proporcionar uma visão por vários prismas de um mesmo indivíduo, sobretudo, identificando os ruídos de seu desenvolvimento pela dinâmica das áreas de quem ele depende para realizar suas funções.
? A avaliação para cima: Trata-se de uma outra possibilidade à metodologia anterior, pois, possibilita aos grupos de trabalho avaliar, por vários prismas o desenvolvimento do trabalho de seus gestores ? operacional avaliando e gerência e a gerência avaliando a diretoria.
? Comissões de avaliação de desempenho: Formada por membros de várias áreas correlatas os grupos avaliam o desempenho de indivíduos ou equipes assegurando a imparcialidade da avaliação, permitindo um ciclo heterogêneo de olhares sobre determinado profissional. Aproxima-se da avaliação 360°, mas, diferencia-se, pois permite a mobilidade ou não de membros constituintes das comissões.

Na especificidade do contexto das organizações da sociedade civil existem incontáveis possibilidades de desenvolvimento de ações voltadas à gerência de pessoal. No entanto é necessário que essas iniciativas sejam tomadas como meio estratégico de estabelecimento e sustentabilidade das organizações, não somente avaliando-se, mas também desenvolvendo e retendo profissionais.
Em linhas gerais, é entendendo as dimensões da sustentabilidade que uma organização consegue então construir sua autonomia e desenvolver empreendimentos sociais que venham de encontro à sua missão e valores, adquirindo, desenvolvendo e monitorando profissionais com apreensão da realidade social em paralelo à filosofia da instituição. Entender a base de sua sustentação ? capital humano ?, por meio de ferramentas efetivas de gestão como a avaliação de desempenho proporcionará à organização construir meios concretos de enfrentamento às expressões da questão social.


BIBLIOGRAFIA

ALVES JUNIOR, Maiso Dias (2008). Sustentabilidade na gestão de organizações do terceiro setor: um estudo dos empreendimentos sociais apoiados pela Ashoka, Fortaleza.

FERNANDES, Rubem César (1995). "Elos de uma Cidadania Planetária", Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, ANAPOCS.
___________ (1996a). Privado, Porém Público ? O Terceiro Setor na América Latina. Rio de Janeiro, Relume Dumará.
___________, (coord.) (1996b). Novo Nascimento ? Os evangélicos em Casa, na Igreja e na Política, Relatório de Pesquisa, mimero, Rio de Janeiro ISER.

FLEURY, A. C. C. & FLEURY, M. T. Estratégias empresariais e formação de competências. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

GOES, Sergio (1995). Relatório de Pesquisa para Projeto Filantropia e Cidadania. Rio de Janeiro, ISER.

MCKINSEY & COMPANY. Empreendimentos Sociais Sustentáveis ? Como elaborar planos de negócios para organizações sociais. São Paulo, Peirópolis, 2001.