Com enorme frenesi fervilham notícias em certos segmentos midiáticos em torno do pré-sal sempre associado à figura do presidente da república, como se o mar de petróleo descoberto na costa brasileira fosse obra dele e não da natureza.

É incontestável que o Presidente Lula possuiu uma estrela maravilhosa que tem resultado em muito boa sorte a ele e também ao País, a economia vai bem, até emprestamos dinheiro ao FMI, o país está sendo visto no plano internacional como potência emergente, e isso tem de ser respeitado.

O presidente seria tolo se não capitalizasse politicamente em seu favor a descoberta das imensas jazidas petrolíferas, associando a sua imagem ao pré-sal, faz parte do jogo político, por isso, me abstenho de qualquer crítica neste sentido.

A crítica que faço é de outra natureza, mais no sentido de alerta, de conclamação à reflexão e ao debate de toda sociedade e, em especial, da comunidade jurídica que, a meu ver, está apática em torno de questão tão vital para a nação, com exceção da Ordem dos Advogados do Brasil, eleita há séculos pelo povo deste País como a sentinela da lei, da Constituição e da liberdade, cujo Conselho Federal criou a Comissão Especial de Matrizes Energéticas com foco no debate e acompanhamento no Congresso Nacional da tramitação dos quatro projetos de lei enviados pelo governo para alteração da legislação atual que regulamenta a política energética nacional e as atividades referentes ao monopólio do petróleo.

No governo de Getúlio Vargas o povo saiu às ruas em defesa do petróleo; a campanha do "Petróleo é Nosso" resultou na criação da Petrobrás, uma empresa rica e que muito orgulho nos dá por ser detentora hoje de tecnologia de ponta, em grande parte desenvolvida aqui em parceria com as universidades.

Mas é preciso perquirir até que ponto tudo isso resultou em benefícios concretos, efetivos, ao cidadão comum? Com exceção do patrocínio que a Petrobras dá a cultura financiando projetos, shows, peças teatrais e etc., o que mais de bom o povo colheu?

Por óbvio, não se pretende aqui desmerecer a importância da Petrobrás, o objetivo é questionar se, de fato, o petróleo é nosso? Ele pertence ao povo, a um governo ou as empresas, ainda que brasileiras?

Não bastam leis protegendo a extração e a comercialização do petróleo assegurando o monopólio ao Estado, se o resultado de tudo isso servir apenas para enriquecer uma camada da sociedade e não refletir em benefícios diretos e pontuais ao povo como educação, saúde, mais comida à mesa do trabalhador, segurança pública, justiça e previdência social.

E não se trata de defender uma proposta socialista ou assistencialista, muito pelo contrário, tais investimentos interessam ao capitalismo e à economia de mercado. Antes, porém, é prudente que teçamos algum comentário ainda que breve sobre o que se denominou de "A Maldição do Petróleo".

Juan Pablo Pérez Alfonso, fundador da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), dizia que no petróleo não havia o dedo de Deus, mas sim do intestino do demônio, que o petróleo era o "excremento do diabo".

Juan Pablo não era louco, ao contrário, era muito lúcido e sabia bem o que falava. Basta ver países como México, Venezuela, Iraque e outros, riquíssimos em petróleo e com o povo vivendo na miséria, com vergonhosos déficits educacionais, com graves problemas de saúde pública e de segurança, corrupção política, terreno fértil para ditaduras; dos 20 maiores exportadores de petróleo do mundo, 16 são ditaduras e os demais, México e Venezuela, são democracias frágeis, sendo que no México um único partido se manteve no poder por mais de setenta anos e a Venezuela aprovou no início de 2009 a reeleição ad eternum do presidente da república. A maioria apresenta deprimentes indicadores de desenvolvimento humano com enorme desigualdade social e concentração de renda nas mãos de uma minoria privilegiada.

A exportação do petróleo resulta em muito dinheiro em caixa, fica mais fácil importar produtos do que produzi-los o que acaba gerando reflexos debilitantes na agropecuária, na agroindústria e na indústria nacional como um todo, podendo por em risco, futuramente, o fabuloso parque fabril do Brasil construído ao longo de décadas.

Inúmeras outras mazelas ligadas a cognominada "Maldição do Petróleo" poderiam ser enumeradas, mas as já aqui citadas são suficientes para ilustrar os perigos que nos rondam. Passemos a outra questão, haverá como nos defendermos desta maldição?

Eu creio que sim e se o leitor tiver um pouco de paciência darei a seguir a minha opinião. O tema é palpitante e vasto, não comentei ainda sobre o conteúdo dos projetos de lei em tramitação no congresso, os quais conheço em seus prós e contras. Deixarei essa análise técnica para um próximo artigo, já que quero concluir este dando ênfase à ótica sócio-política da questão.

Resumidamente, eu proponho que a lei a ser criada instituindo o marco regulatório do Pré-Sal ou até mesmo uma emenda à constituição, independentemente do modelo que venha a ser adotado, se de partilha, concessão ou misto, que o Congresso Nacional, após o amplo debate com a sociedade, ofereça um projeto para o país com proteçãopara a economia e avanços sociais para a população, com uma legislação que vincule uma parcela significativa da riqueza gerada com a produção petróleo ou gás natural, às determinadas rubricas orçamentárias, não podendo o dinheiro ser gasto de nenhuma outra forma que não seja nos itens enumerados, tais como:

·Educação, cultura e inclusão digital;

·Saúde Pública, combate a fome e a miséria;

·Universalidade do acesso à Justiça, sem pagamento de custas, às pessoas físicas, microempresas e empresas de pequeno porte, com melhorias na prestação jurisdicional.

