Autor: Roberto Johnatham Duarte Pereira. 

                           O Perdão como medida para se afastar a pena 

INTRODUÇÃO

O tema escolhido traduz sem dúvida relevância no ordenamento jurídico brasileiro, pois àquilo –perdão- que nos primórdios só dizia respeito à natureza moral e também religiosa, firmou-se em nosso ordenamento como causa extintiva da punibilidade, ao lado de outras modalidades extintivas muitas vezes invocadas nas variadas teses defensivas, como: a decadência, a prescrição, a perempção, a abolitio criminis, ou seja, o Perdão birfucado pelo legislador em dois incisos, traduzindo assim o Perdão do Ofendido e o Perdão Judicial é indubitavelmente primordial para se afastar da pena de forma definitiva.

O relevo do tema não é a análise pura e seca do perdão, porém a reverberação deste perdão para o indivíduo, para o Estado e para o instrumento de perseguição do criminoso, que é a ação penal.

É cediço que o ser humano é dotado de vontade, de consciência e de inquietação perante a sociedade esta inquietação do homem, faz muitas vezes com que ele se apresente vil, rude, agressivo e desrespeitador das normas de conduta, das norma éticas, morais e mais gravemente, violador das normas penais. Normas estas que tipificam a conduta da pessoa, fazendo com que gere para o estado o direito de punir o infrator da norma que, por um desvio social se mostrou confrontador do ordenamento jurídico sujeitando-se a chegar ao status de criminoso.

Todavia, aquele que por qualquer motivo viu-se praticando um fato Típico, Ilícito e Culpável, isto é, viu-se incorrendo em crime, não deve de plano desesperar-se e achar que por ter violado uma norma penal, terá que viver ad eternum, marcado pelo crime que cometeu e até mesmo sofrendo qualquer tipo de reflexo negativo do cumprimento de pena deste crime.

A legislação penal é vasta em oportunidades para que réu ou condenado possa em alguns casos, mesmo tendo sua conduta adequada nos ditames de um fato típico, antijurídico e culpável, ter isenta sua pena, seja porque incidiu no caso a chamada “escusa absolutória” (imunidade absoluta) como é que se vê no caso do artigo 181, I e II do Código Penal e artigo 348, § 2º também deste código, ou devido às causas de extinção da punibilidade elencadas no artigo 107do Código Penal.

Destarte, não sendo escusa absolutória tudo aquilo que isenta de pena está na prática extinguindo, aniquilando ou dizimando a punibilidade do agente, é natural que, sendo o Estado o detentor do direito de punir, quem comete crime deve sofrer um juízo de reprovação e, por isso deve ver incidindo sobre si o preceito secundário da norma, a sanção, que vem abstratamente na norma penal.

Entrementes, o legislador é sapiente ao prever hipóteses para extinguir a punibilidade do infrator, até porque deve o Estado punir, mas deve punir de forma que admita a ressocializão e que gere no apenado ou naquele na iminência de o ser a percepção de que, sua pena pode desaparecer logo, sem necessariamente o cumprimento dela para tanto, como no caso daquele que de forma culposa mata seu filho, pois o artigo 121, § 5º é bem claro ao dizer que: “Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária” (Neste caso há a hipótese de extinção da punibilidade por via do perdão judicial – art. 107, IX, CP).

O cumprimento de pena é apenas a consequência do crime para o infrator, mas essa consequência pode desaparecer, por exemplo, com a via do Perdão, que inicialmente nos dá uma falsa ideia de que o ato de se perdoar alguém pela prática de um crime rodeie apenas as esferas moral e religiosa, pois perdoar seria simplesmente o ato de relevar a ofensa sofrida sem nenhuma consequência jurídica para isso.

Não foi isso que quis o nosso legislador, uma vez que contemplou nosso Código Penal com o Título VIII, na Parte Geral, chamada de EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, tratando pois o perdão em duas vertentes: O Perdão na esfera da ação penal privada (perdão do ofendido, artigo 107, V, CP), e do Perdão na ação penal púbilica (perdão judicial, art.107, IX, CP).

Assim sendo o legislador quis retirar o perdão da seara estritamente moral ou religiosa, revestindo o perdão de tecnicidade, e de teor jurídico, refletindo a normatividade deste ato perante determinados crimes.

O foco maior dado aqui é realmente a este instituto extinção da punibilidade mediante o perdão, que se é dotado de caráter jurídico é porque é realmente eficaz na isenção de pena.

É oportuno apontar que não devemos ser ingênuos ao pensar que o Perdão seja ele do ofendido ou judicial, serve apenas para a extinção da pena, como algo para tornar impune o agente.

Na impunidade o agente nem sequer fora perseguido pelo Estado ou pelo particular, na extinção da punibilidade, a persecução do crime foi obstada pelo perdão do ofendido ou a persecução se materializou na ação penal integralmente delineada, mas devido o perdão proferido pelo magistrado, a pena não ganhou força para gerar seu efeito mais importante, que é o cumprimento da pena na maioria dos casos.

A ideia central, pois do estudo aqui realizado é adentrar nas hipóteses de perdão, e o mais importante disso é conhecer seus reflexos na persecução do crime, visualizando o porquê de o Estado mesmo sendo detentor do poder de punir transfere ao particular a possibilidade de fazer com que seu poder desapareça, quer-se aqui também, o aprofundamento do perdão como medido de extirpação da punibilidade verificando todas as suas consequências dentro da ação penal e até onde se estendem os efeitos do perdão.

Sendo assim, é nesta perspectiva que embasaremos o presente trabalho, tratando do perdão na ótica do direito material que sem dúvida resvala no campo do Direito Processual Penal.


