Elma Santos Souza**

RESUMO:

O presente trabalho norteia-se a partir do corpus da obra literária de José de Alencar, intitulada Cinco Minutos, propondo a discussão sobre a estrutura narrativa apresentada no romance já citado; tendo como teoria de base o estruturalismo romântico através dos estudos de Salvatore D'Onofrio (1995); Angélica Soares (2005);Cândida Vilares Gancho (2002); Genárd Genette(s/d);Roland Barthes(1966). Neste intuito procederemosem dois momentos: no primeiro faremos um estudo sobre o narrador no processo de enunciação narrativa; e no segundo, analisaremos a enunciação romântica do narratário e suas nuances na obra supracitada.

PALAVRAS-CHAVE:

Estrutura; narrador; narratário; enunciação; romântica.

_ Não! Amar, sentir-se amado, é sempre um gozo imenso e um grande consolo para a desgraça. O que é triste, o que é cruel, não é viuvez da alma separada de sua irmã, não; aí há um sentimento que vive, apesar da morte, apesar do tempo. ( José de Alencar, Cinco Minutos, cap.V, p.19)

INTRODUÇÃO:

D'Onofrio (1995, p. 53), define a narrativa como todo o discurso que apresenta uma história imaginária como se fosse real, constituída por uma pluralidade de personagens, cujo episódio de vida se entrelaça num tempo e num espaço determinado.

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* Artigo apresentado a Prof.ª Adilma Nunes, do componente curricular Estudos Teóricos do Texto Literário, do curso de Letras Vernáculas, da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Campus XXI, com fins avaliativos.

**Acadêmica do III Semestre, Vespertino.

Narrar é um ato de contar uma história seja no presente, ou passado em que observamos algumas características inclusas em dois planos definido por D'Onofrio (ibidem, p. 54) como Plano da enunciação (narrador) e o Plano do enunciado (história).

Cinco Minutos foi o primeiro romance do escritor José de Alencar, sendo publicado em 1856 em forma de folhetins pelo jornal Diário do Rio de Janeiro, que ao fim de alguns meses com todos os capítulos publicados, foram juntados em única edição oferecida como brinde aos assinantes do jornal.

José de Alencar (1829-18770) esquematizou suas obras como: romance social ou urbano, regionalista, histórico e indianista. Neste romance por nós estudado Alencar revela seu talento em observar a vida humana, estudando as figuras femininas, destacando-se também por ter introduzido um estilo e uma fisionomia própria na Literatura Brasileira.

A obra é escrita na forma de carta a uma prima do autor, D..., relatando seu amor por uma jovem chamada Carlota que só é revelado nos últimos capítulos do romance.

A história inicia-se no Rio de Janeiro, quando o narrador perde o ônibus por um atraso de cinco minutos sendo obrigado a esperar o próximo. Ao entrar no ônibus ele senta-se ao lado de uma mulher que jamais imaginaria se apaixonar; mas ela usa um véu, ele teme que seja feia e a sua imaginação é aguçada. Contudo, o narrador não consegue esquecê-la e, busca formas de descobrir quem é a amada.

Depois de alguns desencontros, finalmente o narrador conhece a mulher e declara-se; ela revela por carta que já o observava nos bailes, amava-o há tempos, mas não podiam ficar juntos, pois tinha uma doença incurável, mas depois de tanto contratempo, Carlota como era chamada, à beira da morte pede um beijo e no exato instante em que se beijam, por milagre, a moça se reanima e vive.

Nesta abordagem de Cinco Minutos nos valemos da contribuição de Salvatore D'Onofrio(1995), Angélica Soares(2005), Cândida Vilares Gancho(2002), Génard Genette( s/d), Roland Barthes(1966); com o estudo da narrativa foram imprescindíveis para a nossa compreensão e construção do nosso artigo de maneira fundamentada.

Dividiremos este artigo em duas seções: na primeira intitulada, O NARRADOR NO PROCESSO DE ENUNCIAÇÃO NARRATIVA, analisaremos aobra partindo do pressuposto do que cada teórico afirma ser para em seguida,nos determos ao corpus estudado; na segunda intitulada, A ENUNCIAÇÃO ROMÂNTICADO NARRATÁRIO E SUAS NUANCES NA OBRA SUPRACITADA, na qual estudaremos a posição do narratário dentro do romance analisado.

1-O NARRADOR NO PROCESSO DE ENUNCIAÇÃO NARRATIVA:

Para D'Onofrio (1995, p. 54), na arte da narrativa, o narrador nunca é o autor, mas, um papel por este inventado: é um personagem de ficção em que o autor se transforma.

