Num momento de melancolia, lembrei de um Juliano, que conheci certa vez. Era um desses colegas de adolescência, com quem estudei no mesmo colégio, e às vezes na mesma classe, ao longo de alguns anos. Não era alguém com quem eu tivesse uma forte relação de amizade, era apenas um conhecido simpático.

Explico melhor. É que Juliano tinha um foco social bem mais dinâmico que eu, desde cedo procurava se inserir nos grupos sociais, fazer parte da galera - parecia como se esse fosse seu único objetivo de vida.

Não sei que fim levou Juliano, talvez hoje esteja tentando ser político, seja vendedor, ou algo assim. Mas, voltando, talvez ele enfatizasse tanto esse esforço porque, quem sabe, no fundo tinha algum ressentimento em ser mal-amado ou malquisto socialmente. Talvez isso tivesse a ver com sua aparência. Apesar de não ser totalmente feio (nunca vou chamar um homem de bonito), ele não era muito "chegado à beleza", como o pessoal costumava dizer. Sua aparência lembrava um pouco o cantor daquele grupo mineiro de rock, "Skank" (chamado Samuel, certo?). Talvez eles até fossem primos, tal a semelhança: o cabelo escorrido, preto, meio em forma de cuia e o rosto determinado pela ausência de lábios, com queixo enorme, de ponta protuberante.

Juliano tinha ainda outra característica física determinante: era pontuado por pintas, manchas de nascença, não sei se pelo corpo inteiro, mas pelo menos no rosto. Curioso é que nunca recebeu o apelido surrado de "ferrugem", ou algo assim. Talvez porque ele tivesse sucesso em seu objetivo de fazer parte do grupo social de mais destaque na escola, sempre em contato com os caras mais ricos e mais populares, amigo de todas as patricinhas.

Esqueci de dizer que ele também não tinha um corpo que se destacasse. Era um cara branco, de estatura mediana, não era gordo, porém tinha o corpo mole de gente que não faz exercício e só come biscoitos e doces afins. Mas, como dizem que a dificuldade motiva o esforço, mesmo assim era mais popular que muito galã pacato que frequentava o estabelecimento estudantil.

Entretanto, pelos menos até o segundo grau, nunca o vi com nenhuma namorada. Ele sempre andava com "os caras", mas não passava a imagem de ser afeminado, gay, ou algo do gênero. Nem bissexual. Talvez fosse apenas solitário ou isso sirva para enfatizar a tese, que agora levanto, de que ele tinha muito receio em ser rejeitado.

A lição que Juliano deixou para minha vida, o ponto central para qual escrevi tudo isso até aqui, sem dúvida foi algo que aconteceu certa vez, em carnaval no litoral. Juliano, que não era mal de vida, estava de férias na praia. Passava o dia numa barraca, diante do mar, comendo camarão, bebendo cerveja, ouvindo música e falando com alguns amigos nômades, que vez por outra apareciam, sobre seu assunto favorito: mulheres. Fazia isso sempre usando a mesma roupa, uma sunga de praia preta e um colar com alguns dentes de animais, não sei se verdadeiros ou falsos. Às vezes usava também um tênis branco, principalmente quando andava pela rua ou procurava outro bar, e sempre com a sunga preta. Foi assim que o vi, já fazia algum tempo que isso não acontecia. Apenas cumprimentei-o e mantive certa distância da conversa. Fazia forte calor e ele não parava de beber.

Mas o que eu queria dizer mesmo aconteceu alguns dias depois, naquele mesmo verão, naquelas mesmas férias. Conta-se que a namorada dele também estava no balneário (ou talvez tenham se conhecido lá mesmo, não sei ao certo). Ela era claramente um suporte para a autoconfiança de Juliano. Ele já estava socialmente estabelecido, era reconhecido e benquisto pela galera, sujeito de paz, não tinha nada contra ninguém. O namoro parece que ia firme, muito bem, Juliano estava feliz. A garota era muito bonita e famosa no meio social, tornando o casal era perfeito. E Juliano desfilava garboroso em seu Scort conversível quando cansava de ficar plantado na barraca, comendo e bebendo.

Com o carnaval, uma notícia desagradável estragou os festejos logo no começo. O padrasto de Juliano havia falecido (eu não sabia que ele tinha padrasto antes, isso pode reforçar a tese da necessidade de reconhecimento). Não sei o motivo, parece que foi infarto ou doença afim. Naturalmente, Juliano teve que abandonar as férias e voltar pra casa mais cedo.

O cruel, e tenho que dizer isso, é que na exata noite seguinte, a namorada do Juliano foi vista desfilando pelas ruas de mãos dadas com um moreno alto, forte, totalmente desconhecido do pessoal. Ou seja, a megera hedonista sequer respeitou o luto do pobre coitado! Sai um amante, imediatamente arranja-se outro, pois é carnaval! Nem sei como Juliano ficou sabendo disso depois, deve ter sido um impacto emocional muito forte para ele. Foi a fofoca do ano. Juliano levou anos para construir uma reputação, para ser bem aceito num grupo social e, em apenas poucos minutos, uma mulher destrói todo seu status, seu reconhecimento.

Acho que é por isso que nunca mais ouvi falar do Juliano. E se isso aconteceu é porque se tornou um ilustre desconhecido, um pária, um ninguém. Pelo menos, nunca mais alguém me recordou da ausência dele.