Ao pensar sobre esta temática, agregamos à leitura deste texto às nossas vivências, e tentamos de certo modo, refletir sobre elas ou mesmo (re)interpretá-las conforme nossos conhecimentos adquiridos à priori.

E, conforme afirma Paulo Freire em suas obras, é através da busca ao saber que (re)organizamos o novo (conhecimento adquirido) com o já estabelecido, já que através da leitura de mundo que temos sobre dado objeto, reestruturamos saberes e reformulamos aprendizagens, através de um diálogo continuo e conflituoso de constatações, reconstruções e mudanças.

Assim o querer ser branco, foi refletido através de estudos de casos que a imagem do negro é associada socialmente à uma imagem inferiorizada, e que indivíduos negras buscam a fuga fenotípica (cor) para não se reconhecer como tal.

Nesta perspectiva, a negritude fenotípica é vista como algo negativo, e a essência da palavra negritude, concebida por uma postura política de pertencimento, não é compreendida e dialogada socialmente. As pessoas negras em sua maioria, tendem a idealizar o embranquecimento, por idealizar ser este o mais"belo, o "aceitável", o normal.

Esta busca pelo embranquecimento leva os indivíduos a se autodeclarar em uma gama de coloração (total de 135 cores, conforme identificado pelo IBGE), a fim de fugir da denominação da cor negra. Do mesmo modo as características, a cultura e a religiosidade negra são cotidianamente reformuladas à assemelhar-se ao ideal branco .

Como base à esta discussão destacamos as seguintes passagem do texto do Cuti:

"Há, nesse contexto, silêncio prático e tático... E o inconsciente racista reelabora se projeto de contínuo processo de exclusão, a cada nova circunstância".

Percebemos que é este não pertencimento que limita a percepção e o discernimento de um processo histórico que cotidianamente é vivenciado por muitos, mas igualmente naturalizado por tanto outros, e para embasar esta colocação destacamos a fala de Ramos citada por Cuti em seu texto, que diz o seguinte:

"O ideal da brancura é uma sobrevivência que embaraça o processo de maturidade psicológica do brasileiro e, além disso, contribui para enfraquecer a integração social dos elementos constitutivos da sociedade nacional". (Ramos, 1957, p.187)

Assim, esse ideal de brancura difundido amplamente em nossa sociedade, precisa ser repensado, a fim de que uma grande parcela da população brasileira possa enfim recriar e reafirmar as suas potencialidades, como diz Cavalleiro:

(...)Grita inferioridade, desrespeito e desprezo. Neste espaço, a vergonha de hoje somada à de amanhã leva a criança negra a represar emoções, conter seus gestos e (...) passar despercebida num espaço que não é o seu. (Cavalleiro, apud Cury, 2005, p.22) [1]

Também remetemos que a teoria do branqueamento, após a proclamação da República, tinha como objetivo criar uma nova identidade para a nação brasileira e também apagar a mancha negra de um país escravocrata e atrasado, alguns autores como Oliveira Lima e Silvio Romero defenderam o processo da mestiçagem como forma de apagar gradativamente a figura do negro na sociedade.

Uma das formas utilizadas para este processo foi a teoria dos imigrantes, onde os negros rotulados como inferiores não tinham capacidades técnicas de trabalhar na agricultura, esta informação constavam nos livros didáticos como o de Raymundo Campos. (A história da América).

Após a lei 10.639/03 os autores começaram a mudar a forma de pensar sobre a questão do negro e os livros deixaram de rotular o negro como figura inferior, sem cultura e viram que eles tiveram uma grande participação na sociedade.

Entretanto, nos livros didáticos ainda encontramos a presença, de forma pejorativa, do negro nos livros quanto a questão da ausência de autores negros para crianças e adolescentes. Em Cutti encontramos a seguinte afirmativa:

"A relação leitor/texto/autor, na Literatura Brasileira, implica quase sempre a invisibilidade do leitor negro. É, como no contexto social o foi por muito tempo, desconsiderado enquanto cidadão. A experiência do leitor negro, ante o grande espectro da literatura nacional, é a mesma de quem estivesse ouvindo uma conversa entre brancos, atrás da porta, do lado de fora."





. Frequentemente podemos ver casos de ofensas e de preconceito entre as mesmas, inclusive entre crianças negras que acabam por reproduzir essa ideologia e continuam perpetuando esse ciclo de subalternidade e de racismo que foi imposto historicamente.

Como o próprio Cuti diz: "O "ser branco" constitui um condicionamento profundo a que a classe dominante submeteu indivíduos e grupos, acenando para o futuro com a hipótese de um país epidérmica e culturalmente branco, através do processo clarificador da mestiçagem e do genocídio do negro e do índio, como também da superposição de valores culturais de matriz européia."

A literatura infantil e os livros didáticos reforçam isso mostrando poucas figuras de negros e sempre colocados em posição inferior, marginal, distorcida como escravos, empregados, sujos, etc.

Este sentimento de não reconhecimento sempre ficou claro nas atitudes e comportamentos em relação aos afro-descendentes e aos moradores das regiões rurais por aqueles que vem de grandes cidades, das parcelas mais abastadas ou ainda do moradores da área urbana dessas regiões.

O tipo físico, a cor da pele, a realidade social e econômica destes grupos não correspondem àquela veiculada como ideal pelos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão. Uma realidade de riqueza, de viagens internacionais, de restaurantes da moda, de roupas e jóias, de excelentes empregos, de prestígio e reconhecimento em pele branca e cabelos lisos e brilhosos.


