UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO-UFES

Departamento de Filosofia.

Aislan Gomes de Oliveira

 

Título: O NIILISMO COMO ÚNICA CHANCE DO PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO EM VATTIMO

 

INTRODUÇÃO

            O niilismo é a redução ao nada, liquefaz-se na concepção de aniquilamento, descrença, ou seja, o niilismo é a destituição das verdades negando os valores contidas nelas. Concerne uma doutrina pela qual só será possível o progresso da sociedade após a exoneração dos valores supremos.

            Na etimologia da palavra, nihil vem do latim e toma como significado o nada, a negação. Na Filosofia, pode-se denotar o niilismo no sentido de negação da “verdade”, do conhecimento do mundo, do valores supremos, de Deus.

            O niilismo pode ser divido em  negativo, reativo e moderno. O pensamento platônico e os conceitos cristãos são um niilismo negativo. Eu nego essa vida material ou corporal prometido ao engrandecimento de uma outra vida não material. Na modernidade deus é colocado em segundo plano. O que mata Deus é a necessidade humana em fundamentar as coisas humanas através da averiguação, da experiência matéria primeira das ciências. Matamo-lo através da ciência quando reagimos ao conceito de Deus. Esse é o niilismo reativo. Já a ideia de futuro tira o homem do presente e lança-o para além do presente. Essa grande vontade de uma recompensa futura ou uma vida melhor na posteridade tira o homem do tempo, do devir. Essas afirmações marcam o niilismo da modernidade.

            As negações que são demarcadas em cada tipo de niilismo são: negação do corpo, das sensações , do agora, do conflito, de tudo que se transforma. Os idealistas são niilistas para Nietzsche, pois criam um mundo ideal que só existe no imaginário refletindo através do mundo real – que o próprio Nietzsche chama de fábula - para refugiarem-se da realidade. Mas o ideal é inatingível, pois as interpretações do homem são turvas e impregnadas de humanidade e subjetividade.

            A primeira vez que o termo NIILISMO foi empregado, a sociedade passava por um momento de supervalorização da ciência e da técnica, onde o conhecimento teórico e científico sobrepunha a mística divina. A partir desse momento, tudo poderia ser questionado e passível de experimentação para alcançar uma comprovação empírica – todo conhecimento de mundo seria testado, apreendido e registrado. A modernidade estava em seu ápice.

            Surge Nietzsche e seus conceitos arrebatadores “da morte de Deus e da desvalorização dos valores supremos” (VATTIMO), pois esses conceitos não possuíam mais utilidade para o homem. “Deus morreu. Deus continua morto. E nós o matamos.(NOVA CULTURA, 1996). “Mortos estão todos os Deuses; agora queremos o super-homem vivo.” (NOVA CULTURA, 1996)

            Talvez, podemos afirmar que o niilismo é o vazio existencial, já que perdemos nosso referencial de ser.

            Heidegger apresenta o ser NIHIL – “o ser não é nada, fora do seu <<acontecimento>>, que sucede no seu e no nosso historicizar-se”. (VATTIMO, 1987, p. 9). O ser é em seu EREIGNIS. Mas Heidegger lança mão da afirmação NIBIL EST SINE RATIONE, o nada é sem fundamento. (LISBOA, 1999, p.11)

 O NIILISMO COMO ÚNICA CHANCE DO PENSAMENTO CONTEMPORÂNEO EM VATTIMO

            Vattimo  coloca a questão problemática do niilismo sem relação  ao eixo histórico, mas afirma ser esta uma questão problemática no âmbito da história em fluxo (GESCHICHTLICH).

“ O niilismo existe em ato, não se pode fazer dele um balanço, mas pode-se e deve-se entender a que ponto e como é que nos diz respeito, a que escolhas e atitudes nos convoca.” (p.21)

            O niilismo posiciona-se no mundo contemporâneo como o niilismo completo, da mesma maneira que é tratado nos textos de Nietzsche. É no niilismo completo que o próprio niilismo coloca-se como única chance.

            A situação em que o homem se move do centro para o x (ou o desconhecido) é a configuração exata do niilismo. Em Nietzsche e Heidegger, quando este último coloca o ser em um “processo no qual, no fim, do ser como tal não resta mais nada”. (p.21)

            O homem está em meio ao processo do esquecimento do ser, mas o niilismo não reflete apenas esse esquecimento, reflete também um não desaparecimento como uma latência presente no eixo histórico atual.

