O PODER DA MÍDIA COMO INSTRUMENTO DE SUPORTE PEDAGÓGICO DENTRO DA FILOSOFIA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE
Adailson dos Santos Sena

RESUMO

A mídia televisiva, hoje, é um instrumento da classe dominante utilizada por esta para manter sua dominação. Carregada de ideologia, engana os operários prometendo-lhes um mundo que estes jamais verão. A TV consegue isso por mostrar um mundo de fantasias. Como se utiliza de imagens, os telespectadores tendem a crer que suas fantasias são mais reais que a própria realidade. Entretanto, se é verdade que a Mídia aliena, também é verdade que ela ensina e educa. A Mídia chega ao aluno bem antes da escola, e quando este ingressa na sala de aula já traz uma carga de informação e de conhecimentos adquiridos através da programação televisiva. Este conhecimento está cheio de ideologia da classe dominante. Esse instrumento deverá auxiliar no domínio dos conteúdos escolares, mas também será uma maneira de descobrir a própria ideologia contida nele.


Palavras-Chave: Alienação, Aluno, Educação Libertadora, Professor, programação, TV.










INTRODUÇÃO

A mídia especialmente a televisão sempre foi, desde o seu surgimento, instrumento de alienação para a classe operária. Ela é como a Igreja, a Escola, o próprio Estado. Inúmeros pesquisadores têm se dedicado a estudá-la, destacando-se opiniões contra e favor. O fato é que a televisão está presente em nossa sociedade e devemos descobrir a melhor maneira de lidar com ela.
A escola, a exemplo da TV, também ajuda na dominação. A escola é um meio excludente e dela, muitas vezes, estão excluídos a maior parte dos membros da classe dominada.
Não pretende esconder o problema de classes, mas escancará-lo. Não pretende esconder que a escola é excludente e nem resolver o problema dessa exclusão; mas alertar os excluídos que chegam a ela de como todo esse processo se dá. Pedro Demo diz (2002, p. 13) "Todo processo educativo só é democrático, se tiver viva a consciência do quanto pode excluir ou camuflar a exclusão." Mas esse processo não tem a intenção de excluir. É bem verdade que também não pode incluir, mas só pode alertar aos envolvidos que a ideologia da classe dominante não precisa ser a sua ideologia. Pretende mostrar ao aluno operário que, a TV e a escola reproduzem uma visão dos que o dominam, dos que fazem as leis, dos que fazem, em todas as instâncias, educação em si. Mas reproduzindo um trecho de um texto Paulo Freire (2000, p. 126), podemos dizer: "Se a educação não é chave das transformações sociais, não é também simplesmente a reprodutora da ideologia dominante." E se a educação não é simplesmente a reprodutora da ideologia dominante, cabe ao educador, consciente dessa realidade, torná-la no que ela é, ou pelo menos no que o educador progressista deve acreditar que ela é: "Instrumento para sua libertação".
É certo que nem todos os professores adotam o modelo de educação libertadora. Talvez até mesmo uma pequena minoria deles assim o faça. Mas isso não impede o educador progressista de fazer seu trabalho de acordo com suas convicções, ao contrário, é condição para tal. Mesmo porque há uma série de professores que apenas se preocupam com o salário no fim do mês, sem o menor compromisso com o processo de ensino-aprendizagem. Há ainda os que, conscientes do seu papel de educador, optam por serem reprodutores da ideologia dominante.
Demo (idem, p. 15) também diz:

O mesmo professor pode, diante de seu patrão, ser "trabalhador", mas, como dono de microempresa, ser proprietário dos meios de produção diante de outros trabalhadores. Por certo, não existe entre professor e aluno relação propriamente de classe, porque não vige o conceito de produção de mais valia.

