O PODER FAMILIAR

Às crianças e aos adolescentes são assegurados direitos fundamentais e, o principal deles, é o direito a convivência familiar, sendo que esta deve acontecer no seio da sua família natural.
Porém, em algumas situações, consideradas de grave risco, torna-se inviável o convívio da criança e/ou do adolescente com sua família natural, por passarem a ter seus direitos fundamentais ameaçados.
Nesse sentido, neste capítulo irá se tecer considerações gerais sobre o exercício do poder familiar nas relações familiares, bem como a destituição, extinção, suspensão e suas causas.

O Poder Familiar - aspectos gerais

A expressão "poder familiar" corresponde ao antigo pátrio poder, termo que remonta ao direito romano: pater potestas ? direito absoluto e ilimitado conferido ao chefe da organização familiar sobre a pessoa dos filhos.1
1- RODRIGUES, Sílvio, Direito Civil: direito de família, p. 353.
Para Bevilaqua2, o conceito de pátrio poder é "o complexo dos direitos que a lei confere aos paes sobre a pessoa e os bens do filho".
2- BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos..., p.357.
Segundo Lobo, o poder familiar representa, resumidamente, o exercício da autoridade dos pais sobre os filhos menores, sempre no interesse destes, representando autoridade temporária, eis que somente existirá até a maioridade dos filhos.3
3- LÔBO, Paulo. Direito Civil: famílias, p. 268.
Diniz ensina que:
O poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho. Ambos tem, em igualdade de condições, poder decisório sobre a pessoa e bens do filho menor não emancipado. Se, porventura, houver divergência entre eles, qualquer deles poderá recorrer ao juiz e a solução necessária, resguardando o interesse da prole (DINIZ, 2002, p. 447).

Bianca (apud Lôbo, 2009, p. 272) também retrata o poder familiar, dizendo que:
"O poder familiar (potestà genitoria) é a autoridade pessoal e patrimonial que o ordenamento atribui aos pais sobre os filhos menores no seu exclusivo interesse. Compreende precisamente os poderes decisórios funcionalizados aos cuidados e educação do menor e, ainda, os poderes de representação do filho e de gestão de seus interesses."

Segundo ensinamentos de Rodrigues (Direito Civil, v. 6, 2002, p.356), poder familiar "é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes."
O ente humano necessita, "durante sua infância, de quem o crie e eduque. Ampare e defenda, guarde e cuide de seus interesses, em suma, tenha a regência de sua pessoa e seus bens. As pessoas naturalmente indicadas para o exercício dessa missão são os pais. A eles confere a lei, em princípio, esse ministério, organizando-o no instituto do poder familiar. (Orlando Gomes, Direito de Família, 1984, p. 389)
No sistema do Código Civil de 1916, o termo empregado era pátrio poder que remonta ao Direito Romano, pois trazia a idéia de um direito absoluto e ilimitado atribuído ao chefe de família sobre a pessoa dos filhos menores, assegurando o exercício do pátrio poder exclusivamente ao marido por ser visto como o chefe da sociedade conjugal. Somente na falta ou impedimento deste é que cabia à mulher esta função, numa clara demonstração de discriminação e subordinação feminina, características da época.
Mais tarde, o rol de direitos da mulher foi ampliado através do advento do Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/1962), que passou a assegurar o pátrio poder a ambos os pais. Mas, ainda assim, este era exercido pelo marido, com apenas a colaboração da mulher e, em caso de divergência de vontades, prevalecia a vontade do varão.
Em 1988, a Constituição Federal, em seu art. 5º, I, concedeu tratamento isonômico4 ao homem e à mulher, outorgando a ambos os genitores o desempenho do poder familiar com relação aos filhos comuns.
4 O reconhecimento da igualdade entre homem e mulher está na CFB/1988. Dispõe o art. 5º, I, da CFB/1988: Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; e art. 226, § 5º da CFB/1988: Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

A evolução da sociedade civil no curso do século XX, em especial após a Segunda Guerra Mundial, conduziu alguns juristas a afirmar que a vinculação do poder concedido aos pais em função dos deveres éticos existentes para com os filhos também passou a ser uma vinculação jurídica. Desse modo, a mudança da terminologia de pátrio poder para poder familiar representa não apenas a busca da equalização dos pais quanto à titularidade e ao exercício do poder familiar, mas também a tentativa de suprimir o ranço autoritário diante da consideração dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, inclusive e principalmente no âmbito do Direito de Família.5
5- OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de, MUNIZ, Francisco José Ferreira. Direito de família. P. 28-29.

De acordo com Lôbo (2009), a definição de poder familiar está em desacordo com as reais funções dos genitores, pois na relação paterno-filial, o foco não é o poder.

Nesse sentido:
A denominação ainda não é a mais adequada, porque mantém a ênfase no poder. Todavia, é melhor que a resistente expressão "pátrio poder", mantida, inexplicavelmente, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), somente derrogada com o Código Civil. Com a implosão, social e jurídica, da família patriarcal, cujos últimos estertores se deram antes do advento da Constituição de 1988, não faz sentido que seja reconstruído o instituto apenas deslocando o poder do pai (pátrio) para o poder compartilhado dos pais (familiar). A mudança foi muito mais intensa, na medida em que o interesse dos pais está condicionado ao interesse do filho, ou melhor, ao interesse de sua realização como pessoa em desenvolvimento (LÔBO, 2009, p. 271).

