O OUTRO LADO DA HISTÓRIA ...

Muitos fatos históricos são referidos parcialmente, omitindo-se, propositadamente, aspectos que mereceriam ser conhecidos e analisados.
Nossa história é muito rica em episódios contados sob a ótica dos vencedores ou de seus simpatizantes e admiradores, às vezes até traindo suas origens, transformando heróis em bandidos e vice-versa.
Recentemente o escritor, professor, sociólogo e jornalista Juremir Machado da Silva lançou pela L&PM Editores um livro intitulado "História Regional da Infâmia", parodiando o título usado por Jorge Luis Borges em sua "História Universal da Infâmia", onde coloca para serem analisados os depoimentos de vários historiadores sobre fatos relacionados à nossa história, como o de "Canudos", a Revolução Farroupilha, o Massacre de Porongos, a Guerra do Paraguai e outros acontecimentos mais ou menos relacionados ou correspondentes àqueles episódios, a fim de que os leitores disponham de elementos adequadamente reunidos para fazerem uma avaliação ou formularem o seu próprio juízo.
Em linguagem jornalística, costuma-se apontar como "tendenciosas" as versões unilaterais e impositivas, ou seja, aquelas que mostram apenas um aspecto ou lado da questão, tergiversando ou voltando as costas para o que não lhes interessa.
As Balaiadas, para citar um exemplo, foram uma série de combates decorrentes de uma revolta popular, promovida inicialmente pela classe média, contra os poderosos da província do Maranhão, na primeira metade do século dezenove.
Houve historiadores que chamaram aquele movimento de "insurreição de uma corja de vagabundos e desordeiros em confronto com os dignos princípios dos representantes da ordem e da lei", embora a revolta tenha começado como um movimento político chefiado pela classe média contra os poderosos da região e que a seguir se transformou num movimento revolucionário popular generalizado dos miseráveis contra os ricos, reunindo um exército de escravos (cerca de 3.000 negros fugitivos), cangaceiros, sertanejos e outros deserdados da sorte, quando então a classe média os abandonou e se passou para o outro lado.
Na verdade o nome Balaiadas veio de Balaio, que era o pseudônimo do artesão fazedor de balaios Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, que teve sua casa invadida e duas filhas menores estupradas por um agente policial militar com a patente de capitão. Buscando inutilmente a Justiça, Balaio acabou se revoltando e aderindo ao movimento dos pobres, escravos e miseráveis remanescentes da crise do algodão, se transformou num dos chefes do movimento e num dos bandidos mais sanguinários do nordeste brasileiro.
É claro que o banditismo não se justifica de nenhum modo, mas muitas vezes ele se origina quando alguém, como foi o caso de Balaio, antes um homem de bem, ordeiro e pacato cidadão, se revolta contra as injustiças da própria sociedade.
Nessa mesma linha, mais ou menos um século depois, tivemos o caso de Virgulino Ferreira da Silva (o Lampião), que para vingar o massacre de sua família se tornou um temível cangaceiro, e de outros ?justiceiros? que a História, por si mesma, ou com a sua versão oficial e unilateral dos fatos, transformou em bandidos.

(Luciano Machado)