Valeska Nogueira de Lima1 ? UFCG
Resumo

Nos últimos anos, a literatura infantil tornou-se inseparável da educação, assumindo um importante papel na formação da capacidade leitora das crianças. A literatura infantil possibilita o trabalho com diferentes tipos de textos, tais como narrativas, contos, histórias clássicas e até mesmo o poema. A ausência do poema na sala de aula é algo perceptível na maioria das escolas brasileiras, desse modo pode-se afirmar que este gênero vem ocupando pouco espaço no cenário educacional e na prática pedagógica de muitos professores que afirmam possuir certa dificuldade para trabalhar o poema e, muitas vezes, quando tentam introduzir o gênero em questão nas aulas é com base nas propostas dos livros didáticos que em alguns casos, não proporcionam o desenvolvimento da sensibilidade das crianças. Para grande parte das crianças a escola é o único local em que elas têm contato com a leitura, sendo assim, é no ambiente escolar que elas poderão ou não tornar-se leitores. A ausência do trabalho com poemas na sala de aula implica na não-formação do gosto pelo texto lírico. É indiscutível a importância do poema para despertar o senso poético no aluno e possibilitar o desenvolvimento de uma educação voltada para a sensibilidade das crianças e jovens. Vale ressaltar que no seu cotidiano a criança brinca com a fala, descobre sons, cria rimas e músicas, articula a imaginação à realidade, ou seja, a criança possui uma alma poética. Assim, o trabalho com poemas contribui de maneira significativa para despertar o gosto da criança pela leitura, além de sensibilizá-la para a beleza expressa no texto poético e também desperta a criança para uma percepção mais sensível do mundo. Portanto, o objetivo deste artigo é mostrar a possibilidade de desenvolver trabalhos com o poema na sala de aula de modo que possibilite a formação de leitores que produzem sentido no que leem. Este trabalho visa compartilhar experiências com todos que acreditam no poder da literatura infantil, especificamente os textos poéticos. Ressalta-se que este trabalho não busca apresentar fórmulas para o trabalho com o poema, mas sim servir de encorajamento para os professores que estejam dispostos a desenvolverem um trabalho satisfatório com o texto poético. Se a criança irá se tornar ou não um leitor de poemas não se pode afirmar, mas é necessário que a escola dê o primeiro passo, oportunizando que a criança conheça o vasto universo da leitura. O poema é um gênero que possui uma riqueza indiscutível, ele possibilita o trabalho com a inflexão, o gesto, o movimento, a fala, a escuta e a recriação da linguagem. Mas vale respaldar que a escolha dos poemas para as crianças deve ser criteriosa, senão corre-se o risco de transformar o poema em uma armadilha para afastar a criança do universo poético. Defendemos que um dos objetivos do professor ao usar o poema no seu fazer pedagógico é possibilitar que a criança contemple as características do texto lírico e desperte o gosto para esse tipo de texto. Neste trabalho, tomando como referenciais teóricos trabalhos de Monteiro (1965), Cademartori (1987), Mello e Turchi (1995), Aguiar (2001), Pinheiro (2007), entre outros, ressalta-se que o poema deve estar presente na sala de aula assim como os demais gêneros literários que possibilitam o trabalho ativo com a linguagem oral para a formação de bons leitores. O trabalho realizado com poemas numa turma de Maternal (crianças de 2 a 3 anos de idade), numa escola da rede privada de Campina Grande ? Paraíba é o subsídio para a reflexão acerca da importância do trabalho com o poema desde o ingresso da criança na escola. Como resultado do projeto direcionado ao poema obteve-se o visível despertar do

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1. Graduanda do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da Universidade Federal de Campina Grande ? Campus I ? Campina Grande/ Paraíba. E-mail: [email protected]
gosto dos alunos pela leitura literária por meio da vivência com o texto poético e, mais especificamente, o despertar da criança para o lúdico no poema e para a beleza expressa neste gênero. Espera-se com este trabalho contribuir na instauração de uma pedagogia que respeita e incentiva a sensibilidade, a alegria e a criatividade da criança por meio do trabalho com texto poético.