 “ A definição heideggeriana não diz respeito só ao esquecimento do ser por parte do homem como se o niilismo fosse só o conjunto das vicissitudes de errância, de um engano ou auto-engano da consciência contra a qual se possa fazer valer a solidez sempre atual e presente do próprio ser esquecido, mas não dissolvido nem desaparecido”. (p.21)

            O homem histórico, definido por Heidegger como dasein, ou traduzido como o ser-aí - é o que é, pura e simplesmente, pois “o princípio racional não é outra coisa senão racional”(LISBOA, 1999, P.29).  Para Vattimo, as definições de niilismo de Nietzsche e Heidegger não estão vinculadas apenas ao homem mas sim, e também, ao ser. Essas definições não propõem um plano psicológico ou sociológico.

            Os conteúdos que manifestam o niilismo estão em Nietzsche representados na morte de Deus e na desvalorização dos valore supremos. Em Heidegger, esses conteúdos demonstram na aniquilação do ser no processo de transformação em valor por completo.

“Para entender adequadamente a definição de heideggeriana do niilismo e ver a sua afinidade com a de Nietzsche, devemos atribuir ao termo valor que reduz a si o ser, a acepção rigorosa de valor de troca. Assim, o niilismo é a redução do ser ao valor de troca.” (p.22)

            Vattimo, a partir daí , empresta a Heidegger uma análise Nietzschiana e revela o pensamento ultrametafísico que ele procurava.  “ O niilismo completo de Heidegger é a nossa última chance…” (p.22) . Esta afirmação apresenta o conceito que tanto Heidegger desejava: algo possível para além do niilismo, o pensamento para além dos conceitos fundamentais.

            A relação do conceito Nietzschiano da morte de Deus e a desvalorização dos valores supremos junto ao conceito da redução do ser a valor partilham do mesmo niilismo, principalmente quando o sujeito apodera-se do ser sem que a esse ser seja permitida uma existência autônoma, independente e fundante.

            Adorno interpreta Heidegger de maneira que a relação homem-deus ou sujeito-objeto está em favor do objeto: “ A causa só o é em quanto reconhecida como tal pelo sujeito cartesiano.” P.22

            Vattimo propõe uma compreensão mais adequada a definição do niilismo feita por Heidegger e encontra nela um ponto de junção de pensamento com Nietzsche interpretando o termo valor, que é atribuído ao ser, em valor de troca.

            Os valores supremos em Nietzsche, desaparecem a medida em que o homem utiliza sua liberdade de pensamento e reatualiza suas interpretações dos conhecimentos do mundo. No entanto, o sentido de valor é amplo e pode ser fragmentado assim como acontece à figura de Deus. Heidegger entende, também, que o valor, o homem pode converter ou transformar. Ora se o ser , nesse processo niilista, transforma-se em valor, esse ser instantaneamente será transformado.

            Nietzsche, em sua obra, vê a cultura da origem como uma constante transformação em passível de interpretações históricas por conseguinte “a retórica completamente a logica”. P 23

            Vattimo explica a acepção nietzschiana-heideggeriana da conexão niilista-valores concluindo o niilismo como sendo a consumação de valor de uso no valor de troca. Mas,

 “não que o ser em poder do sujeito seja o niilismo; mas que o ser se tenha dissolvido completamente no dis-correr do valor, nas transformações indefinidas da equivalência universal.” (p.23)

            O marxismo visionou uma recuperação do valor de uso no plano político prático respondendo ao niilismo e a cultura do século XIX. A filosofia novecentista criou uma discussão entre ciência da natureza e ciência do espirito em favor defensivo do que diz respeito ao valor do uso normativo e a disvirtualidade de maneira quantitativa do valor de troca. Essa lógica quantitativa do valor de troca está ligada às ciências da natureza e deixa “escapar a individualidade qualitativa dos fatos histórico-culturais. As ciências do espirito atingem uma problemática inerente a interpretação submissa a linguagem, por conseguinte novas conclusões niilistas da hermenêutica mais recentes criam uma abertura para novas significações e interpretações.