Mas se não há relação de classe entre professor e aluno, pelo fato de um ser professor e o outro aluno, muitas vezes temos a relação de classe por ser um proprietário e o outro operário. Quando o professor é proprietário, há grande chance de que sua preocupação seja reproduzir a ideologia dominante. Usará então uma educação bancária, de memorização de conteúdos. Quando operário, o educador deverá ser muito mais um elo entre o aluno e o conhecimento. Não deve libertá-lo, posto que ninguém liberta ninguém. Mas deve trabalhar no sentido da libertação de ambos.
Por outro lado, se o professor não liberta, também é verdade que sua atuação na sala de aula pode ser ponto decisivo para o sucesso ou fracasso do educando. É como diz Paulo Freire (2005b, p. 47):

Podemos concorrer com nossa incompetência, má preparação, irresponsabilidade, para o seu fracasso. Mas podemos, também, com nossa responsabilidade, preparo científico e gosto do ensino, com nossa seriedade e testemunho de luta contra as injustiças, contribuir para que os educandos vão se tornando presenças marcantes no mundo.

É por isso que se preparando e conhecendo, o professor também pode ajudar o aluno a preparar-se e conhecer. Não transmitirá ao aluno conteúdos, mas o ajudará a buscá-los.Quanto a televisão, é necessário trazê-la para a sala de aula, pois já que essa também educa, é dotada de um determinado saber. Como a TV faz parte da vida do educando, o saber que transmite também tem relação íntima com sua vida.

Já o saber escolar, embora possa e deva ter relação com a vida dos que frequentam a escola, muitas vezes se apresenta como distante dela. Se o conhecimento da escola se distancia das necessidades de vida dos alunos, impedindo que eles assimilem, o resultado escolar será marcado necessariamente pela exclusão daqueles que deveriam dominar esse conhecimento, reproduzindo de forma conservadora a vida desigual dessa sociedade, onde poder traz saber. (KRUPPA, 2005, p. 31)

Unindo a programação televisiva e a escola, teremos mais um instrumento que ajude o educando a relacionar a aprendizagem com a vida diária. Dessa maneira, ajudando também o aluno a dominar os conteúdos estudados e escapar a alienação impostas por estes. Dominar a ideologia é necessário para que não seja dominado por ela.

A NEUTRALIDADE DA TELEVISÃO
Marx e Engels (2003, p. 26) afirmam que "A história de toda a sociedade existente até hoje tem sido a história da luta de classes". Todos os meios de produção sempre colocaram em lados opostos classes diferentes e antagônicas, baseadas sempre a exploração de uma dessas classes sobre a outra. Assim era na sociedade antiga, com senhores e escravos; depois, na sociedade feudal, com o senhor feudal e o servo. E agora no capitalismo, com burgueses e proletários: "Para que exista capitalismo faz-se necessária a concentração da propriedade dos meios de produção em mãos de uma classe social e a presença de uma outra classe para a qual a venda da força de trabalho seja a única fonte de subsistência." (CATANI, 1992, p. 8).
Seguindo essa mesma linha de pensamento, Freire (2000, p 111) fala a cerca da neutralidade da educação. Segundo ele, educação não pode ser neutra ou indiferente, mas que também está comprometida com os interesses da classe dominante, cabendo ao educador conduzi-la, ou no sentindo da manutenção ou da transformação. Freire afirma: "A educação não vira política por causa da decisão deste ou daquele educador. Ela é política." (2000, p. 124).
Ora, se Justiça, Educação, Filosofia, Ciência e tudo o mais no gênero humano não é neutro, muito menos pode ser a Indústria Cultural, onde se inclui a programação televisiva. Quanto a esta última, Calazans (1992) fala sobre o telejornalismo. Segundo ele, mesmo os gestos, o olhar, a expressão de aprovação ou desaprovação do apresentador ou repórter, subliminarmente, leva a essa ou àquela tendência. Portanto, assim como diz Freire sobre a educação, também a televisão é política: "... e é a força manipuladora do telejornalismo, jogando bem rápido muita informação diversificada, passando no subtexto, nas entrelinhas toda uma visão de mundo ou ideologia das agências de notícias que selecionaram o material distribuído." (idem, p. 30).

