Assim revela-se explicitamente a condição de não-pertencimento que se instaura-se na vida do sujeito. O que se pode notar é que o fator reterritorialização não ocorre de forma efetiva, pois o sujeito, mesmo de volta às raízes, ainda sente-se e torna-se marginalizado e, por conseguinte afastado do todo coletivo.

Zito Pereira depois de idas e vindas, de quinze anos de trabalho, ainda "Morava num porão úmido, cômodos separados por compensados. Esse é o resultado de anos e anos de labuta".

 Descaminho ? A Danação.

 Enrolou uma faca-de-cozinha numa folha de jornal [...] Ia dar um susto no Ezequias [...] E se desistisse daquela besteira? Mandaram embora?, Arrumava outra coisa! [...] Voltava para São Paulo [...] Já estava no passeio quando avistou o Ezequias [...] Zito correu em sua direção, tropicou [...] seu corpo desabou sobre o Ezequias. O embrulho que Zito trazia escondido caiu deixando a mostra um pedaço da lâmina da faca de cozinha [...] Os soldados chegaram, levou um safanão a vista escureceu.

 E agora, José?

[...]
seu instante de febre,

[...]
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

 Esta é a danação cometida por Zito Pereira, danação esta, que fecha a narrativa no parágrafo introdutório analisado anteriormente. Parece que o autor quis demonstrar o caráter circular desta situação. Agora, o presente estudo através de suas análises, pode retornar à proposição anterior e defender que é possível uma explicação histórica, política, social e sobretudo literária para se compreender tanto o ato quanto o efeito da danação na vida da personagem neste contexto ficcional, que  simboliza o sujeito social dentro da configuração real pós-moderna.

De forma breve podemos dizer que historicamente os efeitos da colonização ainda permanecem vigorando na vida dos indivíduos através principalmente, da divisão de classes. No âmbito político, o indivíduo encontra-se sujeito às implicações do Sistema que ora encontra-se a seu favor, ora posiciona-se contrariamente ante às suas expectativas. Na esfera social, o que é mais evidente é o processo de construção e de representação identitárias as quais se encontram sujeitas à dinâmica do meio. E no que se refere a literatura percebe-se nitidamente que mediante sua perspectiva literária, seus recursos, sua forma de expressão, seus métodos e técnicas discursivas e narrativas, e principalmente através de sua postura critico-reflexiva, consegue abordar todas as outras áreas anteriores para tratar dos problemáticas afins.

Diante de tudo isso, o autor deixa implícito uma denuncia: Aqueles que estão dispostos a contribuir através de sua força de trabalho para o crescimento do país, como Zito Pereira, justamente são estes que estão sujeitos a inesperadamente tornarem-se relegados à condição de dispensáveis. Daí observa-se o caráter de provisoriedade que permeia um mundo, no qual tudo é transitório a começar pela própria condição de vida do trabalhador. Para se sobreviver neste mundo, faz-se necessário estabelecer batalhas, percorrer caminhos e descaminhos, construções e desconstruções na perspectiva de pelo menos sobreviver com dignidade.

 Descaminho ? Desconstrução/Ruína.

 Anos e anos passara em frente à cadeia, a caminho da fábrica [...] Agora, estava ali, enjaulado, sem camisa, descalço, uma doida solidão. [...] Como havia descido tanto? Como agora poderia olhar os filhos nos olhos dizer o que era certo, errado? Que se mirasse no seu exemplo? Com que cara ralharia com eles, de onde arrancaria conselhos?

 Sozinho no escuro

Qual bicho do mato

Você marcha José!

José, para onde?

Se você gritasse,

Se você gemesse

[...]

Se você morresse

[...]

Mas você não morre,

Você é duro José.

 Nesta tensão é que a história de Zito Pereira é rompida. E agora? Agora o autor deixa um espaço imenso à nossa imaginação quanto à continuidade da história. Oferece-nos a possibilidade de penetrar no texto, numa perspectiva otimista, para que pensemos em soluções ou mediante a uma visão mais realista, assim como a própria obra, deixa-nos a possibilidade de reconhecermos as reais condições que se apropriarão da vida de Zito Pereira e de sua família daí pra frente, de analisarmos se esta família terá garantias de um destino melhor.

 De qualquer forma, o autor implicitamente acaba por nos dizer que nada tem explicação única, que tudo é cheio de contradições. Temos que procurar novos modos de ler e de decifrar, pois como leitores, somos profundamente subjetivos, cada ponto de vista consiste em uma dedução individual e particular. Cada um de nós vê a realidade à sua maneira. Pode existir variadas forma de analisar esta mesma obra, evidenciando que o ponto de vista aqui destacado não é o único possível. Jacques Derrida foi quem insistiu em negar qualquer objetividade do texto na sua teoria da desconstrução, por causa da ambigüidade lingüística.

 Para tanto, nossa interpretação particular lê a história A Danação como uma obra comprometida com o social, que debate demandas identitárias expressando choques culturais na subjetividade da personagem principal. Também a lemos como discurso revelador da sensação de deslocamento e de estranhamento em que a vida de um indivíduo encontra-se minada por mudanças, tensões e conflitos com outras culturas, além de ainda fomentar os efeitos que se refletem na configuração familiar deste indivíduo.

Esta é a visão que o escritor parece abarcar da realidade, percebemos o autor implícito nos discursos, sinalizando para situações criticas vivenciadas por indivíduos comuns, sobretudo, pela maioria da população.

 E assim, como o eu - lírico de Mário de Andrade abrindo este trabalho, Luiz Ruffato é "AQUELE QUE DISSE" e também aquele que sente como Augusto dos Anjos "a dor de todas essas vidas". Desse modo, compartilha das vivencias, dando-lhes expressão para então afirmar, por fim, que pretende através de sua inquietante literatura, "expressar meu descontentamento."