Tal afirmação vem ao encontro dos princípios elencados no capítulo anterior, especialmente o princípio do melhor interesse da criança e o princípio da afetividade, pois a criança deve receber carinho, cuidado, afeto, educação, entre outros, de forma a desenvolver-se plenamente, como sujeito de direitos. Assim, havendo na legislação a expressão poder, a conotação é diferente, haja vista que a noção de poder remete a uma espécie de poder físico sobre a outra pessoa (Lôbo, 2009).
Ainda com relação à terminologia, ressalte-se que as legislações estrangeiras mais recentes optaram por "autoridade parental", a exemplo da França, que reformou o regime da autoridade parental fundamentando-se na perspectiva do melhor interesse do filho. (Lôbo, 2009). Diniz (2006, p. 377) participa da idéia, ao afirmar que a expressão autoridade parental "melhor reflete a profunda mudança que resultou da consagração constitucional do princípio da proteção integral de crianças e adolescentes (CF 227)", pois o interesse dos pais está condicionado ao interesse do filho.

Nesse contexto, explica-se:
Não só com relação à expressão poder familiar o Código Civil é criticado: repete o que já não tinha nem sentido, nem aplicabilidade na legislação pretérita, em face da ordem constitucional. Aparece como função dos pais a ser exercida no melhor interesse dos filhos. No entanto, não disciplina as questões do poder familiar nos novos modelos de família e mantém o antiquado instituto do usufruto dos bens do filho aos pais (COMEL apud DINIZ, 2006, p. 377).

O Código Civil de 2002, em seu art. 1.6307, descreve o direito dos filhos à proteção familiar8, ressaltando que este deve ser exercido pelos pais.
7 Art. 1.630: Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.
8 No Código Civil de 1916 não havia nenhuma definição de pátrio poder, da mesma maneira que não existe a definição de poder familiar no atual Código Civil.

Lobo (2009, p. 274), afirma que:
Extrai-se do art. 227 da Constituição o conjunto mínimo de deveres cometidos à família ? a fortiori ao poder familiar ? em benefício do filho, enquanto criança e adolescente, a saber: o direito à vida, à saúde, à alimentação (sustento), à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar. Por seu turno, o art. 229 estabelece que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Evidentemente, tal conjunto de deveres deixa pouco espaço ao poder. São deveres jurídicos correlativos a direitos cujo titular é o filho.

O ECA, acompanhando a evolução social, mudou o instituto familiar de forma substancial, deixando de ter um sentido de dominação para tornar-se sinônimo de proteção, "com mais características de deveres e obrigações dos pais para com os filhos do que direitos em relação a eles (DINIZ, 2006, p. 377).
Assim, os pais não exercem poderes e competências privados, mas direitos vinculados a deveres e cumprem deveres cujos titulares são os filhos. Por exemplo, os pais têm o direito de dirigir a educação e a criação dos filhos e, ao mesmo tempo, o dever de assegurá-las. Enquanto estreitamente funcionalizado ao interesse da criança e do adolescente e à formação de sua personalidade, o exercício do poder familiar evolui no curso da formação da personalidade. À medida que estes desenvolvem sua própria capacidade de escolha, o poder familiar reduz-se proporcionalmente, findando quando atinge seu limite temporal.9
9- LÔBO, Paulo ? Direito Civil: famílias. P. 278
Nessa linha de raciocínio, assevera Lima que: (2004, p. 627):
Com a substituição da ideia de predomínio do pai e submissão do filho pela ideia de amparo e proteção do menor, o poder familiar assumiu, nos dias atuais, a feição de um poder-dever, de um direito-função, situando-se numa posição intermédia entre poder e direito subjetivo. É um múnus público, dado o interesse social que envolve, ao qual o Estado mantém-se atento, fixando limites de atuação de seus titulares. O desrespeito a tais limites encontra, no sistema jurídico, uma resposta punitiva ou corretiva.

Salienta-se que os deveres dos pais não são apenas no campo material, mas, principalmente, no campo existencial, notadamente na índole afetiva. A autoridade parental é o meio pelo qual os direitos fundamentais dos filhos (à vida, à educação, à alimentação e sustento, à educação, ao lazer, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, entre outros) são efetivados, de modo a conduzi-los à autonomia responsável.
Segundo ALVES (2001), verifica-se uma nova roupagem do dever de sustento, guarda e educação dos filhos: o papel dos pais não se limita apenas ao simples pagamento dos gastos da sua prole ao final do mês. É inegável, segundo ele, que o pagamento das diversas despesas é indispensável à sobrevivência dos filhos, mas ele não é a única função dos pais, sequer a mais importante, até porque poderia ser facilmente preenchida por um orfanato ou outra instituição de caridade qualquer, talvez até com maior eficiência.
É o acompanhamento psicológico, educacional e mesmo espiritual, o diálogo exercitado cotidianamente, a transferência de maturidade e de lições de vida, a participação efetiva na escolha do colégio, do esporte, da academia de balé, é estar sempre se renovando e se conhecendo para acompanhar as gradativas mudanças dos filhos, enfim, é preparar um ser humano intelectualmente equilibrado e certo dos seus valores para a vida em sociedade que define o verdadeiro papel do pai contemporâneo. (ALVES, 2001, texto digital).

Quanto ao dever de educar, este pode ser entendido, segundo os ensinamentos de Comel (2003, p. 102-103), que expõe:
Implica obrigação de promover no filho o desenvolvimento pleno de todos os aspectos da personalidade, preparando-o para o exercício da cidadania e qualificando-o para o trabalho, seja através da educação informal, seja através da educação formal. [...] Informalmente, a educação acontecerá mediante atuação direta e permanente dos pais na vida do filho, no contato diário que mantém como ele. Essa forma de educação é extremamente importante a boa formação do filho, além de muito mais determinante ao desenvolvimento da personalidade do que a educação formal. É por meio dela que o pai vai passar ao filho os valores que tem como importantes na vida, transmitindo-lhe um ideário filosófico e religioso, bem como vai promovendo o desenvolvimento de virtudes e habilidades que, depois serão moldadas e ampliadas na educação formal. Reveste-se de significativo conteúdo afetivo e emocional, à medida que acontece espontaneamente, na convivência estabelecida com o filho, também de relevante valor no aspecto intelectual e social, refletindo, enfim, na formação do cidadão como um todo e no amadurecimento e aprimoramento da personalidade, com a transmissão de noções e conceitos que se integrarão de modo relativamente estável e duradouro na personalidade do filho. Aliás, é dessa estreita comunhão que resulta o ditado popular: tal pai, tal filho, ressaltando a importância, a gravidade e a extrema responsabilidade dos pais no tocante à educação do filho. A educação formal consiste na escolarização que se realiza em estabelecimento oficial de ensino.

