Resumo: Rocinha e Morro do Alemão. O romantismo das UPPs revelado  no mito do içamento da Bandeira Nacional.

 

O mito do içamento

 

As Polícias, todas as Polícias, os Bombeiros e as Forças Armadas manobraram para instalar uma UPP - Unidade de Polícia Pacificadora - na Rocinha. As manobras  culminaram com o içamento da Bandeira Nacional, à semelhança do que aconteceu meses atrás no Morro do Alemão.

Tradicionalmente o içamento de bandeiras nacionais em cenários de  recuperação de  territórios costuma funcionar como símbolo de uma experiência universal: a experiência que todos os povos vivem quando impõem a sua soberania sobre áreas até então  ocupadas por invasores.  

Usado na Rocinha e no Morro do Alemão   o içamento da Bandeira Nacional, apesar das aparências, deixou de ser um símbolo e assumiu as funções de mito.

Deixou de representar uma estrutura, uma relação entre um sentimento e um objeto do mundo exterior, para dedicar-se apenas ao desempenho de funções puramente  formais de significação.

Isto quer dizer que o içamento da Bandeira Nacional na Rocinha e no Morro do Alemão não exprime, e nem poderia exprimir por absoluta falta de suporte histórico, nenhuma experiência de soberania, nada que se pudesse vincular à recuperação efetiva de espaços territoriais.

Todavia, no pleno exercício de suas funções significantes o mito não despreza a idéia armazenada no içamento. Longe disso, adapta-a ao consumo social, coloca-a a serviço de uma ideologia, e acaba persuadindo – este é o papel dos mitos - de que uma soberania foi imposta, de que um inimigo – o tráfico -  foi derrotado, de que espaços territoriais até então ocupados por invasores foram efetivamente recuperados.

Me engana, que eu gosto, diz o ditado popular.

Agora a parte mais tocante do jogo formal.

O mito do içamento vincula-se ao mito de origem, isto é, herda o prestígio dos primitivos e autênticos içamentos como símbolo de heróicas conquistas territoriais e  imposição de soberania.

Pois bem,  não é por outro motivo, senão por esta consciência orientada para o mito de origem que, politicamente, as UPPs por sua missão pacificadora, vibram uma nota de comovente romantismo, algo  muito próximo da nostalgia dos velhos tempos em que as pessoas dormiam de janela aberta, sentavam nas calçadas para conversar, viviam fraternalmente, felizes, em paz, livres do tormento dos vícios, livres do flagelo das drogas.