A televisão tem, portanto, a capacidade de tornar-se instrumento eficaz para uma ação de pacificação e controle, a garantia de conservação da ordem estabelecida através da proposta contínua daquelas opiniões e daqueles gostos médios que a classe dominante julga mais próprios para manter o status quo. (ECO, 2004, p. 346)


Podemos concluir também que a programação televisiva depende de quem a controla. Essa programação pode estar a serviço da manutenção ou da transformação da ordem vigente. Assim, a programação pode ser um meio que sirva a classe burguesa, para a reprodução das normas sociais vigentes. Mas também pode ser um meio que sirva à classe operária, no sentido de sua libertação ou redenção.
O homem, entretanto, tem que ter a consciência de que vive para transformar o mundo, para fazer história. Nas palavras de Freire (2000, p. 64):




Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura, sem tratar sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível.


E se não é possível viver sem atuar, se não é possível a neutralidade, é necessário saber de que lado atuar. Ou no sentido da manutenção ou da transformação.

A FILOSOFIA LIBERTADORA
A filosofia libertadora, é uma educação que valoriza o papel do educando no processo educacional. Valoriza, sobretudo, uma crença no povo. Por ser, também, um processo revolucionário, enfatiza a crença no povo como fator primordial da revolução. "E crer no povo é condição prévia, indispensável à mudança revolucionária. Um revolucionário se conhece mais por essa crença no povo, que o engaja, do que por mil ações sem ela." (FREIRE, 2004, p. 4).
É interessante notar que, essa filosofia libertadora, dentro do modo de produção capitalista, ou em qualquer tipo de Estado em que a dominação de uma classe sobre a outra seja o pilar de sua sustentação, não tem como institucionalizar-se, pois jamais uma classe permitiria a outra uma forma de educação em que fosse possível ao educando questionar a situação. "Seria uma contradição se os opressores, não só defendessem, mas praticassem uma educação libertadora." (FREIRE, 2004, p. 41). A educação libertadora é, portanto, para ser implantada, institucionalmente, em um momento posterior ao capitalismo. É para ser a educação institucional em um Estado onde uma minoria não tenha privilégios graças à exploração de uma minoria. Este fato, não quer dizer, de maneira nenhuma, que não seja tarefa principal de cada educador progressista a busca por levar à sua sala de aula uma proposta libertadora de educação. Se essa proposta não é institucional, é, ao menos, um objeto de luta para cada educador e educadora progressista.



A pedagogia libertadora, formulada pelo professor Paulo Freire, tinha, em princípio, uma proposta educativa a ser efetuada fora da escola. Mais recentemente, muitos educadores vêm trabalhando para levar o seu pensamento e sua proposta pedagógica para o âmbito escolar, nem sempre com muito êxito." (LUCKESI, 2005, p. 83)

Se, como diz Luckesi, os professores não têm, muitas vezes, sucesso ao tentar implementar, em sala de aula, uma prática libertadora da educação; outras vezes, com certeza eles são bem sucedidos. Enquanto a institucionalização não vem (com o fim do capitalismo), cada professor progressista pode aplicá-la individualmente.


A FILOSOFIA LIBERTADORA VERSUS EDUCAÇÃO BANCÁRIA
Segundo Luckesi (2005), a educação divide-se em três tendências distintas; uma como redenção da sociedade, outra como reprodutora e uma terceira tendência transformadora, onde se insere a educação libertadora.
Essa classificação traduz as palavras de Freire em relação à educação como ato político. Para Luckesi, um das tendências da educação tem por objetivo redimir a sociedade, justificá-la. A uma outra tendência cabe reproduzi-la, adequar o homem para o viver social dentro de suas regras. Essa segunda tendência parece ser derivada da opinião de Durkheim sobre educação.
Observe o modo que são educadas as crianças. Quando reparamos nos fatos tais como são, e como sempre foram, salta aos olhos que toda a educação consiste num esforço contínuo para impor às crianças maneiras de ver, de sentir e de agir às quais ela não teria chegado espontaneamente. (DURKHEIM, 2004, p. 35)