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[1] MENEZES, Adélia Bezerra de. Da "mão na mão" à luta de classes. In: Os Pobres na Literatura Brasileira, (org) Roberto Schwarz, São Paulo, Brasiliense, 1983. p. 219.

[2] BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. In: Culturas brasileiras: temas e situações. Alfredo Bosi (Org). São Paulo: Ática, 1992.

[3]Op. Cit.

[4] ROBERTI, Lêda do Nascimento Rosa. As Utopias Gerais nas minas de Ruffato. Dissertação de Mestrado. Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2005.

[5] Op. Cit.

[6] DEPOIMENTO, Luiz Ruffato. In: Revista Bagatelas nº 02, ano 2006.

[7]BERTOL, Rachel. Um Otimista no Inferno. Palavras que capturam a precariedade. In: O Globo, Rio de Janeiro, 19 de março 2005. Prosa & Verso. p. 01.

[8] FONSECA Hermes. Luiz Ruffato. "Dou Voz aos anônimos". In: Revista Continente Multicultural. Ano VI nº 63, março 2006 p. 4 -7.

[9] CASTELO, José. Livro toma partido dos trabalhadores. In: Valor Econômico. 18,19,20, março, 2005. p. 09.

[10] Citação retirada de ROBERTI, Lêda do Nascimento Rosa. As Utopias Gerais nas minas de Ruffato. Dissertação de Mestrado. Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2005. P. 22.

[11] CASTELO, José. Livro toma partido dos trabalhadores. In: Valor Econômico. 18,19,20, março, 2005. p. 09.

[12] ANTHONY Giddens. A Constituição da Sociedade. São Paulo, Martins Fontes, 1989.

[13] ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e História da Literatura. São Paulo: Ática, 1989.

[14] ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e História da Literatura. São Paulo: Ática, 1989. p. 129.

[15] Op. Cit.

[16] PEIXOTO, João As Teorias Explicativas das Migrações: Teorias Micro e Macro-Sociológicas. Dissertação de doutoramento, SOCIUS ? Centro de Investigação em Sociologia Econômica e das Organizações, Instituto Superior de Economia e Gestão Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 1998, p. 04. In: < http://pascal.iseg.utl.pt/~socius/publicacoes/wp/wp200411.pdf> Acesso em: 21/01/2007.

[17] Ely Estrela nomeia de Sampauleiro o migrante, o sertanejo baiano, que, tangido pela seca e pela miséria, migra para São Paulo embalado pelo sonho de uma vida melhor.

[18]LOPEZ, Telê Porto Ancona. Riqueza de pobre/Mário de Andrade/ In: Os Pobres na Literatura Brasileira, (org) Roberto Schwarz, São Paulo, Brasiliense, 1983, p. 123.

[19] Op. Cit.

[20] RUFFATO, Luiz. O Mundo Inimigo, Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 135.

[21] Op. Cit.

[22] RUFFATO, Luiz. O Mundo Inimigo, Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 135.

[23] MACHADO, Cassiano Elek. Para Ruffato, "busca pela felicidade apodrece tudo". In: Folha de São Paulo, São Paulo, 19 de  março de  2005. Literatura.  p. E12.

[24] Op. Cit.

[25] Op. Cit. p. 136.

[26] RUFFATO, Luiz. O Mundo Inimigo, Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 136.

[27] Op. Cit. p 136/139.

[28] ANDRADE, Carlos Drummond. José. In: Antologia Poética 53ª ed. Rio De Janeiro: Record, 2004.

[29] BERND, Zilá. Literatura e Identidade Nacional. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2003.

[30] RUFFATO, Luiz. O Mundo Inimigo, Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 137/138.

[31] ANDRADE, Carlos Drummond. José. In: Antologia Poética 53ª ed. Rio De Janeiro: Record, 2004.

[32] RUFFATO, Luiz. O Mundo Inimigo, Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 139/140.

[33] ANDRADE, Carlos Drummond. José. In: Antologia Poética 53ª ed. Rio De Janeiro: Record, 2004.

[34] RUFFATO, Luiz. O Mundo Inimigo, Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 141.

[35] BERTOL, Rachel. Um Otimista no Inferno. Palavras que capturam a precariedade. In: O Globo, Rio de Janeiro, 19 de março 2005. Prosa & Verso. p. 01.

[36] Op. Cit. p. 140.

[37] Op. Cit. 141.

[38] PELEGRINI, Tânia. A ficção Brasileira Hoje: Os Caminhos da Cidade. In: Revista de Crítica Literária Latino-americana. Año XXVII, Nº 53, Lima Hanover, 1 Semestre del 2001, p. 115-128.

[39] RUFFATO, Luiz. O Mundo Inimigo, Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 139. Neste trecho a voz do personagem vem destacada com o recurso do negrito.

[40] ANDRADE, Carlos Drummond. José. In: Antologia Poética 53ª ed. Rio De Janeiro: Record, 2004.

[41] BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. In: Culturas brasileiras: temas e situações. Alfredo Bosi (Org). São Paulo: Ática, 1992.

[42] RUFFATO, Luiz. O Mundo Inimigo, Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 141.

[43] RUFFATO, Luiz. O Mundo Inimigo, Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 143.

[44] ANDRADE, Carlos Drummond. José. In: Antologia Poética 53ª ed. Rio De Janeiro: Record, 2004.

[45] RUFFATO, Luiz. O Mundo Inimigo, Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 135/136.

[46] ANDRADE, Carlos Drummond. José. In: Antologia Poética 53ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

[47] FONSECA Hermes. Luiz Ruffato. "Dou Voz aos anônimos". In: Revista Continente Multicultural. Ano VI nº 63, março 2006 p. 4 -7.