Palavras-chave: Literatura infantil, poema, sensibilidade, sala de aula.


THE POEM IN THE ROOM OF CLASS: REFLECTIONS AND EXPERIENCES
Abstract

In the last years, the infantile literature became inseparable of the education, assuming an important paper in the children's capacity reader's formation. The infantile literature makes possible the work with different types of texts, such as narratives, stories, classic histories and even the poem. The absence of the poem in the class room is something perceptible in most of the brazilian schools, in that way it can be affirmed that this gender is occupying little space in the educational scenery and in practice pedagogic of many teachers that affirm to possess certain difficulty to work the poem and, many times, when they try to introduce the gender in subject in the classes it is with base in the proposals of the text books that in some cases, don't provide the development of the children's sensibility. For the children's great part the school is the only place in that they have contact with the reading, being like this, it is in the school atmosphere that they will be able to or not to become readers. The absence of the work with poems in the class room implicates in the no-formation of the taste for the lyrical text. It is unquestionable the importance of the poem to wake up the poetic sense in the student and to make possible the development of an education gone back to the children's sensibility and young. It is worth to point out that in your daily one the child plays with the speech, she discovers sounds, she creates rhymes and music, she articulates the imagination to the reality, in other words, the child possesses a poetic soul. Like this, the work with poems contributes in a significant way to wake up the child's taste for the reading, besides sensitizing it for the expressed beauty in the poetic text and it also wakes up the child for a more sensitive perception of the world. Therefore, the objective of this article is to show the possibility to develop works with the poem in the class room so that it makes possible the readers' formation that they produce sense in what they read. This work seeks to share experiences with all that believe in the power of the infantile literature, specifically the poetic texts. It is pointed out that this work doesn't look for to present formulas for the work with the poem, but to serve as encouragement for the teachers that are willing develop it a satisfactory work with the poetic text. If the child will become or not a reader of poems one cannot affirm, but he is necessary that the school gives the first step, opportunity that the child knows the vast universe of the reading. The poem is a gender that possesses an unquestionable wealth, he makes possible the work with the inflection, the gesture, the movement, the speech, listens to her and the recreate of the language. But it is worth to back that the choice of the poems for the children should be discerning, or else he takes the risk of transforming the poem in a trap to move away the child of the poetic universe. We defended that one of the objectives of the teacher when using the poem in yours to do pedagogic is to make possible that the child contemplates the characteristics of the lyrical text and wake up the taste for that text type. In this work, taking as reference theoretical works of Monteiro (1965), Cademartori (1987), Mello and Turchi (1995), Aguiar (2001), Pinheiro (2007), among other, it is pointed out that the poem should be present in the class room as well as the other literary goods that make possible the active work with the oral language for the good readers' formation. The work accomplished with poems in a group of Maternal (children from 2 to 3 years of age), in a school of the private net of Campina Grande - Paraíba is the subsidy for the reflection concerning the importance of the work with the poem from the child's entrance in the school. As a result of the project addressed to the poem the visible it was obtained to wake up of the students' taste for the literary reading through the existence with the poetic text and, more specifically, the child's awakening for the diversion in the poem and for the expressed beauty in this gender. It is waited with this work to contribute in the instauration of a pedagogy that respects and it motivates the sensibility, the happiness and the child's creativity through the work with poetic text.

Key-words: Infantile literature, poem, sensibility, class room.