Ademais, o poder familiar deve ser entendido como uma conseqüência da parentalidade, pois deve ser exercido pelos pais, e somente por eles, é irrenunciável, intransferível, inalienável e imprescritível, uma vez que as obrigações que dele surgem são personalíssimas.
Referente às características do poder familiar, convém dizer que ele é irrenunciável, intransmissível e imprescritível:
É irrenunciável porque se trata de poder instrumental de evidente interesse público e social, de exercício obrigatório e de interesse alheio ao titular. Não se reconhece aos pais o direito de abrir mão do poder familiar segundo conveniências ou em proveito próprio. (...) É intransmissível, pois somente pode ser atribuído aos que ostentam a qualidade de pai e de mãe - daí o caráter personalíssimo - não se admitindo sua outorga ou transferência a terceiros, seja a título que for. (...) É imprescritível, então, o poder familiar, não se extinguindo com o não-exercício. (COMEL, 2003, p.75-76).

O art. 1.632 e 1636 do Código Civil10 estabelecem que havendo separação judicial, divórcio ou dissolução da união estável, o poder familiar e a guarda jurídica permanecem íntregos, tanto que, o direito de fiscalizar sua manutenção e educação permanece. Quando a guarda fica com somente um dos pais, ao outro resta apenas o direito a convivência parental. A guarda absorve apenas alguns aspectos do poder familiar (VENOSA, 2000). A falta de convivência sob o mesmo teto não limita e nem exclui o poder-dever, que permanece intacto.
A convivência dos pais, entre si, não é requisito para a titularidade do poder familiar, visto que é um complexo de direitos e deveres. Quando for deferida a guarda de uma criança ou de um adolescente a terceiros, ou estiver ele em família substituta, o guardião passa a exercer algumas prerrogativas do poder familiar, o que, no entanto, não extingue o direito dos pais.
O Código Civil, em seu art. 1.63411, ao elencar as hipóteses de competência dos pais com relação aos filhos menores foi omisso, ao não mencionar o afeto como uma dessas competências.
10 Art.1.632. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos. Art. 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, quanto aos filhos do relacionamento anterior, os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge ou companheiro.
11 Art. 1.634:
Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação;
II - tê-los em sua companhia e guarda;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Nesse sentido, assevera-se que:
Nesse extenso rol não consta o que talvez seja o mais importante dever dos pais com relação aos filhos: o dever de lhes dar amor, afeto e carinho. A missão constitucional dos pais, pautada nos deveres de assistir, criar e educar os filhos menores, não se limita a vertentes patrimoniais. A essência existencial do poder parental é a mais importante, que coloca em relevo a afetividade responsável que liga pais e filhos, propiciada pelo encontro, pelo desvelo, enfim, pela convivência familiar (TEIXEIRA apud DINIZ, 2006, p. 382)

O princípio da proteção integral de crianças e adolescentes acabou por emprestar uma nova configuração ao poder familiar, tanto que o inadimplemento dos deveres a ele inerentes, tutela ou guarda, configura infração suscetível à pena de multa (ECA, art. 249).
Todos os filhos, de zero a 18 anos, estão sujeitos ao poder familiar, que é exercido pelos pais. Não é a verdade biológica, mas a verdade afetiva que lhes assegura a autoridade.

Segundo Silva (2004, p. 40-41):
Trata-se, hoje, não mais de livre autoridade resultante da hierarquia familiar, mas de munus, uma espécie de função correspondente a um cargo privado a ser exercido no interesse dos filhos, devendo os pais cumprir com obrigações impostas pela ordem normativa, sendo esta importante característica da responsabilidade civil presente na relação paterno-filial, pois embora tenha o mundo antigo concebido, sim, deveres aos pais (pelos próprios arbitrados), a concepção de responsabilidades civis surge posteriormente, cabendo-lhes, hoje, certos deveres que escapam ao seu arbítrio, sendo determinados pelo estado.

Assim, como descreve Lôbo (2009), o interesse do filho, pessoa dotada de dignidade, é inerente ao exercício do poder familiar, onde o papel dos pais é o de promover as potencialidades criativas dos filhos, já que assumem muito mais uma função educativa do que propriamente de gestão patrimonial.