Com isso, a função do narrador é revelada por índices específicos, ou seja, o que os estudiosos chamam de aparelho da enunciação constitui todos os elementos que se relacionam com o emissor, o discurso e o destinatário. A enunciação é manifestada no ato da fala ou escrita, exprimindo-se no tempo presente.

Com efeito, há vários tipos de narradores que se agrupam em duas categorias: Narrador Pressuposto e o Narrador Personagem. D'Onofrio (ibidem, p.55) define essas classes da seguinte forma:

1.1-Narrador Pressuposto – Trata-se de romances narrados em terceira pessoa, com predominância da observação.

1.2-Narrador Personagem – Quando o romance é narrado em primeira pessoa, ou seja, o narrador éparticipante da história.

Já Cândida Gancho(2002, p.26) afirma que " Não existe narrativa sem narrador, pois ele é o elemento estruturador da história." Com isso, ela relata ainda que, as variantes de narradores em terceira pessoa ou em primeira podem ser inúmeras, uma vez que cada autor cria um narrador diferente para cada obra. Por isso é bom que se esclareça que o narrador não é o autor, e, portanto só existe no texto. Gancho destaca o narrador observador em:

Narrador Onisciente-É aquele que sabe tudo da história.

Narrador Onipresente-É aquele que está presente em todos os momentos da história.

Narrador Intruso-É aquele que fala com o leitor, julgando o comportamento das personagens.

Narrador Parcial - É aquele que se identifica com algum personagem da história, permitindo que se tenha mais destaque.

Contudo, D'Onofrio apud Barthes (109, p.49), diz que " quem fala ( na narrativa) não é quem escreve( na vida) e quem escreve não é quem é." Ou seja, o autor pertence à realidade, enquanto que o narrador pertence ao imaginário.

D'Onofrio refere-se à categoria do narrador observador sendo esta orientada pelo contexto, evitando preocupar-se com o emissor e o receptor. Ele divide emtrês modalidades:

Narrador Onisciente Neutro-É aquele que sabe de tudo o que acontece no íntimo de cada personagem.

Narrador Onisciente Intruso-É aquele que sempre interrompe a narração dos fatos para fazer considerações e julgamento.

Narrador Onisciente Seletivo - É quando o narrador apresenta o ponto de vista de uma ou mais personagens.

Narrador Câmera-Éle exerce o papel de um observador imparcial, que analisa, mostra o que é capaz de vê.

Contudo, para Angélica Soares(2005), existem três tipos de narração; a saber; visão "por trás" na qual o narrador conhece tudo o que acontece com os personagens da história; visão "com" o narrador sabe tanto quanto a personagem; e a visão "de fora" o narrador limita-se em narrar apenas o que se vê.

Depois de ter observado o que cada escritor cita sobre a categoria do NARRADOR OBSERVADOR, veremos agora o que cada um nos fala sobre o NARRADOR PERSONAGEM.

Em se tratando de narrador personagem como já foi citado anteriormente tomaremos como base a definição de D'Onofrio apud Pouillon(?) que afirma que "é através do ponto de vista da personagem-narradora que conhecemos o que se passa no texto." Ou seja, para que o romance esteja nesta categoria é preciso que o personagem faça parte da história.

Assim, D'Onofrio aponta quatro tipos de narrador personagem. Sendo eles:

Narrador Protagonista-Trata-se de alguém que acumula o papel de sujeito da enunciação (narrador) e de sujeito do enunciado(história),ou seja,ele conta a história por ele vivida.

Narrador Personagem Secundário-Trata-se de um personagem que narra a história, mas, não exerce o papel de protagonista. Ele apresenta os personagens, destacando-se ao nível da enunciação.

Narrador Testemunha-É aquele que está presente apenas para narrar os acontecimentos, pertencendo ao plano do discurso.

Narração Dramática-Não existe um narrador específico, pois todos os personagens, dialogando funcionam como destinatário da mensagem.

Contudo, Gancho define o narrador personagem em dois, sendo o narrador testemunha e o protagonista. O primeiro, é classificado não como personagem principal, mas, como alguém que narra os fatos dos quais participou como mero espectador, no entanto, o segundo é o personagem central dos acontecimentos.

Portanto, ao analisar a obra citada percebemos a presença de um narrador personagem secundário sendo, este o participante da história, e através dele que o personagem principal é apresentado.