1. Iniciando a discussão

Infelizmente o poema tem sido um dos gêneros menos trabalhados no âmbito escolar, por isso é necessário pensar a função que o poema desempenha na sala de aula e em nossa vida.
Mesmo com as dificuldades para o trabalho com o poema é possível que este gênero contribua para o desenvolvimento da capacidade leitora das crianças e jovens. A escola deve propiciar o contato das crianças com o vasto universo da leitura, para isso é necessário empenho, dedicação e entusiasmo do professor para desenvolver um trabalho voltado para uma educação que proporciona a sensibilidade e a imaginação das crianças.
É indiscutível a importância do poema para despertar o senso poético e a sensibilidade dos alunos. Dessa maneira, a presença do texto poético na sala de aula deve possibilitar o trabalho ativo com a linguagem oral para a formação de bons leitores.
Este trabalho situa a importância da literatura infantil para a formação das crianças, em seguida apresenta algumas reflexões acerca do poema na sala de aula e relata a experiência do desenvolvimento de um projeto relacionado ao gênero lírico. Pretende-se compartilhar ideias e experiências com todos que acreditam no poder da literatura infantil, sobretudo dos textos líricos.

2. Importância da literatura infantil

Durante a década de 80 houve a manifestação de uma literatura voltada especificamente para as crianças e jovens. Até hoje ainda existe uma enorme discussão entre os teóricos para entender a função da literatura infantil: essa literatura tem ou não função educativa?
A origem da literatura infantil está associada à concepção de infância na sociedade ocidental. Mais tarde, a escola passou a ver a literatura como um meio de auxiliar na educação e formação das crianças. Vejamos o que afirma Carlos Drummond de Andrade: "o gênero literatura infantil tem, a meu ver, a existência duvidosa. Haverá música infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária deixa de se constituir alimento para o espírito da criança ou jovem e se dirige ao espírito adulto?"
Inicialmente a literatura infantil tinha a preocupação de oferecer às crianças conhecimentos que ainda não possuíam, os textos infantis eram integrados de elementos formativos e informativos, transformando-se, assim, em apenas um instrumento necessário à instituição escolar. Dessa forma, ressalta-se a função pedagógica que a literatura assumiu durante muitos anos. Sobre isso PALO & OLIVEIRA (1986 apud ALVES, s/d) afirmam que

Extremamente pragmática, essa função pedagógica tem em vista uma interferência sobre o universo do usuário através do livro infantil, da ação de sua linguagem, servindo-se da força material que as palavras e imagens possuem, como signos que são, de atuar sobre a mente daquele que as usa; no caso, a criança.

A literatura infantil tem como parâmetro contos consagrados pelo público infantil de diferentes épocas. No século XVII, o francês Charles Perrault coletou contos e lendas da idade média e os adaptou, formando o que conhecemos por contos de fada. Muitos autores apontam Perrault como o iniciador da literatura infantil.
No Brasil, a literatura infantil só chegou no final do século XIX, até então prevaleceu a literatura oral com o misticismo e o folclore das culturas indígenas, africanas e européias. A obra literária manifesta por meio do fictício e da fantasia um saber sobre o mundo e oferece ao leitor um padrão para interpretá-lo. Conforme Aguiar (2001), a publicação do livro A menina do narizinho arrebitado por Monteiro Lobato é o marco inicial para o desenvolvimento de uma literatura voltada para o universo infantil, constituindo-se assim o que denominamos literatura infantil. Ainda de acordo com a autora, Lobato "revelava a preocupação em escrever histórias para as crianças numa linguagem compreensível e atraente para ela, objetivo alcançado plenamente pelo autor, cuja obra é um dos pontos mais altos da literatura infantil brasileira." (AGUIAR, 2001, p. 25).
"A literatura, e em especial a infantil, tem uma tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em transformação: a de servir como agente de formação, seja no espontâneo convívio leitor/livro, seja no diálogo leitor/texto estimulado pela escola." (Nelly Novaes Coelho, s/a). Com base nesta afirmação podemos destacar a importância da literatura infantil para a formação do pensamento crítico, da autonomia do pensamento e para o desenvolvimento da capacidade leitora e imagética da criança. Conforme Cademartori (1987, p. 19) "a convivência com textos literários provoca a formação de novos padrões e o desenvolvimento do senso crítico."
A literatura infantil é escrita para a criança e lida pela criança, mas é escrita por um adulto, esse fato evidencia a relação existente entre o adulto e a criança no universo literário infantil, por isso é importante destacar que para que haja qualidade nas obras infantis é necessário o rompimento com a lógica do adulto na produção dos livros infantis, já que a lógica do pensamento da criança difere da do adulto.
O contato inicial com a literatura infantil não exige o domínio do código escrito, as crianças gostam de ouvir histórias, poemas, contos de fadas; ela produz sentido na leitura das imagens e cria sua própria versão da história contada por um adulto. Por isso, Cademartori (1987, p. 74) afirma que "o papel da literatura nos primeiros anos é fundamental para que se processe uma relação ativa entre falante e língua."

