Em que deve basear-se o discurso sobre o nascimento da história? É possível falar sobre o nascimento da história ou apenas do percurso e processo das criações humanas ao longo do tempo?

Na forma como está colocada, esta questão propõe pelo menos dois caminhos de reflexão: primeiro a determinação de um antes e um depois, caracterizando um "momento" a partir do qual se pode dizer "daqui em diante existe história, antes disso ela não existia". O segundo caminho é de ordem historiográfica o que implica dizer que devemos nos preocupar em perceber como os historiadores foram criando e superando as filosofias da história, ou seja, as diferentes concepções historiográficas. Essas concepções historiográficas nos acenam para outra questão que não é a busca de um ponto a ser visto como nascimento, mas a diferentes concepções indicam a necessidade de se ler as ações humanas como um processo que se concretiza ao longo dos milênios.

A preocupação com o momento do nascimento da história – mesmo que esse momento possa ser entendido como um período ou uma conquista – denota a preocupação de estabelecer, com precisão, datas e atuação de personagens marcantes. Esse é o molde daquilo que podemos chamar de história tradicional que se fundamenta no positivismo. Em resposta a esta perspectiva, embora a preocupação seja essa, não se pode dizer que haja uma data exata, para o nascimento da história, mas um período ou um contexto. O contexto originante da história a historiografia tradicional considera como aquele em que se desenvolveu a capacidade do registro escrito.

Notando que os desenhos rupestres (localizados nos diferentes sítios arqueológicos ao redor do mundo), produzidos pelos chamados povos pré-históricos, não são considerados registros escritos e, portanto não são objeto de estudo da história, mas da arqueologia. Os resultados das pesquisas nesses sítios iluminam nossa compreensão a respeito das sociedades antigas. A presença desses sinais denota a existência de sociedades minimamente organizadas, possuidoras de conhecimentos e tecnologias. Entretanto essas sociedades permanecem sendo considerados pré-históricas.

Ao que tudo indica os primeiros rudimentos de registro, aquilo que pode ser visto como sinais precursores do atual sistema da escrita alfabética, tem um espaço-tempo determinado: o quarto milênio antes de Cristo na região mesopotâmica. Não são poucos os comentadores e livros didáticos espalhados por todo o Brasil que representam em uma linha do tempo o surgimento da escrita a partir de 4000 aC. Essa perspectiva divide o percurso humano em pré-história e história. O período chamado de história é aquele que inicia com o desenvolvimento da escrita. O domínio deste conhecimento seria, dentro desta visão, o ponto de nascimento da história. Isso porque o período anterior, a Pré-história, é assim chamado por ser anterior ao aparecimento da escrita, por isso anterior à História. Dentro dessa perspectiva só há história se houver registro escrito ou documento positivo a partir do qual se possa desenvolver a pesquisa histórica.

Não se trata de dizer que este seja uma forma correta ou errada de se pesquisar história. Também não podemos dizer que essa seja uma perspectiva que possa simplesmente ser negada, pois ela tem e teve espaço na leitura, na literatura e na pesquisa histórica. Por outro lado é evidente que a criação da escrita não foi algo que se desenvolveu da noite para o dia, mas um processo lento. Trata-se de uma aquisição datado e localizado, mas que teve um longo processo de elaboração.

Podemos dizer que a partir de 4000 aC, nas proximidades dos rios Tigre e Eufrates começaram a se desenvolver algumas das mais antigas cidades e com elas todo um emaranhado sistema de administração, comércio e, consequentemente, novas exigências. Entre as novas exigências da vida urbana aparece a necessidade de registro tanto de elementos do cotidiano político como, principalmente, de transações comerciais. Esse, podemos dizer, é o "momento" do nascimento da história enquanto processo de registro de fatos do cotidiano.

Aliás, podemos dizer, é com essa perspectiva que a história se desenvolve, não só como registro dos fatos cotidianos, mas como registro interpretativo a partir da seleção dos fatos considerados importantes para aquele que o registra. E com isso podemos nos aproximar da outra forma de se conceber a origem ou o nascimento da história. Agora não a partir de um momento, mas a partir de interpretações do processo ou a evolução do conceito.

Então retomemos a indagação sobre o nascimento da história.

Podemos retomar a questão a partir do que alguns estudiosos afirmam: a história nasce com o ser humano. Ou seja, a partir do momento em que se manifesta sua consciência de si o homem inicia seu processo histórico. O que caracteriza o nascimento do ser humano portanto, caracteriza também o nascimento da história Dessa forma, o longo período que a história tradicional chama de pré-história já é um período histórico. A ação humana no mundo é uma ação histórica, pois sempre é uma ação datada. Pode ocorrer que essa ação não seja registrada no livro de história, mas será, sempre, desenvolvida na relação com outros humanos, impregnada de valores e, portanto, cultural.

Olhando desta forma podemos dizer que a história se desenvolve a partir do instante em que o ser humano, como ser que age conscientemente, interfere na natureza e interage com seus semelhantes em toda ação cotidiana. Assim sendo a história nasce com o nascimento do cotidiano humano. Um cotidiano que não precisa estar objetivamente registrado em documentos considerados como históricos, mas no processo de produção cultural que envolve toda produção humana.

Quando falamos em história, portanto, estamos falando de ação humana, relação e interação entre pessoas e dessas pessoas com o ambiente. A história, portanto pode ser vista como um processo de produção cultural. Dessa forma, não é exagero dizer que o nascimento do ser humano é o ponto de origem tanto da história como da cultura. O ser humano se manifesta como existente ao produzir o mundo. E essa produção é uma ação contextuada no tempo e no espaço e por isso é histórica e cultural. O homem, ao produzir cultura produz história.

Essa perspectiva de visão da história assinala uma nova origem para a história pois inaugura outra filosofia da história que ultrapassa o modelo iniciado por Heródoto e adaptado pelo positivismo. Assinala a ruptura com a historiografia tradicional para recriá-la pelo menos em duas perspectivas distintas, mas que manifestam alguns traços em comum. Trata-se da historiografia que se desenvolve a partir da escola francesa dos analles e a perspectiva do materialismo histórico.

Embora a perspectiva materialista privilegie o elemento econômico como motor da história e os analles se voltem para temas cotidianos, as duas historiográficas realçam a importância da ação humana. Assim, enquanto a historiografia positivista acentua a importância do documento como ponto de partida para a produção da história, estas duas outras vertentes colocam a ação e desenvolvimento humano no centro da análise.

Em síntese, podemos dizer que se por um lado existe uma historiografia que se preocupa em determinar positivamente o momento a partir do qual se pode falar em história, a outra perspectiva coloca a origem da história na própria origem da humanidade. Portanto, como a cultura, a história nasce com o nascimento do homem.

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Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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