Pátrio poder, poder familiar e autoridade parental

Entre os romanos tal instituto era conhecido como Patria potestas, para o legislador do Código Civil de 1916, pátrio poder e poder familiar para o novo Código Civil. Agora, autoridade parental para alguns, poder parental para outros.
Em meio a tantas denominações, fica difícil identificar qual é a que mais reflete o real significado de tal instituto.
Segundo REALE, (REALE Miguel. Função social da família no Código Civil. Disponível em: www.miguelreale.com.br/artigos/funsoc.htm), o legislador do novo Código Civil, procurando adequar-se à Constituição Federal vigente que estabelece igualdade parental no exercício dos deveres que lhe são atinentes, optou por utilizar a expressão poder familiar atendendo à sua proposta.
O século XX, como já visto anteriormente, foi palco de uma grande transformação ocorrida na seara do Direito de Família, onde a família deixa de ser o núcleo chefiado pelo "cônjuge varão" auxiliado pela "cônjuge varoa", de cunho patrimonialista, e assume um novo perfil igualitário baseado nos laços afetivos. A mulher e a criança ascendem socialmente e juridicamente, tornam-se focos de atenções e leis amparadoras de seus direitos.
Atualmente, o modelo familiar matrimonialista ainda é a base da sociedade, só que não se pode olvidar: há novas formas de família. A comunidade jurídica não ficou alheia à evolução social.
Nos últimos tempos, a rotina familiar sofreu várias transformações e, dentre elas, a entrada da mulher no mercado de trabalho e o nascimento de uma parceria parental quanto à criação dos filhos, surgindo uma atribuição de tarefas para cada um dos pais, gerando a figura do pai participativo.
Assim, pai e mãe passaram a dividir tarefas domésticas, pois a mulher passa a exercer, cada vez mais, atividades profissionais fora do lar conjugal e torna-se co-responsável, ou mesmo responsável, em muitas famílias, pelo orçamento familiar.
O pai passa a não ter constrangimento ao demonstrar o amor que sente pelos filhos e se faz atuante nos cuidados com os filhos, troca fraldas, freqüenta reuniões pedagógicas, dentre outras atividades que até então, eram ditas apenas "maternas".
Vê-se, assim que inúmeras são as maneiras de criação e educação dos filhos, tanto quanto à forma como quanto ao conteúdo, mas sempre com o mesmo objetivo: a felicidade dos filhos.
Em face destes novos pais, mães e filhos, não poderia o Direito ficar inerte e foi então repensada a utilização da expressão "pátrio poder" tentando adequá-la a sua atual denominação. (LEVY, Fernanda Rocha Lourenço, Guarda de Filhos: Os conflitos no exercício do Poder Familiar, 2008)
Grande foi a evolução ocorrida nesta relação e os estudiosos do tema em questão muito divergem quanto à terminologia que atualmente melhor a caracteriza, mas, para tanto, se faz necessária uma incursão na natureza jurídica do instituto.
Silvio Rodrigues (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2001, v.6, p.349) observa que modernamente o instituto possui "um caráter eminentemente protetivo, a par de uns poucos direitos, se encontram sérios e pesados deveres a cargo de seu titular". Explica o autor que "para bem compreender sua natureza é mister ter em vista tratar-se de matéria que transcende a órbita do direito privado, para ingressar no direito público uma vez que é de "interesse do Estado assegurar a proteção das gerações novas, pois elas constituem matéria prima da sociedade futura". Por fim, conclui: "o pátrio poder nada mais é do que um munus público, imposto pelo Estado, aos pais, a fim de que zelem pelo futuro de seus filhos".
Sobre um outro aspecto, Elias tece interessante crítica à doutrina que entende que aos pais não resta nenhum direito, somente deveres, e diz: "não se pode afirmar que o titular do pátrio poder não tem direitos, porém esses devem ser exercidos a bem dos filhos". (ELIAS, Roberto João. Pátrio poder: guarda de filhos e direito de visita. São Paulo: Saraiva, 1999, p.6)
Leciona Carbonera (2000, p.71) (CARBONERA, Silvana Maria. Guarda de Filhos na família constitucionalizada. Porto Alegre: 2000, p.71) que a "autoridade parental traduz uma relação onde os pais dirigem seus esforços e proteção para proporcionar aos filhos todas as condições possíveis e necessárias de criação e desenvolvimento de suas personalidades".
Lôbo (2003, p.188) também entende o poder familiar como autoridade, uma vez que "o conceito de autoridade, nas relações privadas, traduz melhor o exercício de função ou de múnus, em espaço limitado, fundado na legitimidade e no interesse do outro".
Foi então que o poder jurídico atribuído aos pais, de matriz autoritária, em face da realidade social e das normas vigentes enfatizaram deveres jurídicos, passando assim o poder familiar a configurar um "dever-poder", que tem por função o melhor interesse dos filhos.
A terminologia pátrio caracterizava bem a antiga feição na relação paterno filial, encabeçada pelo pai, restando à mãe um papel de colaboradora subsidiária.
Em face do novo perfil familiar e dos princípios constitucionais da igualdade entre os cônjuges, tal expressão não reflete com propriedade a atual configuração do instituto, pois a palavra pátrio traz forte em seu bojo a figura do pai e expressa um autoritarismo masculino que, como já se viu, não condiz com a realidade atual.
Percebe-se então que o termo parental é a expressão idiomática que melhor coaduna com a atual configuração do instituto em pauta.
Nesse sentido, Lôbo (2003, p. 188) afirma que parental "destaca melhor a relação de parentesco por excelência que há entre pais e filhos".
Já a expressão familiar, adotada pelo legislador civilista, é por demais ampla, o que leva a concluir ser parental a melhor terminologia, pois faz referência concomitantemente e exclusivamente ao pai e à mãe.
Ainda, Comel (COMEL, Denise Damo. Do Poder familiar. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. p.58), tratando do assunto, pondera que o termo mais apropriado para adequar a terminologia à concepção atual é autoridade parental, utilizada pelo direito francês: "autorité parentale". Autoridade, no sentido lingüístico, conferido ao termo, por ter um sentido mais ameno que o termo poder, ainda que também possa significar poder, mas no sentido de decidir, ordenar, de se fazer obedecer, ou, ainda, significando a força da personalidade de um indivíduo que lhe permite exercer influência sobre pessoas, pensamentos e opiniões, ascendência. Parental, porque quer dizer relativo a pai e mãe, de modo que ficasse assentado no próprio termo que compete tanto ao pai quanto à mãe, e não somente pai, como vocábulo pátrio indica.
Em 1970, o legislador francês optou pela expressão autorité parentale, ou seja, autoridade parental, em substituição à expressão puissance paternelle (poder paternal).
Na Alemanha, a expressão pátrio poder, foi substituída pela expressão guarda familiar, em 1979.
Já, o legislador português optou pela utilização do termo poder paternal e o legislador espanhol utiliza a expressão pátria potestad.
No Brasil, em 2007, o IBDFAM apresentou o projeto de Lei n° 2285/2007, o Estatuto das Famílias, com o objetivo de criar uma nova legislação que visa positivar um Direito de Família mais adequado às necessidades e à realidade da sociedade contemporânea.
Nele, abandona-se a idéia de poder dos pais sobre os filhos voltando à realidade para a expressão "autoridade parental", que, mais do que mudança de nomenclatura, é a viragem para a afirmação do múnus, no melhor interesse dos filhos, além de contemplar a solidariedade que deve presidir as relações entre pais e filhos.
Assim, se aprovado o projeto de lei que cria o Estatuto das Famílias, passa-se a utilizar o termo "Autoridade Parental".