3. A poesia infantil

Para Aguiar (2001), a poesia infantil tem origem na tradição popular, em que os povos primitivos cultivavam o hábito de fazer versos e rimas. Bordini (1991 apud Aguiar, 2001) afirma que "historicamente a poesia infantil seguiu por três caminhos: a apropriação de criações folclóricas nem sempre dirigidas ao público infantil; a criação especificamente para a criança, nos estilos em voga em cada época; a adaptação de poemas clássicos para a infância." (p. 109).
Até a década de 50, a poesia destinada às crianças caracterizava-se pelo conservadorismo formal e pela extrema relação com a pedagogia. Conforme Turchi (1995, p. 155), "lentamente a poesia infantil brasileira se liberta da função pedagógica e da perspectiva tradicional para se manifestar em outras direções: o experimentalismo e a quebra da discursividade; a perspectiva infantil e a tematização do universo cotidiano; a reutilização das formas folclóricas."
A publicação da obra Ou isto ou aquilo de Cecília Meireles, em 1964 é o marco inicial para o surgimento de uma poesia direcionada à criança, é o que chamamos de poesia infantil ou infanto-juvenil. Tendo em vista que até então não havia no Brasil obras literárias que privilegiassem a visão de mundo das crianças.
As obras literárias tratavam-se de produções destinadas à criança, mas produzido por um adulto que tinha uma visão de superioridade diante do destinatário ao qual se dirigia o poema. Por isso, muitas obras assumiam a função de transmitir valores, hábitos sociais, hábitos de higiene, ou seja, havia uma preocupação em preparar o aspecto intelectual e social da criança por meio da literatura infantil, transformando-a em um simples instrumento de aprendizagem. Assim, as poesias para crianças eram marcadas pelo cunho pedagógico moralizante.
A obra Ou isto ou aquilo (1964) traduz o início de uma poesia destinada especificamente ao público infantil, podendo-se assim falar no surgimento de uma verdadeira poesia infantil, na qual seria privilegiada a visão de mundo da criança, bem como os seus sonhos e necessidades. Para Turchi (1995, p. 156) "em Ou isto ou aquilo, o jogo sonoro e visual, a tematização do cotidiano infantil e até o reaproveitamento de formas folclóricas, como a divinha, são atravessados por um estado de alma que funde sujeito e mundo, próprio do lírico."
Conforme Mello (1995, p. 151) "a poesia que atinge o receptor infantil é a que utiliza o jogo de palavras explorando a sonoridade da língua como o faz a poesia popular." E ainda, "no plano temático, a nova poesia infantil dá primazia à ótica da criança na contemplação do mundo." (p. 152).
A poesia infantil apresenta algumas características típicas do gênero: possui versos, estrofes, ritmos e rimas, combinação de palavras, uso da sonoridade da linguagem para dar vida ao texto. Para Aguiar (2001, p. 111) "a ambiguidade, a ênfase na pluralidade de significações, é muito importante porque permite que a criança faça uma leitura plural do poema, aproximando, opondo e descobrindo significados." Podemos complementar as características do poema com a seguinte afirmação de Pinheiro (2007, p. 52) "a poesia já foi conceituada como um jogo da linguagem. Como um modo especial de linguagem, a poesia, através do jogo sonoro (aliterações, assonâncias, rimas, etc.) e semântico, desloca sentidos, cria outros, revitaliza palavras através de associações inusitadas, joga com a tensão entre som e sentido."