Quanto à terceira tendência, certamente é a de Paulo Freire. Ela teria por objetivo transformar a educação, torná-la instrumento de auxílio à transformação da sociedade. A respeito dessa terceira tendência explica Luckesi ( 2005, p. 48):

A terceira tendência é a que tem por perspectiva compreender a educação como mediação de um projeto social. Ou seja, por si, ela nem redime nem reproduz a sociedade, mas serve de meio, ao lado de outros meios, para realizar um projeto de sociedade; projeto que pode ser conservador ou transformador. No caso, essa tendência não coloca a educação a serviço da conservação. Pretende demonstrar que é possível compreender a educação dentro da sociedade, com os seus determinantes e condicionantes, mas com a possibilidade de trabalhar pela sua democratização.

Dentre os instrumentos de luta da educação libertadora está o combate a educação dita bancária. É chamada bancária porque transforma o aluno em um simples receptor de conteúdos que o professor deposita. Não há diálogo, mas apenas monólogo. O educador bancário é, antes de tudo, um palestrante. "Eis aí a concepção ?bancária? da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos e guardá-los e arquivá-los." (FREIRE, 2004, p. 58). A educação bancária também é uma educação vertical. Nela o professor é o todo poderoso, senhor absoluto de todo o conhecimento, enquanto o aluno nada sabe. A educação bancária não valoriza o educando, mas o transforma em um ser mecânico. Para ela, o melhor aluno é aquele capaz de repetir os conteúdos transmitidos pelo professor, sem questionamentos. O aluno que questiona jamais será um bom aluno para os adeptos desse modelo educacional.
A educação bancária, certamente, é oposta à educação libertadora. Observemos o que diz Paulo Freire (2004, p. 73) acerca da diferença entre ambas: "Enquanto a concepção ?bancária? dá ênfase à permanência, a concepção problematizadora reforça a mudança." Segundo Freire a educação bancária é a educação ideal para a classe dominante, como a educação é um ato político, cabe o educador escolher entre este ou aquele modelo educacional. Visto que na sociedade capitalista, a educação libertadora não tem como institucionalizar-se. Então a educação institucionalizada é a educação bancária, que favorece a perenidade da situação e nega qualquer tipo de mudanças. O educador bancário é um repetidor do conteúdo que favorece a classe dominante. O educador libertador procura influenciar o aluno a questionar, inclusive e principalmente, a situação atual, sempre no sentido da mudança, jamais no da manutenção.
Como tudo o mais no gênero humano, a educação não é neutra, cabendo ao educador escolher entre o caminho que quer seguir. Ou seja, se quer orientar seus alunos no sentido da acomodação ou do questionamento em relação à ordem vigente. Quando Freire diz "...nem sempre percebido por muitos dos que a realizam..." está querendo dizer que quando o professor pensa fazer uma opção pela neutralidade (ou mesmo quando acredita não está fazendo opção nenhuma) acaba aderindo ao lado mais forte, ao lado opressor, muitas vezes sem mesmo saber disso.

O EDUCADOR LIBERTADOR
O papel do educador progressista, que esteja de acordo com uma concepção libertadora da educação, é de conscientizar-se e de conscientizar seus educandos. Deve saber que vive em uma sociedade de classes e que representa a parte da sociedade oprimida. A sua luta por melhores salários, melhores condições de trabalho, maior liberdade na sua relação com os educandos, tudo faz parte dessa luta de classes. "Segue-se que todas as lutas no âmbito do Estado, isto é, a luta entre democracia, aristocracia e monarquia, a luta pelo direito de voto etc. , etc., são apenas as maneiras ilusórias nas quais se desenvolvem as lutas de classes..." (MARX; ENGLES, 2004, p. 60). Freire está ciente que a luta do educador progressista é apenas uma luta que se desenvolve dentro de um contexto maior, que é a própria luta de classes, por isso afirma:

Entre nós, repita-se, a educação teria de ser, acima de tudo, uma tentativa constante de mudança de atitude. De criação de disposições democráticas através da qual se substituíssem no brasileiro, antigos e culturológicos hábitos de passividade, por novos hábitos de participação e ingerência, de acordo com o novo clima da fase de transição. (FREIRE, 2005a, p. 101).

