Wanderley Barbosa Silva

Professor Maruilson Souza

Resumo: A partir da percepção das articulações das estruturas econômicas, sociais e religiosas da Palestina judaica do primeiro século, que se caracterizou por uma profunda instabilidade, apresentamos Jesus como àquele que inaugurou e produziu um novo sentido de vida em sua época. Aliando a isso o fato de que a palavra do Senhor orienta a sua igreja a "não se conformar com este mundo, mas transformar-se pela renovação do entendimento" (Romanos 12.2), apresentamos a igreja como continuadora da missão iniciada pelo seu mestre.

Palavras chave: Movimento de Jesus; Missão integral; igreja continuadora do movimento de Jesus

O primeiro século da Palestina judaica se caracterizou por uma época de profunda instabilidade. Segundo José Dominguez e Julia Sáez as divisões administrativas, introduzidas pelos poderes estrangeiros, a população heterogênea e os seus diferentes interesses, a excessiva exploração do povo por meio de pesados impostos, a opressão política, bem como a forte repressão dos movimentos populares, foram causas determinantes nesse processo instável. De acordo com Eduardo Hoornaert a Palestina vivia naqueles tempos numa situação colonial, aonde a pobreza era a marca da vida da imensa maioria do povo. Jesus, conhecido como Cristo, achava-se solidamente radicado neste ambiente.

Emile Morin classifica o acontecimento Jesus como o "farol que aclara o sentido da aventura humana", ou seja, Ele inaugurou e produziu um novo sentido de vida em sua época, claramente demonstrado nos evangelhos.

Em Mateus 9.10-13 quando interrogado pelos fariseus por comer com publicanos e pecadores Jesus lhes ensinou que a verdadeira aproximação e reconciliação celebradas nas refeições comunitárias da Palestina antiga é inclusivista e não segregatória, incluindo até mesmo aqueles que eram considerados a escória da sociedade. Em Mateus 22.15-22 quando indagado por fariseus e herodianos a respeito do tributo a Cesar, Jesus mostra-se íntegro aos valores do reino declarando-lhes que enquanto os governos deste mundo são sustentados com dinheiro colhido dos impostos o governo espiritual desenvolve-se com a moeda eterna: amor, bondade, benignidade e fé, moeda até então desconhecida por esses grupos. Jesus, portanto nos ensina que a responsabilidade civil abrange aquilo que tem a imagem do mundo (o Estado e suas leis), e a responsabilidade espiritual abrange aquilo que tem a imagem de Deus (pessoa, espírito, mente e coração humanos). Em João 4 no diálogo com a mulher samaritana o Senhor Jesus mostra-se contrário as discriminações raciais e sexuais, não comprometendo a sua missão como messias de Deus, ainda que para isso tivesse de andar na contramão de usos e costumes de seu tempo. Em Lucas 19.1-10, texto que narra o encontro de Jesus com Zaqueu revela duas grandes verdades. 1. O seu empenho na transformação de toda uma estrutura de pecado, a partir daquele que o comete. E a sua proposta para este tão grande mal é o caminho do arrependimento e da santificação. Antes de qualquer condenação Jesus oferece a oportunidade de um novo começo. 2. É possível haver transformação. Aquele que por causa do seu pecado era considerado traidor da nação e também da religião, que não era nem se quer digno de atenção, foi objeto de compaixão do mestre e como conseqüência foi transformado.

O atual desenvolvimento das sociedades e a sua complexidade em diferentes áreas têm desencadeado um fosso de desigualdades as quais estremecem a dignidade da vida humana, em muitos aspectos assemelhando-se ao contexto social vivido por Jesus. É cada vez maior o contingente dos destituídos dos direitos mais elementares necessários à vida. Assim, os processos envolvidos na humanidade em busca de satisfação plena são diretamente afetados por fatores como o desemprego, a pobreza, a violência, a fome e a educação.

No cenário nacional, o desemprego representa hoje um dos maiores causadores de ociosidade entre os jovens e levam muitos deles ao envolvimento com drogas e ao mundo da criminalidade. A pobreza cresce assustadoramente impondo a uma parcela significativa da sociedade a viver em pleno estado de miséria. A violência em ascensão promove destruição à vida humana. A fome mata milhares de crianças a cada minuto e a educação na forma precária com que tem sido oferecida é talvez a maior responsável por essa realidade de miserabilidade.

Diante deste quadro, a Palavra do Senhor orienta a sua igreja a "não se conformar com este mundo, mas transformar-se pela renovação do entendimento" (Romanos 12.2). A igreja evangélica, portanto, precisa entender o seu papel junto à sociedade que é o de inserir-se no contexto sócio-cultural de seu país. O evangelho integral representa então o grande desafio da igreja em nossos dias.

Por evangelho integral ou missão integral da igreja entendemos uma participação ativa do corpo de Cristo junto à sociedade. É a semelhança de Cristo compadecer-se dos excluídos e marginalizados dos vários segmentos sociais. É ser "Igreja Cidadã" em meio a uma sociedade carente de cidadania. É dar pão ao que tem fome, dar água ao que tem sede, é vestir os nus e ser agentes de justiça num mundo cheio de injustiças.

A respeito do envolvimento da igreja evangélica brasileira em termos de integralidade Battista Soarez faz a seguinte indagação:

Como a igreja brasileira está vendo as questões sociais? Onde ela está? Qual a sua posição? Será que estamos acompanhando os acontecimentos ou fechamos os olhos, enclausurados no conformismo, enquanto eles progridem em escala galopante e assustadora? Afinal de contas, quem somos nós na qualidade de igreja-corpo de Cristo e igreja-corpo social? O que estamos fazendo? Quais as nossas contribuições, como cristãos, para o enfrentamento dos problemas sociais que assolam o mundo em que vivemos? (SOAREZ, 2007:31)

Percebemos em sua fala que a atuação integral das igrejas evangélicas brasileiras junto às questões sociais é passível de questionamentos. É importante ressaltar que a missão integral da igreja não deve ser confundida com a funcionalidade própria dos órgãos municipais, estaduais e federais que são os responsáveis por oferecer a sociedade em geral condições dignas da vida humana. Contudo, a igreja não deve permitir que essas competências governamentais venham se tornar empecilho ou pretexto para o não cumprimento de sua missão no mundo. Neste aspecto temos como maior exemplo o próprio Cristo que não se deixou levar pelas ideologias de sua época, antes cumpriu com fidelidade e veracidade a sua missão. Assim, percebemos que a igreja hoje pode oferecer bem mais do que tem proposto. Diante desta constatação se faz necessário refletir sobre a seguinte questão: Qual o campo de atuação da igreja e quais os papéis que por ela devem ser desenvolvidos como continuadora do movimento de Jesus?

BIBLIOGRAFIA

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SOAREZ, Battista. A Igreja Cidadã: Uma proposta Ousada de Planejamento e Estratégias para Desenvolvimento de Comunidades Sustentáveis. São Paulo: Arte Editorial, 2007.