O poço “vomitou”...

Foi o que eu ouvi de uma velha sábia senhora moradora da comunidade extrativista de Tucumanduba em Soure, Pará. Estávamos conversando sobre a atual temporada de chuvas no Marajó. Esperei ela completar para eu poder entender o que ela queria dizer. Ao detalhar que em sua casa, quase na beira do lago São Domingos, o poço boca amazonas tinha vomitado de tanta água, isto é, a água era tanta que foi enchendo, enchendo até transbordar pela boca!
– Vomitou! -- Completou ela. Fazia tempo que isso não acontecia. E eu nunca tinha imaginado que um poço vomitava! A imagem é perfeita! O poço que tem boca e a boca que vomita!
Realmente muita água! O inverno marajoara deste ano tá confirmando o que o saudoso Giovanni Gallo, aquele padre italiano “maluco” que fundou o Museu do Marajó e que como poucos marajoaras, incorporou o sentido da vida do grande arquipélago disse um dia: “Marajó, a ditadura das águas”. E é este elemento que domina, impõe suas vontades e somente através do seu bom entendimento o homem vive e sobrevive no Marajó.
As areias das praias mesmo quando a água da maré está lá embaixo continuam úmidas, molhadas até, pelo escorrimento superficial das águas das chuvas que não conseguem mais infiltrar-se no solo. O verdadeiro igarapé que se forma na beira da estrada e que em algumas partes invade também o seu leito, mesmo quando a chuva faz tempo que terminou... Este é o inverno marajoara.
No meio disso tudo, uma explosão atlântica: “O nível do mar está subindo mais rápido do que o esperado”, dizem os cientistas. E em uma simulação -- vejam bem -- si-mu-la-ção, cientistas brasileiros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE, informam que 28% do Marajó desaparecerá se o mar subir apenas 2 metros! E completam, “Em um futuro não muito distante!”. A boca do mar está prestes a vomitar também!

Entre simulações e elucubrações o marajoara vive o seu hoje, montado em seu búfalo ou navegando em sua montaria. Uma notícia científica divulgada sem maiores explicações. Superficial como a boca do poço. Ou sem maiores explicações que o senso comum entenda, decodifique. Sou mais a velha sábia e o seu poço que vomita!