Da extinção, da destituição e da suspensão do Poder Familiar

O poder familiar constitui um munus atribuído aos pais em igualdade de condições sobre as pessoas dos filhos menores e, por isso, deve ser exercido no interesse da criança ou do adolescente. Há interesse social a que o poder familiar seja desempenhado em perfeito atendimento aos princípios e valores constitucionais, razão pela qual existem mecanismos de controle do seu exercício.
A lei estabelece os casos e as condições em que os pais podem ser privados do exercício do poder familiar, de modo temporário (suspensão) ou definitivo (perda). Há, ainda, outros casos em que ocorre a extinção do poder familiar devido ao desaparecimento de algum dado que havia motivado a existência da autoridade parental. (GAMA, Guilherme Calmon Nogueira Gama. Direito Civil: Família ? p.477)

O Estado contemporâneo sente-se legitimado a entrar no recesso da família, a fim de defender a criança e o adolescente que aí vivem. (Rodrigues, Silvio, Direito Civil: direito de família, 368)

Assim, reserva-se o direito de fiscalizar o adimplemento de tal encargo, podendo suspender e até excluir o poder familiar. Quando um ou ambos os genitores deixam de cumprir com os deveres decorrentes do poder familiar, mantendo comportamento que possa vir em prejuízo do filho, o Estado deve intervir. É prioritário preservar a integridade física e psíquica de crianças e adolescentes, nem que para isso tenha o Poder Público de afastá-los do convívio de seus pais. (DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias. 2007. p.386)
Ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 4º, coloca a família como base da sociedade com especial proteção do Estado e determina que esta tem o dever de, em conjunto com a sociedade e o poder público, fazer valer, com absoluta prioridade, a efetivação de direitos fundamentais, entre eles, à convivência familiar e comunitária de seus membros em fase de desenvolvimento.
Sempre que os interesses de uma criança ou um adolescente estiverem sendo lesados pelos seus próprios responsáveis, cabe ao Estado intervir, por meio do Conselho Tutelar, Ministério Público, Serviços de Apoio e Poder Judiciário, podendo ocorrer a extinção, a destituição ou a suspensão do poder familiar.

Segundo LÔBO (2009, p.278):
A extinção do poder familiar representa seu exaurimento por fato próprio, relacionado à circunstância da própria existência do poder familiar, não sendo necessária qualquer ação judicial específica e, portanto, não havendo sentença. A extinção não decorre da aplicação de qualquer sanção aos pais, diversamente do que ocorre na perda e na suspensão do poder familiar. A extinção é a interrupção definitiva do poder familiar.

O art. 1.635 do Código Civil determina, em seus incisos, as hipóteses de extinção do poder familiar, sendo que estas são exclusivas, não se admitindo outras, porque implicam restrição de direitos fundamentais.

A primeira hipótese de extinção do poder familiar, diz respeito à morte dos pais, porquanto o falecimento dos pais torna órfão o filho que, desse modo, poderá ser colocado em regime jurídico de tutela. De relevo salientar que, se ocorrer a morte de apenas um dos pais, ao outro se reconhece a titularidade exclusiva do poder familiar, o que significa dizer que não houve a extinção do poder familiar, mas sim sua modificação no que pertine às pessoas dos seus titulares.
Da mesma forma, a morte do filho extingue o poder familiar devido à própria circunstância de não mais existir a criança ou o adolescente que pudesse ser tutelado e protegido através do poder familiar.
Outra causa de extinção do poder familiar é a emancipação do filho menor e a sua maioridade. Ambas fazem cessar a sua incapacidade de fato e, por isso, extinguem o poder familiar. A emancipação dá-se por concessão dos pais, mediante instrumento público, dispensando-se homologação judicial, se o filho contar mais de 16 anos. A lei também prevê a emancipação por sentença do juiz.

Conforme ensinamentos de (LÔBO, 2009, p. 282):
A maioridade é atingida, em geral, quando o filho chegar à idade de 18 anos. A referência à maioridade deve ser entendida como abrangente das demais hipóteses de cessação da incapacidade, ou seja, pelo casamento, pelo exercício de emprego público, pela relação de emprego que faça o menor desenvolver economia própria, pelo estabelecimento civil ou comercial e pela colação de grau científico, de difícil realização. Seria inconcebível que o menor pudesse casar, adquirisse a capacidade plena e, malgrado tudo, permanecesse sob o poder familiar dos pais, como ocorria na antiga Roma.