Pelas palavras de Freire, nota-se que a educação libertadora, a serviço da transformação social, é antes de tudo instrumento revolucionário.
Dentro desse contexto de educação revolucionária, também não pode o educador, ser incongruente com aquilo que fala. Ou seja, suas atitudes devem corresponder a suas ações. Não faz sentido a tão conclamada frase "faça o que eu digo, não faça o que eu faço", pois se nem eu sou capaz de fazer o que digo, como posso esperar que os outros estejam dispostos a fazê-lo. Freire entende isso muito bem, por isso afirma: "A prática educativa em que inexiste a relação coerente entre o que a educadora diz e o que ela faz é, enquanto prática educativa, um desastre." (FREIRE, 2005b, p. 75). Na prática educativa deve haver coerência entre o que o educador diz e o que fala, como completa Freire (2005b, p. 91). "É preciso que o que eu diga não seja contraditado pelo que faço. É o que faço que diz de minha lealdade ou não ao que digo."
Para Freire, essa coerência caminha mais além, não é só o que se diz que deve estar de acordo com o que se fala, mas também deve haver concordância ética entre os conteúdos ensinados. Não posso ensinar que Princesa Isabel libertou os escravos se acredito que, antes da assinatura da Lei Áurea, os escravos já lutavam por sua libertação, em uma luta intensa e sangrenta da qual a assinatura da dita lei foi apenas o resultado. Nem posso ensinar que de fato os negros se tornaram livres após a assinatura da lei, se acredito que há outros modos de escravidão, dentre os quais está o trabalho assalariado, uma relação de escravidão escondida sob as barbas da legalidade. Se é essa a crença que tem o educador progressista, deve então ensinar o que diz Marx (1987, p. 667) a esse respeito: "O escravo romano era prêso [sic] por grilhões; o trabalhador assalariado está prêso [sic] a seu proprietário por fios invisíveis. A ilusão de sua independência se mantém pela mudança contínua dos seus patrões e com a ficção jurídica do contrato."
A relação entre o educador progressista e o conteúdo ensinado deve ser essa relação de crença no que se ensina. Isso não significa esconder o que o outro lado diz. Embora se opte por um dos lados, o educador deve ser ético em mostrar as várias opções e, principalmente, enfatizar em que acredita.

Tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o meu testemunho ético em ensiná-los. É a decência com que o faço. É a preparação científica revelada sem arrogância, pelo contrário, com humildade. É o respeito jamais negado ao educando, a seu saber de "experiência" feito que busco superar com ele. Tão importante quanto o ensino dos conteúdos é a minha coerência na classe. A coerência entre o que digo, o que escrevo e o que faço. (FREIRE, 2000, p. 116)

Freire (2005b) também enfatiza duas outras qualidades indispensáveis ao educador libertador; sejam elas a amorosidade e a humildade. O educador progressista deve ter amor pelo que faz. Educação, então, é um ato de amor. Amor pelo processo educativo, amor pelo educando, pelo conteúdo ensinado; daí advém coerência entre o que se faz e o que se diz. Como esperar que alunos se tornem conscientes de seu papel transformador se o próprio professor não é capaz de um comprometimento com o conteúdo que ensina?
O amor pelo educando também passa pelo saber ouvi-lo, saber respeitar sua opinião e suas diferenças, a sua linguagem muitas vezes não culta, o seu interesse por aprender. A relação entre professor e aluno, dentro da sala de aula, não é uma competição, mas antes deve ser uma relação de amizade. O professor deve manter sua autoridade de professor em ser autoritário. Autoridade com amor jamais será confundida com autoritarismo e nem deve ser sinônimo de arrogância.