4. O poema na sala de aula: algumas reflexões
Geralmente o trabalho com o texto em prosa é priorizado no contexto da sala de aula, sendo o poema o gênero menos prestigiado. Há, inegavelmente, algumas dificuldades do professor em utilizar o poema no seu fazer pedagógico. Silva (2001) considera que "o poema é visto ora como pretexto para o estudo de questões puramente gramaticais, ora é apreciado apenas como uma simples análise." (p. 87)
A ausência do trabalho com poemas na sala de aula implica na não-formação do gosto pelo gênero lírico. A criança é essencialmente voltada para a sensibilidade expressa no poema, mas por que grande parte das crianças não gosta do gênero lírico? É culpa da escola? É culpa dos adultos que a cercam? Para responder a essas perguntas recorremos ao que diz Carlos Drummond de Andrade no artigo intitulado A educação do ser poético2:
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2. O artigo A educação do ser poético foi transcrito do livro Poesia Infantil de Maria da Glória Bordini, p. 55.

Por que motivo as crianças de modo geral são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo? Será a poesia um estado de infância relacionado com a necessidade do jogo, a ausência do conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos do viver ? estado de pureza da mente, em suma? Acho que é um pouco de tudo isso, e mais do que isso, pois lá encontra expressão cândida na meninice, pode expandir-se pelo tempo afora, conciliada com a experiência o senso crítico, a consciência estética dos que compõem ou absorvem poesia.

Conforme Pinheiro (2007, p. 101) "trata-se de buscar uma prática que se define por oferecer textos que possibilitem uma convivência mais sensível com o outro, consigo mesmo, com os fatos do cotidiano, com a vida e com a linguagem, enfim."
É indiscutível a importância do poema na sala de aula para despertar a sensibilidade inerente à criança e o senso poético, além de possibilitar a formação de leitores que possuem uma visão mais sensível do mundo.
O poema é um gênero que possui uma grande riqueza, ele possibilita o trabalho com a inflexão, o gesto, o movimento, a imaginação, a fala, a escuta, a escrita, a recriação da linguagem e a criatividade. Para Pinheiro (2007, p. 53) "a poesia, por sua vez, possibilita o prolongamento da capacidade de jogar, de inventar, de recriar a linguagem, de não cimentar a sensibilidade."
Vale destacar que a escolha dos poemas para o trabalho em sala de aula deve ser criteriosa, o professor precisa estar atento não apenas à qualidade estética do poema, mas também ao grau de maturidade dos alunos, caso contrário, a presença do poema na sala de aula se tornará uma experiência destituída de sentido.

5. O poema na sala de aula: relatando experiências

Conforme Pinheiro (2007, p. 31) "esta nos parece uma condição essencial: iniciar a criança o mais cedo possível no mundo da leitura; seduzi-la desde cedo para a riqueza interior que a leitura pode nos proporcionar." A criança precisa vivenciar a leitura em seus primeiros anos de vida, mesmo que não a realize convencionalmente a criança lê imagens, brinca com os sons, cria músicas, aprecia a leitura de histórias e também pode realizar a leitura por meio da escuta da leitura do professor. Conforme o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p. 141) "ouvir um texto já é uma forma de leitura."
Assim, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p. 140 e 141) aponta como práticas de leitura:



PRÁTICAS DE LEITURA

? Participação nas situações em que os adultos lêem textos de diferentes gêneros, como contos, poemas, notícias de jornal, informativos, parlendas, trava-línguas etc.
? Participação em situações que as crianças leiam, ainda que não o façam de maneira convencional.
? Reconhecimento do próprio nome dentro do conjunto de nomes do grupo nas situações em que isso se fizer necessário.
? Observação e manuseio de materiais impressos, como livros, revistas, histórias em quadrinhos etc., previamente apresentados ao grupo.
? Valorização da leitura como fonte de prazer e entretenimento.