A adoção da criança ou do adolescente por um casal ou por uma pessoa sozinha é considerada, também, causa de extinção do poder familiar, não em razão de qualquer aplicação de sanção aos pais, ao menos como regra.
((GAMA, Guilherme Calmon Nogueira Gama. Direito Civil: Família ? p.477 e 478)
No caso da adoção, extingue-se o poder familiar dos pais biológicos e a criança adotada passa a utilizar o sobrenome dos pais adotantes, terminando qualquer vínculo familiar com os pais biológicos, observando somente o impedimento para o casamento.
(disponível em: http://www.conjur.com.br/2007-set-24/consideracoes_poder_familiar_destituicao) Por Rafael Nogueira da Gama ? acesso em 06 de abril de 2011.
Distingue a doutrina perda e extinção do poder familiar. Perda é uma sanção imposta por sentença judicial, enquanto extinção ocorre pela morte, emancipação ou extinção do sujeito passivo. Assim, há improbidade terminológica na lei que utiliza indistintamente as duas expressões. (SANTOS, Romualdo Baptista dos, O Código Civil de 2002: omissões e distorções quanto ao poder familiar, p.499)


No que se refere à destituição do poder familiar, o Código Civil, em seu art. 1.638, elenca algumas situações em que o pai ou a mãe perderá por ato judicial o poder familiar.

Por sua gravidade, a destituição do poder familiar somente deve ser decidida quando o fato que a ensejar for de tal magnitude que ponha em perigo permanente a segurança e a dignidade do filho. A suspensão do poder familiar ou a adoção de medidas eficazes devem ser preferidas à perda, quando houver possibilidade de recomposição ulterior dos laços de afetividade. A perda é imposta no melhor interesse do filho; se sua decretação lhe trouxer prejuízo, deve ser evitada. O Código Civil enumera as seguintes hipóteses: castigo imoderado, abandono do filho, prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, prática reiterada das hipóteses de suspensão. (LÔBO, 2009, p. 284)

Na vigência do Código Civil de 1916, disse Pontes de Miranda (PONTES DE MIRANDA, F.C. Tratado de Direito Privado, v 9, p.170):

"É possível tirar-se ao pai qualquer direito, inclusive o de representação legal ou de assistência legal ao filho (art. 384, V), sem que isso signifique perda do pátrio poder. Perda somente se dá quando nenhum direito, elemento do pátrio poder (não oriundo apenas da qualidade de pai), resta ao que foi destituído; e de modo definitivo".

Nos casos de extinção por decisão judicial, o poder familiar será exercido unicamente por aquele que não o teve destituído (pai ou mãe). Caso seja destituído o poder de ambos os pais ou caso a criança ou o adolescente não tenha outro parente senão aquele cujo poder foi extinto, poderá ser indicado um tutor ou curador ao mesmo, para que assuma tal função, ou poderá ser atribuído tal poder aos pais adotivos, se for o caso.
(disponível em: http://www.conjur.com.br/2007-set-24/consideracoes_poder_familiar_destituicao) Por Rafael Nogueira da Gama ? acesso em 06 de abril de 2011.

Judicialmente, extingue-se o poder familiar quando comprovada a ocorrência de castigo imoderado, abandono, prática de atos contrários à moral e aos bons costumes e, reiteração de falta aos deveres inerentes ao poder familiar. (art. 1.638 CC).
(DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias. 2007. p.388)

O Estatuto da Criança e do Adolescente também trata da suspensão e da destituição do poder familiar, em seu artigo 129, inciso X, ao estabelecer como medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis a suspensão ou a destituição do poder familiar.
Nestes casos, observa-se o disposto nos artigos 23 e 24 do mesmo diploma legal, que determinam que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar a não ser em casos onde existam outros motivos que por si só autorizem a decretação da medida, sendo que, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.a perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente em procedimento contraditório.

Assim, pode-se observar que, além das situações estabelecidas pelo Código Civil supramencionadas, os pais ainda podem ser destituídos ou suspensos do seu papel, se não cumprirem com o seu dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais (ECA, art. 22).

A vedação ao castigo imoderado revela, no mínimo, tolerância para com o castigo moderado, o que não deixa de consistir em ato de violência à integridade física do filho. Tal permissividade afronta um punhado de normas protetoras de crianças e adolescentes. Desfrutam eles do direito fundamental à inviolabilidade da pessoa humana, que também é oponível aos pais. É dever da família colocar a criança e o adolescente a salvo de toda violência (Art. 227 CF). O castigo físico, ainda que moderado, por certo configura prática de violência. Até a integridade física dos presos é assegurada. Se assim é com o adulto, com maior razão o deve ser em relação à criança ou ao adolescente, ainda que de castigo moderado se trate. (Lôbo, Paulo Luiz Netto, Do Poder Familiar, p. 189)

Prevê o artigo 227 da Constituição Federal que a criança e o adolescente tem direito à convivência familiar e comunitária. O abandono priva o filho desse direito, além de prejudicá-lo em diversos sentidos. A falta de assistência material coloca em risco a sua saúde e sobrevivência, mas não constitui a única forma de abandono. Este pode ser também moral e intelectual, quando importa em descaso com a educação e moralidade do filho. O código Penal, visando reprimir diversas formas de abandono de filho, prevê os crimes de abandono material (CP, art. 224), abandono intelectual (art. 245), abandono moral (art. 247), abandono de incapaz (art. 133) e abandono de recém nascido (art. 134). (GONCALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. VI, 2005, p. 373)
Com a expressão "praticar atos contrários à moral e aos bons costumes" (art. 1.638, III, CC) visa o legislador evitar que o mau exemplo dos pais prejudique a formação moral dos filhos. O lar é uma escola onde se forma a personalidade dos filhos. Sendo eles, facilmente influenciáveis, devem os pais manter uma postura digna e honrada, para que nela se amolde o caráter daqueles. A falta de pudor, a libertinagem, o sexo sem recato podem ter influencia maléfica sobre o posicionamento futuro dos descendentes na sociedade, no tocante a tais questões, sendo muitas vezes, a causa que leva as filhas menores a se adentrarem na prostituição. Mas o dispositivo em tela tem uma amplitude maior, abrangendo o procedimento moral e social sob diversos aspectos. Assim, o alcoolismo, a vadiagem, a mendicância, o uso de substancias entorpecentes, a prática da prostituição e muitas outras condutas anti-sociais se incluem na expressão ?atos contrários à moral e aos bons costumes??. GONCALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. VI, 2005, p. 374)
Ainda, trata-se de causa de destituição do poder familiar, incidir, reiteradamente, nas faltas previstas para a suspensão do poder familiar. Esta causa é inexistente no Código Civil de 1916. A inovação visa obstar que os pais abusem na repetição de conduta que pode ensejar, isoladamente, apenas a pena mais branda de suspensão do exercício do múnus em epígrafe. (GONCALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. VI, 2005, p. 374)

