A definição do Direito como a "ciência do justo" oculta sobremaneira algumas particularidades inerentes à essência dos conceitos envolvidos na sua formulação. O presente artigo objetiva apresentar sumariamente o conceito de "Direito" numa perspectiva sociológica, bem como o seu papel na sociedade capitalista.

Dado o atual estágio de desenvolvimento da ciência, hoje subdivida em diversas áreas do conhecimento, é complexo e até arriscado dar por encerrado uma discussão na dimensão proposta pela comunidade científica e acadêmica hodiernas. O conceito de direito nunca obteve consenso. Satisfaz-nos no presente texto, o entendimento do conceito em cinco dimensões: o direito-justo, o direito-norma, o direito-faculdade, o direito como fato social e, por fim, o direito-ciência. O direito como justo é estudado pela axiologia jurídica; o direito-norma pela dogmática jurídica; o direito-faculdade pela teoria dos direitos subjetivos, o direito como fato social, pela sociologia jurídica e o direito-ciência pela epistemologia jurídica. Nosso enfoque é analisar brevemente o direito como fato social e, portanto, estudado pela sociologia jurídica (MONTORO, 1991).

A sociologia jurídica nasce como disciplina específica no início do século XX, conforme constatou Lévy-Bruhl. O termo sociologia jurídica foi utilizado pela primeira vez na obra A filosofia do direito e a sociologia publicado em 1892 na Itália. "[...] Trata-se de uma obra de juventude de Dionísio Anzilotti, um especialista do direito internacional mundialmente reconhecido". (BRUHL apud SABADDEL, 2002, p. 52).

Conforme analisou Sabadell (2002), a sociologia jurídica examina a influência dos fatos sociais sobre o direito e as incidências deste último na sociedade, ou seja, os elementos de interdependência entre o social e o jurídico, realizando uma leitura externa ao sistema jurídico. Desta forma, sensibilizar e influenciar o processo de elaboração das leis e participar ativamente do debate dogmático é um dever da sociologia jurídica, pelo menos até enquanto exista direito (SABADELL, 2002).

É sabido que o jurista-sociólogo não deve fazer interpretações e emitir juízos de valor sobre o direito em vigor. Ele deve adotar uma perspectiva de observador, examinando a aplicação e os efeitos sociais do sistema jurídico. Espera-se do jurista-sociólogo um comprometimento com a objetividade, muito embora ser consenso que esta, do ponto de vista das ciências naturais, não se opera nas ciências humanas.

Para compreender o papel do Direito na sociedade capitalista, devemos ter consciência de que o direito moderno é extremamente complexo e especializado. Se é necessário um estudo universitário de cinco anos para graduar-se em Direito, e o recém-formado necessita ainda de muitos anos de prática e de cursos de atualização para adquirir domínio do sistema jurídico, o que dizer do cidadão comum?

Por outra plana, entendemos que o papel do Direito na sociedade capitalista, conforme observou Marx (e diversos outros autores), é o de manter o status quo. Através não somente da violência, monopolizada legitimamente pelo Estado, conforme analisou Weber (2002), mas também, e principalmente, através da ideologia de classe, entendida aqui como um mecanismo poderosíssimo de mascarar a realidade social, justificando e legitimando a exploração da classe detentora dos meios de produção sobre a classe trabalhadora e, por fim, a injustiça social (CHAUÍ, 2001).

Na mesma linha de raciocínio, entendemos também que o direito segue a estrutura do modo de produção capitalista. Afirmam os liberais que no capitalismo é predominante o intercâmbio de mercadorias e serviços através do "livre" acordo de pessoas. A atividade econômica baseia-se na "livre" concorrência e o trabalho assalariado pressupõe o acordo de vontades entre empregado e empregador. Se existem atividades reservadas a determinadas camadas da população ou obrigações de fazer determinado trabalho, então os princípios da atividade econômica do capitalismo perderiam o sentido.

Conforme análise de Sabadell (2002), uma das diferenças entre o direito das sociedades capitalistas e outras formas de direito historicamente conhecidas é que o primeiro não impõe a divisão de classes. Isto exprime o caráter formalmente aberto das classes sociais no capitalismo. Na Idade Média existia, por exemplo, um direito diferente para cada estamento. Os nobres tinham os seus privilégios, tribunais particulares, ofícios e profissões reservadas. Os integrantes dos estamentos inferiores não podiam aceder aos superiores, a não ser através da decisão de um "senhor", ou seja, através de um ato jurídico. Hoje o direito proclama que todos são livres e iguais. Não garante a divisão em classes e a decorrente desigualdade social, inexistindo obstáculos legais à ascensão social. E não são raras as sanções para quem discrimina uma pessoa em função de classe social, cor, profissão, gênero etc. Por exemplo, quem proíbe os empregados domésticos de utilizarem o "elevador social", comete uma infração à lei e pode ser submetido a uma sanção.

Em suma, observamos que o direito é, de fato, uma espécie de grande mentor que garante as condições jurídicas para o desenvolvimento do sistema capitalista. Um direito de tipo feudal careceria hoje de legitimidade e eficácia, entendendo por legitimidade o reconhecimento do ordenamento jurídico por maioria da população que habita um país num dado momento. O papel principal do Direito na sociedade capitalista, como já aludimos, é a manutenção de uma ordem social considerada injusta por diversas matrizes ideológicas. Como não compete ao jurista-sociólogo o julgamento da realidade social, contentaremos apenas em afirmar que o direito, ao lado do Estado e sustentado por uma ideologia, mantém de forma legítima, portanto, socialmente reconhecida, uma ordem jurídica e social que tenta justificar a desigualdade social baseada no princípio da liberdade individual, livre comércio, liberdade de contrato, todas essas, premissas caras ao capitalismo.

BIBLIOGRAFIA

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Ática, 2001.

MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica. Introdução a uma leitura externa do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.