Nesse contexto, em 2007, numa escola da rede privada de Campina Grande ? PB recebi um desafio encantador: desenvolver um projeto de literatura infantil com uma turma de maternal (crianças de 2 a 3 anos) para a realização da II Mostra Pedagógica da escola. No primeiro momento não há como não se questionar: E agora, o que irei fazer? Mas, depois pensar e repensar a proposta as ideias começaram a me inquietar e daí surgiu a ideia de trabalhar poemas.
Mas muitas pessoas podem se questionar: trabalhar poemas com crianças de 2 anos de idade? E para essa pergunta surge a resposta: - Por que não? A resposta é complementada pela belíssima afirmação de Jesualdo Sousa (s/d): "... A criança tem uma alma poética. E é essencialmente criadora. Assim, as palavras do poeta, as que procuram chegar até elas pelos caminhos mais naturais, mesmo sendo os mais profundos em sua síntese, não importa, nunca serão melhor recebidas em lugar algum do que em sua alma, por ser mais nova, mais virgem..."
A proposta de trabalhar o poema com a turma de maternal foi bem aceita pela equipe de coordenação pedagógica da escola. Daí então foi necessário realizar a leitura de alguns referenciais teóricos acerca do tema escolhido para a realização do projeto didático. Vale ressaltar que o trabalho com poemas requer planejamento, assim como os demais gêneros textuais. Conforme Francilda Costa (s/d) "a poesia que deve ser selecionada para a criança não é uma poesia pueril, mas tão somente aquela em que o autor se desnudou com transparência, mas não abdicou de seu mergulho conteudístico." E ainda Pinheiro (2007, p. 20) afirma que "é evidente que vale a pena trabalhar a poesia na sala de aula. Mas não qualquer poesia, nem de qualquer modo."
Ao escolher o poema para a execução do projeto o principal objetivo foi despertar o gosto dos alunos pela leitura literária por meio da vivência com o texto poético e, mais especificamente, estimular a sensibilidade, despertando a criança para o lúdico no poema e para a beleza expressa neste gênero.
Para o desenvolvimento do projeto foi necessário a utilização de aproximadamente dois meses de trabalho em sala de aula. Durante várias semanas as crianças vivenciaram a escuta de alguns poemas de Cecília Meireles, tais como A bailarina, O colar de Carolina, O menino azul, Leilão de jardim, a pombinha da mata; de Vinicius de Moraes, As borboletas, A cachorrinha, O gato, O pato, A casa; de Sérgio Caparelli, As fases da lua e de Olavo Bilac, A boneca.
Os momentos dedicados aos poemas transformavam-se em momentos mágicos, as crianças se "deliciavam" na escuta dos poemas e se envolviam no universo sublime desse gênero.
Depois de propiciar o contato das crianças com o poema era necessária a escolha de apenas um poema para desenvolver o projeto. Esse foi um momento difícil, pois as crianças se encantaram por vários dos poemas lidos, mas devido ao grande entusiasmo demonstrado na leitura do poema As borboletas, de Vinicius de Moraes, resolvi escolhê-lo para o desenvolvimento do projeto. Eis o poema:


AS BORBOLETAS
(Vinicius de Moraes)

Brancas,
Azuis,
Amarelas,
E pretas,
Brincam na luz,
As belas borboletas.

Borboletas brancas
São alegres e francas.

Borboletas azuis
Gostam muito de luz.

As amarelinhas
São tão bonitinhas.

E as pretas então,
Oh, que escuridão.