Sobre a suspensão do poder familiar a lei civilista dispõe que se o pai ou a mãe abusar de sua autoridade, deixando de realizar os deveres a eles inerentes, cabe ao juiz, a requerimento de algum parente ou do Ministério Público, adotar a medida que melhor dê segurança a criança ou ao adolescente, podendo até suspender o poder familiar.
A suspensão impede, temporariamente, o exercício do poder familiar e, das medidas representa a menos grave, tanto que se sujeita a revisão. Superadas as causas que a provocaram, pode ser cancelada sempre que a convivência familiar atender aos interesses dos filhos. A suspensão é facultativa, podendo o juiz deixar de aplicá-la. (Silvio Rodrigues, Direito Civil: direito de família, 2002. p. 369)
Segundo GAMA (2008, p.478):
Em alguns casos, podem ser verificadas algumas ocorrências graves, ou o surgimento de determinadas contingências, que indiquem a necessidade da suspensão do poder familiar de modo a permitir o retorno ao poder familiar após a cessação dos motivos que ensejaram tal suspensão.
A suspensão do poder familiar pode ser decretada com referência a um único filho e não a toda prole, como pode abranger apenas algumas prerrogativas. Em caso de má gestão dos bens dos filhos, possível é somente afastar o genitor da sua administração, permanecendo ele com os demais encargos inerentes ao poder familiar.
A suspensão do exercício do poder familiar cabe nas hipóteses de abuso de autoridade: faltando os pais aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos. Os deveres dos genitores são de sustento, guarda e educação dos filhos, cabendo assegurar-lhes (CF 227): vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, além de não poder submetê-los a discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Ainda que, modo expresso tenha o genitor o dever de sustento da prole, o descumprimento desse encargo não justifica a suspensão do poder familiar, pois a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda, nem para a suspensão do poder familiar (ECA 23).
Dezarrazoada a suspensão do poder familiar em face de condenação do guardião, cuja pena exceda a 2 anos de prisão (CC 1.637 §único). Tal apenação não implica, necessariamente, em privação da liberdade em regime fechado ou semiaberto, porquanto a lei penal prevê o cumprimento da pena igual ou inferior a 4 anos em regime aberto (CP 33 § 2°, c), sem falar na possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos (CP 44). Ao depois, existem creches nas penitenciárias femininas, e as mães ficam com seus filhos em sua companhia, ao menos enquanto forem de tenra idade. Como a suspensão visa atender ao interesse dos filhos, descabida sua imposição de forma discricionária, sem qualquer atenção ao interesse da prole. (DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias, 2007. p. 387)
Cabe salientar que a imposição da pena de suspensão é deixada a critério do juiz, o qual levará em conta o grau de descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental, podendo até mesmo deixar de aplicá-la, se, provado o fato determinante, for assegurado que o filho receberá do pai (ou mãe) o tratamento devido (Pereira, 2004).
A legislação não estabelece limite de tempo para que perdure a suspensão, ficando também a critério do julgador a sua duração, assim como a sua possível revogação, levando em conta sempre o melhor interesse da criança ou do adolescente. Transcorrido o prazo determinado pelo juiz, o pai ou a mãe retorna à situação anterior, podendo exercer o poder familiar.
A suspensão pode ser total, envolvendo todos os poderes inerentes ao poder familiar, ou parcial, cingindo-se, por exemplo, à administração dos bens ou à proibição de o genitor ou genitores ter o filho em sua companhia. A suspensão total priva o pai, ou a mãe, de todos os direitos que constituem o poder familiar, inclusive o usufruto, que é um de seus elementos e direito acessório. Assim, como in Toto pars continetur, suspenso o poder familiar com ele se suspende o direito de usufruto. (MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família, v.III, par. 241, p.148)


Procedimentos judiciais e extrajudiciais

O rompimento dos vínculos familiares causa conseqüências negativas nas vidas de crianças e adolescentes. E, atentando para isto, o Estatuto da Criança e do Adolescente reforça essa preocupação em preservar a criança e o adolescente, mesmo aqueles assistidos por programas sociais, junto à convivência familiar, proporcionando assim que os vínculos essenciais ao seu desenvolvimento sejam mantidos e/ou restaurados.
Importante salientar que os procedimentos sempre terão como primeira e mais importante tentativa a garantia da convivência familiar da criança e do adolescente, sempre procurando reintegrá-los a família de origem.

