SINOPSE DO CASE: O PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NO PROCESSO DE FALÊNCIA¹

                                                                                                    Gabriela Felix Marão Martins²

                                                                                                                       Humberto Oliveira³

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Em 1863 a empresa TEUTO EMPREENDIMENTOS LTDA deu início a suas atividades, no ramo de material esportivo, no mercado. Em 1999, já com a terceira geração da família WHEISSFURDHER controlando o negócio, credores requereram a falência da empresa que, ainda no mesmo ano, fora decretada. O pagamento dos credores começara, então, com a arrecadação e venda dos bens da empresa. ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS impugnou o Quadro Geral de Credores posto que tinha interessa na reformulação da classificação do seu crédito para a classe de trabalhistas

 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

Tendo o caso descrito em vista, questiona-se: Supondo que você fosse o juiz do caso, você decidiria pela reformulação da ordem de pagamento dos credores e reclassificaria como prioritário o crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS?

Primordialmente, entende-se necessária uma breve análise a respeito das condições de falência nesse quadro, bem como a compreensão da classificação de créditos e do processo de impugnação do mesmo. É importante que se ressalte que a decretação da falência se deu no ano de 1999, o que implica que o processo se deu por meio do antigo decreto que tutelava sobre falências, o Decreto-Lei nº 7.661 de 21 de junho de 1945. Pode-se isso provar por meio do artigo 192 da nova Lei de Falência, Lei 11.101/2005, que traz: “Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto- Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945.”.

Assim sendo, conforme o Decreto- Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945:

Art. 1º Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva. 

Art. 2º Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante: 
      I - executado, não paga, não deposita a importância, ou não nomeia bens à penhora, dentro do prazo legal; 
      II - procede a liquidação precipitada, ou lança mão de meios ruinosos ou fraudulentos para realizar pagamentos; 
      III - convoca credores e lhes propõe dilação, remissão de créditos ou cessão de bens; 
      IV - realiza ou, por atos inequívocos, tenta realizar, com o fito de retardar pagamentos ou fraudar credores, negócios simulado, ou alienação de parte ou da totalidade do seu ativo a terceiro, credor ou não; 
      V - transfere a terceiro o seu estabelecimento sem o consentimento de todos os credores, salvo se ficar com bens suficientes para solver o seu passivo; 
      VI - dá garantia real a algum credor sem ficar com bens livres e desembaraçados equivalentes às suas dívidas, ou tenta essa prática, revelada a intenção por atos inequívocos; 
      VII - ausenta-se sem deixar representante para administrar o negócio, habilitado com recursos suficientes para pagar os credores; abandona o estabelecimento; oculta-se ou tenta ocultar-se, deixando furtivamente o seu domicílio. 

      Parágrafo único. Consideram-se praticados pelas sociedades os atos dessa natureza provenientes de seus diretores, gerentes ou liquidantes.

Da mesma forma, esse decreto permitia que os credores requeressem a falência do devedor, como assim fora feito no caso em questão. É como expõe o artigo 9º, III:

Art. 9º A falência pode também ser requerida:

III - pelo credor, exibindo título do seu crédito, ainda que não vencido, observadas, conforme o caso, as seguintes condições:

a) credor comerciante, com domicílio no Brasil, se provar ter firma inscrita, ou contrato ou estatutos arquivados no registro de comércio;

b) o credor com garantia real se a renunciar ou, querendo mantê-la, se provar que os bens não chegam para a solução do seu crédito; esta prova será feita por exame pericial, na forma da lei processual, em processo preparatório anterior ao pedido de falência se êste se fundar no artigo 1º, ou no prazo do artigo 12 se o pedido tiver por fundamento o art. 2º ;

c) o credor que não tiver domicílio no Brasil, se prestar caução às custas e ao pagamento da indenização de que trata o art. 20.

Com relação aos efeitos da decretação de falência, são os mesmos da lei atual, onde existem efeitos em relação à pessoa do falido, em relação aos bens do falido, em relação aos credores, e em relação aos contratos de credores. Desta forma, o falido fica impedido de administrar seus próprios bens, nomeando um administrador judicial para isso, posto que os bens serão todos para compor massa falida objetiva. Não poderá o falido voltar à atividade empresária até o trânsito em julgado da sentença de declaração de falência, tendo sua locomoção restrita, para um bom andamento e acompanhamento do processo.  Tem-se a formação de massa falida subjetiva, que reúne os interesses dos credores que concorrem na falência. Com a decretação de falência há, ainda, a suspensão do prazo prescricional relativo as obrigações do devedor, onde o mesmo só recomeçará a correr a partir da data que transitar em julgado a sentença, além de promover, por exemplo, o vencimento antecipado dos créditos, a interrupção de todas as ações ou execuções individuais dos credores, bem como da fluência dos juros contra a massa falida.