"Procurei, como costumo, o fundo do carro, a fim de ficar livre das conversas monótonas dos recebedores, que de ordinário tem sempre uma anedota insípida a contar ou uma queixa a fazer sobre o mau estado dos caminhos. O canto já estava ocupado por um monte de sedas, que deixou escapar-se um ligeiro farfalhar, conchegando-se para dar-me lugar. Sentei-me, prefiro sempre o contato da seda à vizinhança da casimira ou do pano. O meu primeiro cuidado foi ver se conseguia descobrir o rosto e as formas que se escondiam nessas nuvens de seda e de rendas. Era impossível. Além de a noite está escura, um maldito véu que caia de um chapeuzinho de palha não me deixava a menor esperança."( ALENCAR, cap.I, p.1-2)

As formas do narrador em se fazer presente numa narrativa literária variam além de sua multiplicidade para com o texto. Com isso, o foco narrativo ou focalização é entendido como a relação entre o narrador e o narratário. Por isso, na obra analisada detectamos segundo a classificação de Soares como um romance com a focalização homodiegética, interna, onisciente em que, além do narrador personagem secundário participar como agente da história narrada apresenta o que se passa no interior de cada personagem, conhecendo tudo em relação aos acontecimentos.

"Julga mal de mim, meu amigo; nenhuma mulher pode escarnecer de um nobre coração como o seu. Se me oculto, se fujo, é porque há uma fatalidade que a isso me obriga. E só Deus sabe quanto me custa este sacrifício, porque o amo! Mas não devo ser egoísta e trocar sua felicidade por um amor desgraçado. Esqueça-me."(Idem, Ibidem, cap. III, p.11).

2-A ENUNCIAÇÃO ROMÂNTICA DO NARRATÁRIO E SUAS NUANCES NA OBRA SUPRACITADA:

Entidade da narrativa a quem o narrador dirige o seu discurso. O narratário não deve ser confundido com o leitor, quer este seja o leitor virtual, isto é, o tipo ideal de leitor que o narrador tem em mente enquanto produtor do discurso, nem com o leitor ideal, isto é, o leitor  que compreende tudo o que o autor pretende dizer. "O narratário é uma entidade fictícia, um 'ser de papel' com existência puramente textual, dependendo diretamente de outro 'ser de papel'".( Roland Barthes,1966).

O narratário é, assim, o simétrico do narrador e por este posto em cena na diegese.Ele revela-se em pronomes pessoais da segunda pessoa a quem o narrador se revela. Este crítico considera o narratário, tal como o narrador, é uma personagem da narrativa (ainda que algumas vezes apenas esteja presente no texto de forma implícita), e que não deve ser confundido com entidades exteriores ao texto. Gérard Genette em Discurso da Narrativa, (1972), distingue dois tipos de narratário: o intradiegético e o extradiegético, conforme ele pertence ou não à diegese.

Sendo que, o narratário intradiegético é designado pelas marcas de segunda pessoa, existentes no texto. Desse modo, são detectados em romances por cartas demonstrando o correspondente epistolar. O narratário extradiegético, pelo contrário pode ser visto como o leitor virtual, ou seja, podendo fingir não se dirigir a alguém, sendo indefinido.

"É uma história curiosa a que vou lhe contar, minha prima. Mas é uma história e não um romance. Há mais de dois anos, seriam seis horas da tarde; dirigi-me ao Rocio para tomar o ônibus de Andaraí. Sabe que sou um homem menos pontual que há neste mundo; entre os meus imensos defeitos e as minhas poucas qualidades, não conto a pontualidade, essa virtude dos reis e esse mau costume dos ingleses". ( Idem, ibidem, cap.I, p.1)

Enquanto a existência do narrador é evidente, a do narratário é menos visível. É que o narrador revela sempre a sua presença, através do discurso que elabora (se existe uma narração, ela é da responsabilidade de alguém), enquanto o narratário pode ser explicitamente identificado pelo narrador, ou, o que é mais frequente, ter apenas uma existência implícita. Normalmente, não encontramos ao longo do discurso do narrador nenhuma referência ao destinatário do discurso (narratário), o que leva a crer que a sua existência seja frequentemente ignorada. Mas na realidade existe sempre um narratário, cuja existência é exigida pelo próprio narrador, já que quem narra faz isso para alguém. O narratário nunca se confunde com o leitor/ouvinte.