Para fundamentar de forma precisa nosso estudo e aprofundar nosso tema, utilizaremos os ensinos de Norberto Avena, Cleber Masson, Rogério Sanches, Guilherme de Sousa Nucci, Rogério Greco, Eugênio Pacelli de Oliveira e Fernando Capez.

Esta gama de doutrinadores é primordial para a aferição da causa extintiva de punibilidade, perdão já que, seus ensinamentos nos dão o norte para a busca do melhor entendimento a cerca do tema, por exemplo, Norberto Avena em sua obra Processo Penal Esquematizado, é bem oportuno ao lembrar que o artigo 51 do Código de Processo Penal, já aponta claramente um efeito, uma reverberação ou um dos reflexos do perdão do ofendido em relação à ação penal privada.

Diz então Avena (2009, p. 181) sobre o perdão do ofendido: “Como consequência do princípio da indivisibilidade da ação penal privada, expressa o artigo 51 do CPP que o perdão concedido a um dos querelados aproveitará a todos, não produzindo efeitos apenas àquele que o recusar”.

Ainda acerca sobre o perdão do ofendido, lembra Eugênio Pacelli, no seu Curso de Direito Penal, que esta modalidade de perdão não é uma mera desistência do querelante em prosseguir com a ação, não significa, pois, apenas em desistir de condenar o acusado, diz ele que tal perdão é uma relação de consentimento, vejamos o que pensa Eugênio Pacelli (2009, p.140): “Diferentemente do que ocorre em relação à renúncia, à perempção, o perdão, também causa extintiva de punibilidade quando aceito pelo réu, ostenta característica muito mais próxima de um consentimento – ou assentimento – posterior que de um eventual desinteresse pela condenação do acusado”.

Como é cediço, não há apenas o perdão no campo da ação penal privada, também traz o legislador à previsão para a incidência de uma modalidade extintiva de punibilidade, onde o concedente do perdão é o juiz e não o particular.

 Sendo assim, por sua vez Cleber Masson (2009, p.875) introduz este tema tratando da seguinte maneira: “O perdão judicial é causa extintiva de punibilidade (CP, ART.107, IX), e consubstancia-se em direito público subjetivo, razão pela qual deve o magistrado concedê-lo ao réu quando presentes os requisitos exigidos em lei”. Este doutrinador vai além, pois diferentemente do perdão do ofendido, ele mostra que o perdão judicial, se concedido a um dos envolvidos da empreitada criminosa, este perdão não tocará, não alcançará ou melhor, não produzirá efeitos perante os demais, por isso este perdão na esfera judiciária, só terá efeito em relação ao corréu perdoado, sendo pois o perdão judicial uma condição subjetiva do réu que logrou extinta sua pena por essa via de perdão.

Destarte, mais um reflexo do perdão lato sensu na persecução criminal, é que o perdão judicial se regerá na ação pelo crivo da incomunicabilidade, pois quem não comportar os critérios exigidos por lei para ser beneficiado com a extinção da punibilidade verá o Estado insurgir-se em sua vida, por meio da ação, até o efetivo cumprimento de pena, caso não ocorra qualquer outra causa que extermine a pena.

Agora, para exemplificar mais ainda os efeitos ou reflexos do instituto perdão é preciso fazer um retrocesso, e voltarmos a tratar do perdão na esfera na ação privativa do ofendido na abordagem feita por Guilherme de Sousa Nucci, pois como ele bem aponta, até o momento (se pré-processual ou processual) vai importar para configurar a incidência desta modalidade extintiva, vejamos o que Nucci (2011, p.210) diz: “Enquanto a queixa não for ofertada, é caso de renúncia; após, fala-se em perdão”.

A ilação feita por Nucci é extraída da leitura do artigo 105 do Código Penal, que menciona que tal perdão irá obstar o prosseguimento da ação, dando entender que para haja esta óbice, a queixa já foi ofertada e recebida para assim, configurar o perdão do ofendido, já que, caso o querelante antes de promover a queixa-crime, quiser não exercer o direito de perseguir o infrator, pode renunciar ao direito de queixa, que normativamente no artigo 107 do Código Penal, também é outra causa de extinção da pena.

O momento é claro, pois antes da queixa só se pode falar em renúncia, após a queixa, o ofendido poderá “liberar” o réu de sua punição, mediante o instituto do perdão do ofendido.

Também em sede de perdão judicial o momento é importante para ditar quando o juiz irá concedê-lo, pois a concessão dar-se-á quando da prolação da sentença ou acórdão (neste caso a ação é originária dos Tribunais ou está sendo discutida em grau de recurso), o momento oportuno é o momento da sentença, deduzindo-se assim que a ação tem de por inteira ser delineada, tem de os atos processuais antes da sentença terem operado, para ao fim de tudo, ver o magistrado concedendo o perdão.

Do exposto, é possível depreender que a temática abordada é rodeada de detalhes e de interessantes comparações, configurando-se assim uma possibilidade de aprofundamento no estudo das causas de extinção da punibilidade e de melhor compreensão a cerca dos reflexos do perdão lato sensu, na perseguição do crime.

REFERÊNCIAS 

AVENA, Noberto Cláudio Pâncaro – Processo Penal Esquematizado. MÉTODO, 2009;

AGUIAR, Leonardo Augusto de Almeida – Perdão Judicial. DEL REY, 2004;

GRECO, Rogério – Curso de Direito Penal Parte Geral. IMPETUS, 2007;

MASSON, Cleber –Direito Penal Esquematizado Parte Geral. MÉTODO, 2010;

NUCCI, Guilherme de Souza – Manual de Processo Penal e Execução Penal. REVISTA DOS TRIBUNAIS, 2011;

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de – Curso de Processo Penal. LUMEN JURIS, 2009.