Nesse contexto, dentro do processo de falência, o Decreto- Lei 7.661/45, tal como a lei atual, já previa a habilitação de créditos. É o que temos no Tratado de Direito Comercial Brasileiro, de 1959, expõe:

Para que a falência atinja seu objetivo, precisam ser medidas, com a maior exatidão, as forças do seu passivo, isto é, fixadas a importância real dos créditos e a graduação deles no concurso. Surge, pois, a necessidade de apreciar e determinar os direitos de cada credor individualmente considerado, e de conhecer a composição da massa de credores, analisando-a, não já no seu todo exterior, como coletividade, porém, nos seus elementos vivos, positivos, reais. (Tratado de Direito comercial Brasileiro, v.8, livro V, 1959, p. 97).

Com relação á ordem de preferência de créditos, ou seja, a classificação de créditos, o artigo 102 do DL 7661/45 assim classificava:

Art. 102. Ressalvada a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem: 
 I - créditos com direitos reais de garantia; 
 II - créditos com privilégio especial sôbre determinados bens; 
 III - créditos com privilégio geral; 
 IV - créditos quirografários. 
§ 1º  Preferem a todos os créditos admitidos à falência, a indenização por acidente do trabalho e os outros créditos que, por lei especial, gozarem essa prioridade.

§2ºTêm privilégio especial: 
      I - os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei; 
      II - os créditos por aluguer do prédio locado ao falido para seu estabelecimento comercial ou industrial, sôbre o mobiliário respetivo; 
      III - os créditos a cujos titulares a lei confere o direito de retenção, sôbre a coisa retida; o credor goza, ainda, do direito de retenção sôbre os bens móveis que se acharem em seu poder por consentimento do devedor, embora não esteja vencida a dívida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade, entre comerciantes, resulta de suas relações de negócios. 
§ 3º Têm privilégio geral: 

      I - os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrárias desta lei; 
      II - os créditos dos Institutos ou Caixas de Aposentadoria e Pensões, pelas contribuições que o falido dever; 
      III - os créditos dos empregados, em conformidade com a decisão que fôr proferida na Justiça do Trabalho; 
§ 4º São quirografários os créditos que, por esta lei, ou por lei especial não entram nas classes I, II e III dêste artigo, os saldos dos créditos não cobertos pelo produto dos bens vinculados ao seu pagamento e o restante de indenização devida aos empregados. 

Fábio Ulhôa Coelho (Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, 2005) comenta o que muda comparando o DL 7661/45 a Nova Lei de Falências sobre a ordem da classificação de credores e, segundo ele, as únicas grandes diferenças a partir da nova lei é que os titulares de crédito por acidente de trabalho preferem da mesma forma que os trabalhistas e equiparados, e, agora, há preferência dos credores com garantia real em relação aos credores fiscais. Outra diferença que este autor aponta é que foram criadas duas categorias para os credores subquirográficos, onde umadiz respeito aos créditos por multa contratual e penas pecuniárias por infração à lei penal ou administrativa enquanto a outra refere-se aos credores subordinados. O que significa dizer que, com relação ao crédito trabalhista e sua classificação, não houve mudança, o que nos traz entendimentos úteis a respeito do caso. Sendo assim:

 

2.2 DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS

2.2.1 O crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS deve ser reclassificado como prioritário.

2.2.2 O crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS não deve ser reclassificado como prioritário.

 

2.2 ARGUMENTOS PARA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS

2.2.1 O crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS deve ser reclassificado como prioritário.

Sobre o Recurso Especial nº1.152.218-RS, o Relator Ministro Luis Felipe Salomão, argumentou que "os honorários advocatícios têm natureza alimentar e merecem privilégio similar aos créditos trabalhistas” (Resp 1.152.218/RS. Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Julgado Em  07.05.2014, p. 312).  A respeito dessa equiparação, alguns tribunais assim se posicionam também, é o que podemos observar no Recurso Especial nº 566.190 - Sc (2003/0107363-5), onde a Ministra Relatora Nancy Andrighi, em unanimidade com a 3º turma do STJ, concorda com a natureza alimentar dos honorários advocatícios e com a preferência destes créditos junto ao trabalhista, posto que isso é a fonte de sustento do advogado, mesmo que esteja organizado enquanto empresa jurídica e, portanto, em qualquer caso tem prioridade e natureza alimentar.

A ministra afirma ainda que tanto os honorários quanto o salário advocatício têm natureza alimentar, e, desta forma, “o privilégio conferido pela Lei de Falência aos salários deve ser estendido também aos honorários, porque é exatamente isso que a Lei visa a proteger” (Resp 566.190/Sc, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, Julgado Em 14.06.2005, Dj 01.07.2005 P. 514).  Esse entendimento, é importante que se ressalte, também é compreendido em relação às sociedades advocatícias, posto que, conforme a 3º turma defendeu, a lei responsável por estabelecer os honorários advocatícios, 8.609/94 – Estatuto da OAB, não faz qualquer menção a diferença entre pessoas físicas ou jurídicas, enquanto no exercício da advocacia.