“Fora da perspectiva dialética, e portanto totalizante, no marxismo, a grande discussão que marcou a filosofia de Novecentos sobre as “ciências do espírito”, contrapostas às “ciências da natureza”, parece revelar uma atitude defensiva de uma zona em que vigora ainda o valor do uso, ou no mínimo que se abstrai a lógica quantitativa do valor de troca – lógica quantitativa que rege exatamente as ciências da natureza, que deixam escapar a  individualidade qualitativa dos fatos histórico-culturais. (Mas já na centralidade que, para as ciências do espírito, adquire o problema da interpretação na sua dependência da linguagem abre-se uma via para as conclusões niilistas – ou assim me parece – da hermenêutica mais recente; o que significa ainda que não é por acaso que justamente através dos desenvolvimentos hermenêuticos do pensamento de Heidegger, o niilismo se imponha como a (única) chance do pensamento contemporâneo.” (p. 23)

             No desenvolvimento do pensamento hermenêutico  de Heidegger converge o niilismo como única chance do pensamento contemporâneo, pois a necessidade de ultrapassar a metafisica pela resignificação do valor de troca em “direção ao valor de uso” sem haver qualquer permuta entre as parte, está também nos domínios da fenomenologia. Na cultura europeia converge ideias dessas correntes de pensamento já citados nas linhas anteriores. Essas manifestações filosóficas (existencialismo, marxismo, fenomenologia e teorização da ciência do espirito) unificam a resistência à realização do niilismo e defendem um conceito de valor de uso ideal, ou seja, um lugar onde não valha a dissolução do ser no valor. (p.24)

            A representação de mundo, para Nietzsche, possui um “caráter de fábula” e é nesse ambiente que o homem se refugia, onde o mundo real é desconfigurado pelo outro mundo, esse mundo que vivemos. A necessidade do esquecimento da autenticidade é o tonos da transformação do mundo em fábula quando o homem exercita suas compreensões de mundo em interpretações engajadas no contexto histórico. Então, passa a ver os fatos como meras interpretações.

“Entre tantas armadilhas e fundos falsos no texto de Nietzsche, há ainda isto: que, reconhecido ao mundo verdadeiro o caráter de fábula, atribui-se à fabula a antiga dignidade metafísica (a “glória”) do mundo verdadeiro.” (p. 25)

            Para Vattimo, Heidegger possui uma direita e uma esquerda ideológica: a direita, quer ultrapassar a metafísica como uma preparação do retorno do ser na forma de uma ontologia apoética e mística; e a esquerda, configura-se na historia do ser como um longo adeus, de um enfraquecimento interminável.  Deus era o princípio de estabilidade e segurança, todavia, hoje, é adotado, pelas sociedades, um novo princípio: a tecnologia. Como se Deus fosse uma mentira que o homem tivesse de desmentí-la.

Heidegger, escreveu no entanto que Ge-Stell – isto é, a imposição universal e provocação do mundo técnico – é também um “primeiro lampejar de Ereignis daquele acontecer do ser em que cada apropriação, cada dar-se de algo enquanto algo, realiza-se como transpropriação, numa circularidade vertiginosa em que o homem e ser perdem todo o caráter metafísico. p.26 e 27

            A verdade não faz parte apenas de uma vertente filosófica, mas configura-se em uma construção contextual, pois uma verdade sempre habita em um contexto histórico moderno e atual.

“A Ereignis do ser que lampeja através da estrutura im-positiva do G-Stell heideggeriano é justamente o anunciar de uma época de “fraqueza” do ser, em que a “apropriação” dos seres é explicitamente dada como transpropriação. O niilismo é chance, deste ponto de vista, em dois sentidos: antes do mais, num sentindo efetivo político, não necessariamente a massificação e a “mediação” – mas cularizacao, desenraizamento, etc. – da existência tardo-moderna é a acentuação da alienação, expropriação no sentido da sociedade da organização total.” (p. 28)

             A importância do homem no mundo contemporâneo é a construção. Interrogações e questionamentos sobre o ser e o nada, Deus e sua existência, linguagem e realidade não possuem relevância sem a devida historicidade, ou seja, essas interpelações são inúteis sem a ideia do “hitoricizar-se”. O ser não pode mais receber o tratamento de fundante, pelo fato do ser acontecer historicamente.

            O niilismo como única chance do pensamento contemporâneo reconhece que a filosofia não necessita mais fundamenta nada, apenas deve continuar argumentando.

 BIBLIOGRAFIA

 VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade: Niilismo e Hermenêutica na cultura pós-moderna. Editorial Presença. Lisboa: 1987.

 GADAMER, Hans-Georg. Hermenêutica em retrospectiva: A virada hermenêutica. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes,2007.

 VATTIMO, G. Para Além da InterpretaçãoO significado da hermenêuticapara a filosofia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999.

 REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2004-2008.

DURANT, Will. A história da filosofia. Ed Nova Cultura. São Paulo: 1991.

 http://pt.wikipedia.org/wiki/N%C3%A3o_ser