"Antes de considerar essa última dimensão da instância narrativa proustiana, deverá dizer-se uma palavra mais geral acerca dessa personagem a que chamamos narrátario, e cuja função na narrativa parece tão variável. Como o narrador, o narratário é um dos elementos da narrativa, e coloca-se, necessariamente, no mesmo nível diegético; quer dizer que não se confunde mais, a priori, com o leitor(mesmo virtual) de que o narrador com o autor, pelo menos não necessariamente". (GENETTE, s/d).

Assim, o narratário é hipotético receptor do discurso narrativo, entidade igualmente imaginária que deve ser confundida com o receptor, embora seja comum o discurso destinar-se diretamente a ele.

"Quinze dias se passaram depois de minha aventura. Durante este tempo é escusado dizer-lhe as extravagâncias que fiz. Fui todos os dias a Andaraí no ônibus das sete horas para ver se encontrava a minha desconhecida; indaguei de todos os passageiros se a conheciam e não obtive a menor informação. Estava a braços com uma paixão, minha prima, e com uma paixão de primeira força e de alta pressão, capaz de fazer vinte milhas por hora". (ALENCAR, Cinco Minutos, cap.II, p.5).

No caso das narrativas epistolares, o narratário (o destinatário das cartas que o narrador escreve) tem uma função dramática extrema, visto que nunca lhe é permitido responder às epístolas do narrador; as suas opiniões e conselhos apenas são levados ao conhecimento do leitor através da própria voz do narrador. Com efeito, tivesse este narratário uma voz própria, toda a tragédia conheceria um outro desfecho. Assim, o narratário tem também a função de dinamizar,   a narrativa, o visto ter a capacidade de acelerar, ou de conter o processo dramático interiorizado no narrador.

Detenhamos-nos ao estudo do narratário dentro do corpus da obra supracitada visto que, seja um narratário intradiegético, sendo o mesmo detectado pelas marcas de segunda pessoa, além de ser conhecido pelo fato do narrador se dirigir ao leitor virtual através de cartas.

"Eis, minha prima, a resposta à sua pergunta; eis por que esse moço elegante, como teve a bondade de chamar-me, fez-se provinciano e retirou-se da sociedade depois de ter passado um ano na Europa". (Idem, ibidem,cap.X,p.48).

Observamos que o narrador personagem secundário escreve uma carta ao narratário citado como "minha prima", em que o dito narrador conta-lhe toda a sua vida ao longo de dois anos passados.

Não existe interferência do narratário diante da história contada, o que há é a possibilidade de questionamento implícito deste com o narrador, razão pela qual o narrador personagem secundário na citação acima infere que o narratário( neste caso a prima),fez-lhe alguma pergunta implícita,de modo que na referida citação ele dar a resposta, porém, isso não é visto claramente em momento algum do romance.Pois o que se percebe constantemente é um diálogo em que apenas o referido narrador interage com o narratário sendo que este, tem uma voz passiva no discurso, visto que,sua fala não é mencionada em nenhum momento da obra.

Com isso, o narrador finaliza a obra despedindo-se do narratário desta forma "Adeus, minha prima. Carlota impacienta-se, porque há muitas horas que lhe escrevo; não quero que ela tenha ciúmes desta carta e que prive de enviá-la".(Idem,ibidem,cap.X,p.48)

Considerações Finais:

Nossa intenção neste trabalho foi mostrar a importância em analisar a obra Cinco Minutos, a partir de estudos teóricos, apontando a questão do Narrador e do Narratário sendo estas, características estruturais estudadas no decorrer do semestre. Tomamos como ponto de partida estes estudos a fim de compreendermos a postura de cada autor em relação às análises destacadas neste artigo, bem como, detectando em qual destas teorias se encaixa a referida obra. Assim, o presente trabalho nos acrescentou conhecimento teórico para através de pesquisas e estudos construirmos um artigo suficientemente fundamentado.

Referência Bibliográfica:

ALENCAR, José de. Cinco Minutos_In: Coleção Literatura Brasileira.(s/local): ciranda cultural, (s/d).

D'ONOFRIO, Salvatore. Elementos estruturais da narrativa_In: Teoria do texto 1: Prolegômenos e tória da narrativa. São Paulo: Ática, 1995, p.53-104.

GANCHO, Cândida Vilares. Como Analisar Narrativas. 7ed.São Paulo: Ática, 2002.

GENETTE, Génard. Discurso da Narrativa. Lisboa: Vega,(s/d).

SOARES, Angélica. Gêneros Literários. 6ed. São Paulo: Ática, 2005.