Ponderar o período histórico que antecede a um movimento artístico é entender suas vertentes, suas influências e principalmente o porquê de sua temática. O meio do século XX foi marcado pelo grande progresso no desenvolvimento técnico-industrial. Este panorama criou possibilidades para a pop art.

A expressão pop art surgiu na Inglaterra em meados do século XX, quando os críticos Lawrence Alloway e Reyner Banhan propuseram o termo popular art para se referir, não a uma tendência artística já em destaque e sim a um conjunto crescente de imagens e representações surgidas nos novos domínios da comunicação de massa que na época adquiria um desempenho cada vez mais proeminente na cultura.

Foi Richard Hamilton que contribuiu para a definição da linguagem desta nova tendência, enumerando um conjunto de qualidades como, popular, transitória, consumível, de baixo custo, produzida em massa, jovem, espirituosa, sexy, chamativa e um grande negócio. Assim como o Dadaísmo, liderado por Marcel Duchamp, a pop art colocou em questão o julgamento formalista de belo e feio na arte, nivelando alta e baixa cultura em um só componente, tornando-a acessível a população. A pop art não debate o objeto em si, mas a sua imagem, inspira-se na linguagem publicitária onde a imagem do objeto é mais importante que o produto. A idéia de um objeto único e original é desmistificada, os objetos utilizados na produção artística pop, fazem parte da realidade vivida pelos artistas e pelos espectadores.

A apropriação, a colagem de imagens, nos permite construir pontes com a expressão contemporânea. A mediação foi transformada, assim como a sociedade que lhe dá respaldo. Adjetivos como transitória, consumível, de baixo custo, produzida em massa são nexos da linguagem em rede e a imagem transcende seu estado inicial para um estado híbrido, já não mais detentor de uma informação, mas resultado de mutações provocadas por programas operados e não por mãos, instrumentos e o tempo do artista. Hoje somos mediados por cenas, interfaces entre o homem e o mundo, e pela idolatria, onde passamos a viver em função de imagens e não usá-las em razão do entendimento do contexto. A cultura ocidental é estruturada em três pilares: restrição da imaginação, tornar o pensamento conceitual hermético e aquele colocado à massa ser caracterizado como barato.

 


'O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes?'

Richard Hamilton - 1956

Fonte: (MCCARTHY, 2002, p. 6)

A pop art apropriasse desta estrutura e a subverte mas não rompecom a eternidade. Todo o ato científico, artístico e político buscam a permanência e este estado se dá pela imagem. Neste contexto podemos colocar a pop art e o contemporâneo, estabelecendo a ponte do re-desenho de valores: o objeto não encerra em si mesmo, o símbolo é quem tem a informação do valor decodificada.

Lacan trabalha com três registros: o real, o simbólico e o imaginário. Desta tripartição e da articulação dos seus elementos temos o objeto do vazio (chamado objeto a) cuja expressão do desejo se dá também pelo olhar e, portanto pela imagem.

É na fotografia que a idéia de apropriação é construída porque ela é intermediada pelo instrumento, onde o artista escolhe o recorte, a máquina produz a imagem que pode ser reproduzida e, portanto também apropriada. Assim temos dois tempos de apropriação: aquele da escolha do ângulo, do recorte da foto, feito na simbiose fotógrafo-máquina-objeto fotografado. E outro na sua reprodução. Esta noção de apropriação ganha validação na pop art quando esta banaliza pela repetição e dá alcunha de arte pela reprodução.

"...O que está em jogo são as noções de reprodutibilidade, original e cópia, circulação, autoria, informação sim, porém não mais em chave pós-modernista de apropriação e citação, pastiche e esquizofrenia, mas no âmbito de uma cultura de rede que torna indissociáveis arte, técnica e informação."

Mitologias em torno da apropriação.

Ensaio publicado no catálogo da mostra multimídia "Imagem Sitiada", organizada pelo artista e curador Armando Mattos em diversas unidades do Sesc no Estado do Rio de Janeiro entre maio e agosto de 2004.

http://netart.incubadora.fapesp.br/portal/Members/julmonachesi/critica/imagemsitiada

O risco da invisibilidade nos leva à apropriação? Em uma sociedade líquida, onde estruturas estão sendo questionadas e o instante é o valor, co-autoria, cópia e questões herméticas do direito de uso da imagem e copyright devem ser re-organizadas para estabelecer novos alicerces, flexíveis, nós em uma rede de comunicação infinita e volátil.

A questão expande os territórios da pop art para o não lugar do objeto. O conceito se sobrepõe ao próprio ícone e desta relação etérea criamos relações. Não cabe discutir a evolução histórica, em uma métrica temporal de sucessivos movimentos, mas fazer a inter-relação que não os reduzem a fatos passados ou influências e referências.

A pop art utilizou o objeto deslocando-o do seu contexto de consumo, o contemporâneo trabalha com o deslocamento do valor econômico do objeto por questionar o direito a apropriação em uma cultura em processo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. Trad. Denise Bottmann e Frederico Carotti. 2 ed. São paulo: Companhia das Letras. 1993

BOCKRIS, Victor. Andy Warhol: a biografia. Trad. Ana Deiró. Rio de Janeiro: Objetiva. 1990.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta – ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Trad. Do autor. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 2002

HOFSTATTER, Hans H. Arte Moderna: Pintura, Desenho e Gravura. Trad. Mercedes Gallis Rufino. Lisboa: 1984

MCCARTHY, Davis. Arte Pop. Trad. Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac & Naify. 2002.

MINK, Janis. Marcel Duchamp: A Arte como contra-arte. Trad. Zita Morais. Alemanha: Taschen. 2000

OSTERWOLD, Tilman. Pop art. Trad. Sônia Teixeira. Itália: Taschen. 1994

STANGOS, Nikos (org.). Conceitos da arte moderna. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro. 1993.