Destarte, o Estatuto da OAB, ainda preleciona, em seu artigo 24, que os honorários são créditos privilegiados: “Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.”. Da mesma forma, o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 146.318-0 – SP decide que os honorários advocatícios possuem natureza alimentar e excluem-se da forma de pagamento do artigo 33 do ADCT. O Ministro Relator Carlos Velloso assim ressaltou em seu voto:

“Os honorários advocatícios e periciais remuneram serviços prestados por profissionais liberais e são, por isso, equivalentes a salários. Deles depende o profissional para alimentar-se e aos seus, porque têm a mesma finalidade destes. Ora, se vencimentos e salários têm natureza alimentar, o mesmo deve ser dito em relação aos honorários.” (STF, 2ª Turma, RE 146.318, rel. Min. Carlos Velloso, j.un. 13.12.1996, DJ 4.4.1997, p. 10537)

2.2.2. O crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS não deve ser reclassificado como prioritário.

Conforme a Constituição Federal, artigo 100:

 

Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º-A. Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. (Parágrafo acrescentado pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000, DOU 14.09.2000)”

Vendo por este dispositivo, não há como equiparar os honorários advocatícios enquanto de natureza alimentícia, desclassificando assim, a tese anterior e a possibilidade de reclassificação do crédito enquanto trabalhista por meio deste argumento. Da mesma forma, a quarta e a segunda turma do STJ compreendem que os honorários advocatícios não encontram-se em posição de crédito trabalhista, mas sim de privilégio geral, uma vez que o trabalho do advogado à massa falida classifica-se como prestação de serviços, não tendo natureza alimentar. Destarte, estas turmas afirmam que, ao ler-se a legislação atual e anterior sobre falência, tem-se que o legislador fizera questão de diferenciar o trabalho que é prestado pela advocacia, dos demais trabalhos, estabelecendo diferente ordem de preferência para tais.

O Relator Carlos Mansur, no Acórdão 0498479-2, afirmara que, ainda que os honorários tenham natureza alimentícia, estes se classificam como créditos de privilégio geral, o que é percebido na Nova Lei de Falências em seu artigo 83, inciso V, “c” e no Decreto Lei 7661/45 no artigo 102, III, §3º. Celso Marcelo de Oliveira bem assinala a respeito:

"[...] Os créditos com privilégio somente gozavam de prioridade sobre os créditos quirografários eis que possuíssem preferência sobre todo o patrimônio do falido, não afetado por privilégios mais fortes. Os credores com privilégio geral deveriam ser pagos assim que houvesse dinheiro em caixa. Sendo vários os credores com iguais privilégios, seriam pagos em igualdade de condições. Não sendo o produto dos bens suficiente para todos, cada um receberia quota proporcional, por rateio." (Comentários à Nova Lei de Falências, 2005, p. 548).

Fábio Ulhôa Coelho em Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de empresas, nesse mesmo sentido, defende que os  honorários advocatícios são classificados como privilégio geral, não podendo ser classificados como trabalhistas, pois é apenas derivado  da legislação trabalhista. Mister se faz ressaltar que conforme artigo 99 da Lei 11.101/2005 e artigo 19 do Decreto 7661/45, não há possibilidade de se reclassificar créditos a qualquer tempo, se não por descoberta de falsidade, dolo, simulação, fraude, erro essencial ou de documentos ignorados na época do julgamento do crédito o que, não é alegado por ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS.

2.3 DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES DE CADA DECISÃO

2.3.1 O crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS deve ser reclassificado como prioritário.

Percebe-se que há possibilidade dos créditos de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS serem reavaliados e classificados enquanto preferenciais, juntos aos trabalhistas, pois são fruto do trabalho do advogado, profissional, que servirá, tal como o salário, para a subsistência do mesmo, tendo natureza alimentícia.

2.3.2 O crédito de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS não deve ser reclassificado como prioritário.

Em conformidade com as legislações brasileiras que tratam sobre o tema, não há possibilidade de ZUÑIGA ADVOGADOS ASSOCIADOS reclassificar seu créditos, pois não afirmara dolo, simulação, fraude, erro essencial ou de documentos ignorados na época do julgamento do crédito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

COELHO, Fábio Ulhôa. Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, 3ª ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2005.

Decreto-Lei 7.661/1945 – Lei de Falência, VADE MECUM, Editora Rideel, 10ª edição, 2010, São Paulo.

Lei 8.906/94 – Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, VADE MECUM, Editora Rideel, 10ª edição, 2010, São Paulo.

Lei 11.101/2005 – Nova Lei da Falência e Recuperação Judicial, VADE MECUM, Editora Rideel, 10ª edição, 2010, São Paulo.

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Comentários à Nova Lei de Falências, São Paulo: IOB, 2005.

MAMEDE, Gladston. Falência e Recuperação de Empresas. São Paulo: Atlas, 2013. V. 4

MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de Direito comercial Brasileiro, Editora Freitas Bastos, v.8, livro V, 1959.

PURIFICAÇÃO. Carlos Alberto da. Recuperação de Empresa e Falência Comentada. São Paulo: Atlas, 2011.