Nesse sentido, são silenciados todos aqueles que não comungam da matriz européia e, assim, as contribuições de seus antepassados são apresentadas de forma pejorativa. Pensei nas letras de duas músicas como exemplo. A música Etnia, de Chico Science e Nação Zumbi e a canção de roda Samba Lelê.

Na poesia de Chico Science é ressaltada a diversidade de visões de mundo, existentes em nosso povo. Ressalta-se, também, o respeito a cada uma delas, no trecho:

Somos todos juntos uma miscigenação
E não podemos fugir da nossa Etnia
Todos juntos uma miscigenação
E não podemos fugir da nossa Etnia

Índios, brancos, negros e mestiços
Nada de errado em seus princípios
O seu e o meu são iguais
Corre nas veias sem parar

Na letra de Samba Lelê, além de estar doente, Lelê deve apanhar!!! Indica uma associação direta entre aqueles que sambam com os que devem ou que podem levar surras sugerindo o domínio e a depreciação desse grupo e sua cultura.

Atualmente, vem sendo recriadas as letras das nossas cantigas infantis num sentido mais positivo e afirmativo, no que diz respeito à atitude com o mundo ao redor e aos seres que nele habitam.

Como as Diretrizes Curriculares Nacionais apontam para a formulação de ações afirmativas para a integração das diversas formas de expressão culturais e diferentes grupos de nosso país, penso no programa Educare como base de trabalho para a Educação em Valores Humanos em substituição a uma educação excludente.

Este programa, criado por Sri Sathya Sai, na Índia nos anos 70, é utilizado em todos os níveis de formação. Sua proposta está baseada na utilização de técnicas milenares (harmonização, citação, texto, música e trabalho em grupo) para a educação de valores absolutos (verdade, retidão, não-violência, paz e amor). Esta experiência vem sendo implementada em escolas de diversos países com resultados positivos. A presença do método em tantas culturas diferentes deve-se aos seus princípios que são o respeito à diversidade, às culturas regionais e o ecumenismo.

Ao pensar as técnicas do programa Educare percebe-se que estas foram e são utilizadas pelas culturas africanas e indígenas, como forma de educação e transmissão de conhecimento, e também como caminho para a integração dos indivíduos em suas comunidades.

A Educação em Valores Humanos pode, e com certeza contribui, para a constituição de ações que levem a um trabalho de valorização das "visões de mundo não consideradas", como diz Cuti, e possibilita a adequação a "novos conteúdos vivenciais" em nossas escolas formando indivíduos que se reconheçam e sejam reconhecidos.


"Escritores negros que, produzindo no Brasil, optaram pelo rompimento com o silêncio ideológico do racismo, aportaram para o leitor que se permite "se perder" no ato da leitura, inúmeras respostas acerca da convivência inter-racial, como também formulam questões para uma nova ordem de maior auto-estima, tolerância e solidariedade. Isto porque ao abordarem uma das zonas litigiosas do inconsciente coletivo brasileiro, onde se abrigam medos, fantasias, ódios, incompreensão, rancores, atração, repulsa, inveja, etc, trazem a subjetividade do segmento historicamente mais oprimido."

Cuti

Gostaria de abordar o tema da Literatura Negra. Poucos são os autores que têm espaço no meio editorial para uma literatura contestadora do status quo. Na maioria das vezes estes autores precisam abrir suas próprias editoras ou financiar seus livros. Mesmo dentro do espaço ?democrático? das universidades, nem sempre cabe um texto que altere a ordem racista vigente.

Como afirma Cosme Felix, presidente da Ordem das entidades afro-brasileiras, na série Cadernos Negros, nós leitores temos o prazer de desfrutar da capacidade intelectual e artística de um povo herdeiro da geniosidade criativa forjada no calor da luta pela liberdade. Esta série quebra um longo período de silêncio das vozes de escritores negros. Seus textos não se dirigem apenas aos leitores negros, mas também a todos aqueles que permitem-se sensibilizar na confecção de uma sociedade mais justa. Os textos tratam do cotidiano sofrido, mas também das paixões e vivências do povo negro fora do slogan "a gente se vê na Globo": Atores negro como escravo/empregada doméstica/bandido/mulher submissa.

Os Cadernos Negros são escritos por intelectuais, como o cineasta Zózimo Bulbul que discorda desse senso comum e promove a auto-estima negra quando não produz tais filmes. Chega de ver o negro em personagens desqualificados. A sociedade precisa ver o Negro atuando em outros papeis sociais, a fim de fortalecer a auto-estima dos jovens que não veem perspectivas diferentes, já que a literatura e a mídia incitam a formação de cidadãos de segunda classe.

Ainda em destaque à Literatura Negra, não podemos deixar de citar os mestres que já no início do século XX encontraram pessoas corajosas, como Hermínio Bello de Carvalho, que gravou corimas, lundus, sambas de roda e chorinhos de João da Bahiana, Pixinguinha e Donga, na voz de Clementina de Jesus. Nossos primeiros poetas negros registraram em suas músicas a oralidade das cantigas religiosas e a musicalidade africana de raiz. Exemplos: Yao, Pixinguinha e Que que rê que que, João da Bahiana. A sociedade da época sabedora da genialidade desses músicos preferiu comparar-lhe aos jazzistas de Nova orleans a admitir a superioridade de um ritmo puramente afro-brasileiro.