As crianças se encantaram com as cores das borboletas e as características de cada uma apresentada no poema.
Para iniciar o trabalho especificamente com o poema As borboletas foi feita uma roda de conversa em que os alunos expressaram sua opinião sobre o poema e a forma peculiar de cada criança experimentá-lo. Dentro de uma caixa surpresa foram colocadas algumas gravuras de borboletas que juntamente com um cartaz composto pelo poema ilustraram o mural na sala de aula. Além disso, o poema foi lido de forma expressiva para despertar o prazer e a satisfação dos alunos.
Conforme Pinheiro (2007, p. 77) "a poesia quando preenche a sala de aula pode transbordar e inundar outros espaços e regar outras experiências significativas." Por isso os alunos foram conduzidos ao jardim da escola para a observação das borboletas pintadas na parte interior do muro da escola. E para enriquecer tal observação os alunos perceberam a existência de algumas borboletas amarelas voando sobre as flores do jardim, com isso os alunos logo se remeteram aos versos do poema em que se trata das borboletas amarelas.
Com isso, os alunos aprenderam algumas coisas sobre as borboletas, tais como o habitat, a função que esses animais desempenham na natureza, etc.
Após esse trabalho inicial com o poema, partiu-se para a segunda etapa da execução do projeto: a elaboração de livros individuais e ilustrados acerca do poema. Essa fase do projeto exigiu muito trabalho e dedicação, pois as ilustrações realizadas pelos alunos eram feita individualmente e correspondia a cada um dos versos do poema.
O trabalho realizado com cada aluno possibilitou o contato direto com as crianças, além de testemunhar a criatividade e a imaginação de cada uma delas e a forma como estas penetraram no universo do poema. As ilustrações feitas pelos alunos foram belíssimas, o poema de Vinicius de Moraes ganhou vida e colorido em cada rabisco e em cada tracejado portador de inúmeros significados. Cada criança demonstrou uma maneira diferente de expressar seus sentimentos e deixar transparecer sua alma poética. Conforme Pinheiro (2007, p. 23) "a poesia tem a ver fundamentalmente com a expressão do sentimento e da emoção: e esse sentimento e emoção são particulares, ao passo que o pensamento é geral."
Além disso, as crianças tiveram a oportunidade de conhecer um pouco sobre a história do escritor do poema trabalhado: Vinicius de Moraes.
Certa vez, numa conversa de sala de aula surgiu a ideia de musicalizar o poema, tal ideia possibilitou ainda mais a participação e o envolvimento das crianças. Todos os dias os alunos solicitavam que "cantássemos o poema" duas vezes no mínimo, isso demonstrou o quanto musicalizar o poema foi propício para o trabalho que estava sendo realizado. Da mesma forma que o poema pode se converter em música, a música pode se "converter em recurso para apreciação da literatura", como afirma Maria G. Bordini.
O poema musicalizado passou a fazer parte do repertório musical das crianças, elas demonstravam muita graça e encanto ao cantar e dramatizar cada verso do poema.


6. Os resultados da experiência com o poema

Conforme o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), "as poesias, parlendas, trava-línguas, os jogos de palavras, memorizados e repetidos, possibilitam às crianças atentarem não só aos conteúdos, mas também à forma, aos aspectos sonoros da linguagem como ritmos e rimas, além de questões culturais e afetivas envolvidos." (p. 141). E ainda "são inúmeras as estratégias das quais o professor pode lançar mão para enriquecer as atividades de leitura". (p. 141).
O trabalho com o poema numa turma de Maternal possibilitou às crianças desenvolverem o gosto pela leitura e pelos textos literários.
Ao término do processo de execução do projeto obtiveram-se livros produzidos pelos alunos. Esse material foi apresentado na II Mostra Pedagógica da escola em questão, durante os dias 25, 26 e 27 de setembro de 2007. A escola foi organizada para receber a visita dos pais dos alunos e das demais pessoas da comunidade. Durante três dias a escola apresentou os projetos desenvolvidos por cada série, dentre eles a confecção de livros referentes ao poema As borboletas, dramatização da história dos Três porquinhos, reescrita da história de Chapeuzinho Vermelho, entre outros.
A equipe técnica e pedagógica ficou lisonjeada com a presença de um grande número de pessoas que prestigiaram o belíssimo trabalho desenvolvido com crianças da Educação Infantil.
Durante a Mostra Pedagógica os alunos do Maternal recepcionavam os visitantes cantando e dramatizando o poema As borboletas, isso encantou a todos que prestigiaram o evento promovido pela escola visando a interação das crianças com a comunidade em que a mesma encontrava-se inserida.
Além disso, os livros confeccionados pelos alunos ficaram expostos na sala para o acesso dos visitantes. Ao folhear os livros era possível comprovar o envolvimento e o desenvolvimento de todas as crianças ao longo do processo de execução do projeto.
Ao término da Mostra Pedagógica cada aluno levou seu livro para casa, exibindo orgulhosamente sua produção a todos que o acompanhavam.
Enfim, com os resultados deste projeto é possível perceber que o poema deve ocupar um lugar fundamental no cenário da sala de aula para possibilitar o desenvolvimento da criança em diversos aspectos, tais como o cognitivo, o afetivo, o social e o motor.