Através de procedimentos extrajudiciais, é que nos casos de violação de menor gravidade, são aplicadas medidas de proteção, através do Conselho Tutelar e do Juiz da Vara da Infância e da juventude.
Normalmente, quem percebe alguma situação diferente ocorrendo com a criança ou com o adolescente dentro da sua própria família, são os parentes próximos, ou vizinhos e amigos, que devem comunicar ao Conselho Tutelar tais acontecimentos.
O Conselho Tutelar então tem a obrigação de investigar e analisar o que está realmente acontecendo e, caracterizadas as hipóteses de violação de direitos, devem aplicar as medidas de proteção, conforme os arts. 101, incisos I a VI, 129, incisos I a VII e 130 do ECA, que vão desde apoio, encaminhamento a cursos de orientação, acompanhamento temporário, inclusão em programas comunitários de auxílio a família, obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar, requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, inclusão em programas de tratamento a alcoólatras e toxicômanos, até a advertência e perda da guarda.
Aplicadas as medidas de proteção e ainda assim, não surtindo resultados, o Conselho Tutelar deverá fazer representação ao Ministério Público, que abrirá procedimento investigatório de direitos individuais, através da instauração de uma Sindicância (art. 201, VII ECA).
O Código Civil, na parte que trata do poder familiar, faz referência ao Ministério Público apenas em uma oportunidade (art. 1.637, CC). Todavia, cabe mencionar que o acompanhamento do Ministério Público nas ações de destituição do poder familiar, assim, como nos demais procedimentos de competência da Justiça da Infância e da Juventude, faz-se indispensável, sob pena de nulidade (Art. 82, inciso II, CPC).
Ao promover ou acompanhar a ação de perda ou suspensão do poder familiar, o representante do Ministério Público atua como parte (art. 81 do CPC e 155 do Estatuto). Se a ação é promovida por outro interessado, participação do representante e o Ministério Público, agora como fiscal da lei, será obrigatória. (CURY, 2003, p.500)
Cabe ressaltar, que o Ministério Público não pode aplicar medidas de proteção, pois a aplicação dessas medidas é de competência apenas do Conselho Tutelar e do Juiz da Infância e Juventude, mas, o Ministério Público pode requisitar serviços públicos e retomar diretamente com a parte interessada, pai e mãe.
Após todas essas medidas serem tomadas e não havendo um resultado satisfatório, chega-se ao procedimento judicial, ou seja, a ação judicial (Art, 155 ECA) que irá proceder à perda ou a suspensão do Poder Familiar. Trata-se de uma ação contenciosa e eminentemente contraditória, proposta por provocação do Ministério Público ou por quem possua legítimo interesse como, por exemplo, pais, avós, tios, irmãos, parentes, sempre tendo em vista o resguardo dos direitos fundamentais da criança ou do adolescente que esteja em alguma das situações de risco relatadas anteriormente.

Por se tratar de matéria relativa à filiação, o procedimento corre em segredo de justiça (ECA, art. 27).
O ECA estabelece alguns requisitos para a elaboração da petição inicial de suspensão ou destituição do poder familiar, tais como: a autoridade judiciária a que for dirigida, a qualificação das partes, a exposição sumária do fato e do pedido e as provas que serão apresentadas, inclusive o rol de testemunhas e documentos (ECA, art. 156, I, II, III, IV).
Trata-se de um procedimento célere, com um prazo de 10 dias para se apresentar contestação, sendo que o prazo máximo para conclusão do procedimento é de 120 dias.
Existindo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvindo o Ministério Público, decretar a suspensão do poder familiar, liminar ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado à pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade, sempre observando o princípio do melhor interesse da criança, e atendendo a ordem de preferências, família extensiva, guarda, etc.
Ao juiz, cabe buscar a certeza dos fatos apresentados. Assim, para melhor decisão, poderá ser determinada a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional, sempre visando o melhor interesse da criança ou do adolescente. A sentença poderá ser proferida em audiência, ou após, como por exemplo em razão do adiantamento da hora ou em função da complexidade da causa, etc., com posterior intimação das partes.
A sentença que suspender o poder familiar é de caráter temporário. Cessando sua vigência, a situação retorna ao que era anteriormente. Já, nos casos de destituição, a medida terá caráter permanente.
Enfim, sempre que verificada a total impossibilidade da criança ou do adolescente de se desenvolverem com dignidade, junto aos pais biológicos, a destituição do poder familiar deverá ser efetivada, levando-se em conta sempre o melhor interesse da criança ou do adolescente.

O artigo 92 do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus incisos, obriga as entidades de acolhimento familiar ou institucional a observarem os seguintes preceitos com relação aos vínculos:
I - preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar;
II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa; e
VIII - preparação gradativa para o desligamento;

No artigo 94 do mesmo Estatuto está elencada a importância do trabalho técnico dentro das entidades, através do levantamento da história de vida de cada criança e adolescente. Uma de suas tarefas é:
VI ? comunicar à autoridade judiciária, periodicamente, os casos em que se mostre inviável ou impossível o reatamento dos vínculos familiares.

Verifica-se assim que esse artigo é de extrema importância para a regularização da situação da criança e do adolescente que se encontram institucionalizados, pois garante a eles, vez que foram esgotadas todas as tentativas de reintegração destes em sua família natural, que tenham, o mais breve possível, o restabelecimento dos vínculos que são fundamentais para o seu desenvolvimento através da inserção em família substituta. Portanto, é de suma importância à atuação da equipe técnica na avaliação da criança e do adolescente institucionalizados, realizando estudos sociais sobre cada um deles e de seus familiares, procurando, em primeiro lugar, a manutenção dos vínculos com a família biológica, com o fim de dar prioridade a reinserção na família de origem e, depois de esgotadas todas as possibilidades, colocação em família substituta.

Desta forma, sendo direito fundamental da criança e do adolescente a convivência familiar é importante que, caso a criança ou o adolescente se encontre em alguma situação em que sua família natural venha a afrontar os princípios elencados no ECA e coloque em risco a dignidade da criança ou do adolescente, deverá o Ministério Público agir em prol destes, interpondo uma ação judicial e, consequentemente, efetivando a destituição do poder familiar, zelando sempre pelo melhor interesse e pela dignidade da criança e do adolescente, distanciando-os de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou até mesmo constrangedor (art. 18 ECA) e assim, fazendo cumprir seu papel como parte, conforme prevê o art. 82, incisos I e II do CPC, sempre lembrando que, outras pessoas que sejam interessadas no procedimento de destituição do poder familiar de uma criança ou de um adolescente também podem propor a devida ação, conforme menciona o art. 155 do ECA.