·Segurança Pública e desportos.

·Previdência Social.

Como foi dito anteriormente, não se trata de uma proposta caritativa, pois sem um maciço investimento nessas áreas o desenvolvimento econômico do país restará prejudicado.

Os investimentos em educação são tão ou mais importantes do que os investimentos em infra-estrutura, telecomunicações e outros. Na visão científica de Eric Hanushek, professor da universidade de Stanford e doutor em economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, não basta um ensino quantitativo, massificado; "países capazes de proporcionar bom ensino a muita gente ao mesmo tempo elevam rapidamente o padrão de sua força de trabalho. Quando uma população atinge alta capacidade de raciocínio e síntese, torna-se naturalmente mais produtiva e capaz de criar riquezas para o país." [1]

A questão da saúde pública é um desafio em qualquer país e também no Brasil, e, dependendo de como for gerida, poderá ser um entrave ou propulsor para o seu desenvolvimento econômico.

Um indivíduo pode não apresentar sintomas agudos de moléstias, aparentemente pode ser considerado como de "boa saúde", mas se vive em condições de desnutrição, sub-habitação com ausência de saneamento básico, num ambiente de insegurança, certamente terá diminuída sua capacidade produtiva e com a abreviação do seu ciclo vital, daí os baixos índices de produtividade do trabalhador brasileiro. Trata-se de um paradoxo já reconhecido pela Organização Mundial de Saúde. "A doença resulta não apenas de uma contradição entre o homem e o meio natural, mas também e necessariamente de uma contradição entre o indivíduo e o meio social" (Singer, 1988; 69) [2].

Um judiciário eficiente ao qual o povo tenha o mais amplo e livre acesso, gratuitamente, é condição sine qua nom para o desenvolvimento do país. Estudos científicos comprovam que a justiça brasileira, por sua ineficiência, tem atrasado o progresso do país, que tem uma perda acumulada de 20% ao ano no crescimento da economia. No Brasil a insegurança jurídica, a morosidade e a ineficiência distorcem o sistema de preços ao introduzir fontes de risco adicionais nos negócios.

A morosidade da prestação jurisdicional e a burocracia são fatores de descrédito do judiciário perante o proletariado gerando o fenômeno da litigiosidade reprimida que se desdobra em ondas de violência urbana e rural, propiciando que organizações criminosas passem a suprir a lacuna deixada pelo Estado-Juiz, com o advento de milícias para-militares e "tribunais" informais como os "Tribunais do Tráfico" no Rio de Janeiro, bem recebidos pela população pela capacidade em dar respostas céleres e efetivas aos conflitos localizados naquelas comunidades marginalizadas.

Vê-se com cristalina clareza que está nascendo um "poder judiciário" paralelo e o que é pior, legitimado pelo povo. Por enquanto com "jurisdição" nos morros e favelas e competência para julgar conflitos de vizinhança, mas daqui a pouco essas "autoridades judiciais" vão se arvorar no direito de expandir sua "jurisdição" a outros seguimentos, tais como às empresas da periferia e etc., e, assim, num crescendo, em breve estarão interferindo até nas decisões dos juízes togados como fazia a Máfia Italiana na base do, ou cede ou morre.

Um conflito social e institucional dessa magnitude, inquestionavelmente, influiria negativamente no desenvolvimento econômico e social do país, daí a importância de repensar o judiciário e investir maciçamente no sentido de assegurar justiça para todos.

Não é diferente com a questão da segurança pública que está interligada com o item anterior relativo ao judiciário. Aqui também é imprescindível investimentos de alta monta, não apenas em pessoal, inteligência e equipamentos, mas, sobretudo em políticas de segurança e desporto para criação de um ambiente favorável de incentivo a interlocução entre os organismos de segurança pública com a sociedade civil organizada, no apoio ao desenvolvimento de uma política de diálogos em que a promoção da igualdade, da dignidade humana, da justiça social, da solidariedade e da fraternidade seja percebida como um projeto de nação, irrevogável.

Por fim, não há que se falar em desenvolvimento econômico sustentado do país sem que uma significativa fração dos recursos oriundos do petróleo seja canalizada para a previdência social, que não deve ser vista apenas como um "saco sem fundo" a consumir o dinheiro da nação, ao contrário, elevando-se o poder aquisitivo dos aposentados, além de se traduzir em mais paz, alegria, saúde e felicidade, esse dinheiro retornará à economia através do maior consumo de bens e serviços por parte dos aposentados influindo positivamente no crescimento econômico que, aliado à redução das taxas de juros e controle inflacionário, resultará no fortalecimento do mercado de trabalho e, por conseguinte, na ampliação da receita previdenciária e no equilíbrio das contas da previdência.

Concluindo, se o petróleo é nosso, não apenas de direito, mas, sobretudo de fato, dele deve se apropriar o povo como forma de implementação dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme pactuado pela nação através da Assembléia Nacional Constituinte e estampado no artigo 3º da Magna Carta, a saber: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Com essas singelas idéias espero ter contribuído, ainda que modestamente, para o debate e para a resposta da indagação que fica: o petróleo é nosso?

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(*) Autor membro do portal CEN, sociedade literária para difusão da cultura lusófona, com sede em Lisboa.

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[1] Revista Veja, 17 de setembro de 2008, página 19 e seguintes.

[2] SINGER, Paul. Prevenir e Curar: o controle social através dos serviços de saúde. Rio de Janeiro: Forense-Universitária. 1988