7. Considerações finais

O contato com o texto poético não só aproxima a criança ao livro como fonte de conhecimento, como também exerce papel fundamental na formação do aluno-leitor.
O poema oferece à criança a oportunidade de experimentar a potencialidade linguística, descobrindo os efeitos de sentido possíveis de serem produzidos e ampliar gradativamente as possibilidades de conhecer o mundo.
Dessa forma, sem um mínimo de entusiasmo dificilmente o professor poderá despertar a sensibilidade da criança para a riqueza semântica expressa no poema.
A experiência com o poema relatada neste trabalho mostra a possibilidade de despertar o gosto dos alunos pela leitura literária desde o seu ingresso no cotidiano escolar.
O poema deve fazer parte da nossa vida e da vida das crianças, ressaltando-se que esta possui uma alma essencialmente poética. Assim, cabe destacar a ideia de Aguiar (2001) "a poesia infantil só estará plenamente realizada se for capaz de se aproximar do leitor, criar imagens, sons e ritmos que o façam brincar com a linguagem e descobrir novas formas de se relacionar com o mundo."

8. Referências

AGUIAR, Vera Teixeira de (coord.). Era uma vez na escola. Formando educadores para formar leitores. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2001.

ALVES, Valéria, de Oliveira. Entendendo a literatura infantil. Disponível em http://www.sitedeliteratura.com/infantil.htm. Acesso em 19 de agosto de 2009.
BORDINI, Maria da Glória. Poesia Infantil. São Paulo: Ática, 1986.
COSTA, Francilda. A poesia na Literatura Infantil. Disponível em http://www.secrel.com.br/jpoesia/@fc01.html. Acesso em 19 de agosto de 2009.
MELLO, Ana Maria Lisboa de. TURCHI, Maria Zaira. SILVA, Vera Maria Tietzmann. Literatura infanto-juvenil: prosa & poesia. Goiânia: Editora da UFG, 1995.

MONTEIRO, Adolfo Cassais. A palavra essencial: estudos sobre poesia. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1965.

PINHEIRO, Hélder. Poesia na sala de aula. Campina Grande: Bagagem, 2007.

RAMOS, Flávia Brocchetto. A brincadeira na poesia infantil. Disponível em http:// www.ucm.es/info/espetaculo/numero29/brincade.html. Acesso em 26 de agosto de 2009.

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. V. 3. Brasília: MEC/SEF, 1998.
SANTOS, Neide Medeiros. LINS, Graça. Poesia para os olhos e os ouvidos. In: Leia Escola. Revista do Departamento de Letras da Universidade Federal de Campina Grande. Vol. 5, n. 1, 2003.
SILVA, Vaneide Lima. Prosa e poesia na sala de aula: uma proposta de abordagem. In: Leia Escola. Revista do Departamento de Letras da Universidade Federal da Paraíba ? Campus II, Campina Grande ? PB. Ano IV, n. 4 -2001.