O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que "ele se ponha em seu lugar" ao mais tênue sinal de rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento do seu dever de propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios fundamentais éticos de nossa existência. (FREIRE, 2000, p. 66)

Entretanto, o amor de que fala Freire, não pode se constituir em relaxamento diante da aprendizagem; é antes, uma cumplicidade com o aluno e com o ato de aprender. Esse amor, portanto, não pode se furtar a discordâncias, não pode abdicar da discussão como método de se produzir conhecimento. "É preciso contudo que esse amor seja, na verdade, um 'amor armado', um amor brigão de quem se afirma no direito ou no dever de ter o direito de lutar, de denunciar, de anunciar." (FREIRE, 2005b, p. 57).
Por ter amor por seus alunos, o professor não é aquele que vem depositar conteúdos, mas é o que vem auxiliar o aluno na busca pelo conhecimento. Ninguém, em verdade ensina ninguém, por isso, o professor não ensina ao aluno, mas deve ser um intermediário entre este e o conhecimento. Deve deixar que o aluno desenvolva o gosto para aprender, deve, muito mais, um incentivador desse propósito. A esse respeito afirma Luckesi (2005, p. 65):

O professor é um animador que, por princípio, deve "descer" ao nível dos alunos, adaptando-se às suas características e ao desenvolvimento próprio de cada grupo. Deve caminhar "junto", intervir o mínimo indispensável, embora não se furte, quando necessário, a fornecer uma informação mais sistematizada.

A humildade, outra característica indispensável ao educador libertador, consiste principalmente em saber aproveitar aquilo que o educando já traz antes de entrar na escola. O professor não pode ignorar o saber ingênuo do aluno, nem pode achar que ele nada sabe. Como não pode ser um "depositador de conteúdos" o educador progressista também não pode ignorar a vida prática do aluno. O conhecimento que este precisa saber para viver a vida. Acreditar que o aluno nada sabe é, antes de tudo, ignorância. E achar que sabe de tudo, consiste mesmo, na maior de todas as ignorâncias. "...ninguém sabe tudo; ninguém ignora tudo. Todos sabemos algo; todos ignoramos algo." (FREIRE, 2005b, p. 55).
O professor progressista, como não é um "depositador de conteúdos", deve estar sempre disposto a ouvir o que o educando tem a dizer. Nesse sentido é que diz Freire (2005b, p. 56) "Ouvir com atenção a quem nos procura, não importa seu nível intelectual, é dever humano e gosto democrático, nada elitista." Daí vimos que, segundo Freire, também dar voz ao aluno constitui caminho para se empregar uma educação democrática.
Portanto, o papel do educador libertador é, ao lado de seus alunos, lutar para a transformação social; ajudar o educando em sua conscientização. Conscientização enquanto classe dominada e, como isso, luta por sua libertação. Ao educar progressista cabe ajudar o educando a libertar-se e, com isso, libertar a si mesmo.

















CONCLUSÃO

A mídia televisiva também é uma forma de educação. Geralmente é utilizada pela classe dominante. Mas o educador progressista pode também fazer uso dela como uma espécie de antídoto contra a alienação que ela mesma causa.
Temos uma diferença crucial entre as espécies de educadores. Um é o chamado educador bancário, preocupado com a transmissão do conteúdo. Mas há o outro tipo de educador, o educador libertador, para quem interessa a emancipação do educando. Esse educador, não ensina conteúdos, mas ensina a aprender, e também aprende com seus alunos. Por isso também é chamado de Educador-educando, para quem a base da educação é o diálogo:
O tipo de educador que pode utilizar a programação televisiva no sentido de promover, dessa programação, um antídoto contra a alienação que ela mesma causa só pode ser o educador libertador.
O principal ponto de partida de uma educação libertadora é a cumplicidade entre educador e educando. Ambos devem entender que, juntos, são capazes de libertar-se, e que ninguém liberta ninguém.
Só quando entendemos os mecanismos da dominação é que podemos, efetivamente, lutar contra essa dominação.
A alienação presente em toda a programação televisiva existe porque quem controla a programação é a classe dominante e a ela interessa a manutenção da ordem vigente. Por isso, enganosamente, ensina que todos são iguais. Então o operário, para a TV, é igual ao dono da fábrica.













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